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Péris Ribeiro

O PORTENTOSO MAJOR PUSKAS

por Péris Ribeiro

Ainda verdinho, por volta dos 12 anos de idade – e vivendo, portanto, o limiar de todo o meu encanto para com o jogo da bola -, tive o prazer de conhecer de perto, em pleno Maracanã, a força criadora de um gênio de exceção chamado Ferenc Puskas.

Era verão de 1957, e naquele mês de janeiro, não poderia haver melhor proposta de amor eterno ao futebol do que ver, quase que noite após noite, a magia daquele time de camisas brancas que atendia por Honved de Budapeste. Tetracampeão do seu país e base da Seleção Húngara que assombrara o mundo, logo na primeira metade da década de 50, aquele Honved, podem crer, era uma senhora constelação. Um time repleto de estrelas. Grocsis, o goleiro, Bozsic, o médio-volante e os atacantes  Czibor e Budai, mais o cabecinha de ouro Kocsis – artilheiro da Copa de 54, com 11 gols -, entrariam em qualquer seleção do planeta.

Mesmo assim, não havia como duvidar que o astro número um do tetracampeão magiar era o seu jogador da camisa número 10. Aquele gordinho baixinho, de pernas roliças e cabelos escuros lisos repartidos do lado esquerdo, que se movia com uma leveza, maciez e rapidez impressionantes para alguém do seu porte físico.

Capaz de dribles desconcertantes em plena velocidade e dono de uma incrível habilidade na troca de passes curtos – além de muita visão para os lançamentos -, era nas finalizações, no entanto, que Puskas impressionava pra valer. Seus chutes de canhota ganhavam a força de um canhão – e , pior para os inimigos : nunca erravam o alvo.

Nas noites memoráveis daquele verão de janeiro, pude vê-lo comandar vitórias consagradoras sobre o Flamengo e o Botafogo. Mas o jogo que não me sai da memória é o da estreia do Honved. Um acontecimento que mexeu com o Rio. Tanto que até o presidente Juscelino Kubitschek estava lá. E oferecendo, de quebra, uma rica taça com o seu nome para ser entregue ao vencedor.

No início, até que a coisa ia muito bem. Só que se Puskas, Kocsis e cia. mostravam muito do que sabiam, quem, afinal, resolveu acabar com a festa foi a garotada  do feiticeiro Fleitas Solich. No final de tudo, o placar mostrava, para espanto geral, Flamengo 6 x Honved 4. E a noite de gala acabou sendo de Dida, Moacir, Paulinho  Almeida, Henrique e Evaristo de Macedo – que, como capitão do time, foi lá em cima abiscoitar o belo troféu das mãos do sorridente Juscelino.

Excursão encerrada, eis que tomo conhecimento de que Puskas, Kocsis e Czibor não mais voltariam ao seu país. Tudo por conta da boçal invasão das ruas de Budapeste pelos tanques russos. O destino então passa a ser a Espanha , o grande eldorado dos craques europeus. O refúgio certo para abrigar o talento de Kocsis e Czibor – foram bicampeões no Barcelona, ao lado do nosso Evaristo de Macedo – e, particularmente, do genial Puskas.

É aí que, com a camisa merengue do Real Madrid, aquele gordinho de pernas roliças e cabelos escuros lisos repartidos do lado esquerdo, volta a brilhar como nos velhos tempos do próprio Honved e da Seleção Húngara. Ainda mais por contar ao lado  com talentos luminares, bem ao seu porte e estilo, como o argentino naturalizado espanhol Alfredo Di Stéfano e o francês Raymond Kopa.

Pentacampeão espanhol pelo Real, Puskas ainda dá-lhe o título europeu da temporada de 60, com uma exibição monstruosa diante dos alemães do Eintracht Frankfurt. O Real ganha de goleada, 7 a 3, e Puskas liquida o jogo logo no primeiro tempo, com quatro canhonaços de pé esquerdo. É também campeão mundial interclubes ( Real 5 x  Peñarol 1, na decisão), e dá a si próprio, no final de tudo, um prêmio mais do que especial : o de artilheiro do Campeonato Espanhol por quatro vezes – três delas consecutivas.

Consagrado definitivamente como um dos maiores craques da história do futebol, Puskas, depois de encerrada a carreira, passou a dividir o seu tempo entre alguns negócios em Madrid – dentre eles, um animado restaurante. Com base nas delícias da gastronomia húngara, mas sem deixar de lado a farta comida espanhola – e seguidas viagens a Budapeste. Amante do bom vinho e da boa mesa, não havia, evidentemente, como não deixar de ficar mais roliço que no seu tempo de jogador. Ainda mais por fazer o tipo alegre, bonachão. Capaz de dar a vida por um bom papo.

Mesmo assim, o grande Puskas era capaz de deixar escapar, volta e meia, que uma espécie de aflição vinha perturbar- lhe o sono. É que a derrota daquela mágica Hungria – então a grande campeã olímpica, e invicta há mais de 30 jogos – ainda era capaz de invadir- lhe as madrugadas. Sempre em forma de pesadelo.

E é dele, uma definição no mínimo lapidar, sobre aqueles  trágicos 3 a 2 – Alemanha Ocidental 3 x Hungria 2 – do dia 04 de junho de 1954. Particularmente, depois de os húngaros terem massacrado os mesmos alemães por 8 a 3, na fase classificatória da competição.

– Olha, se a derrota do Brasil para o Uruguai, em 1950, foi um desastre, a da Hungria para a Alemanha foi pior. Foi um verdadeiro cataclismo!

A LENDA DA FOLHA-SECA

por Péris Ribeiro

Didi ainda jogava no Fluminense – pelo qual foi campeão carioca, em 1951 -, quando inventou a sinuosa e temida Folha – Seca
Em um belo dia de certezas, quando pedi-lhe uma definição que me soasse especial sobre o seu misterioso chute - bem mais famoso, por sinal, por criarem em torno dele toda uma aura de sedução e glamour -, Mestre Didi apenas fitou-me bem nos olhos. Para relatar-me em seguida, compassando suavemente as palavras:

- Era como se fosse uma folha de outono, sabe? Descaindo ao sabor do vento. Desgarrada; destino incerto ...

Ante tal definição - um tanto poética, outro quê com acentuado tom filosofal -, o que pude fazer foi viajar no tempo. E, só então, consegui reciclar aquela época. A época, e a própria história. E, mais um pouco: como a lenda, de repente se iniciou.
Hoje, há bem pouca gente que se lembre. Mas, tudo começou em um Fluminense x América, pelo Campeonato Carioca de 1955. Numa disputa de bola com Ivan - centro-médio clássico, mas viril no combate direto. E campeão do Torneio Rio-São Paulo, dois anos depois, como jogador do próprio Fluminense -, Didi acabou levando a pior. Saldo do lance: tornozelo direito avariado.

Como consequência, o nosso Didi acabou por se ver obrigado a curtir o estaleiro por um bom tempo. Tempo exato, no entanto, para que, entre o tratamento na enfermaria das Laranjeiras e a volta progressiva aos treinos, acabasse por descobrir uma maneira diferente no ato de chutar a bola. Um jeito que não sacrificasse a sua recuperação, numa região ainda magoada pelo bico da chuteira do centro-médio americano.

Observador engenhoso, que gostava de estudar os fatos até nos mínimos detalhes, o que Didi sacou logo é que poderia estar realmente criando um chute diferente. Na verdade, um estilo revolucionário de bater na bola. Ainda mais, porque tal chute era executado com a parte externa do pé direito - em torno da chamada linha dos três dedos. Mas  o que o deixava empolgado de verdade, era o trajeto que havia conseguido conceber, tão logo detonava o chute.

É que a bola, como que encantada, desandava a descrever curvas e rotações diferentes em pleno ar. Para, logo em seguida, desenhar uma semi-parábola, descaindo com força, incerta e cheia de graxa, num dos ângulos do gol, bem junto às traves. Tudo isso para desespero de Castilho, Veludo, Adalberto e Jairo - justo a fina-flor, em termos de goleiros, lá no Fluminense. E que se revezavam, treino após treino, na ingrata tarefa de testar aquela típica invenção made in Didi.

Finalmente, já tida como pronta e acabada, eis que a grande novidade acabou por ser testada oficialmente diante do pobre Julião, jovem goleiro do Bonsucesso. Um crioulo imenso, que ora fechava o gol; noutro dia, era capaz de papar os frangos mais inacreditáveis. Homéricos mesmo. E que naquela tarde, no estadinho da rua Teixeira de Castro, pensava, a cada chute de Didi, estar vendo coisas do outro mundo. Ou, no mínimo, “que andava variando da cabeça”, debaixo de um sol de mais de 40 graus que latejava em sua moleira. Ainda mais naquele caldeirão de fogo, que atendia por Zona da Leopoldina do Rio de Janeiro.
Um pouco mais de tempo passado, e eis que lá estava a estranha novidade a ganhar notoriedade de vez. Até mesmo, como arma mortal. Só que acabou por visar o seu passaporte, rumo ao sucesso internacional, em duas vias distintas. Em 1957, quando garantiu a ida do Brasil à Copa do Mundo da Suécia, no 1 a 0 diante do Peru, em um Maracanã superlotado. E em 1958, já em gramados escandinavos, quando provocou o desempate em 2 a 1, na eletrizante semifinal diante da França - que vencemos por 5 a 2.

Quatro dias depois, com o Brasil campeão do mundo pela primeira vez, e com o próprio Didi, majestoso, consagrado com todas as honras como o inspirado maestro do nosso time e o Maior Jogador daquela Copa inesquecível, era da vertiginosa Folha -Seca que ele voltaria a falar com imenso carinho.

E, talvez em pleno transe da grande festa, até se lembrasse em detalhes de como tudo havia começado.
Por exemplo: daquele Fluminense x América, e do tornozelo direito avariado na disputa de bola com Ivan; do espanto do pobre Julião, a ver coisas do outro mundo, no acanhado estadinho da rua Teixeira de Castro, a cada Folha - Seca que descaía no seu gol; e, finalmente, de Abbes, goleiro da França, quatro dias antes. A testar, sem sucesso, o poder de fogo de um chute que questionaria a física e a lógica, na intricada geometria do futebol.

REENCONTRANDO MARADONA

por Péris Ribeiro

Rei da Copa do México, Maradona é só alegria ao exibir a taça de ouro ao público que lotava o Estádio Asteca

Quando um emocionado Diego Maradona chegou junto ao balcão da Casa Rosada para, ao lado do presidente Raúl Alfonsín, erguer a Copa do Mundo à multidão em delírio, não havia questionamento que fosse sobre quem era a típica figura de um deus encarnado vivo para o povo argentino. Nem mesmo no mais venturoso dos sonhos.

Corria o ano de 1986, e Dieguito, naquele instante, era maior até que Gardel – ou Perón. E até ousaria dizer mais: nem Evita Peron, a santa redentora dos humildes, a eterna madona dos descamisados, seria capaz de vencê-lo num duelo em termos de idolatria popular.

Era a Maradomania, que se instalava de vez no coração de um povo profundamente apaixonado. E, convenhamos, havia motivo de sobra para tal. Tanto assim que a Argentina acabava de se sagrar campeã mundial pela segunda vez, em gramados mexicanos. E quem, senão Don Diego Armando Maradona, havia tornado aquilo possível?

Hoje, bem sei, os caminhos por ele trilhados acabaram sendo outros. Cada vez mais tortuosos. E é com infinito pesar, que me vejo descrer de vez da ilusão. Tão somente por chegar à conclusão de que, nunca mais, verei pelos campos a arte fulgurante de um jogador de sonhos. Capaz, só ele, de repetir o fenômeno Garrincha de 1962. Os dois dando uma Copa, praticamente sozinhos, aos seus respectivos países – Brasil e Argentina.

Porém, o que anda a me entristecer ainda mais é que, com esse futebol de negociatas escusas, e mais pobre ainda de craques – que dirá de gênios! -, teremos lá pelos gramados do Catar uma Copa de brilho duvidoso.

Mbappé? De Bruyne? Messi? Modric? Cristiano Ronaldo? Lewandowski? Neymar? Benzema? Harry Kane? Nenhum deles – asseguro-lhes – irá dar mostras da centelha de genialidade que, um dia, emanou da canhota mágica do rebelde Dieguito. E ainda irei mais longe. Em que pese o brilho de um Zico, um Platini, um Falcão, um Boniek, um Rummenigge, não houve termos de comparação entre eles e o iluminado Maradona, na maior parte dos Anos 80. Era ele, sim, Don Diego, o maior de todos naqueles tempos dourados!

Campeão pelo Barcelona, pelo Napoli e pelo Boca Juniors do seu coração, aquele irrequieto baixinho de cabelos encaracolados, nada mais fez que proporcionar a alegria das grandes conquistas às torcidas mais desafortunadas. Uma gente sofrida, carente anos a fio. Sempre vivendo tão longe, da doce comemoração de um título de campeão.

Aliás, ao erguer aquela Copa, ao lado do presidente Alfonsín – bem me lembro das imagens-, Dieguito vivia, muito mais que a emoção, o infinito orgulho de ser portenho. Tanto que dizia, sorriso aberto, lágrimas nos olhos:

– Essa é uma conquista definitiva, para engrandecer de vez o nosso país. É uma homenagem nossa, a todo o povo argentino. E também aos velhos craques do passado, heróis como, Stábile, Labruna, Di Stefano, Sívori…

Só que, maior que essas históricas legendas – e maior, ainda, que Pedernera, Nestor Rossi, Moreno, Rattin… -, será sempre ele, Maradona.

Sobre quem a mais feliz definição que encontro é a de, ao imaginá-lo bola atrelada ao mágico pé esquerdo, ver-lhe no gesto a grandeza do mais comovente dos poemas de Borges. Ou o frenesi desenfreado, do mais passional dos tangos de Gardel.

KOCSIS, O CABECINHA DE OURO

por Péris Ribeiro


Depois de brilhar no Honved, Kocsis também foi campeão e Ídolo no poderoso Barcelona espanhol

A primeira vez que ouvi falar dele foi no Mundial de 1954, na Suíça. E de uma maneira, no mínimo, arrebatadora! Afinal, cabeceador de verdade para mim, até então, era o espetacular Baltazar – bicampeão e artilheiro,lá no Corinthians paulista. 

Por sinal, um mulato forte, dono de uma impulsão extraordinária. E que andava brilhando tanto na Seleção Brasileira, que merecera, até, uma música do compositor Alfredo Borba, que dizia: “Gol de Baltazar/ Gol de Baltazar/ Salta o Cabecinha/ 2 a 0 no placar…”

No entanto, com Baltazar fora daquele jogo com cara de decisão, passei a confiar mesmo foi na valentia de Índio. Um centroavante que marcara 18 gols recentemente, levando o Flamengo, inclusive, a se sagrar campeão carioca, acabando com um jejum de nove anos do clube da Gávea. E foi assim que, nem de longe, poderia imaginar que um branquelo grandalhão, que usava a camisa 8, fosse acabar com a festa logo de saída.

Na verdade, foram dois golaços. Mas o segundo impressionou ainda mais, como se fosse um verdadeiro tiro de cabeça. Pinheiro, o nosso beque de área, ficou praticamente no chão, enquanto o branquelo grandalhão testava lá do terceiro andar, quase furando as redes de Castilho.

Mesmo assim, dias depois, e para espanto geral, aquela Hungria arrasadora, que havia enfiado 4 a 2 no Brasil e estava invicta há quatro anos, acabou perdendo o Mundial para a Alemanha de Rahn e Fritz Walter. Um time que lhe era infinitamente inferior.

Apesar da surpresa, o que sei bem é que, a imagem que me ficou através de velhos filmes e fotos em preto e branco, foi a daquela Hungria maravilhosa. A Hungria,campeã olímpica de 1952. A Hungria de Puskas, Czibor, Boszik, Grocsis, Hidekguti e daquele grandalhão forte e branquelo – não por acaso, o artilheiro da Copa, com 11 gols. Seis deles de cabeça.

Tempo vai, tempo vem, e lá pelo verão de 1957, quase três anos depois, o fato histórico é que consigo vê-lo, finalmente, jogando ao vivo. E vi-o com o sensacional Honved de Budapeste, tetracampeão húngaro, em pleno cenário do Maracanã. Para só então tomar conhecimento de que o seu nome, por inteiro, era Sandor Kocsis Péter – o super temido artilheiro Kocsis. Pesadelo dos goleiros de todo o mundo.

Matador nato, o que logo percebi nele é que, como poucos, sabia se colocar em posição de chute dentro de uma área. E como chutava forte e colocado com os dois pés, o caminho das redes era a sequência natural para as suas finalizações. Além do mais, tinha grande habilidade no toque de bola – que executava com vertiginosa rapidez.

Quanto as cabeçadas… Bem, aí realmente era um espetáculo à parte. Ainda mais por possuírem a força de um chute. E variarem tanto de repertório, que ora eram desferidas de cima para baixo, rente ao chão. Outro tanto, preferiam ganhar o ângulo imprevisto. E, não raro, atiravam o goleiro para trás, com bola e tudo. Propositalmente.

Com a cruel invasão de Budapeste pelos tanques russos, em 1956, eis que lá se vai Puskas, após a excursão ao Brasil, rumo ao Real Madrid, onde iria formar dupla com Alfredo Di Stéfano. Já Kocsis, prefere o arqui-inimigo Barcelona. Não sem antes emitir uma frase sentida, porém definitiva:

– Amo muito o meu país. Mas quero, para sempre, a liberdade de jogar por puro prazer. Isso é tudo o que desejo!

E unindo a ação às palavras, forma com o brasileiro Evaristo de  Macedo, os espanhóis  Luisito Suarez, Basorae Rammalets e os compatriotas Czibor e Kubala, um dos maiores  Barcelonas da história. Um esquadrão tão poderoso, que ousou ser bicampeão nacional logo em cima do Real Madrid de Puskas, Di Stefano, Santamaria, Didi eGento.

Com a vida finalmente em paz, eis que, certo dia, o destino se interpõe mais uma vez na trilha de Kocsis. E, tal como em 1956/57, cruelmente. Um câncer amputa-lhe a perna direita. E o velho goleador , tomado pelo mais profundo desalento, joga-se do sétimo andar do seu apartamento, em plena capital da Catalunha.

Na época, fez-se uma comoção e tanto em Barcelona. Enlutou-se o universo da bola. Porém, desde aqueles tempos ficou em mim uma espécie de cisma. E, ainda hoje, acredito que onde houver um artilheiro a estufar as redes, lá estará a imagem onipresente de Kocsis. Com toda a certeza, a abençoar- lhe a festa épica do gol.

O MAIOR DE TODOS

por Péris Ribeiro


Lima, Zito, Dalmo, Calvet, Gilmar e Mauro (em pé), Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe (agachados)

Em toda a história do futebol, nunca um time teve um reinado tão longo e glorioso como o Santos da Era Pelé. Foram 15 belos anos – ou seja, uma década e meia. De 1958 a 1973. Tempo suficiente para que o esquadrão da Vila Belmiro encantasse o mundo definitivamente, chegando ao inacreditável recorde de 49 títulos de campeão – 27 deles, pelo menos, em competições internacionais. E 29, em torneios oficiais.

Um detalhe marcante em toda essa apaixonante história é que, apesar de haver se consagrado como o primeiro Bicampeão Mundial de Clubes, nas temporadas de 1962/63, o ano dourado do Santos do Rei Pelé e Cia foi mesmo o de 1968.

Afinal, nele foram conquistados nada menos de oito títulos – outro recorde histórico. Figurando como maiores destaques, o Campeonato Brasileiro – na época, chamado de Torneio Roberto Gomes Pedrosa. Ou Robertão -, o Octogonal Internacional do Chile, o Pentagonal de Buenos Aires e as Recopas Sul-Americana e Mundial de Clubes.

Exibindo, onde quer que jogasse, o tão proclamado estilo refinado dos seus craques, o que aquele Santos sempre fazia questão de deixar evidenciada era uma espécie de comprometimento nobre. E esse comprometimento falava do dever – e da seriedade – de entrar em campo para  ganhar os seus jogos. E, ganhando, isso significava ser campeão quase sempre. Daí as muitas conquistas, o rosário de títulos pelos cinco Continentes.

O que talvez pareça incrível é que, apesar das dores musculares e de algumas contusões que, volta e meia, acabavam por incomodá-lo – além dos tradicionais resmungos de contrariedade, pois o excesso de jogos era cada vez mais frequente -, nem o próprio Pelé, muito menos Coutinho, Gilmar, Dorval, Pepe, Zito ou Mauro Ramos de Oliveira, eram capazes de dizer “não” aos mais variados tipos de competições em que viviam se metendo.

É que tudo aquilo era de lei, não havia como fugir. E o que eles tinham então a fazer, felizes ou não, era vestir o uniforme imaculadamente branco santista e entrar em campo. Afinal, era isso o que os cruéis e rigorosos contratos exigiam. Menos mal, é que o time seguia ganhando quase sempre. Daí aqueles estranhos títulos que, de repente, o consagrado Esquadrão da VilaBelmiro passou a exibir. Era Santos, campeão do Octogonal de Santiago do Chile, pra lá; Santos, campeão do Hexagonal de Buenos Aires, pra cá; Santos, campeão do Pentagonal de Guadalajara, no México…

– Pois é, minha gente, eu sei bem como tudo isso é difícil. Mas, mesmo em meio a todas essas dificuldades que temos sempre de superar, nunca deixamos de amar o futebol como a melhor coisa do mundo. E é esse sentimento, que procuramos passar aos povos que conhecemos. Jogue a gente em que estádio jogar – disse Pelé, certa vez, mesmo extenuado após mais uma vitória do Santos, cumprindo outra alucinante maratona de jogos por vários países da Ásia.

Aliás, dentre as muitas façanhas obtidas naqueles anos dourados, o Santos do Rei Pelé foi bicampeão do Torneio de Paris e tricampeão do Torneio Internacional de Santiago do Chile. E sagrou-se, ainda, campeão dos Torneios de Buenos Aires, Cidade do México, Nova York, Caracas e Kingston, na Jamaica.

Porém, em 1961, eis que, de uma hora para outra, surgiu enfim um desafio de peso pela frente. É que a Juventus, bicampeã italiana, dizia-se em melhor fase que o time brasileiro. E ainda tinha acabado de ver o seu camisa 10, Sívori, escolhido o “Bola de Ouro “ da Europa, na famosa enquete da revista “France Football”.

Mesmo assim, mesmo com toda aquela pompa, o fato real é que a Juva não foi páreo em momento algum para o Peixe. E, no jogo decisivo, uns sonoros 2 a 0 – gols de Pelé e Dorval – foram mais que suficientes para o Santos ser campeão do aguardado Torneio Itália/ 61.

É bem verdade que, pela imponência que emanava do estilo único daquele mágico Santos, aqueles eram os típicos torneios para serem disputados, sempre, em Paris – em pleno Parc des Princes.  Quando muito, em Roma, Madrid, Cidade do México ou Lisboa. Mas, e os múltiplos – e quase sempre escusos – interesses dos cartolas e empresários? O que fazer, senão seguir na irracional roda-viva por países e estádios, enfrentando adversários cada vez mais inesperados?

Afinal, era dos cartolas e empresários, apenas deles e mais ninguém, a ideia de umnovo Pentagonal na longínqua Costa Rica. E ainda houve quem programasse uma surpreendente chegada à, então,desconhecida cidade de Kingston. Sendo que foi lá, sob um calor de mais de 40 graus, que o exaurido time brasileiroparticipou do modesto Torneio Triangular da Jamaica. Por estranha e  infeliz ironia, a competição que iria proporcionar o último título internacional de campeão, ao inigualável Santos de Pelé e sua troupe de gênios.

Passados, hoje, nada menos de 50 anos daquele formidável  legado de glórias, o que fica nos remoendo a imaginação é uma certa  inquietude, uma  incômoda impressão. Talvez, a dolorosa certeza de que aquele mágico Santos, o Santos do Rei Pelé e do capitão Carlos Alberto Torres, de Clodoaldo, Edu, Lima, Toninho Guerreiro, Ramos Delgado e tantos outros artistas da bola, poderia muito bem ter durado um tanto mais. O que matou-o, foi a ganância dos cartolas.

Como consolo, o que ficou para os que o viram jogar – como negar? – foi um verdadeiro presente dos deuses. Porém, para os que não o viram, não custa nada imaginar. E sonhar, sonhar …