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MARADONA FOI UM GÊNIO DA BOLA, NÃO UM DEUS ACIMA DO BEM E DO MAL

::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Juan Mabromata/AFP

Nunca fiquei em cima do muro e não seria agora, aos 71 anos, que eu ficaria. Maradona foi um monstro jogando bola e até uma vovozinha que não acompanha futebol sabe disso. Mas, sinceramente, acho essa idolatria exagerada. E nem falo dos argentinos, mas dos brasileiros. O que o Maradona fez, além de jogar um belo futebol, para estar sendo tratado como santo? Por que ele vem sendo reverenciado como um Deus, acima do bem e do mal?

Quando falam do Pelé nas redes sociais sempre aparece uma turma que, mesmo sem conhecer a real versão do caso, vem lembrar de uma filha não assumida pelo Rei. É incrível como pisoteamos nossos ídolos e admiramos a grama do vizinho. Maradona fez gol de mão, atuou dopado e “envenenou” os jogadores brasileiros, tudo em Copas do Mundo. Depois ainda deu entrevista em rede nacional divertindo-se com a situação, gozando do lateral Branco que bebeu a água batizada.

Maradona apareceu em público, incontáveis vezes, drogado, pagando mico, tirando onda com os brasileiros. Que exemplo Maradona foi para os jovens? O exemplo que deve ficar para os jovens é que ele poderia estar aqui até hoje, se não fosse o efeito devastador das drogas. Acho que essa idolatria deve ir até a página dois. Garrincha também teve problemas com alcoolismo e a mídia nunca o tratou com a devida relevância.

Se Maradona ganhou uma Copa sozinho, o “bêbado” Garrincha, o Charles Chaplin dos gramados, também. Garrincha até hoje é tratado como um coitadinho, como um matuto, um idiota, que achava que a Copa do Mundo era um torneiozinho de merda, me desculpem a expressão. Garrincha foi anos luz mais genial do que Maradona e morreu pobre. Pelé nunca fez um gol de mão, nunca batizou água dos adversários, nunca jogou dopado e, apesar de único, incomparável, sem igual, ainda é esculhambado por torcedores.

Na internet, quando são exibidos vídeos com as jogadas preciosas do Rei muita gente diz que os marcadores eram ingênuos, que isso, que aquilo. Mas nos vídeos do Maradona fazendo embaixadinhas no treino, óóóó, que gênio!!! Vejam os vídeos de Ronaldinho Gaúcho e entendam o que é habilidade. O próprio Zico é massacrado nas redes sociais por nunca ter vencido uma Copa do Mundo, o chamam de amarelão e outros nomes impublicáveis.

Eu mesmo fui viciado por quase vinte anos, já parei há dezoito e continuam me chamando de drogado. Se o Maradona é considerado um ídolo de carne e osso, que cometeu erros e tem fraquezas como todos nós, que seja tratado como somos, sem idolatrias e histerias. E lembrem-se, nossa grama não é sintética, não é de plástico, como a do vizinho. Nossa grama é raiz e nela surgiram gênios que encantaram o mundo, ídolos BRASILEIROS que merecem respeito. O argentino Maradona tem o meu máximo respeito. O problema é que não estamos regando nossa grama e ela vem morrendo aos poucos.

O ÚLTIMO TANGO

por Serginho 5Bocas


Se tem um jogador que proporcionava emoções viscerais, esse era o cara. O que tinha de futebol nos pés, continha na mesma dose o drama. Sua carreira foi uma verdadeira montanha russa, sua vida tinha aqueles rompantes de alegria e logo em seguida, descia vertiginosamente para uma amargura, uma tristeza que podia dançar, feito um tango. Mas não há como ficar indiferente a tudo o que ele fez.

Início prematuro de um prodígio idolatrado, aos 15 anos já jogava nos profissionais do Argentino Juniors. Nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, Menoti brecou equivocadamente, uma pena. Em 1979 conduziu a Argentina ao título do mundial de juniores em companhia de Ramon Dias e já era titular absoluto da seleção argentina dos profissionais. Lembro de um jogo no Maracanã em 1979 pela Copa América, quando o Brasil venceu por 2×1, Maradona ainda muito jovem, prestes a fazer 19 anos, comandava as ações da seleção, carimbando todas as bolas e parecendo um veterano, já sabia tudo de bola e mais um pouco, Leão que o diga. Tudo parecia dar certo, a sua vida estava em alta.

