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A FALTA QUE UMA PELADA FAZ

por Zé Roberto Padilha

Zé Mário, que jogou ao nosso lado na Máquina Tricolor, foi um dos maiores especialistas na difícil arte de proteger uma “cabeça de área”. Incaível, com uma noção absurda de cobertura e passes precisos, quando parou foi um baita treinador.

No domingo, percebeu do Rio o mesmo que nós tricolores, espalhados pelo país, sentimos diante do Bragantino: por que perdendo de 1×0 e faltando poucos minutos, o time do Fluminense tem que insistir em sair jogando bonito?

Cadê aquele tiro de meta batido pelo goleiro e a zagueirada lá na frente disputando a bola com a zaga adversária pra bola sobrar para o Cano?

Lembrei das peladas. Sem juiz ou juízo, tínhamos as nossas regras. E uma delas era “jogar pro abafa” como último recurso para não perder a pelada. Porém, com os campos de terra batida em extinção, as novas gerações já começam nas escolinhas contidos em sua livre criação.

Em Xerém, no Ninho do Urubu, na Toca da Raposa já tem um discípulo de Fernando Diniz a catequizar um garoto para sair jogando bonito. Correndo mais riscos dentro da sua grande área do que na do seu adversário que precisava acuar.

Faltando 5 minutos, perdendo para o Bragantino e não recorrer às sábias lições de uma boa pelada, é mais preocupante do que perder para o Uruguai. Porque o improviso, a superação, o desejo ardente de empatar está dando lugar a Inteligência Artificial.

Quando você recua seu melhor jogador, e deixa um David Braz no banco, e ele, André, é quem dá o ritmo e marca velocidade e temperatura em campo, o adversário, e a tabela, já sabem aonde não queremos chegar.

Nada se cria, tudo se copia. E o talento natural, nosso maior diferencial, vai desaparecendo nas cinzas de um Carnaval.

CENTENÁRIO DO FLAMENGO

por Elso Venâncio, o repórter Elso

O futebol do Flamengo viveu no seu centenário um dos momentos mais turbulentos da história do clube mais popular do Brasil. O centroavante Romário, repatriado no auge, logo após a conquista do tetracampeonato mundial pela seleção brasileira, chegou não como a grande personalidade do futebol, mas sim do país. Famoso, poderoso e intocável, o ‘Baixinho’, eleito o ‘Número 1’ do planeta, fez um pedido. Queria a seu lado Edmundo, do Palmeiras, melhor atacante em atividade no país. Surgiu uma forte e influente corrente contrária à contratação, devido à profunda identificação do ‘Animal’ com o Vasco, mas a vontade do camisa 11 prevaleceu.

A Nação Rubro-Negra lotou as ruas para receber Romário em janeiro de 1995 e repetiu o feito quatro meses depois, parando o Rio para celebrar a chegada de Edmundo. O craque chegou de jatinho, encontrando um Santos Dumont invadido por torcedores. Da pista, precisou entrar em um helicóptero que o levou direto à Prefeitura, onde recebeu as ‘chaves’ da cidade.

O Circo Garcia, em plena atividade na Praça XI, cedeu alguns de seus animais para desfilarem no carro aberto que conduziu Edmundo, atrás da viatura do Corpo de Bombeiros. O bicampeão paulista e brasileiro pelo Palmeiras acenava feliz da vida para todos os cariocas. Ao passar por Copacabana, surgiu no calçadão um barrigudo, de bermudas e camisa rubro-negra, dançando, gritando e fazendo gestos de vitória com as mãos. Era ninguém menos que Bussunda, estrela do ‘Casseta & Planeta’, que no ano anterior apresentou seu programa televisivo direto da Copa dos Estados Unidos para a TV Globo.

O valor do passe de Edmundo? Seis milhões de dólares. Na época o nosso real estava forte, pareava com o dólar. O consórcio Plaza forneceu o dinheiro em troca de um Shopping Center na Gávea, mas este nunca foi construído. Na Justiça, mais de vinte anos depois, o Flamengo fez um acordo. Porém, teve de pagar R$ 60 milhões.

Na estreia, Edmundo fez gol no empate em 1 a 1 com o Guarani, de Campinas, no Estádio José Fragelli, em Cuiabá. Jogou com a camisa 11 do ‘Baixinho’, que vestiu a 100, em homenagem ao Centenário do clube. Sávio vestiu a 10 de Zico. Estava formado o ‘Ataque dos Sonhos’, logo chamado de ‘Melhor Ataque do Mundo’.

