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‘SE EU PUDESSE, ME CHAMARIA ÉDSON ARANTES DO NASCIMENTO… BOLA’

por André Felipe de Lima


Um psicólogo disse um dia ao Pelé que ele tinha um elevado índice de agressividade, o que não condizia com o que se via do Pelé dentro e fora de campo. Intrigado com o laudo médico sobre o Rei, um repórter indagou se o inconfundível soco no ar após os milhares de gols que marcou era a prova cabal da explosão dessa contida e hipotética “agressividade”. O Rei respondeu o seguinte, como se mais uma vez, e poeticamente, driblasse um incauto marcador: “Perfeito. O gol, para mim, é um momento de explosão. E eu sinto isso desde garoto.”

O gol. O gol tem um irmão gêmeo, e se chama Pelé. Nasceram juntos, em Três Corações, de Minas Gerais. O que se compreendia como gol antes do Pelé, mudou completamente depois dele. O conceito é inexoravelmente outro. É aquela velha história do “A.C” e do “D.C”. Com Pelé e o gol funciona assim. Um sempre amou incondicionalmente o outro. Quantas vezes o gol “chorou” emocionado por Pelé? Quantas outras vezes foi Pelé quem chorou de felicidade pelo “irmão” que tanta alegria proporcionou mundo afora? “Não há nada mais alegre na vida do que uma bola quicando na área. Nem nada mais triste do que uma bola vazia”. Pelé está certo. Sem essa comunhão não há alegria.

Pelé sempre foi assim, como a nos ensinar que a vida é regida por Janus, um Deus bifronte greco-romano, que mostrava aos fiéis a bipolaridade essencial para tocarmos a vida, com erros e acertos. Pelé foi o “Janus” do futebol, mas, definitivamente, acertou muito mais do que errou. “Tudo o que tenho devo ao futebol. Se eu pudesse, me chamaria Édson Arantes do Nascimento… Bola. Seria a única maneira de agradecer o que ela fez por mim.”

Muita gente tem a ideia de que Pelé foi milionário. Informação relativamente correta, mas só que o Rei começou a ganhar muito dinheiro mesmo onze anos após o título da Copa do Mundo de 1958. Ele mesmo confirmou isso em entrevista à revista Veja, em 1974, preparando-se para abandonar a Seleção Brasileira: “Uma coisa é bom esclarecer: apesar de jogar no Santos desde 1956, só mesmo a partir de 1969 passei a fazer bons contratos. Em 1965, minha firma, a Sanitária Santista, faliu, e fiquei numa situação difícil. Se parasse de jogar, teria de vender propriedades e batalhar para manter meu padrão de vida. De 1969 em diante, comecei a ganhar muito dinheiro, inclusive com bons contratos de publicidade. Hoje tenho sítios, casas, apartamentos, ações, empresas e contratos publicitários com a Pepsi-Cola, Arcoflex, Sparta, Puma e Colorado RQ. Tudo isso me proporciona uma boa renda mensal de 300 mil cruzeiros [correspondente hoje a apenas 1,5 milhão de reais]. O suficiente para Pelé parar e Édson viver tranquilamente, sem medo de problemas financeiros.”

Pelé tem latente nele a humildade genial e incomparável dos ídolos de outrora. Dos verdadeiros gênios do futebol. “Quem segura a barra de Pelé e Dico é o Édson, que nasceu primeiro. Édson é um sujeito responsável, respeitável, por isso, teve condições de proteger o Dico como família e ajudar o Pelé a manter a humildade necessária para chegar ao sucesso sem se desviar no meio do caminho”. Palavras do próprio Pelé.

Ao contrário do que imaginavam há mais de 40 anos, o Rei não ficou rico como merecia. Em algum momento, o caminho lhe surpreendeu com uma estrada pedregosa e esburacada. O tempo em que reinou no futebol não era globalizado. O marketing em torno dele, constata-se hoje, era, por mais surreal que seja a afirmação, aquém do que a eloquente imagem dele exigia. Tudo o que vendiam sobre Pelé — insisto em afirmar — parece pouco ao comparamos com o que se vende hoje em virtude da velocidade da informação e da imperiosa multimídia.