Veio a Copa de 1982 e nela toda a expectativa de ver a sua genialidade se confirmar facilmente em um time de craques e com ele voando baixo, mas não aconteceu. Estava em excelente companhia, na equipe campeã do mundo, ao lado de gente como Ardilles, Bertoni, Passarela, Kempes, Fillol e Ramon Dias, mas fez apenas uma bela partida contra a Hungria na primeira fase e ficou devendo no resto da competição, apesar de ter sido duramente marcado, às vezes até violentamente. Saiu por baixo, ao se despedir com uma entrada desleal na barriga de Batista do Brasil, que o levou a ser expulso.

Foi para o Barcelona e sofreu uma de suas piores contusões, ficando fora dos campos por muito tempo. Jogou pouco tempo por lá e não teve um time a sua altura para conquistar títulos e buscou outros rumos, pois não estava num bom momento. Acabou indo para o eldorado italiano, por uma montanha de dinheiro, foi parar onde se jogava o melhor campeonato da terra naquele momento, no Napoli, mas voltamos às Copas.

Mesmo com Maradona, durante as Eliminatórias da Copa de 1986, a Argentina passou um sufoco danado para se classificar diante da seleção do Peru, em dois jogos cascudos. Em Lima, vitória do Peru e na Argentina, um empate suado e conquistado no finzinho da partida, que classificou os hermanos para o México. Foi no limite, quase ficam de fora, quem poderia imaginar que eles seriam campeões?


Veio a Copa de 1986 e a Argentina bem abaixo de suas tradições em termos de qualidade técnica. Um time de operários com um baita mestre de obras. Comando de uma eminência parda, que não convocou o ex-parceiro Ramon Diaz, barrou Passarela e só faltou escalar os onze. Maradona fez de tudo naquela Copa, foi o seu apogeu. Fez jogadas de almanaque e uma jogada que seus fãs perdoam e lembram com a maior cara de pau, mas que não tem nada de esportivo ou de belo: o gol de mão contra os desafetos ingleses. A campanha em si não foi brilhante e nem tivemos um futebol vistoso, exceto por ele, que brindou a todos, com um futebol espantoso, decisivo, arrebatador e raras vezes visto nos campos em tão curto espaço de tempo. Ali, nos campos mexicanos, ele levantou defunto da tumba e tocou o topo do mundo, estava no mais alto nível que um jogador de futebol poderia atingir, um “nirvana” que nem ele mesmo conseguiria atingir de novo.

A Copa passou, Diego pediu reforços ao Napoli e chegaram Careca, Alemão, Bagni, Mauro, Di Napole e Carnevale. No comando das picapes o maior jogador do mundo e na retaguarda um povo sofrido, carente e apaixonado, quanta simbiose! Quanta sinergia! Para um clube que não ganhava nada, Maradona deu musculatura de sobra e os caras venceram o campeonato italiano, a Copa Itália e a Copa Uefa. Estava sobrando na turma, a gangorra estava favorável, era um semi Deus naquele momento para aquele povo.

Veio a Copa de 1990 e tudo levava a crer que Maradona ia carimbar outra estrela na camisa, mas foi uma viagem insólita, cheia de altos e baixos, pra variar. No grupo da primeira fase foi sofrível, perderam na estreia para Camarões e na vitória contra a União Soviética, Maradona fez um pênalti, colocando a mão na bola, quando o jogo ainda estava 0x0. Se fosse marcado a penalidade, poderiam nem se classificar na repescagem como um dos melhores terceiros lugares, como ocorreu. A gangorra estava em baixa.

Veio as oitavas e cruzaram com os brasileiros por conta da má campanha inicial. Tomaram um vareio de bola na única partida em que o Brasil de Lazaroni jogou bem, mas os argentinos foram agraciados com uma bola de gênio de Maradona, que após se livrar com sua habilidade de vários defensores brasileiros, lançou nos pés de Caniggia e daí pro gol, improvável e desolador, coisa de Dom Diego, toca o enterro aos trancos e barrancos.


Veio as quartas e contra a Iugoslávia, após o empate no tempo regulamentar, Maradona perdeu um pênalti mal batido, mas Goicocheia salvou o dia, defendendo dois, o gênio era iluminado e tinha anjo da gurda. Na semifinal contra a Itália, arrancaram um empate suado e nos pênaltis novamente a estrela de Goicocheia resolveu, pegando mais dois pênaltis. Tava difícil convencer na bola, mas a Argentina ia chegando na final. Um cai não cai intermitente e trôpego. 

