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José Roberto Padilha

E SE ELE FOSSE UM VINHO…

por Zé Roberto Padilha


Segundo um renomado sommelier, vinhos comuns são feitos para consumo imediato. Dois, três anos, no máximo. Já os grandes vinhos, de safras excepcionais, estes podem durar a vida inteira. Lia isto na revista de domingo, com os ouvidos na resenha do Sportv e deu para perceber, em uma postagem no Facebook, que Deni Meneses, nosso consagrado comentarista, completava 81 anos.

Era tarde da noite deste domingo, muita informação, precisava diluí-las para dormir melhor. Daí joguei tudo no liquidificador e provei o resultado deste drink midiático que consultava antes de descansar.

Não foi difícil a conclusão. De fácil digestão. Como comentaristas esportivos, Paulo Nunes, Petkovic, Ricardinho e Grafite vão ter as suas ponderações consumidas por, no máximo, dois, três campeonatos brasileiros. São de uma safra de ex-jogadores que, precocemente colhidos nas videiras do mercado, buscam uma oportunidade de serem apreciados em uma taça nobre que vem sendo servida aos torcedores, já há algum tempo, com a leveza dos comentários do Júnior.

Não é fácil alcançar o sabor dos comentários isentos desta lenda rubro-negra que foi colocado na prateleira Global na posição certa, pelo Galvão Bueno. Encontrou a temperatura ideal para maturação, em várias Copas do Mundo, e tem se mantido discreto com seus comentários preservando a luminosidade ideal das adegas do futebol brasileiro que vivem a receber “saborosas revelações”.

Principalmente, para não precipitar o brilho sobre as novas safras colhidas em Xerém, no Ninho do Urubu, na Toca da Raposa, de onde mais empresários gulosos gostariam de negociar, com o mercado europeu, suas uvas ainda imaturas.

E que Deni Menezes, por pertencer a um safra excepcional, que produziu à beira dos gramados tintos do nível de Washington Rodrigues, Kleber Leite, Raul Quadros, João Saldanha e Iata Anderson, ter tido o privilégio de ser engarrafado nos radinhos de pilha ao lado de Waldir Amaral e Jorge Curi, além de servido aos torcedores junto a jornalistas consagrados como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues, vai durar a vida toda.

Ao completar 81 anos, se fosse um vinho, Deni Menezes seria um Chateau Lafite Rothschild 1939. Os demais expostos nas prateleiras do Sportv, com todo o respeito, não passariam de um glorioso Galiotto.

Parabéns, amigo. Que Deus lhe conserve em barris de carvalho para que outras gerações, como a minha, possam continuar a provar um só gole da sua sabedoria.

ESQUECERAM DE MIM

por Zé Roberto Padilha


Desde que vim a campo quando inventaram o futebol, tenho vivido entre tapas e beijos dos homens que disputam a minha posse. Seja no Aterro do Flamengo ou no Morumbi. E não são poucos. São 22. Alguns me cercam de carinho, dormem comigo desde a adolescência e conhecem meu ponto G. De gol. Como Nelinho, Marcelinho, Rivelino, Fred, Gabigol e Otero.

Outros, apenas nos tem agredido, arremessado nosso corpo inerte e indefeso com violência e sem qualquer direção. Digão e Manoel são alguns dos que, recentemente, conheceram meu ponto C. De chutão. E abusam dele.

Aos carinhosos, retribuo dormindo alinhada nas redes adversárias. Aos violentos, denuncio maus tratos, e recebem cartões amarelos. Se insistirem, aciono a Maria da Penha. E ficam sem pisar o gramado por alguns jogos.

Sou poderosa, sei disso. Pois o Vasco pode trocar Luxemburgo por Abel, o Dudu vestir a camisa do Flamengo, aposentarem o Mano e o Felipão e até decidirem se vai ser jogo de torcida única que a partida acontece. Só não acontece se eu faltar. Não há como ter futebol sem a presença de uma bola. Mesmo assim me subestimam.

Por ser discreta, não dar entrevista nem mudar o penteado, estão esquecendo de mim. Seguem o jogo pelos rumos que tomo, dos pés que me conduzem, mas apenas falam de quem me conduz. E ignoram a importância de quem é conduzida.

Não tem mais a narração do simpático “Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha”, o questionável “Bola pro mato que o jogo é de campeonato”, a reverência de Waldir Amaral “Desce com a bola o Rei Pelé”. Mesmo de plástico sintético, cara toda vida e bem leve, é como fosse invisível. Como não mais existisse.

“Segue o jogo!”, como se ele pudesse seguir sem mim. “Sabe de quem?”, sabemos, Luiz Roberto, que nunca serei eu.

