UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 8
por Eduardo Lamas Neiva

A discriminação contra os negros no futebol continua sendo a pauta da mesa dos nossos quatro personagens e é acompanhada com atenção pelos presentes ao bar Além da Imaginação.
João Sem Medo: – Em Pernambuco, o clube que não aceitava os negros era o Náutico; no Ceará, o Manguari; no Pará, o Remo. Em todos os estados havia clubes aristocráticos que não permitiam que os pretos jogassem. No Rio, logo no seu primeiro ano na Primeira Divisão, contra tudo e contra todos, os vascaínos conquistaram brilhantemente o título carioca.
Idiota da Objetividade: – Foram 11 vitórias, dois empates e apenas uma derrota. O time titular dos Camisas Negras era formado no esquema hiper-ofensivo da época, um 2-3-5. O time era Nélson, Leitão e Mingote; Nicolino, Claudionor e Artur; Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito.
Músico (do palco): – Como vascaíno de coração, sinto então muito orgulho de apresentar aqui o Hino Triunfal do Vasco, para homenagear o pioneirismo do meu clube e em especial os Camisas Negras, campeões de 23. Sem nos esquecermos, claro, das raízes portuguesas da nossa História. Como a tecnologia nos permite, o escritor Bruno Castro, pesquisador dos hinos dos clubes cariocas, vai cantar comigo do Mundo Material, onde também vive muito bem, e vocês poderão vê-lo ali no telão com outros músicos. Ao vivo, literalmente.
Todos riem e aplaudem.
Músico: – Esse foi o Hino Triunfal do Vasco da Gama, o primeiro hino oficial do clube de São Januário. A composição é de Joaquim Barros Ferreira da Silva. Obrigado, Bruno!
Todos aplaudem.
Idiota da Objetividade: – O hino mais famoso, que todos conhecem, nasceu como Marcha do Vasco, composta em 1949 por Lamartine Babo, que é também o autor dos hinos de outros clubes do Rio de Janeiro: América, seu time do coração, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, Madureira, São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso e até do Canto do Rio, de Niterói.
Após a execução do Hino Triunfal do Vasco da Gama e a informação do Idiota da Objetividade sobre os hinos criados por Lamartine Babo, o papo seguiu em frente com a década de 20 do século passado à mesa. João Sem Medo interrompeu rapidamente seu rápido almoço para dar tratos à bola.
João Sem Medo: – Enquanto o Vasco começava a surgir como grande potência no Rio de Janeiro, lá em Minas o América ia conquistando o seu oitavo título seguido e chegaria ao deca-campeonato mineiro em 1925.
Idiota da Objetividade: – O América mineiro foi o primeiro clube do mundo a conseguir dez títulos seguidos da mesma competição. Depois do América Mineiro, só o ABC de Natal, que de 1932 a 41 venceu todos os campeonatos do Rio Grande do Norte, igualou o recorde.
João Sem Medo: – A Juve quase chegou ao deca na Itália.
Idiota da Objetividade: – Após conquistar o título italiano por nove vezes seguidas, entre a temporada de 2011-2012 e 2019-2020, a Juventus de Turim ficou em quarto lugar no campeonato de 2020-2021. A Inter de Milão conquistou o scudetto.
João Sem Medo: – E o Bayern de Munique é deca na Alemanha e pode ser undeca ou hendecampeão este ano. Está perdendo a graça por lá.
Ceguinho Torcedor: – Mas o assunto era o Coelho…
Sobrenatural de Almeida: – Isso mesmo. Olha, eu tive algumas participações no deca-campeonato do América.
Ceguinho Torcedor: – Foi realmente algo sobrenatural.
Sobrenatural de Almeida: – E muito mais na classificação pra fase de grupos da Libertadores no ano passado.
Os outros três: – Assombroso!
A plateia se diverte e ri à vontade.
Sobrenatural de Almeida: – Em 1925 todos desistiram de disputar o campeonato. Tentaram se unir contra o papa-títulos, mas o América venceu o Atlético por 4 a 1 e foi campeão, decacampeão, porque todo mundo ficou com medo do Coelho. A seleção mineira daquele ano tinha dez jogadores do América e bateu os cariocas por 6 a 1.
Garçom: – Por falar no América mineiro, vejam só quem veio aqui pra cantar o seu amor ao clube: Fernando Brant!
Aplausos de todos.
Fernando Brant: – Muito obrigado, gente. Vocês sabem que fui conselheiro do América e sempre muito apaixonado pelo clube. Compus com o Toninho Horta este hino não oficial que vocês vão poder ouvir agora. Obrigado.
REI MORTO, REI NÃO POSTO
por Zé Roberto Padilha