O Flamengo seguiu para uma excursão à China. Antes de uma atividade de dois toques, Romário e Edmundo bateram o par ou ímpar para escolherem as equipes. De repente, acabaram discutindo feio e partindo para a briga. Foram separados pelo assessor de imprensa Rodrigo Paiva. Tal discórdia entre os astros começou a afetar o rendimento do time em campo. Se alguém passasse a bola a Edmundo desagradava Romário, e vice-versa. Resumindo, a guerra de egos engoliu o ‘Ataque dos Sonhos’.

Depois de perder o Campeonato Carioca para o Fluminense naquele mítico gol de barriga marcado por Renato Gaúcho, competição que Edmundo não pôde jogar por ter perdido o prazo de inscrição, o Brasileirão começou com ele já legalizado para honrar o manto sagrado. Apesar dos diversos investimentos, por pouco o clube não foi rebaixado. Para se ter ideia, apenas com Romário, Edmundo e Bebeto, que retornou à Gávea em 1996, o clube movimentou mais de dez milhões de dólares.

O vai-e-vem era intenso. Ao chegar Bebeto, Romário, que queria reinar sozinho, voltou à Espanha. Quando seu ex-parceiro de ataque no tetra deixou o clube, o Baixinho retornou. Campeões do mundo, como Branco e Ronaldão, vinham e iam embora. Sávio aceitou proposta do Real Madrid e Edmundo se mandou para o Corinthians antes de voltar à cidade para se consagrar no Vasco.

Na época, o Flamengo não estava estruturado para receber e cumprir seus compromissos com o então melhor jogador do mundo. O clube deveria ter lhe proporcionado um time e elenco mais forte, com o qual poderia tirar melhor proveito da sua genialidade em campo.

O MOTIVO DA SAÍDA DE ROMÁRIO DO BARCELONA

por Luis Filipe Chateaubriand

Em 1995, uma notícia surpreendeu o mundo do futebol.

Romário, melhor jogador do mundo e no melhor de sua forma física e técnica, resolveu sair do Barcelona, da Espanha, para voltar a jogar no Brasil, pelo Flamengo.

Se ficasse na Europa, Romário tinha tudo para ser o melhor jogador do mundo por ainda alguns anos e marcar seu nome no panteão dos maiores jogadores da história.

Ao voltar para o Brasil, optou por menor projeção.

Segundo o próprio Romário afirmava, na época, a opção de voltar ao Brasil seria decorrente do fato de que estava há mais de seis anos fora do país, e tinha vontade de voltar a estar com sua gente, jogar o seu futevôlei, aproveitar as praias carioca e, por que não dizer, conviver com as mulheres brasileiras.

Pode até ser.

Mas um fator, que não é lembrado, possivelmente também influenciou esta volta.

Quando a Seleção Brasileira conquistou a Copa do Mundo de 1994, os jogadores vieram de férias para o Brasil.

Romário havia combinado, com o Barcelona, que ficaria um mês em terras brasileiras.

No entanto, nosso craque se entusiasmou, e ficou dois meses por aqui.

Quando voltou a Barcelona, foi chamado para uma reunião, pelos demais jogadores.

Os outros jogadores cobraram Romário pelo atraso na reapresentação.

Aí, Romário, impolido, foi “detonando” um a um, mostrando como cada um deles foi eliminado na Copa e como alguns nem tinham ido nela, enquanto ele era campeão.

O clima pesou.

Romário ficou sem ambiente para continuar jogando no clube catalão.

O próprio percebeu isso.

E resolveu aceitar a proposta do Flamengo, para ser repatriado.

Se não tivesse havido o desentendimento entre Romário e os demais jogadores do Barcelona, possivelmente ele ficaria mais alguns anos no futebol europeu.

SIR ROBERT CHARLTON

por Paulo-Roberto Andel

Morreu Sir Robert Charlton.

Foi o maior jogador da Copa do Mundo em 1966, aquela que se intromete em nosso período maior de glórias, que vai de 1958 a 1970.

E foi justamente em 1958 que, meses antes do Brasil encantar o mundo, Bobby Charlton sobreviveu ao maior desafio de toda a sua vida: o desastre aéreo que vitimou oito jogadores do Manchester United. Bobby tinha 20 anos de idade e, refeito da tragédia, ainda escreveria muitas histórias do futebol.

Não bastasse sua trajetória monumental no English Team, Bobby foi um nome lendário do Manchester United na década de 1960, jogando 758 partidas, marcando 249 gols e ganhando nada menos do que dez títulos com a não menos lendária camisa vermelha. Os números são incontestáveis: Bobby foi um monstro.

