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EX-AMORES DE UM ESTÁDIO QUE NÃO EXISTE MAIS, O FIM DAS EMOÇÕES DE VERDADE

14 / julho / 2016

por Marcelo Mendez


O Palestra Itália antes de passar por reforma

E vivíamos o ano da graça de 1976…

Era sábado à noite e com meus tenros seis anos de idade sentia que alguma coisa estava acontecendo na minha casa.

Minha mãe, Dona Claudete, preocupadíssima questionava a decisão de meu pai e de meu tio Bida, que estavam presentes naquela reunião, regada à vinho e berinjela de forno. Dizia minha mãe:

– Mas é uma loucura! Vai levar o menino desse tamanho pra ver jogo no estádio? Vocês dois tomam uns goles e mal cuidam de vocês mesmos!.

Meu pai, homem safo, calmo, sereno e já lindamente bêbado, ria suavemente e respondia com aquela paciência que só os que são do conceito podem ter:

– Fica tranquila, mulher. Eu e seu irmão vamos levar o menino para viver a maior experiência da vida dele. Depois que ele ver o Verdão, no Parque Antártica lotado, o garoto vai ser pra sempre, muito mais feliz. E a gente nem vai ter que cuidar tanto dele. A vida fará isso por ele. Vai por mim que vai dar tudo certo…


Não posso dizer que a filosofia cachacística de meu velho convenceu minha mãe. Nas minhas memórias também sei lá se isso a tranquilizou, mas o fato foi que no domingo eu, meu pai e meu tio Bida embarcamos no Fusca azul de meu tio rumo ao Pacaembu para assistir Palmeiras x Botafogo-SP, em um daqueles dias lindos.

De mão dada com o velho que me segurava com força, vestido de camisa 10 verde, caminhando com aquele montão de gente, eu já conseguia sentir que faria parte de algo muito grande. Paramos perto da entrada e enquanto tio Bida comprava os ingressos, meu pai me levou até um carrinho de cachorro-quente. Me comprou um e, pasmem, pagou um refrigerante, um guaraná Antárctica garrafa caçulinha! Uauuu!!! Tudo de gala!

Me recordo que na empolgação de comer o lanche, lambuzei toda minha camisa de molho, de catchup e tudo. Olhei pro velho com aquele olhar triste, meio que implorando pra não tomar bronca e aí já senti que esse lance de ir no estádio seria muito bom. Meu velho me olhou, deu risada e falou:

– Pode tirar a camisa filho, tá calor.

E quando meu tio Bida chegou com os ingressos entrei resoluto, todo sujo e feliz da vida.

Do jogo, me lembro de um 4×0 para meu Palmeiras com Ademir da Guia jogando tudo que um sujeito poderia jogar. Mas o que me marcou antes dos gols do eterno 10 do Palestra Itália foi um momento lá que o árbitro não deu uma falta clara para o Palmeiras. Nesse momento, a massa convicta do julgamento que estava fazendo ali do ocorrido se uniu e, em coro, mandou ver a resolução de sua indignação com um bem sincronizado coro endereçado ao bufão de preto: “Filho da puta! Filho da puta! Filho da puta…”.


Nessa hora, olhei assustadíssimo para meu pai. Quanta gente falando palavrão! Nossa senhora se minha mãe visse isso!! Aí, meu pai, nesse momento, comungando do mesmo sentimento que o povo todo em fúria santa vivia naquele instante, me olhou e disse:

– Filho, esse desgraçado desse juiz ladrão tá roubando a gente, você viu? É um filho da puta, meu filho!!.

E então, diante do inexorável argumento de meu pai, me fiz ser mais um daqueles e respondi a meu velho:

– É pai, é um filho da puta!.

– Isso mesmo meu filho! Xinga ele!!

E naquele momento, passei a gritar com todas minhas forças, de punho cerrado e tudo, os impropérios contra a progenitora do pobre cidadão de preto. E amigo leitor, lhe digo: Que poético era, xingar o “juiz ladrão” no estádio!

Mas não havia nada que pudesse ser mais onírico, mais dionisíaco, mais libertário para um menino de seis anos, do que um coro de vozes falando aberta e lindamente uns bons palavrões. Que delícia! Vivi aliaquele domingo meu primeiro assopro de liberdade, de alegria, de tudo que poderia ter de mais lindo. Sem camisa, sujo de catchup, esfregando um cachorro-quente na cara, vendo meu time jogar e falando um monte de palavrão! Pensei na hora: “Esse tal de estádio é o melhor lugar do mundo!” E foi.