De repente, o mundo do futebol, branco e previsível, vê desembarcar na Suécia, em 1958, um menino negro, hábil e atrevido. Era jogador de futebol de um país pouco conhecido chamado Brasil.
Veio com ele, disputar a Copa do Mundo, um súdito de pernas tortas e dono de um drible impossível de ser contido. Garrincha.
E um príncipe etíope, que batia uma falta em que a bola perdia a força e caia após ultrapassar a barreira. Como uma folha seca. Didi.
Foi impossível ao Rei Gustavo, sentado em sua Tribuna de Honra, não descer para entregar a Copa Jules Rimet a uma nação amiga que apresentava a todos sua majestade.
Pelé, aos 17 anos, iniciaria seu reinado realizando jogadas impensáveis, dribles nunca dantes realizados e marcando mais gols do que todos os ataques até então reunidos.
Depois dele, o futebol nunca mais foi o mesmo.
Gols de chutes disparados antes da linha do meio campo foram tentados contra goleiros adiantados. Bolas deixadas de um lado e corridas para pegar do outro lado deixando goleiros uruguaios perdidos. E pênaltis inovados batidos com paradinha.
Ao nos deixar, o Brasil, não pode empossar um principe Charles no seu lugar. Sua linha sucessória, movida a genialidade, não a ancestralidade, lhe concedeu, no máximo, um goleiro modesto chamado Edinho.
Sábado, em festa, o Reino Unido empossa o novo Rei. Por aqui, os 40 maiores clubes do nosso futebol começam a disputar sua maior competição com seu trono vazio.
E pelo que estamos assistindo, um país que há duas décadas não se impõe ganhando uma Copa do Mundo, que apostou suas fichas em quem cresceu no mesmo berço santista, e se frustrou com Neymar, tão cedo não teremos um novo Rei do Futebol a admirar e reverenciar.
AINDA SOBRE FUTEBOL
por Paulo-Roberto Andel

O que tem de mágico e apaixonante neste jogo que encanta as pessoas há mais de cem anos?
Um jogo de futebol nunca é só um jogo de futebol. São vários jogos e mil coisas acontecendo ao mesmo tempo enquanto a bola rola.
Pode ser no Maracanã, no Engenhão ou na TV: a cada passe, drible ou gol, a cada bela jogada, todos os olhos se tornam infantis, embevecidos pela magia da bola. Repare num botequim quarta-feira à tarde nos jogos da Champions. Ou à noite, nas partidas do Brasil.
O massacre do Fluminense sobre o River Plate fez os tricolores mergulharem pela insônia por todo o país. No Maracanã, perto dele, em todo o Rio de Janeiro e em outros Estados.
Agora, para entender o que é o futebol, basta acompanhar um garotinho humilde, trabalhador, bem pequeno, carregando seu pacote de caixinhas de Mentos para vender no Centro, nas estações do VLT. Orgulhosamente vestido com sua camisa laranja esgarçada e poída do Fluminense, do mercado popular, ele caminha como um pequeno príncipe pelas ruas do Centro. Enquanto luta pela própria sobrevivência e de sua família, o escudo tricolor que estampa aquela camisa é seu brasão de nobreza.
Quase tudo está errado ali: ele deveria estar brincando, sorrindo, se divertindo bem alimentado e feliz, não trabalhando, mas diante de toda aquela evidente dificuldade, o futebol dá cidadania ao menino. A única coisa certa é a pequena felicidade que nos inebria, a pequena grande felicidade do futebol.
A vida é dura e injusta demais, mas não há mal da natureza que derrube o amor de um garotinho pelo seu clube de futebol. O esporte do coração é a luz para um garotinho, é seu pertencimento, seu norte.
Lá vai o menino, lutando muito, sonhando como nunca, tendo o Fluminense como oxigênio, andando feliz com sua camisa e seu lindo escudo.
Quando a bola rola, todos temos dez ou oito anos de idade.
O MITO DA SELEÇÃO DE 1982
por Luis Filipe Chateaubriand