A única Copa vencida pela Inglaterra sempre gerou especulações, desde o fato de ter sediado a competição até a polêmica envolvendo a final do Mundial de 1966, com o terceiro gol inglês marcado pelo artilheiro Geoff Hurst. Melhor dizendo, um gol onde a bola não entrou mas que, uma vez validado, derrubou de vez os alemães e consagrou o título inglês diante de quase 100.000 torcedores em Wembley.

Se a conquista inglesa foi controversa e deixou dúvidas é fato, mas, se naquela competição houve uma certeza, ela responde: entre tantos craques e craques, a Inglaterra teve o melhor de todos naquela disputa. Naquele tempo, até nós, brasileiros, supremos no esporte, podíamos sonhar com Bobby Charlton ser brasileiro – num país de Garrincha, Pelé, Didi, Gérson e tantos outros gênios.

Por mais que fosse inevitável porque o tempo é implacável, esse é o tamanho da perda do Sir.

UMA COISA JOGADA COM MÚSICA – CAPÍTULO 32

por Eduardo Lamas Neiva

Dos títulos brasileiros de Inter e Guarani, nossos amigos vão ao princípio das competições nacionais de clubes. Idiota da Objetividade retém a bola. 

Idiota da Objetividade: – Durante muitos anos foi considerado como o primeiro campeão brasileiro o Atlético Mineiro, que venceu o Botafogo, na última rodada do quadrangular final do Campeonato Nacional de 1971, por 1 a 0, no Maracanã, com gol de cabeça marcado por Dario.

João Sem Medo: – E só voltou a ganhar em 2021, uma longa espera  de 50 anos.

Músico: – O Galo mineiro merece uma homenagem musical aqui, não é, Zé Ary?

Garçom: – Sem dúvida alguma. Uma não, vamos de duas, não é, Tony Damito? Venha ao palco, por favor.

Damito vai ao palco aplaudido.

Tony Damito: – Minha gente, muito obrigado. Se me permitem, então, vamos tocar aqui duas em homenagem ao grande Clube Atlético Mineiro, “Esse Galo é um espeto” e “Galinho tu és o maior”, que gravei com o conjunto Brasa 5 nos tempos em que vivia em Belo Horizonte. Depois fui pra Santa Catarina, em Camboriú, mas aí é outra história.  

Todos aplaudem Tony Damito, que agradece, desce do palco e vai pra sua mesa.

João Sem Medo: – Naquele dia lembro que dei carona pra três garotos, nunca conseguia atravessar o Túnel Rebouças sem levar gente. O mais velho devia ter uns 14 anos e o pequenino, uns 10 ou 11. Um deles tinha uma bandeirinha do Botafogo. Eles entraram no carro e foram dizendo o mesmo que dona Celeste, uma antiga empregada baiana lá de casa: “Olha, seu João, nós não queremos que o Botafogo perca o jogo, mas preferimos que o Atlético seja campeão”.

Idiota da Objetividade: – No triangular final, em turno único, o Atlético derrotou o São Paulo por 1 a 0 no Mineirão, na primeira rodada, e o Tricolor paulista goleou o Botafogo, em seguida, por 4 a 1, no Morumbi. Então, para ser campeão, o time carioca tinha de golear o mineiro por seis gols de diferença.

Sobrenatural de Almeida: – E a rivalidade dos cariocas com os paulistas sempre foi maior que a com os mineiros.

João Sem Medo: – Pois então aquela situação me fez pensar naquele caboclo esperto, quando se metia numa enrascada de votar no “coronel” que lhe dera emprego ou no médico que tinha feito um parto de graça na sua mulher. Então, o sabidão dizia no boteco da cidadezinha: “Bem, eu não quero que o veado morra, nem que a onça passe fome…”

Risada geral.

João Sem Medo: – E aí ele saía de fininho sem dizer em quem ia votar. Essa era a posição da torcida do Botafogo. E a minha também, ante o merecimento esportivo indiscutível do Atlético. Os torcedores dos outros clubes cariocas todos estavam abertamente a favor do Atlético. Os do Botafogo obviamente não poderiam torcer contra o seu clube. Nenhum torcedor digno pode fazer isso.

Garçom: – Ih, seu João, vimos em alguns campeonatos brasileiros, nesta Era dos Pontos Corridos, muita gente torcendo contra o próprio time pra que o rival não fosse campeão.

Todos concordam e começam a se lembrar e comentar uns com os outros vários casos recentes deste tipo.

