DEPOIS DA PRAIA, O MUNDO COMBINOU IR AO JOGO
por Zé Roberto Padilha

Sabe aquele dia em que muitos combinam ir ao mesmo lugar, mesmo que ele, no primeiro momento, não desperte tamanha importância?
Pois bem, em abril de 1976, para assistir o primeiro clássico da Taça GB, terceira rodada, 174.770 torcedores foram assistir Flamengo 3 (Zico 2, Luizinho 1) X Vasco 1 (Dé). O quinto maior público da história do nosso futebol, e o segundo maior em jogos entre clubes.
No domingo, entre as duas maiores torcidas do país, foi quebrado o recorde do Campeonato Brasileiro de 2025, com 67.608 pagantes.
Por mais que reformas tenham sido feitas, cadeiras individuais substituídas as arquibancadas de cimento coletivo, mais o isopor, e a geral ter sido abolida, como imaginar a presença de mais 107.362 torcedores, ontem, no mesmo lugar?
A polícia, os bares, a segurança e os bilhetes reservados foram pegos de surpresa. A partida foi adiada por 30 minutos para retirarem torcedores que foram procurar uma lugar para respirar no anel superior. E buscar na Federação sacos com ingressos e mais policiais na corporação.
Ainda bem que tiraram uma foto. As únicas explicações possíveis, além do medo daquele cimento armado desabar sobre nossas cabeças, é que Roberto Dinamite jogava pelo Vasco. E Zico pelo Flamengo.
E o público carioca, seletivo, visionário, de bobo não tem nada. Tanto que já procurou um quiosque, um cantinho na areia para ver a estrela de Lady Gaga brilhar.
A MÁGOA DO ETERNO ÍDOLO
por Elso Venâncio
Barrado por Flávio Costa aos 25 anos, Nilton Santos acordava assustado, sonhando com a derrota para o Uruguai na Copa de 1950, no Maracanã. E afirmava que se estivesse em campo, a história seria diferente.

No primeiro ano do Século XXI, Nilton Santos foi eleito pela FIFA o maior lateral-esquerdo da história do futebol. Carioca da Ilha do Governador, Nilton esteve nas Copas do Mundo de 1950, 1954, 1958 e 1962, sendo bicampeão em 58, na Suécia, e 62, no Chile. Além da Seleção Brasileira, só vestiu a camisa do Botafogo, clube que defendeu por 17 temporadas, de 1948 a 1964, em 723 partidas. É o atleta que mais atuou pelo alvinegro da estrela solitária. O segundo é Garrincha, com 610 jogos.
Grande cronista do futebol brasileiro, o botafoguense Armando Nogueira assim definiu o ídolo: “Tu, em campo, parecias tantos e no entanto, que encanto! Eras um só, Nilton Santos”.
Waldir Amaral, locutor esportivo da Rádio Globo AM-RJ, criou para Nilton Santos o apelido Enciclopédia do Futebol Brasileiro. O craque se destacava pela visão de jogo e capacidade de se antecipar aos adversários, tendo inovado ao ser o primeiro lateral a participar das jogadas de ataque.
Nos anos 1960, o confronto entre Santos e Botafogo era o maior clássico do futebol, com muitos bicampeões do mundo se enfrentando. No Botafogo: Nilton Santos, Didi, Garrincha, Amarildo, Zagallo… E no Santos: Gilmar, Mauro, Zico, Pelé, Pepe…
Num desses jogos históricos, um icônico lance refletiu o futebol-arte que encantava o mundo. Pelé encobriu Nilton Santos com um lençol, mas Nilton reagiu imediatamente, aplicando um chapéu de chaleira antes de sair jogando com a bola dominada. O Maracanã lotado aplaudiu de pé a disputa entre dois gênios da bola. “Porra, me respeita”, gritou o Rei do Futebol.
Em várias manhãs, nas caminhadas pelo Aterro do Flamengo, eu encontrava e ouvia histórias do Mestre. Já com uns 80 anos, Nilton Santos atravessava a passarela da Rua Barão do Flamengo e ficava um bom tempo dando milho aos pombos. Com sua voz rouca, falava calmamente:
— Até hoje, eu não consigo entender o Flávio Costa. Eu tinha 25 anos na Copa de 1950. Estava em forma e era titular absoluto. Eu sentei na grama para tirar a chuteira e ele me questionou de forma autoritária: “Que chuteira é essa? Bico macio? Você tem que colocar a de bico grosso, para ter o respeito dos adversários”. “Seu Flávio, eu jogo futebol e bem! Não preciso desse recurso”. Ele me olhou duas vezes de cima para baixo, com semblante duro, e nunca mais me escalou. Se jogo, a história seria diferente. Sonho até hoje com essa decisão, mesmo sem ter entrado em campo.
Nilton se referia à derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 a 1, no Maracanã, no confronto decisivo da Copa do Mundo. Sem dúvidas, foi o jogo que causou a maior depressão coletiva do país.
Conhecido como Engenhão por estar situado no Engenho de Dentro, o estádio do Botafogo recebeu o nome oficial de Nilton Santos, em homenagem ao legado do lendário lateral. Ídolo eterno do futebol brasileiro, Nilton faleceu aos 88 anos, em 27 de novembro de 2013, lutando contra problemas cardíacos. Completaria 100 anos no próximo dia 16 de maio, data digna de novas homenagens.
JOGOS INESQUECÍVEIS – FLAMENGO 1 X 4 PALMEIRAS, EM 1979
por Luis Filipe Chateaubriand