Pelé, a figura mais popular do planeta. A mais pura verdade. Porém as fortunas que cercam as imagens de pernas de pau da atualidade mostram o retrato da injustiça que o impiedoso folhear dos calendários fez com o homem mais famoso do mundo.

Várias vezes lia-se nos jornais o título “Um nome que vale milhões”. Mais uma imaculada verdade. Como escrevera Nelson Rodrigues sobre Pelé, o que “chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado da alma”. A coroa do Pelé jamais lhe será tomada por déspotas cabeças de bagre e milionários que hoje pululam os meios de comunicação mais que as redes adversárias. “É um disparate pensar em arranjar um substituto para ele. Criem outros reis, mas o trono de Pelé é só dele”, disse sabiamente Nilton Santos, que por essa e outras era justamente chamado de “A enciclopédia”.

O pequeno Dico virou o prodigioso Pelé. Virou gigante. Virou imortal. Pelé e a sua doce “agressividade” ao dominar a bola, passar por um, dois, três… Pelé, lado a lado, sempre, com o seu querido e inseparável irmão, tão rei quanto ele: o Rei Gol.

ISTO É PELÉ

por Armando Nogueira


Armando Nogueira

“Sua vocação de jogador de futebol é incomparável e se  exprime no campo com a mesma espontaneidade da bola que rola; é tão perfeito no criar como no fazer o gol,  no drible, no passe, no chute, na cabeçada.

Seja em  que circunstância for, Pelé mantém com a bola uma  relação de coexistência absolutamente íntima, terna, cordial; por isso é bom goleiro e ótimo goleador; por  isso, é capaz de estar, ao mesmo tempo, na concepção e na realização de uma jogada.

Seu talento é do tipo  esférico como a bola, o seu brinquedo mágico.

A técnica individual de Pelé não merece um só reparo  do mais exigente crítico de futebol: ele domina a bola com naturalidade e perfeição, usando qualquer parte do corpo, notadamente os pés e o peite; tem chute potente e certeiro com as duas pernas; dribla com facilidade e grande arte, valendo-se de incrível poder de articulação nos tornozelos, joelhos, cintura e, sobretudo, graças a uma força instintiva, medular, que lhe permite sair criando movimentos novos, irresistíveis, à base de contrapés, falsas hesitações, meneios e desequilíbrios aparentes.


Usa as faces  exteriores e interiores dos pés tanto para o drible e o chute como para fazer passes de efeito; tem espantasoa velocidade de partida e de corrida e se  eleva para as cabeçadas com uma elasticidade impressionante e com uma noção de tempo que só se vê  nos grandes especialistas dessa jogada (o húngaro Kocsis, por exemplo); tem agilidade felina para  recobrar o equilíbrio perdido.

E aqui vale a pena  recordar lance recente no jogo Brasil 5 X Argentina 1, no Maracanã. Pelé recebe a bola na corrida, entra na defesa  driblando uma fila de adversários; o último,  pressentindo o perigo, aplica uma rasteira que alcança Pelé em pleno ar.

Pelé se desequilibra, vai cair de  costas, a bola foge ao seu domínio, o juiz apita a  falta. Mas eis que no instante do apito, Pelé consegue  recobrar o equilíbrio, alcança novamente a bola e  restabelece a excelente condição de gol que conseguira.

A essa altura, porém, já o árbitro havia  interrompido o jogo e todo o maravilhoso esforço de  recuperação de Pelé resultava inútil. Restou-lhe o  consolo de ver o árbitro Juan Armental correr na sua  direção e pedir-lhe desculpa humildemente, por ter apitado.

Mais tarde, o juiz explicava à imprensa que  aquele fora o maior exemplo de agilidade pessoal  jamais visto em um campo de futebol nos seus vinte  anos de arbitragem.   Por fim, Pelé tem uma capacidade quase irreal de  infiltrar-se com a bola defesa adentro.


Vai como um  raio, dando a impressão ao espectador de que está  atravessando os corpos dos adversários. Temos ouvido  tanta gente querendo descrever as infiltrações de Pelé  mais ou menos assim: ele ia passando por dentro dos  outros.

Realmente, o lance é muito rápido e sugere a imagem.

O que ocorre, simplesmente, é que ele realiza  a ação em alta velocidade e com notável noção do  próprio corpo, que se assegura o mínimo de tropeços, o máximo  de equilíbrio e grande fluência na corrida. 