João Sem Medo: – Bom, nenhum torcedor digno pode fazer isso, repito. Mas, em 71, os do Botafogo não queriam absolutamente o São Paulo. Veio o jogo e o árbitro foi o Armando Marques. Houve um pênalti do goleiro do Atlético sobre o Zequinha. A torcida deu uma vaia, fez um coro e deixou pra lá. Mas ficou muito feroz quando uma faltazinha foi invertida no fim do jogo. Era a tal gota d’água. O árbitro catava na fogueira e achou que tinha de mostrar autoridade. Inexplicavelmente e com total abuso de autoridade, o juiz marcou falta técnica contra o Botafogo. Foi clamoroso e contra as leis do jogo. Demonstrava apenas que o árbitro estava perturbado e coagido por ter sido obrigado pela Comissão de Arbitragem a apitar três jogos decisivos, por três clubes de três diferentes estados. Veio o xingamento e a primeira expulsão.

Idiota da Objetividade: – O lateral-direito Mura, do Botafogo, foi expulso.

João Sem Medo: – O Jair perseguiu o árbitro pra chutar a bola em cima dele e nada sofreu. Veio o Nilton Santos e perdeu a paciência.

Idiota da Objetividade: – Nilton Santos era dirigente do Botafogo naquela época.

João Sem Medo: – O Armando foi o bode expiatório de uma política falida no setor de arbitragem.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso! Nilton Santos agrediu Armando Marques na descida pro vestiário.

Idiota da Objetividade: – A foto do momento da agressão deu Prêmio Esso no ano seguinte ao fotógrafo José Santos, do jornal O Globo.

Garçom: – Não sabia dessa história! O Nilton Santos agrediu o Armando Marques? Nunca tinha ouvido falar sobre isso. Tem a foto aqui? Achei. Vamos ver no telão.

Idiota da Objetividade: – E não foi a primeira vez. Em 1964 Enciclopédia do Futebol levou Armando Marques a nocaute ao lhe dar um violento soco no Pacaembu, num jogo entre Corinthians e Botafogo, que terminou 3 a 3.

Garçom: – Olha, estou surpreso. Gostaríamos de ouvi-lo, seu Nilton!

Nilton Santos se levanta.

Nilton Santos: – Sempre tive problemas com alguns árbitros, exceção de Mário Vianna, Alberto da Gama Malcher, Aírton Vieira de Moraes, José Gomes Sobrinho e Gualter Portela Filho.

Idiota da Objetividade: – Ainda bem que Armando Marques não se encontra por aqui. Não é, Zé Ary?

Garçom: – Ele não pôde vir.

Nilton Santos: – Ainda bem que nem ele, nem o Eunápio de Queirós vieram.

Alguns risos são ouvidos.

Ceguinho Torcedor: – Mas isso em nada apaga o brilhantismo da carreira de Nilton Santos, que merece os nossos aplausos por tudo o que fez pelo Botafogo e, principalmente, pela participação destacada no bicampeonato mundial da seleção brasileira, em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile.

Todos aplaudem a Enciclopédia do Futebol, que agradece.

Nilton Santos: – Obrigado a todos, em especial ao Ceguinho Torcedor.

Sobrenatural de Almeida: – O mais assombroso é que Everaldo, o lateral-esquerdo titular da seleção no tricampeonato mundial, em 1970, no México, também foi autor de um soco monumental num árbitro.

Idiota da Objetividade: – Foi em 1972, num jogo entre Grêmio e Cruzeiro, no antigo estádio Olímpico. Everaldo deu um soco em José Faville Neto, quando, com o placar empatado em 1 a 1, o árbitro marcou um pênalti para o Cruzeiro.

Sobrenatural de Almeida: – Assombroso!!

Idiota da Objetividade: – O árbitro deu queixa na polícia e Everaldo abriu mão do troféu Belfort Duarte que havia recebido três meses antes e ficou mais de um ano suspenso por causa da agressão.

João Sem Medo: – A coisa poderia ter ficado apenas no terreno esportivo. A briga em futebol é uma coisa totalmente impessoal. E o juiz, pelo visto, não teve a esportiva que os jogadores têm. Everaldo não tinha nada contra o Faville Neto.

Idiota da Objetividade: – Há controvérsias.

Garçom: – Bom, vamos amenizar o clima? Sabemos todos que juiz não é Deus, então vamos ouvir “Mané Juiz”, de Alfredo da Dedé, com o grupo Sotaque Brasileiro aqui no som.

Fim do capítulo 32

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