Veio a final contra a Alemanha, em um dos jogos mais feios desta pobre Copa e desta vez o pênalti, batido por Brehme, ajudou o lado alemão. Saldo final: Maradona medalha de prata e um choro no pódio que comoveu a todos pela sinceridade. O gênio era humano.

A boa fase do Napoli acabou com a explosão de um caso de doping nem 1991. Maradona não era nem sombra daquela fera que todos se acostumaram a ver, sumiu do mapa, mas aí veio um chamado urgenge, ele fez um regime “turbo” e em tempo recorde, lá estava Dieguito de novo, fininho e voando prontinho para a Copa de 1994.

Veio a Copa e logo na estreia contra a Grécia, Diego fez um gol e parecia se divertir de novo. A gente voltou a ver a qualidade dele sobressaindo sem esforço, como de costume, mas aí veio a Nigéria e um “sorteio” meio maroto, pronto! Lá estava ele novamente, envolvido em outro caso de doping. El Pibe, fez uso de efedrina, um remédio para emagrecer, que não faz ninguém ficar genial ou dar um drible, mas é substância proibida e o sonho acabou ali. Brigar com a FIFA nunca vai dar bom resultado. Aquele foi o último suspiro de genialidade do menino das favelas, do gênio da esquerda imortal, da canhota perfeita. 


Maradona adorava o Brasil e os brasileiros, fã declarado e escancarado de Rivelino, amigo de fé de Careca, atendia com prontidão todos os convites das “peladas” de Zico. Na derrota de 3×1 para o Brasil na Copa América de 1989, humildemente pediu a camisa de Bebeto após ver o baianinho dar aquele sem pulo de cinema. Aquela Copa América em que ele quase fez o gol que Pelé não fez do meio de campo, impedido por uma trave. Na Copa de 1990, trocou de camisa na única vez que nos venceu na vida e desfilou com a camisa canarinho feliz da vida. Contra o Brasil não costumava se dar bem e só fez um gol em 1981, no empate de 1×1, durante o Mundialito no Uruguai. 

Maradona não foi rei como Pelé, passava longe da perfeição da realeza, mas tinha a altivez de um líder carismático, conhecia e dominava a sua força brutal, os caminhos da vitória e sabia que a sorte também estava ao seu lado. Lutava como nunca e se fosse preciso se matava em campo e por isso, a torcida o adorava. Diferente de Messi, não se abatia com infortúnios, erguia a cabeça e voltava mais possesso ainda para alcançar a glória eterna e por isso virou Deus na Argentina.

Não foi o maior artilheiro, nem o cara que venceu mais bolas de ouro ou que colecionou mais títulos relevantes, mas sempre esteve nos corações dos torcedores. Dom Diego fez o que quis nos gramados com a sua canhota genial e infernal, nunca seguiu regras, para o bem e para o mal. Este foi o seu legado e a sua sina, partiu fugaz e deixou uma legião de fãs como num melancólico tango.

MARADONA, O CALÍGRAFO DA BOLA

por Marcos Vinicius Cabral


“Não acredito, meu Deus!”, foi o que disse às 13h15 da tarde desta quarta-feira (25/11), quando parei o carro embaixo de uma amendoeira bem próxima da barraquinha de seu Antônio e do mercado em que segundos antes havia deixado minha esposa e sua mãe.

À sombra da árvore enquanto esperava por elas, peguei o celular para ver as mensagens que chegavam a todo instante no WhatsApp.

Fui checando uma a uma e infelizmente era verdade: Maradona não conseguiu driblar a morte.

Com o celular ainda nas mãos, impactado, olhei para o céu, fechei meus olhos, encostei minha cabeça na porta do carro e comecei a pensar em Diego Armando Maradona Franco.

– Está passando mal? – perguntou o dono do caldo de cana mais saboroso de São Gonçalo.

– Não, estou pensando em Maradona! – respondi com os olhos fechados e suspeito que a essa hora ele já tenha entendido minha resposta mesmo dizendo um “Eu, hein!” como se eu fosse louco.

Mas se ele não entendeu nada naquele momento, imagine nós, amantes do futebol, com a notícia da morte do maior nome do futebol argentino de todos os tempos?

Mas permaneci ali por dez minutos no máximo e coloquei o meu hipocampo para funcionar.

Ali, no silêncio fúnebre, refleti sobre as vidas humanas perdidas na ‘Guerra das Malvinas’, em que a Argentina tentou e não conseguiu recuperar parte territorial dos arquipélagos da Inglaterra. 

Resultado: 640 argentinos fecharam os olhos em definitivo e 255 ingleses foram carregados em seus caixões por seus familiares.

Nessa viagem de poucos minutos, deu tempo de pensar naquele 22 de junho de 1986 – quatro anos após o fim do confronto bélico entre os países.

Dessa vez, para o bem da humanidade, não haveriam armas, helicópteros, explosivos ou aviões militares, mas sim um Estádio Azteca abarrotado de gente, que assistia 22 homens vestidos com suas fardas de seus países e uma bola que serviria para vencer a batalha campestre: o gol!


O fato é que ‘La revancha de los Dioses’ ocorrida há 34 anos, foi vencida pelos sul-americanos, que fizeram justiça com os próprios pés, uma mão divina e um ‘Dios’ dentro de campo: Maradona, eterno como aquele jogo que é, segundo o jornalista Paulo Vinícius Coelho em seu livro ‘Os 50 maiores jogos das Copas do Mundo’, o 11º mais importante de todas as edições de Copas do Mundo.

Já o gol de Maradona aos 36 minutos do segundo tempo, o mais bonito de todos os novecentos jogos nas vinte e uma edições de Copas do Mundo.

Nessa viagem insólita, pensei na fraca Argentina de Carlos Bilardo, que venceu no Estádio Delle Alpi, em Turim, a equipe brasileira por 1 a 0, num lance majestoso de um camisa 10 de 1,65m de altura que em um rompante iluminado – como fez o norte-americano Thomas Edison (1847-1931) ao criar a lâmpada para o mundo – colocou o atacante Caniggia para marcar o único gol da partida.

Mesmo sendo melhor nos 90 minutos da partida, terminava ali, a jornada brasileira logo nas oitavas de final, naquele 24 de junho de 1990.

Nessa viagem intrínseca, lembrei dos jogos transmitidos pela Bandeirantes, dos títulos do Napoli em 1986/87 e 1989/90, e de tantos e tantos jogos narrados por Luciano do Valle (1947-2014), Silvio Luiz e Jota Júnior e comentários de Elia Júnior, Juarez Soares (1941-2019).

Nessa viagem inimaginável ao passado, lembrei do gol que marcaria época não apenas pela beleza do lance, mas também pela comemoração: raivosa, aos berros, na direção das câmeras, em plena Copa do Mundo dos Estados Unidos, em 1994.

Maradona queria provar, ali, que estava inteiro para o futebol, que, aos 33 anos, poderia conduzir sua seleção a mais um título mundial e que os meses em que permanecera suspenso por consumo de cocaína eram coisa do passado.

Golaço contra a Grécia e presente de grego na suspensão imposta pela Federação Internacional de Futebol (FIFA).

Nessa viagem ao túnel do tempo, lembrei das vezes em que discuti com amigos, como o jornalista Helvio Lessa, o repórter fotográfico Kiko Charret e o diagramador Jorge Quintanilha, sobre quem foi melhor: Maradona ou Pelé, quando começou a polêmica envolvendo os dois camisas 10 do futebol mundial no século XX.


Eles eram Maradona, eu Pelé.

Mas o ‘Pibe de Oro’ foi verso, reverso e controverso, a ponto de ter lugar cativo no coração do torcedor e um ‘Natal’ argentino comemorado em seu aniversário: 30 de outubro!

Não há um argentino na face da Terra que não idolatre seu eterno ídolo, como o jornalista Hernán Amez, que criou a Igreja Maradoniana em 1998 e tem o tetragrama sagrado D10S, que mistura a palavra em espanhol (Diós) para Deus com o D de Diego e o 10 da sua camisa.

Ainda daria tempo para pensar na vida do menino pobre que nasceu na Villa Fiorito, favela situada em Lanús, na Argentina, nos excessos com o tabaco, bebidas e drogas, assim como a difícil relação com a imprensa.

Sim, daria, mas o som da porta do carro sendo aberta pela minha esposa e sua mãe, me despertou.

– Vamos embora, meu bem, que estamos atrasados para o almoço! – disse minha adorável esposa, me preservando de pensamentos tão ruins de quem fez tão bem para o futebol.

Maradona merece reverências, já o cidadão Diego Armando Maradona Franco, respeito.