Apenas filmam minha entrada em campo pelas mãos do juiz, não como uma saudação e respeito, mas para mostrar a logomarca do patrocinador que carrego no peito.

Consultei meu sindicato. E os mais velhos, de meia, couro e até os que foram de plástico, os Dentes-de-leite, dizem que está mesmo na hora de fazer greve. Pois se os caminheiros que transportam alimentos vão parar, porque eu, que transporto paixões, provoco emoções e decido quem vai trabalhar feliz dia seguinte no país do futebol, não posso cruzar os passes?

Me aguardem pela minha ausência. Quero ver jogar futebol sem mim.

FORÇA, ABEL

por Zé Roberto Padilha


Abel Braga, 67 anos, meu amigo, partiu para disputar o mundial de clubes, em 2006, não com Diego Alves, Rafinha, Felipe Luís, Arrascaeta e Gérson com bagagem internacional. Foi enfrentar, em Yokohama, o poderoso Barcelona de Valdez, Rafa Marques, Puyol, Deco, Xavi, Iniesta e Ronaldinho Gaúcho com Ceará, Índio, Edinho, Rubens Cardoso e Iarley. E venceu o mundial com um gol não de Gabigol. Mas de Gabiru. Com todo o respeito.

Se Vanderlei Luxemburgo anda tirando leite das pedras, tirou uísque 12 anos do assentado asfalto japonês.

Neste momento de sua saída do Cruzeiro pelo túnel dos fundos, mais desvalorizado que o Real frente ao Dólar, gostaria de lhe dizer que o futebol, onde iniciamos juntos nossa trajetória aos 16 anos, nas Laranjeiras, continua sendo cruel e impiedoso com seus personagens. Mereçam eles ou não.

Neste momento de plena glorificação de um novo Messias, perda de tempo lembrar aos entorpecidos e anestesiados rubro-negros que foi você quem montou a base deste espetacular time. Levou-o, na pré-temperada, ao túnel de vento com Bruno Henrique e Gabigol, e olha que não havia chegados os pneus laterais de última geração, Rafinha e Felipe Luís.

Mesmo assim venceu na Flórida, levantou o estadual e classificou o time para a Taça Libertadores.

Traído por Landim após Caim, viu seu substituto encontrar o Diego Ribas no departamento médico, que acabou com a dúvida de todo mundo se era ele quem começava ou Arrascaeta. O Gerson chegar e os laterais se assentarem na pista.

Não é questão de tirar os mérito de Jorge Jesus. É de lembrar a todos que Moisés já havia chegado antes, aberto o mar ao meio e levado sua gente à terra prometida. Enquanto deixaram você dirigir o time.

Se deixou uma base sólida no Flamengo, encontrou a do Cruzeiro com prazo de validade vencida. Mano Menezes não foi capaz de renovar seu time, deixando-o mais envelhecido que sua escalação caberia direitinho no time de máster do Luciano do Valle, caso este ídolo ainda estivesse entre nós. Infelizmente, Fábio, Edilson, Egídio, Henrique, Fred e Thiago Neves eram titulares por lá. E aí…

Sei que já está no Leblon. Então, tome um bom café e vai caminhar. E aprecie a paisagem. E saiba que se o futebol é cruel e injusto, seus amigos estarão sempre de plantão para elevar o seu astral. Afinal, amigo jornalista é para essas coisas. Como, por exemplo, tentar lhe fazer justiça. E exaltar o seu valor como um dos treinadores mais vitoriosos da história do futebol brasileiro.

Afinal, apenas cinco deles alcançaram um título mundial de clubes entre os 783 registrados, hoje, na CBF. Não é pouco!

Grande abraço

NÃO SERÁ O FIM DOS TEMPOS. APENAS SEU RECOMEÇO

por José Roberto Padilha


Todos nós, com raras exceções, já repetimos uma matéria na escola. Outros, perderam o ano. As disciplinas exatas, então, foram cruéis com os que viviam no “Mundo de Bob”. Isto é, não prestavam atenção às aulas, estudavam pouco em casa e jogavam bola o dia inteiro. Como eu. E um puxão de orelha, um castigo, nos devolveu mais espertos a enxergar a importância da educação na vida da gente.

Sendo assim, não vejo o fim dos tempos se aproximando, um fantasma do América, por exemplo, rondando nossa paixão quando o Fluminense tira nota baixa e ocupa a zona de rebaixamento. E corre o risco de repetir o ano.

Ele não fez o dever de casa. Suas duas maiores contratações ocupam a mesma posição e precisam de um leão para voltar e ajudar na marcação. E o Leão, que era o Gérson, deram comida, formaram nas arenas de Xerém e o deixaram escapar para o Ninho do Urubu.

