Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

ALMAS PENADAS

9 / agosto / 2023

por Rubens Lemos

Ciclos da Pedra e do Cão é um livro fininho, de poemas do meu pai, versos doloridos das cicatrizes que a repressão plantou no seu corpo e na sua alma, primeiro combalida, depois destruída.

Nunca disse a ele, mas, menino de oito anos, morria de medo de um dos textos, que falava em cemitério, algo que me causa fascínio e pavor: “Vasto cemitério, de corpos insepultos, almas penadas povoando Europas e o céu silencioso, ouvindo tudo”.

A (falta) de vergonha de ABC e América em nova jornada de times bisonhos, me trouxe o livro, editado pelo maior dos incentivadores da leitura no Rio Grande do Norte: Carlos Lima, que morreu em 8 abril de 1997, dia em que o alvinegro ganhou um clássico por 5×0.

Carlos Lima é pai de Sérgio Tareco, ou melhor Doutor Sérgio Tareco, ou médico Sérgio Lima, competente anestesista e frequentador incontestável de todos os jogos do Mais Querido em Natal. Espero que Tareco não se chateie por chamá-lo de Tareco, como fiz desde a primeira vez que o vi, pelos anos 1970, falando sobre futebol. Nem ele nem eu somos dados a intimidades.
Há circunstâncias em que não dá para confrontar a crueza do caos. E o que existe na vida atual dos dois principais clubes do Rio Grande do Norte é desastre, tragédia, inércia e incompetência. Pela primeira vez, algo uniu, como gêmeos, ABC e América: o fracasso sucessivo.
Nem é preciso buscar respostas nos clássicos do Inspetor Jules Maigret, personagem do belga Georges Simenon, para encontrar os autores intelectuais e materiais da catástrofe. Confesso que arregalei os olhos, como se um fantasma me atacasse, ao ver pessoas inteligentes com saudades do técnico Fernando Marchiori.

Quem o contratou e ele mesmo, são os primeiros culpados da sentença informal e nem por isso menos dolorosa: retranqueiro ululante, Marchiori enganou a torcida com seu jogo feio, que sucumbiu contra o Grêmio na Copa do Brasil e descarrilou de vez na primeira etapa do Campeonato Brasileiro.

Marchiori está na galeria dos grandes vilões alvinegros, onde pontificam Rodrigo Pastana, supervisor de porra nenhuma, Zé Roberto de 1977, o estelionatário e Giscard Salton, doloroso igual a enxaqueca de vinho barato. O ABC entrou na Série B imaginando que enfrentaria adversários pífios das Séries C e D. Erro infantil. A Série B é uma guerra cheia de minas explosivas a cada rodada.
Quando lembraram de mandar Fernando Marchiori embora, trocando-o por um comum Alan Aal, parecia tarde demais. Chegou outro balaio de jogadores, contratados por um executivo de futebol autodenominado criterioso em escolher boleiros. Vieram outros iguais aos que se foram.

Com 13 pontos ganhos, o ABC joga duas partidas em casa: contra o Ituano e o CRB. Em condições habituais de temperatura e pressão, seriam jogos tranquilos. O sentimento da insegurança, do pânico, faz a Frasqueira duvidar de seis pontos ganhos obrigatórios.

O América embaralhou-se quando inflou o peito por conta da tal da Sociedade Anônima de Futebol, a SAF, que, na prática, vendeu o clube a empresários sem amor a nada que não seja monetário. Seriam 174 milhões, de início, depois a grana foi diminuindo em contradição à chegada de pernas de pau incapazes de dar um passe de cinco metros.

Essa história da SAF precisa ser contada direito e apenas homens históricos do naipe dos ex-presidentes Jussier Santos e Eduardo Rocha sacaram suas lanças para brecar o apetite dos compradores, eles vorazes, a direção do clube passiva, aparentando cumplicidade, enquanto a tensão se instalou entre funcionários, as notícias rarearam – afinal, a empresa é dona e não dá satisfações a ninguém e o América saiu a padecer no gramado.

É uma fase pavorosa, em que alguns tentam buscar desculpas esfarrapadas. A força implacável dos números, registra a iminente queda dos dois clubes.

Enquanto lá dos mistérios paranormais, os ex-presidentes Ernani da Silveira do ABC e José Rocha, do América, observam, em revoltado silêncio, cada um em seu túmulo. Mas, há, sim, um vasto cemitério de corpos insepultos. Nem cadáveres jogariam pior do que ABC e América hoje em dia.

TAGS:

1 Comentário

  1. Arlinei Carvalho

    Sou contra vender a maioria das ações para um só investidor. E pir mixaria como fizeram tds os clubes quw viraram SAF.
    Os dirigentes levaram uma bolada, penso eu. Só penso tá.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *