Escolha uma Página
Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Paulo-Roberto Andel

GRAN FINALE: TEM FLA x FLU NA DECISÃO CARIOCA

por Paulo-Roberto Andel

O Fla x Flu é uma instituição de tamanho poder que os paradigmas se alteram subitamente. Por exemplo, no sábado passado o Flu era melhor antes do clássico começar, mas deu Fla em péssima jornada tricolor no segundo tempo. Assim o Flamengo construiu uma significativa vantagem por 2 a 0, e começará o segundo jogo com a mão na taça (pelo menos até o apito do início da partida), só que as coisas não são tão simples assim num confronto de 111 anos.

Vejam o meio de semana, com o início da Copa Libertadores. Favorito, ainda que com seu time poupado, o Flamengo pensou diante do modesto Aucas do Equador, enquanto o Fluminense venceu o peruano Sporting Cristal com total autoridade. Ok, a Libertadores é uma coisa e o Carioca é outra, mas os resultados recentes impactam sim a decisão monumental do próximo domingo. O melhor termômetro da situação esteve nas gozações da quinta-feira, quando os tricolores cresceram diante dos rubro-negros nas conversas de rua, com o auxílio luxuoso de alvinegros e cruz-maltinos porque o Rio é assim.

Há quem diga que o Flamengo tem mais time. Para outros, não é bem assim: o clube da Gávea tem é conquistas mais recentes, mas os jogadores meio que se equivalem. E mais dinheiro também, só que este não entra em campo. Já a história conta, e se o Rubro-negro andou superando o Tricolor nas decisões mais recentes, perdeu a do ano passado e a da Taça Guanabara de 2023. Em contrapartida, o Fla não perde uma decisão de título por três gols de diferença desde 1966. Só que o time que mais o superou em decisões é justamente o Flu. Enfim, equilíbrio é o que não falta à grande decisão.

Com o Maracanã apinhado de acordo com os tempos modernos, mais o verdadeiro Carnaval dos cambistas, a noite de domingo promete. Não há certezas, mas suposições. Quem será o grande herói? Ninguém sabe. Mais uma vez: a vantagem de dois gols é muito significativa para o Flamengo, mas só se materializa no decorrer do jogo. Na hipótese de um gol tricolor no começo da decisão, tudo pode mudar drasticamente.

A história mais que centenária do Fla x Flu já foi escrita por inúmeros personagens definitivos e efêmeros, de Barthô a Flávio Minuano, de Russo a Germán Cano, de Zinho a Pedro, mais Edinho, Aldair, Nildo, Adriano, Amauri e tantos outros. Vem aí mais um capítulo do jogo que nunca termina, que mexe com o Rio, o Brasil e as atenções do mundo. Se o Campeonato Carioca já não tem a expressão de antigamente, uma coisa é certa: não haverá uma pessoa viva ou morta dentro do Maracanã em dúvida sobre a emoção do clássico eterno.

Por fim, que o Fla x Flu tenha arredores muito diferentes do sábado passado, quando um criminoso fuzilou dois torcedores, matando um deles e ferindo gravemente o outro. O futebol precisa ser libertado da violência estúpida que o cerca nos estádios, o que só se faz com inteligência e sem casuísmo barato. O Fla x Flu é decisão, festa e alegria. Chega de ódio, chega de crimes por não se respeitar o amor pelo time alheio. Chega!

O JOGO QUE NUNCA TERMINA

por Paulo-Roberto Andel

Vem aí mais um Fla x Flu. Na verdade dois, pela decisão do Campeonato Carioca de 2023, nos próximos dois finais de semana.

Para o maior cronista do futebol brasileiro em todos os tempos, Nelson Rodrigues, o grande clássico inventou a multidão quando o Rio de Janeiro era uma cidade triste, de ruas vazias. Assim foi em muitos jogos eletrizantes na rua Paissandu e no Estádio das Laranjeiras, depois na Gávea e finalmente no Maracanã, seu habitat natural desde 1950. E como o Fla x Flu envolve até as relações familiares, Nelson Rodrigues tinha um grande cronista rival dentro da própria casa: Mário Filho.

Muita coisa mudou, para não dizer tudo: os próprios Rio de Janeiro e Maracanã, hoje muito diferentes de outrora. O Fla x Flu, que facilmente levava 140 ou 120 mil pessoas às arquibancadas, cadeiras e geral, hoje não passa de 70 mil até porque o estádio não disponibiliza todos os ingressos. Mesmo assim, estará lotado pelo contraste das cores e gritos. Todos os bares, biroscas e congêneres estarão cheios de olhinhos atentos à TV, suspirando por jogadas que, de alguma forma, celebrem o futebol de Romeu Pelicciari, Dida, Waldo, Silva, Rivellino, Zico, Ézio e tantas outras feras que escreveram a história desse clássico imortal, único no mundo pela quantidade de gente que já levou ao campo e também porque é o único nascido de uma cisão no ventre: o futebol rubro-negro nasceu de uma dissidência dentro da casa tricolor, como se sabe.

Os homens de 55 anos carregam para sempre os Fla x Flus abarrotados no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Só nesse pequeno intervalo, jogos antológicos tiveram a assinatura eterna de nomes como Cristóvão, Tita, Paulo Goulart, Luiz Fumanchu, Lico, Nunes (para os dois lados) e, claro, Assis, dentre outros. Já os de 65 primaveras vão se lembrar de Félix, Samarone, Paulo Henrique, Fio Maravilha, Flávio Minuano e grande elenco. Os nonagenários viram tudo que aconteceu no grande Fla x Flu de 1941. E quem já não está mais aqui viu o clássico nascer em 1912. Mas será que não está? Quando o Fla x Flu acontece no Maracanã cheio, parece que tem um milhão de pessoas presentes, entre gente viva e morta, gente que persegue o combate entre as duas camisas para sempre. Parece que todo mundo abraça o Fla x Flu pela eternidade.

Nos últimos anos, Pedro e Gabigol, Cano e até o incrivelmente subestimado John Kennedy têm dado as cartas. A partir do próximo sábado, começará a ser escrito mais um capítulo de um livro infinito, o do jogo que nunca termina. Homens, mulheres e crianças vão gritar, sofrer, rir, chorar, sonhar e registrar momentos que serão carregados para sempre. Seja ao vivo no calor infernal do Maracanã, num restaurante sofisticado com telão ou numa sala de plantão profissional, o Fla x Flu prevalecerá. Pode ser também no radinho humílimo de um trabalhador à portaria ou num trem. Quem sabe numa mesa de botão Estrelão e seus craques de acrílico, ou numa mesa de totó num boteco metropolitano? Ou no futebol de preguinho?

As cores, os gritos, as bandeiras, os contrastes e a velha cisão de 111 anos batem seus tambores como nunca. É Fla x Flu, decisão, literatura e dramaturgia.

O tricolor e o flamenguista andam lado a lado, feito o leão e o tigre numa calçada de Nova York no texto inconfundível de Tom Wolfe. É toda a eternidade que parece ter sido escrita no frescor de ontem.

TUDO QUE SOBROU DA INFÂNCIA

por Paulo-Roberto Andel

O Maracanã, onde minha cabeça rola e não cria limo.

Onde os abraços são sinceros.

Desde muito pequeno, minha vida teve o Maracanã. Eu gostava muito mais do outro, mas o de hoje é o que me resta.

Quantas pessoas sofrendo, doentes ou à beira da morte estiveram nesta noite no Maracanã?

E suas crianças que brincavam e riam, ainda por entender aquele cenário.

Eu, que já vi e vivi muita coisa, nunca tinha sido bicampeão da Taça Guanabara no estádio. Fui pela primeira vez.

Vi pessoas se abraçando, jovens dançando, crianças sorrindo, gritos, cantos.

Vi todos os meus mortos, aqueles que procuro lá há tempos, aqueles que me deram alegrias em campo e os heróis anônimos, que me ofereceram Coca-Cola, sanduíche, biscoito.

Eu procuro meus pais, meus amigos, as pessoas que me abraçavam de verdade e se importavam comigo. A grande nuvem branca de pó de arroz e centenas de bandeiras.

Eu procuro por Edinho, Assis, Cláudio Adão, Rivellino, por Gilberto e Mário, por Miranda e Zezé.

Uma noite de alegria no Maracanã faz a gente esquecer um pouco das dores, da humilhação, da opressão, do sofrimento que não é pouco.

Tudo que sobrou da infância é o Fluminense. Por isso, eu o persigo. Por isso, o Fla x Flu foi glorioso.

@pauloandel

CANO DE PLACA

por Paulo-Roberto Andel

O golaço redime, o golaço liberta.

Ele desafia paradigmas e definições. Muda roteiros de forma inesperada.

E deixa sua tatuagem para sempre nos corações e memórias.

Há mais de sessenta anos, em alguma ocasião vemos os gols e a alegria de Garrincha na final carioca de 1962. Outros se emocionam com a arrancada de Rondinelli e sua cabeçada monstruosa em 1978. Outros, com o voo esguio e certeiro de Assis em 1984. Esses gols nunca vão acabar.

Mas também há os grandes gols de partidas que não necessariamente decidiram títulos, mas estão condenados à eternidade. O fantástico drible de Mendonça em Júnior em 1981, os mil dribles de Washington em 1987. O chutaço de Neto do meio da rua em 1991. Os golões de Roberto contra o Corinthians em 1980. São muitos e muitos gols.

Neste domingo, o argentino German Cano fez história no Maracanã. Um gol de placa, dos mais bonitos da história do estádio. Chutou do meio de campo e fuzilou o goleiro vascaíno, completamente batido. O estádio viveu um de seus grandes momentos.

Até então, Cano já estava consagrado no futebol carioca e brasileiro, por sua carreira no Vasco e agora no Fluminense, com mais de 40 gols na temporada 2022. Desta vez, assim como a bola que chutou cruzou o Maracanã até ganhar as redes, ele mesmo ganhou o mundo de vez. Não há lugar na Terra onde não se esteja falando do golaço que aconteceu no coração do Rio de Janeiro, no outrora maior estádio do mundo.

Lembram que o golaço muda roteiros? Pois é. Num jogo de muita luta, transpiração e lances razoáveis, o Vasco foi melhor do que o Fluminense no primeiro tempo, cujo destaque foi o veteraníssimo goleiro Fábio, do Tricolor. Melhor, mas sem a capacidade de definição. E no segundo tempo a coisa ficou mais equilibrada, até que o mesmo Cano aproveitou um cruzamento e marcou com oportunismo. Desesperado, o Vasco se lançou em busca do empate, sem êxito, novamente esbarrando em Fábio até que o corte final aconteceu – e a magia do futebol prevaleceu. O golaço tornou tudo pequeno no Maracanã.

As crianças tricolores que estavam no Maraca hoje vão perseguir o Fluminense para sempre, assim como outros garotos perseguiram por causa de Assis e Washington e eu, criança, vi Pintinho e Cristóvão destruírem o Fla x Flu de 1979, mais Paulo Goulart pegando pênalti. E Edinho e Rivellino. Eu ainda persigo o Fluminense.

Não precisa ser um título, uma decisão. Às vezes, não precisa nem ser um clássico. Basta que num segundo surja a magia do grande momento do futebol: ela explode e encanta pelo resto da vida.

@pauloandel

ROBERTO DINAMITE

por Paulo-Roberto Andel

Dois de fevereiro de 1989. Vencíamos por 1 a 0, com um gol estranho de Donizete. Jogo duro, decisão de vaga para as semifinais da Copa União. De repente, a bola veio para o meio e Roberto deu um toque de primeira, por cobertura, um passe espetacular para Bismarck, que acertou um chutaço no canto esquerdo, de primeira. Um golaço. Eles empataram. E então eu me dei conta de que estava presente a um dos maiores jogos da história do Maracanã. No fim, o Flu na venceu numa noite fantástica, com prorrogação e golaço do saudoso Washington.

Outro jogaço, Fluminense 3 a 2 Vasco, 1981, Flu vencedor e Vasco classificado. As duas torcidas aplaudindo o fim do jogo, algo que só vi de novo no Fla x Flu do gol de barriga e, desde então, nunca mais.

Esse foi só um pedacinho do que era Roberto Dinamite, certamente o mais difícil jogador adversário que vi o Fluminense enfrentar. Fazia gol de todos os jeitos, chutando, cabeceando, batendo faltas. Quando dava o corte para a direita antes do chute, babau.

Um dos maiores artilheiros de todos os tempos, Roberto sempre representou um escudo do Vasco que anda. Nós todos, garotos cariocas do começo dos anos 1980 que não éramos vascaínos, o queríamos nos nossos times. E não era só dentro de campo.

Era muito difícil não vê-lo sorrindo. Mantinha sempre o mesmo tom de voz, calmo, tranquilo.

Num tempo em que as pessoas só podiam ver futebol indo ao estádio, eu era um garoto apaixonado por futebol e dei sorte: vi vários gols de Roberto contra outras equipes que não fossem o Fluminense. Vi os cinco contra o Corinthians, os dois contra o Flamengo na primeira partida da final de 1981.

Sua história é tão grande que não cabe num texto e sequer num livro ou filme. Precisa de vários.

Há muitos anos, num aniversário de meu amigo Leo, chegou ninguém menos do que Ademir Menezes, seu tio-avô se não me engano. Lembro que ele parecia gigantesco quando apertei sua mão. Ademir, o maior ídolo vascaíno até a chegada de Roberto, fez história no Fluzão de 1946. Roberto, não. Tudo bem: não se pode ganhar todas.

Neste momento penso no Augusto, no Cassiano, no Luiz, no saudoso Xuru e em tanta gente da minha juventude que, num minuto, quarenta anos se amontoam em tardes maravilhosas no Maracanã, jogos incríveis, gols espetaculares e aquela velha paixão pelo futebol, algo muito difícil de explicar mas muito fácil de entender se você conhece ou conheceu o futebol carioca dos anos 1970 e 1980.

Ao mais temível dos adversários, um abraço para sempre, onde quer que esteja além dos nossos corações.

@pauloandel