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BARABÁ: 38 ANOS RESISTINDO AO TEMPO

1 / agosto / 2017

por Marcos Vinicius Cabral


Sempre foi lema dos mais antigos, desde quando os jogos eram praticados no extinto campo do Jacaré, no bairro do Paiva – afinal de contas, o Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, existe desde 01 de agosto de 1979 – que jogar aqui, tem que ser por amor.

Mas não um amorzinho desses de filmes românticos, não!

E sim um amor incondicional, daqueles que ultrapassam barreiras e transformam uma diluída paixão – sentimento comprovado por qualquer um ao vestir a camisa do Barabá – em um sólido amor.

Sobretudo, para jogar aqui, independe da opção partidária, sexual e religiosa:

– Houve uma época, que o Frei Adão e o diácono Carlos Alberto, que eram da igreja Nossa Senhora das Graças, no Porto Velho, jogaram conosco, demonstrando que o amor ao Barabá ultrapassa todo e qualquer preconceito – cita o ex-presidente do grupo, Roosevelt Pina, de 50 anos.

Antes chamado Bar a Bar – já que os jogadores iam após os extenuantes jogos, perambulando pela cidade em diferentes bares para tomar aquela gelada -, o nome mudou através das quase quatro décadas de existência.

Hoje, os frutos estão sendo colhidos por uma nova geração de jogadores que segue a cartilha da colheita produtiva que lá atrás foi semeada pelos inesquecíveis Armando, Beto, Chiquinho, Marlon (que foi presidente em duas ocasiões), Mathias (que pendurou as chuteiras ano passado), Plínio e o já falecido Seu Osório, que foram os fundadores do grupo, assim como Marcelo, fiel patrocinador.

Com o passar dos anos e dos avanços tecnológicos nas comunicações, não seria de se estranhar que exista um grupo com os integrantes no aplicativo WhatsApp, funcionando com 28 barabaenses.

Nele, as discussões, brincadeiras, rivalidades e encarnações, dão um frescor não menos apimentado que antecedem as partidas.


Portanto, a ordem aqui é chegar cedo, vocifera Jorginho, camisa 11 e que tem 10.178 gols no cômputo geral da carreira, escritos na chuteira branca da marca Topper, como prova irrefutável dos seus feitos.

Enquanto é chamado pejorativamente por alguns de “Além” – mundo em que os espíritos habitam, segundo o dicionário -, Jorginho diz não estar morto para o futebol.

E completa, ajeitando o óculos, fazendo questão de enumerar suas pinturas futebolísticas, comparáveis aos grandes mestres impressionistas, como os pintores franceses Monet, Renoir, Cézanne, o holandês Van Gogh e o espanhol Pablo Picasso:


– Já parei no ar e fiz de cabeça, igual ao Dadá Maravilha; já escorei chutes sem direção e fiz de barriga, igual ao Renato Gaúcho; rompendo a marcação, marquei de bico igual ao Ronaldo Fenômeno; cobri o goleiro na saída, igual fazia Romário; na falta, bati no ângulo, e lembrei Zico; de pênalti, humilhei igual costumava fazer Djalminha; de voleio, fui Bebeto por um dia; de calcanhar, mesmo sem ter estudado medicina, operei milagres na bola igual Dr. Sócrates; de oportunismo, lembrei Túlio Maravilha; de peito, igual a Paulinho; em arrancada, me confundiram com Neymar, quando fiz um golaço; de bicicleta, fiz um de placa, igual ao rei Pelé e até de mão já fiz, igual Maradona. Mas confesso que de canela, joelho, ombro e até deitado, por incrível que pareça, eu sacudí as redes – cita se considerando um peladeiro completo.

Com isso, os artistas do espetáculo vão chegando um a um, para participarem de mais um domingo de pelada, onde atos litúrgicos ou tragicômicos são encenados naquele palco de terra batida.

Se o ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho (que apitou a final da Copa do Mundo da Espanha, em 1982 e hoje comentarista de arbitragem da Rede Globo) diz que a regra é clara, aqui essa regra é mais clara ainda, quase insípida.

Quem quiser jogar o primeiro tempo, tem que levantar do quentinho da cama, botar o relógio para despertar, se privar de sair no sábado, permanecendo concentrado para o dia D.

Sempre chegar cedo, bem cedo!

O cedo aqui, no campo da Brahma, no Porto Velho, em São Gonçalo, é notório quando saem das bocas a fumacinha que lembra muito os filmes americanos, tamanho o sereno que, às vezes, fazem queixos tremerem.

Mas isso não importa!

Se os queixos tremem, são os jogos acirrados que desmistificam a baixa temperatura.

Mas antes um queixo tremer do que perder o primeiro tempo da pelada.

Mas se alguém chegar depois das 6h30, já era, é segundo tempo e ponto final.

Porém, aos poucos,  chuteiras adormecidas e multicoloridas são tiradas das bolsas esportivas e/ou das sacolas do Guanabara.

Existem ainda, os que não utilizam bolsas e tampouco sacolas, trazendo as embaixo do braço ou já chegam com elas calçadas, demonstrando, com isso, pinta de jogador.

Tem uns que nem pinta são, são uma mancha!