É sem sombra de dúvida que a Seleção Brasileira da Copa do Mundo de 1982 era uma grande seleção.
Porém, trata-se de uma seleção superestimada.
O time de Zico, Sócrates, Falcão, Júnior, Leandro e companhia era muito bom tecnicamente, porém deficiente do ponto de vista tático.
Duvida?
Aos fatos:
· No primeiro jogo da Copa – vitória de 2 x 1 sobre a União Soviética –, os soviéticos tiveram dois pênaltis ao seu favor não assinalados; ou seja, a Seleção deveria ter perdido logo o primeiro jogo.
· No segundo jogo da Copa – vitória de 4 x 1 sobre a Escócia –, o time escocês era fraco, fácil de ser vencido.
· No terceiro jogo da Copa – vitória de 4 x 0 sobre a Nova Zelândia –, o time neozelandês era de uma fragilidade enorme.
· No quarto jogo da Copa – vitória de 3 x 1 sobre a Argentina –, o time argentino estava mal, Kempes estava mal, Ardiles estava mal, Passarela estava mal, Maradonna estava mal.
· No quinto jogo da Copa – derrota de 3 x 2 para a Itália –, os italianos dominaram o jogo amplamente, mereceram vencer.
Então, a Seleção Brasileira de 1982, decantada em “prosa e verso”, era boa, mas encontrou adversários fáceis, foi ajudada pela arbitragem e, quando realmente encarou uma “parada dura”, perdeu.
Esses são os fatos.
O ÍDOLO RIVELLINO
por Elso Venâncio, o repórter Elso

O ídolo de Maradona é um brasileiro:
“Eu cresci querendo ser Rivellino” – dizia ‘El Pibe de Oro’.
Simplesmente, Diego o idolatrava:
“Pelé ou Rivellino?”
“Rivellino!” – respondia, sem pestanejar.
“E Maradona ou Rivellino?”
“Rivellino!”
O ‘Garoto do Parque São Jorge’, famoso por decidir jogos com seus dribles, lançamentos, cobranças de falta, habilidade e elegância com a perna esquerda, foi massacrado pelos próprios corintianos após a derrota de 1 a 0 para o Palmeiras, na final do Paulistão de 1974. A pressão ficou insuportável, com o jejum alcançando duas décadas sem títulos. A Fiel, única torcida do país que usa quando quer o poder que tem, resolveu afastar do clube o tricampeão do mundo, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, como se fosse ele o único culpado.
Ao mesmo tempo, o Juiz Criminal Francisco Horta assumia o Fluminense. Em 1975, o dirigente conseguiu dobrar uma ‘velha raposa’, Vicente Matheus, folclórico presidente do Timão, contratando o craque para o tricolor carioca. Também tirou Paulo Cezar Caju do Olympique de Marselha e, botando fogo no futebol carioca, instituiu a política do ‘troca-troca’. Rivellino e Paulo Cezar, se jogassem hoje, estariam na Europa disputando o prêmio de melhor do mundo.
Rivellino estreou num sábado de Carnaval, justamente contra seu ex-clube, o Corinthians. No amistoso, fez três na goleada por 4 a 1, diante de mais de 40 mil tricolores no Maracanã. Um mês após chegar ao Rio, conquistou a Taça Guanabara, diante do América, que tentava o bicampeonato. De quebra, marcou o gol do título, no fim da prorrogação. Após um teimoso 0 a 0, soltou a ‘Patada Atômica’ batendo uma falta de longe. A bola explodiu na barreira, mudou de direção e entrou. Horta, das tribunas, entoou:
“É o gol do alívio! Falavam que gastamos muito dinheiro, mas agora o nosso craque é campeão!”
Em seu primeiro Campeonato Carioca, Riva fez um gol histórico contra o Vasco. Cara a cara com o marcador Alcir Portella, aplicou um elástico arrasador, tocando a bola por entre as pernas do adversário. Seguindo o lance, entrou na área, passou por Renê e, quando o argentino Andrada saiu do gol fechando o ângulo, olhou para um lado e chutou no outro. Lance genial do camisa 10 das Laranjeiras!
Mais tarde, Horta chamou outro fora de série para conversar:
“Mestre Didi, você vai ser campeão da Libertadores e do mundo. Depois, assume a Seleção. Que tal? Topa ser meu técnico?”
“Topo, Presidente”.
O destino roubou o sonho do título brasileiro e da Libertadores. Derrotas para o forte Internacional, de Porto Alegre, em 1975, e para o fraco Corinthians, nos pênaltis, no ano seguinte. Dois jogos, duas semifinais, ambas no Maracanã. Ainda assim, aquele timaço fez História. A Máquina Tricolor tornou-se bicampeã carioca e venceu gigantes da Europa ao conquistar o Torneio de Paris, a Copa Viña Del Mar e o Troféu Teresa Herrera.
Hoje Rivellino mora em um sítio, na pequena Vinhedo, a 75 km da capital paulista. Vai a São Paulo apenas às quartas-feiras, para participar do ‘Cartão Verde’, mesa-redonda da TV Cultura. Mas é, e sempre será, um dos Monstros Sagrados do Futebol.