Nas duras arquibancadas de concreto da vida, vivi de tudo: chorei, ri, xinguei, amei, vibrei, fiquei triste, fiquei feliz… Vivi como torcedor a plenitude e a vida só pode ser bela se for plena. E assim foi até uns tempos atrás, mas, o ano de 1976 passou…

SÃO PAULO, MAIO DE 2016

Foi um dia que resolvi ir ao velho Palestra de meu sonho de menino como torcedor, sem a necessidade da pauta. Não sabia muito bem o porquê daquela decisão, mas no trem que me levaria até a Estação Barra Funda, as coisas começaram a chegar perto de uma clareza. Ou algo parecido…

Tal e qual Marcel Proust, eu caminhava em Busca de Um Tempo Perdido. Uma época que de alguma forma eu sonhei. Tempo que fui menino, coisa muito maior, muito mais divina e bela do que o homem, o jornalista que sou hoje: cronista apaixonado, virado e transvirado a procura de amores, encantos, poesias e afins. Dessa forma, peguei minha mochila, meu ipod, meu coração e rumei ao Palestra. 

Da janela do trem, vi o mundo ao som de Neil Young cantando Out On The Weekend. Em um dos versos ele cantava “Veja o rapaz solitário/Saindo pro fim de semana/Tentando fazer valer a pena/Não se identifica com a alegria/Ele tenta falar/E não consegue começar a dizer”. Emoções…

Agora, com 46 anos de idade, homem feito, barba na cara, boca lindamente beijada. Olhar atento às coisas que cerca o que se diz por aí ser “o mundo moderno”. Na verdade, isso nada mais é que um grande nada, um vale vazio de emoções e sensações. Espaços preenchidos com a nulidade de PRÉDIOS, condomínios e seguranças. Muita tecnologia ao longo da minha caminhada e nenhum bom dia! Entre todas as novidades do mundo não consta a gentileza ou nada que seja humano. Cheguei perto do estádio.


Após reforma, o estádio mudou em diversos quesitos

Havia lá uns rostos diferentes, pessoas apressadas, com seus super celulares e quetais. Não achei por bem atrapalhar. Entrei no estádio:

Não chama mais Palestra Itália, agora o nome é uma tal de “Arena”.

Uma porcaria de plástico, sem vida, sem emoção, um rinoceronte, templo máximo da empáfia neoliberal a dilacerar todos os romances possíveis, uma ceifadora de tudo que é verdadeiro na vida. As pessoas pouco se importam com o jogo, sacam seus celulares e teclam freneticamente a vida via zap, não se falam, não se frequentam e a estes, pouco importa se o Palmeiras vai jogar contra o Santa Cruz, ou o Bambala…

São indiferentes ao mundo, dentro de sua tristeza tecnológica

Nada…

Dentro dessa tal Arena, não vi nada do que mais pulsava dos meus tempos de menino de arquibancada no velho Parque Antártica. Aliás, nem arquibancada tem mais por lá. Agora são “cadeiras”.

A alegria agora é “comedida”. O público mudou, não há mais muitos moleques do ABCD para comprar ingressos, os tais tempos modernos agora criaram uma coisa que chama “Programa de Fidelidade de Sócio-Torcedor”. Trata-se de uma espécie de cabresto “moderno” e “repaginado”. Os ingressos todos vão para estes, que pagam por uma mensalidade ou algo parecido, para ter algumas vantagens na aquisição de produtos referentes à marca que hoje é o clube.

Outra marca agora são os tais “Stewarts”. Uns sujeitos lá, de jaleco laranja, que ao invés de assistirem os jogos, bestamente ficam olhando pras nossas caras e enchendo o saco pra que se cumpram as normas imbecis das tais Arenas. Dado momento, onde estava, vi um desses em ação:


Placa na Arena Pernambuco (Foto: Diogo Amaral)

Um menino ali de seus 10 anos corria e cantava pelas cadeiras quando o idiota de colete veio perto e falou com a mãe:

– Senhora, nesse setor as crianças devem permanecer sentadas

Tristemente, o menino então sentou em sua cadeira. Fechei os olhos…

Na minha mente veio aquela tarde em 1976, veio meu Velho, meu Tio Bida. Ambos não estão mais aqui, não tiveram tempo de ver tudo virar essa coisa chata e modorrenta, não deixariam decerto o sujeito me dizer pra não correr, ou não falar palavrão, ou não fazer o que tivesse vontade.

Pensei que as coisas são doídas e todo desespero agora é moda, a gente vive se desesperando, assim como viemos perdendo tudo, tiram tudo da gente; Nossa grana, nosso emprego, nosso futebol, nosso direito de torcer como brasileiros torcem.

Abri os olhos e olhei bem pra cara do sujeito de jaleco e então ele veio à minha direção:

– Posso ajudá-lo senhor?

– Pode, me faz um favor; Vai pra o inferno seu arregado, bundão!

Me levantei, saí e não vi o jogo. Parei num buteco da Barra funda e enchi a cara.

Pela TV vi que o Palmeiras ganhou a coisa, mas não comemorei…

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