Mas a expectativa da partida iniciar é grande, dando para perceber o nervosismo nas mãos que vestem os meiões ou no cheiro do gelol que é aplicado no músculo adutor da coxa.

Neste momento, antes da bolar rolar, as equipes são formadas e todos querem jogar ao lado de Washington, vulgo Macaé, que por ser craque, faz a diferença.

– É um prazer estar nesse grupo. Fico feliz pelo reconhecimento ao meu futebol e sei que às vezes, sou decisivo – diz o humilde atleta de 30 anos que chegou a enfrentar o craque Samuel Eto’o (que na ocasião defendia a seleção de Camarões e fez história no Barcelona), quando ainda jogava no clube camaronês Canon Sportif de Yaoundé, em um amistoso em 2008.

Mas antes da bola rolar, o meio de campo começa a ser ocupado pelas camisas azuis e laranjas, que vão uns dando as mãos aos outros formando assim, um círculo com os 20 jogadores unidos em oração.

– Aqui no Barabá, nenhum jogador fica sem participar da oração. Ali, elevamos nosso pensamento ao Senhor, pedindo que o jogo seja abençoado e principalmente, que nenhum colega se machuque. Tem dado certo, pois o único que está machucado há um bom tempo é o Paulo, nosso querido Guerron – explica Marcos Vinicius, o atual presidente.

Depois disso, o jogo vai começar e a bola, impávida, se prepara para receber tratamento especial de pés contumazes.

Do lado de fora, alguns torcedores separados pelo alambrado, rasgam o horizonte de gol a gol, e, com olhos tristes e compenetrados, olham o céu e sussurram baixinho palavras inaudíveis.

O árbitro apita, dando início a partida com tamanha vontade, que nos faz lembrar os mestres de bateria das escolas de samba, que travam uma luta com seus componentes na busca desenfreada do ritmo harmonioso pela nota 10.

Aos poucos, o palco antes esquecido e pisado por 42 pés (20 jogadores e o árbitro), recebe a presença necessária do sol, que ocupa metade da arena, arrefecendo assim, os gladiadores.

Se por um lado o poder belicoso com sua artilharia pesada de Júnior Gás, Manoelzinho, Jorginho, Alan e Macaé buscam incessantemente o gol, por outro lado, a retaguarda com Luiz Pinóquio, Silvano, Luan, Gaúcho, Lucas, Gugu e Marcos Paulo (que tem um sério problema com o quique da bola), tentam evitá-los.

Nas laterais, o duelo é intenso e sadio.

Se Jacaré, com toda sua idade, ainda dá conta do recado, Sandro se sobressai com talento incomum.

Enquanto Pupuca peca nos cruzamentos quando explora os avanços do rápido garoto Coutinho, Denis, quando atua, compensa com um corpo avantajado e fica na defensiva, travando com Batista, um bom duelo.

Já Maguinho, o lateral diferenciado como costuma se auto-proclamar, vai dosando e se mantém firme na esquerda, enquanto Aderaldo ou Soneca vão percorrendo por ali, uma avenida que costumam encontrar.

Já na meio campo, ponto de equilíbrio e criação de toda equipe, Nebi, Richard, Pinto, Ricardo e Vinicius, tocam a bola e cadenciam o jogo com categoria, mesmo em momentos de lassidão.

Em contrapartida, Wellington, Daniel, Nathan, Thiago, Davidson e Marcos Saci dão velocidade e intensidade ao time.

De uns tempos pra cá, com as saídas dos goleiros Neco e Candango, dos zagueiros Alexandre, Carrapeta e Reco, do lateral Bicudo e dos meias André, Gugu, Gutyerrez e Roosevelt, a renovação aconteceu naturalmente e deixou saudades:

– Sinto falta dos que saíram do grupo, mas o Fabiano Caixote, é especial, pois me trouxe para cá – diz emocionado o camisa 30 Nebi, ao lembrar do amigo morto há seis anos.

Hoje, o Barabá completa mais um ano de vida solidificando os laços amigáveis, como uma verdadeira família, conforme exalta o meia Nathan:

– Muitos falam do futebol aqui, mas não somos profissionais, o que conta é a amizade, o companheirismo e além de tudo o respeito – diz o atleta de 23 anos, que é o mais novo do elenco.

E não existe para a “Família Barabaense” tristeza maior que não ter jogo no domingo.

– Realmente, se tem algo que me deixa triste, é não ter jogo no domingo – diz o centroavante Alan Rodrigues, de 36 anos. 

E completa, como bom finalizador que é:

– Minha relação com este grupo, trouxe amigos e rendeu troféus nos anos em que fui artilheiro. Afinal, é uma filharada enorme, pois são oito ao total – diz mostrando os troféus guardados carinhosamente em sua residência.


Novo uniforme do Barabá estampa logo do Museu da Pelada

Mas o Barabá não é a única paixão dominical, na vida de seus jogadores:

– Futebol é paixão e sou apaixonado por esse grupo” – diz um apressado Carlos Magno, ou melhor, Maguinho, indo em direção ao bar para comer o seu sagrado pão com ovo, ritual que faz ao fim de cada jogo.

Portanto, o Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, (re)vive os bons momentos e vai cada vez mais, marcando a vida e permanecendo em um cantinho reservado dentro do coração daqueles que têm ou tiveram a oportunidade de vestir suas cores.

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