Seu sistema tático implantado na pré-temporada foi futurista, mas logo as exigências dos resultados presentes acabaram nas pranchetas ultrapassadas de Oswaldo de Oliveira. Pior: na fase final, foi herdado pelas mãos de quem ainda procura seu espaço no tempo da bola, o Marcão.

Tantos erros podem levá-lo, merecidamente, a repetir o ano. E eu digo: qual o problema se todos os times grandes que caíram subiram fortalecidos no ano seguinte?

Quando um grande cai, e as campanhas recentes de Botafogo, Palmeiras, Grêmio e Vasco estão aí para serem conferidas, a segunda divisão se torna uma primeira divisão B porque as televisões vão pagar melhor perante maiores audiências. Ao contrário de assistir seu time de vez em quando, todos os seus jogos serão transmitidos com exclusividade, sem pagar o Canal Premiére, todas as terças e sextas.

E você, tricolor, vai acompanhar mais, saber de cor a escalação e, principalmente, voltar a ter o gostinho da vitória. É estatística: os grandes que caíram ganharam 90% dos seus jogos.

O ano passa rápido. E as lições aprendidas, erros não mais cometidos, vão tratar de devolver uma das mais respeitadas e tradicionais agremiações do futebol brasileiro, símbolo de organização e disciplina, ao lugar que o Fluminense merece.

Um puxão de orelhas, uma visita dos alunos a sua gloriosa sala de troféus, uma palestra do Rivelino, outra do Edinho, um Rubens Galáxe comandando sua delegação à Porto Alegre, quem sabe a ficha cai e estes meninos alcancem, de uma vez por todas, o tamanho da história do tricolor das Laranjeiras dentro do futebol brasileiro. E lutem, e estudem, até o apito final.

UM LOCAL ONDE SENTA E HABITA A HIPOCRISIA

por José Roberto Padilha


No tempo em que o Denílson, o Rei Zulu, era emérito capitão tricolor, banco de reservas era um local respeitado. Era a antessala do poder. Não tinha esta história de time misto, a escalação estava na ponta da língua do torcedor e o álbum de figurinha da Panini não era traído quando da confecção dos onze que jogariam o Campeonato Brasileiro: Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antônio; Denílson e Didi; Wilton Flávio, Samarone e Lula.

Subindo dos juniores, contrato assinado, restava após o treino esperar a lista dos convocados que era afixada na parede azulejada. Eram sempre 17. 11 entravam em campo, ficavam no banco um goleiro e mais 5. E um era cortado no vestiário. Poderia alguém passar mal, ter uma indisposição qualquer. Era o correto.

Na primeira vez que por lá sentei, aquela que a gente nunca esquece, como tricolor desde criancinha, cai na asneira de vibrar com um gol do Lula. Os outros permanecerem calados com olhares de reprovação. Depois da partida me chamaram no canto: “Ô juvenil! Está torcendo contra o patrimônio?” Não, retruquei. Estou torcendo pelo Fluminense. E a raposa felpuda contou os segredos daquele frio e desesperançoso lugar a partir dali. “Para o Fluminense, disse, você torce em silêncio, como todos nós. Para quem joga na sua posição, você fica em silêncio secante”. E traduziu: “Torce para o Lula ter uma leve entorse, nada sério, pegar um terceiro cartão amarelo, uma expulsão, então, lhe darão dois jogos para você ter uma oportunidade. O maior patrimônio que temos é estar lá dentro. Aqui, sentado, não valemos nada.” Era algo que soava diferente. Mas pelo menos eram sinceros.

E nunca mais sentei em um banco de reservas que não torcesse por si mesmo. Silêncio secante, dedinhos discretamente cruzados. Ou você permaneceria ali o resto da carreira, obscurecido como os reservas do Fábio, do Cruzeiro, do Vitor, do Atlético Mineiro, que ninguém contrata porque nem eu nem você sabe quem são. Ou pega uma lordose crônica, como herdaram os goleiros reservas do Rogério Ceni após 889 jogos sem deixar o gol do São Paulo.

Hoje, a FIFA estragou a antessala do poder. Parece um portal dos desesperados. São tantos ali sentados, que basta seu time marcar um gol que saem correndo atrás do artilheiro. Não para comemorar seu feito, mas para darem tapas em sua cabeça. E dezesseis tapas seguidos podem gerar uma brecha no lugar do Gabigol. E serem vistos na televisão.

Não se iludam. São 17 anos de bola, 7 clubes defendidos em 4 estados da federação e 2,5 na reserva do Lula: banco de reservas nunca torce a favor. Os que fingem que o fazem, e deixam escapar pro treinador que estão felizes e acomodados, apenas atestam que mesmo diante das novas e confortáveis poltronas, por ali reina a dissimulação. Um local onde senta e habita a hipocrisia.