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AMARILDO, O ETERNO “POSSESSO”

15 / maio / 2022

A explosão de Amarildo foi no Botafogo – onde se sagrou bicampeão carioca.
Mas o auge mesmo acabou sendo no Chile, em plena Copa do Mundo de 1962

Um cigarro, um único e escasso cigarro – da modesta, mas popularíssima marca Continental -, pode ter significado, afinal, o início da vertiginosa escalada de Amarildo rumo à glória e à fama.

– Joga esse cigarro fora, garoto.

Já cansado do jeitão autoritário do técnico Fleitas Solich, e vendo poucas chances de subir dos juvenis para o time de cima do Flamengo – ainda mais que na sua posição, a meia-esquerda, quem reinava absoluto era Dida, o maior ídolo rubro-negro -, aquele garoto campista de cabelos encaracolados, e de semblante quase sempre crispado, não perdeu tempo.

– Olha, seu Fleitas. O problema é que gosto de fumar. E não vou jogar o cigarro fora, não.

– Se não jogar, pode pegar as suas coisas e ir embora. Agora!

Sabendo o tamanho da encrenca na qual havia se metido, de imediato foi o que Amarildo fez. Afinal de contas, não desconhecia, em absoluto, a força que o paraguaio Don Fleitas tinha no clube. Poderes ditatoriais. Ainda mais, depois de haver levado o Flamengo ao primeiro tricampeonato da Era do Maracanã. E ainda por cima com Dida, o dono da meia-esquerda, como um dos heróis da grandiosa façanha.

Mesmo assim, foi o temperamento impulsivo do garoto campista, com seu jeitão libertário, que falou mais alto. E ele ainda disse poucas e boas para Don Fleitas antes de ir embora, chamando-o, inclusive, de velho caduco. “Em quem só não dou umas boas porradas agora, porque estou respeitando a sua idade”. De cabeça quente, mas plenamente consciente do poder de fogo do seu jogo, Amarildo Tavares da Silveira acabou deixando a Gávea para desembocar, pouco depois-ou quase de imediato –, em General Severiano. A ponte acabou sendo João Saldanha – um padrinho e tanto. Que já tinha ouvido falar dele através do velho amigo Galo, lendário lateral-esquerdo bicampeão pelo Flamengo em 1914/15, e que não saía dos treinos da Gávea.

Abusado no drible, decidido e veloz, além de possuir um verdadeiro canhão no pé esquerdo, Amarildo impressionou nos dois primeiros meses a tal ponto que, antes de completar 18 anos, já podia se considerar enraizado no Botafogo. Jogava nos Juvenis e nos Aspirantes, indistintamente. E no meio daquele Butantã de cobras que vestiam a camisa alvinegra, já começava a sonhar com uma vaguinha no time de cima. Ainda que fosse na ponta-esquerda.

O diabo é que o titular era o Zagallo, que havia sido campeão do mundo e pouco se machucava. A minha sorte é que haviam as excursões – costuma lembrar Amarildo, mergulhado no tempo.

É que, nas excursões, os jogos eram praticamente uns atrás dos outros. O roteiro, cigano. Três jogos na Bélgica, mais quatro na Holanda, outros três na França… Então, um revezamento do elenco se fazia necessário. Mesmo com a briga de Saldanha- àquela altura, técnico do time – com os empresários, que viviam a exigir a presença dos campeões mundiais Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo em todas as partidas.

Marcando gols com uma competência exemplar, e se entendendo às mil maravilhas com os parceiros que eram escalados ao seu lado – ora, gente consagrada como Garrincha, Quarentinha, Paulinho Valentim e Zagallo; outras vezes, jogando com Amoroso, China, Neivaldo e Bruno, que com ele haviam sido bicampeões nos Aspirantes -, Amarildo foi conquistando aos poucos, o seu espaço nas excursões à Europa, América do Sul, México e América Central. E mais: acabou ganhando um lugar definitivo entre os titulares quando menos esperava, favorecido que foi com a venda milionária de Paulinho Valentim ao Boca Juniors da Argentina.

Mesmo assim, que fique registrado que 1961 foi o ano decisivo em sua carreira. É que, naquela temporada, ele arrasou a banca pra valer, consagrando-se como o artilheiro absoluto do Campeonato Carioca, com 18 gols. E mais: tornou-se um jogador fundamental, para que o Botafogo enfim se consagrasse um grande campeão. Um campeão capaz de realizar uma série espetacular de 37 jogos sem derrotas – recorde de invencibilidade até hoje, na história dos Campeonatos Cariocas.

Mas foi logo no início de 1962, que Amarildo, ao lado de Garrincha, Didi, Quarentinha e Zagallo, formou em um ataque deveras arrasador, verdadeiro terror para as defesas adversárias. Um ataque tão poderoso, que levou o Botafogo ao título de campeão do famoso Pentagonal da Cidade do México, lá nos altiplanos astecas. E, por aqui, do nosso Torneio Rio -São Paulo – do qual foi ele, Amarildo, o artilheiro, com 10 gols.

Pronto e acabado para a consagração definitiva, eis que Amarildo Tavares da Silveira embarcou para a Copa do Mundo do Chile, no mês de maio, como reserva de Pelé. Muitos queriam, porque queriam, vê-lo lado a lado com o Rei, deslocado para a posição de centroavante. Mas a Comissão Técnica, mais uma vez, preferia apostar na experiência de Vavá, campeão em 1958 e celebrado como o “Leão da Copa” da Suécia.

No Chile, após uma estreia sem novidades contra o México – vitória do Brasil por 2 a 0, gols de Pelé e Zagallo. Com o ataque sendo o mesmo de 58: Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo-, eis que Pelé, logo ele, se contunde seriamente diante da Tchecoslováquia, no segundo jogo. Azar? Destino? Ou havia chegado, simplesmente, a hora da verdade para o garoto campista, que vinha arrebentando nos treinos?

Quando falaram que eu ia entrar, sabia que aquele ia ser o jogo da minha vida. Podia me consagrar. Ou, se nada desse certo, me afundar de vez. Para sempre! Felizmente, acabei fazendo os gols da nossa vitória! – viaja Amarildo no tempo mais uma vez. Agora, com um brilho diferente nos olhos. O prazer a lhe adoçar as palavras.

É que, naquela batalha contra a Espanha, ele tremeu nas bases, sim. Jogou nervoso durante os 90 minutos, preso ao chão, sem a mobilidade costumeira. Mas, mesmo assim, sem nunca deixar de acreditar. E foi por acreditar, que acabou fazendo o impossível: os gols da vitória brasileira por 2 a 1. Certamente, a mais difícil e dramática em toda a Copa.Na primeira vez que marcou, por sinal, um centro na medida de Zagallo, da esquerda, deixou-o em condições de concluir rasteiro, de pé esquerdo, contra o goleiro Araquistain, de dentro da pequena área. Uma finalização inapelável.

Porém, no segundo gol, foi preciso que Garrincha costurasse toda a defesa espanhola lá na direita, à base de dribles desmoralizantes. E prendendo a atenção, inclusive, do goleiro Araquistain. O bastante para que, o sempre esperto Amarildo se esgueirasse até o segundo poste, onde recebeu o cruzamento perfeito de Mané para a cabeçada fatal.

Já de moral elevada, e cada vez mais confiante, o Amarildo tinhoso, brigão e serelepe do Botafogo, foi visto por inteiro em campo nos jogos seguintes. Aí, acabou virando uma arma fatal. O parceiro tão esperado por Vavá, Garrincha, Didi, Zagallo e Zito nas evoluções do ataque. E se Garrincha, em estado de graça, arrebatava a coroa de Maior Jogador da Copa, era Amarildo quem saía com as honrarias de Grande Revelação da competição. Uma Copa repleta de disputas acirradas – e , não raro, violentas – pelos vários palcos andinos.

Sua maior atuação, contudo, como que a coroar uma jornada cheia de glórias, acabou por ocorrer justamente no jogo final, com o Estádio Nacional de Santiago do Chile inteiramente lotado. O seu gol, o de empate, veio depois de dribles sensacionais e uma bomba de pé esquerdo, que pegou no contrapé o goleirão tcheco Schroif. E o desempate só ocorreu, após um cruzamento de pé direito, lá da ponta-esquerda, quando o garoto campista enrolou toda a defesa adversária até centrar, com fita métrica, para a cabeçada épica de Zito.
Consagrado pelo genial Nelson Rodrigues como o verdadeiro “Possesso” de Dostoiévski – acima de tudo, por sua bravura indômita em campo-, o que Amarildo mais merecia, depois daqueles 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia, era o beijo emocionado – e agradecido – que lhe aplicava Sua Majestade, Pelé, na festa dos vestiários. Ou então, a medalha de ouro de campeão do mundo, que o presidente da FIFA, Stanley Rous, havia lhe colocado solenemente no peito.

Mas, certamente, o que ele mais preferia naquele momento, era se divertir com os apuros porque passava Mané Garrincha, fugindo a todo custo dos afagos calorosos da torcida. Uma turma pra lá de ensandecida, que insistia em chamá-lo, em altos brados, de Rei Mané, Rei Mané, Rei Mané…

Ou, secretamente, o que talvez mais desejasse mesmo, fosse se reportar aos seus tempos de garoto, nas ruas do bairro da Lapa, lá em Campos dos Goytacazes. Onde, na bola e no braço, iniciara uma saga que havia acabado de colocá-lo lá em cima, no topo da glória. Um privilégio concedido a poucos, bem poucos- que ele ficasse certo disso -, pelos matreiros Deuses do Futebol.

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4 Comentários

  1. Mario Perrotta

    Com meus 11 anos, já adorava futebol. E Amarildo figurinha carimbada do meu álbum , craque de Vila Isabel/ Tijuca

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  2. SHELDON DE SOUZA

    Depois das glorias no Botafogo e na Seleçao .. Amarildo se destacou tb na Europa, jogando pelo Milan, inclusive participando da famosa final de 1963 contra o Santos , onde ele mesmo declarou q o Rei do Futebol estava acabado ( machucado ) gerando revolta e determinaçao do time do Santos em honrar e vencer essa final no Maracanã.. proncipalmente com a figura de Almir Pernambuquinho como protaginista ..

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  3. Francisco Jose Ferreira

    muito essas historia do futebol eu gosto muito não viu joga mais pelos relatos Amarildo foi um grande jogador de futebol?

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  4. Edson Couto

    Cracaço, uma referência no futebol campeão brasileiro.
    De parabéns o texto.
    Tenho uma história engraçadissima confundindo com minha semelhança com ele…

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