PÊSAMES À BOLA

por Rubens Lemos


Quando se tem 16 anos, sonhar é ver o mundo do tamanho de um campo de futebol. Qualquer paixão de relance é a última e sem direito a segundas opções. Nem mais menino, nem ainda homem feito, o menor prazer é a escritura do paraíso, até para aqueles que recolhem as emoções do peito como os segredos de velhos papéis adormecidos no baú dos tataravós. 

Aos 16 anos, eu era apenas 11 contra 11. A infância pobre não me permitia o luxo das boates e os trocados contados pela minha avó Maria do Carmo caíam todas as tardes de domingo na bilheteria 8 do estádio Castelão (Machadão). Em 90 minutos, dava para esquecer as angústias da rotina leniente e as decepções sufocadas. Paixões platônicas mal disfarçadas pelo silêncio da timidez. 

E foi aos 16 anos que pensei em invadir a Argentina e naturalizar Maradona. Por despeito e amargura, vira Zico, o meu segundo Pelé, cair como Quixote no gramado de Jalisco, no México, na derrota cruel para os franceses, dolorosas como os fracassos impostos por erros em pênaltis. 

E, com 16 anos e a unanimidade dos sonhos acesos, esperava sentir o que o coração não havia gozado em 1970, ano da graça de qualquer fanático brasileiro. Nascera um mês e meio depois, imediações dos dias em que Pelé, Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho e Paulo Cézar Caju, sexteto em flores, deixavam de quatro quem ousasse correr atrás deles. 

Havia derramado lágrimas sofridas, impregnadas de morte, no 5 de julho em que o italiano camisa 20 Paolo Rossi nos mandou de volta da Espanha para os cafundós da melancolia, em 1982. 

Me considerava no ponto de comemorar, aos 16 anos de idade e ilusões. Ainda havia para mim João Saldanha comentando pela Rede Manchete. Saldanha implacável com a teimosia siderúrgica do técnico Telê Santana em manter Casagrande  no time e deixar Muller na reserva nos dois jogos iniciais. Zico, joelhos estourados, chama de um time mediano que morreu aos pés franceses num 21 de junho de final bisonho. 

Sozinho, numa Argentina medíocre, Maradona conquista com a pé esquerda, a mão ungida de malícia e o balé debochado de um mito, a Copa do Mundo que parecia tão minha em 1986. Ano em que Maradona foi o que Garrincha exibiu em 1962 e Romário apresentou em 1994.

A diferença é que Mané Garrincha, só vi em filmes chuviscados e depoimentos encantados dos antigos de amor à bola. Contra a Inglaterra, Maradona fez o gol dos gols, arrancando da intermediária, driblando até a Armada da Inglaterra e construindo uma obra de Antônio Berni, o pintor argentino do século passado. 

Em 1994, Romário poderia ter perdido o Tetra se Maradona, flagrado no exame antidoping, não tivesse sido excluído do futebol. Era líder de um timaço, que, sem ele, se deixou vencer pela saudade calorosa e arrebatadora como as emoções portenhas. 

Em viagem de trabalho, 1996 e aos 26 de idade, estive na Bombonera, vendo Maradona  perder um pênalti pelo Boca Juniors contra o Racing, vencedor por 1×0 em jogada de contra-ataque.

Maradona parado nas imediações da intermediária, repertório aberto de passes perfeitos desperdiçados pelo loiro Caniggia e o camaronês Tchami no ataque. 

Os aplausos para Maradona soavam tango triste de Carlos Gardel e paixão furiosa de peronistas. Eliminado, mas sempre Diego, o herói das causas indecifráveis. O homem trágico da natureza hermana. 

Maradona virou pó. De cocaína. Seu aspecto chegava à linha de fundo da degradação. Perdia o senso mínimo do respeito a si mesmo. Treinou times, brigou, xingou, meteu-se em idealismo sem base alguma.

Ser humano, apenas, foi anulado pelos vícios. Morto, Maradona deixa com Messi o cetro natural da sucessão. Deus é pai e bom treinador. Jamais abriria mão de um meia-esquerda feito inteirinho por ele. Pêsames à viúva bola, amante fascinada e libidinosa.

HOJE O FUTEBOL MORREU

por Paulo Escobar


No dia de ontem, sentado naquele sofá, ao ligar a TV, chorei ao ver a notícia da tua morte. Passou tanta coisa pela minha cabeça e diante dos meus olhos as memórias que me faziam ver como se fosse hoje tudo que vivi contigo.