O jogo, realizado no Maracanã, valia pelas quartas de final do Campeonato Brasileiro de 1979.
O Palmeiras precisava apenas do empate para se classificar. Ao Flamengo, só a vitória interessava.
O treinador do Flamengo, Cláudio Coutinho, também comandava a Seleção Brasileira. Já o treinador do Palmeiras, Telê Santana, era um dos cotados para, futuramente, assumir o comando da Seleção — o que de fato viria a acontecer.
E então veio o baile alviverde…
Ainda no primeiro tempo, Jorge Mendonça, livre na área, abriu o placar:
Flamengo 0 x 1 Palmeiras.
No segundo tempo, Zico, de pênalti, empatou:
Flamengo 1 x 1 Palmeiras.
Mas o empate servia ao Palmeiras, que passou a controlar a partida.
Em uma cobrança de falta rasteira pela direita, Baroninho colocou a bola na área. Carlos Alberto Seixas, que acabara de entrar no jogo, aproveitou e marcou:
Flamengo 1 x 2 Palmeiras.
Carlos Alberto Seixas ainda celebrou dançando em campo.
Pouco depois, o excelente lateral-esquerdo Pedrinho fez uma jogada maravilhosa e concluiu de forma brilhante:
Flamengo 1 x 3 Palmeiras.
E, nos minutos finais, Zé Mário, de cabeça, fechou a conta:
Flamengo 1 x 4 Palmeiras.
O Palmeiras de Telê Santana destruiu o Flamengo de Cláudio Coutinho.
No ano seguinte, Telê Santana assumiria o comando da Seleção Brasileira, substituindo justamente Coutinho — e essa partida teve muito a ver com essa decisão.
É verdade que, em 1980, o Flamengo se vingaria, aplicando sonoros 6 x 1 no Palmeiras.
Mas essa já é outra história…
JAIR DA COSTA
por Paulo-Roberto Andel

Aos 84 anos, foi embora um dos mais discretos campeões mundiais de futebol pelo Brasil. Ok, ele era ponta-direita em pleno auge de Garrincha, mas também foi um jogadoraço.
Merecia ser muito mais falado, até por ter sido um dos nossos grandes desbravadores do futebol internacional. Começou na Portuguesa, se consagrou no Chile como bicampeão mundial e seguiu para a Itália, onde sentou praça em Milão e virou um ícone da Internazionale com a famosa “Grande Inter” comandada por Helenio Herrera e conquistando quatro títulos italianos, duas Copas dos Campeões e dois Mundiais. Jair foi um dos primeiros jogadores brasileiros a fazer história no futebol europeu.
No final da carreira veio para o Santos, a tempo de ser campeão paulista de 1973.
Herói na Itália, mas quase anônimo no Brasil, viveu sob total discrição, longe dos holofotes. Para os que pesquisarem com afinco, a internet oferece todos os dados de um grande símbolo do apogeu do nosso futebol, ao menos daquele que nos marcou para sempre como símbolo de qualidade.
@p.r. andel
HONRADO, MAS APAIXONADO
por Victor Kingma

Almir Amarante, conhecido como Almirante, era um árbitro muito respeitado no interior mineiro. Justo e severo na aplicação das regras, vira e mexe era requisitado para apitar partidas importantes. Pesava contra a sua reputação apenas uma atuação muito suspeita numa recente decisão regional. Chegaram a falar que estaria comprado. Naquele jogo polêmico marcou dois pênaltis inexistentes a favor do Tigre FC, o “Tigrão”, time pelo qual, diziam, tinha uma paixão secreta e incontrolável. Devido ao ocorrido, nunca mais apitou qualquer partida desse clube.
Na decisão daquele ano, uma autêntica guerra entre dois tradicionais rivais da região, e com o Tigrão fora, Almirante mais uma vez foi escalado para apitar a decisão.
Na véspera do jogo o austero árbitro recebe em sua casa a visita do poderoso cartola de um dos clubes, que, desconfiado da propalada honestidade do juiz, lhe oferece uma polpuda soma para facilitar o jogo para seu time. Imediatamente ele o expulsa de casa e todos acabam na delegacia, onde o árbitro registrou queixa por tentativa de suborno. Frente a frente com o delegado, os dois tentam se explicar:
– Este cartola desonesto tentou me subornar! Exclama o árbitro.
– Quem é esse juiz para falar em honestidade, seu delegado! Todos aqui na cidade sabem que ele roubou descaradamente para o Tigrão naquela decisão, marcando dois pênaltis absurdos, defende- se o dirigente.
O delegado, que conhecia bem a fama de subornador do cartola e também a polêmica história dos pênaltis, tenta colocar panos quentes:
– Não é melhor pros dois encerrar aqui mesmo esse assunto? Isso vai acabar em processo. E todos vão ter que se explicar perante a lei. Por que não retira a queixa, seu Almirante?
– Não retiro, seu delegado. Vou até o fim, pois sofri uma tentativa de suborno.
– E a história dos pênaltis? O que vai dizer pro juiz lá no fórum?
– Não sou homem de mentir, seu delegado! Vou dizer a verdade. Que inventei aqueles pênaltis por amor ao Tigrão. Fui traído pela paixão de torcedor. Não recebi nada pelo que fiz. E, revoltado, concluí:
Mas suborno, seu delegado, eu não admito. Sou um homem honrado!