Desde aquelas tardes nas ruas da periferia da zona norte de São Paulo, com minha camisa da Argentina que meu pai comprou da pouca grana que tínhamos, eu com meus pés descalços naquelas ruas jogava imaginando estar na Bombonera ou no San Paolo. Eu imaginava que era você.

Ou então naquela infância no meio daquela maldita ditadura militar chilena, nas ruas de Gómez Carreño onde todos brigávamos para ser você. Sim, você me dava alegria em tempos de dores e lamentos! Por momentos, você nos fazia esquecer que vivíamos a sombra das lágrimas e opressões, você aliviava nossas vidas através da bola e por muitos momentos nos fazia sonhar que o mundo era um lugar melhor.

Tua vida sempre foi um tango recheado daquelas histórias de amores e dores. Do teu nascimento pobre em Villa Fiorito, onde você dominava a bola e driblava a fome, de jogar uma Copa do Mundo e vencer uma guerra dentro de campo, fazendo teu povo sentir felicidade em momentos onde jovens morriam pelas Malvinas. Você deu ao mundo o gol mais lindo que uma Copa pode ver, e outro que analistas da moral disseram que era ilegal por ser com a mão, aquela que Deus te emprestou a vida toda.

Hoje é daqueles dias que parecem mentira, daqueles dias que queremos acordar e parecer que tudo foi um sonho, que nada disso está acontecendo. É o dia mais triste na minha vida no futebol, pois nenhuma dor de uma derrota do meu time se compara ao que sinto hoje. Só poderia ser você, aquele que me trouxe tantas alegrias e me fez sonhar tantas vezes, hoje me fez chorar de dor. 

No meu coração e na minha mente, nunca caí nas comparações de quem é o melhor, pois para mim abaixo de você todos eram jogadores de futebol, e você estava além de tudo isso. Sim, você era alguém acima de toda essa mediocridade que o futebol coloca, de ser bons moços que não podem demostrar suas fraquezas. Você não ocultou nenhuma delas e assim foi, como dizia Galeano, o mais humano dos deuses.

Com a bola nos pés deve ter tido alguns melhores que você, coisa que você nunca negou, exaltavas Rivellink ou Bochini. Ou quando chegaste em Rosário para jogar no Newells e te falaram que você era o maior de todos e você negou, pois disse que o maior de todos estava naquela cidade e era o Trinche, jogador de campos de terra e grama, que como você era povo e humano.

Hoje o futebol me causou dores, a maior delas, pois num dia de primavera você partiu e, com tua partida o futebol morreu. Sim, hoje o esporte mais lindo de todos foi enterrado, daqui pra frente será um outro futebol, pois será dividido AM e DM (antes do Maradona e depois de Maradona). Hoje quem ama o esporte com a bola nos pés está de luto e dolorido, e os que valorizam a posição política social fora das quatro linhas choram a tua morte.

Você que tanto me fez chorar de alegrias e me fez sonhar com o futebol, hoje me fez derramar as lágrimas mais doloridas. Entre uma cerveja e outra, no meio das lembranças, só queria acordar e que, ao abrir os olhos, soubesse que você ainda está aqui, com os pés na grama e a bola nos pés, ou fazendo mais um gol na Inglaterra, ou mandando a FIFA à merda, ou pulando no meio da torcida do Boca com a camisa girando em cima da tua cabeça.

Aquele moleque pobre que jogava descalço nas ruas e que vibrou com você e sofreu a cada vez que os moralistas te puniam, hoje chora a tua partida. Aquele que te viu entrar em campo e aguardar a genialidade, hoje em lágrimas se lamenta.

O maior de todos, o mais genial, o mais posicionado e mais humano do futebol hoje se foi e com ele o futebol se foi junto, depois de muitas lágrimas penso que você não partiu, mas que somente se fez o que sempre foste, eterno.

Obrigado, Diego Maradona, por tudo que fostes para nós que amamos o futebol além da bola, obrigado pela magia e por ser tão grande e simples, por não ter te esquecido jamais de onde vieste e por não ter poupado palavras para defender aqueles que continuavam morando nas casas de lata. Obrigado por me alegrar em meio às dores da vida, e obrigado por ter me feito amar o futebol.

Obrigado, Diego, por ter existido e por ter vivido a vida do jeito que viveu! Obrigado, Diego, por ter me dado o privilégio de te ver jogar e carregar na memória as lembranças que só você pode me dar.

Obrigado, Diego Maradona!