Em apenas três anos de prática ininterrupta, Pelé melhorou sensivelmente o seu futebol.

Não tanto do  ponto de vista da técnica individual, que nisso ele é  perfeito de nascença, mas no plano da ação coletiva. Antes, Pelé era um atacante, um especialista dos  chutes e cabeçadas à porta do gol; hoje ele multiplica sua presença conseguindo ser, com, igual eficiência, construtor e finalizador; num momento, Pelé é o arco que aciona e em seguida vai ser a flecha que alveja.


Do ponto de vista moral, ele já se destaca como grande  animador de equipes, impondo aos colegas e aos  adversários a autoridade indiscutível que vem da alta  categoria técnica. Uma única face de sua forte  personalidade não tem evoluído no sentido da perfeição: a serenidade.

Ele perdeu muito daquela ingenuidade com  que jogava nos começos da carreira; ficou irritadiço, impaciente. Mas, coitado, tanto sofreu nos pés dos  medíocres, tanto lhe deram pontapés que ele hoje  deixou de ser aquela força da natureza exprimindo-se puramente, sem amargor.

Antes, davam-lhe um trompaço  brutal, ele se levantava, limpava os calções e ia  tomar posição de jogo; agora, se o derrubam com  deslealdade, ele raclama furiosamente”.

 

Texto publicado originalmente na revista Senhor,  nº 21, em novembro de 1960, quarto ano de Pelé como profissional….

NÃO JOGA NAS ONZE

por Victor Kingma

Essa é para lembrar de um grande artista da bola, o Garrincha da ponta esquerda.

No final dos anos 50 um combinado paulista foi se apresentar no interior do estado. Aqueles amistosos em época de férias.

Embora o clima na cidade fosse de festa, o técnico do time do lugar há tempos vinha passando por uma situação constrangedora nos jogos da liga regional: estava sendo pressionado pelo prefeito a escalar o seu filho, Baguinho, recém chegado da capital. Só que otime estava certinho e o filho do político não jogava lá essas coisas.

E não tinha argumento que pudesse aliviar a pressão. Sempre que o técnico questionava sobre qual posição escalá-lo, o prefeito dizia:

– Escala em qualquer posição. O menino é fera, joga nas onze!

Na semana do jogo histórico e de grande festividade na cidade, a pressão aumentou mais ainda.  

 Como o filho do manda chuva da política local ia ficar de fora de uma partida tão importante? Ainda mais com o palanque cheio de autoridades.


No dia do jogo, em meio a grande foguetório e com o pequeno estádio totalmente lotado, o time local aparece no gramado com o empolgado Baguinho na lateral direita, camisa 2. 

Finalmente o veterano treinador tinha fraquejado às pressões.

Pouco depois entra em campo o combinado paulista. Na ponta esquerda, Canhoteiro, do São Paulo, um dos maiores dribladores que o futebol brasileiro já teve.

O final trágico todos podem imaginar. 

Com trinta minutos de jogo, Baguinho, o esforçado rebento do prefeito, extenuado, pede pra sair após levar um baile memorável.


Charge: Eklisleno Ximenes

No final do jogo, dando de ombros para a fúria do prefeito por ter colocado o seu “craque”  polivalente naquela roubada, o veterano treinador, raposa astuta do futebol do interior, com sorriso irônico se defendia de qualquer indagação:

–  Ué, mas não joga nas onze?

Veja mais em: www.causosdabola.com.br

POUCOS E BONS

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


(Foto: Nana Moraes)

Islândia, Panamá e Egito estão na Copa do Mundo. Holanda e Chile, não. Itália está na repescagem e Argentina se safou na última rodada. E, por favor, não me venham com esse papo de globalização, espaço para todos e união entre os povos porque sou a favor disso tudo, mas nesse caso, esqueçam, é politicagem pura, regulamentos de quinta categoria e a massificação do futebol da pior forma possível.

Me perdoem, mas Copa do Mundo é para poucos e bons. Se os dirigentes quiserem dar uma de bons samaritanos, algo que nunca foram, que realizem um outro torneio, nos moldes da Copa do Brasil, e reúnam milhares de países, mesmo os com zero tradição em futebol.

Como a Holanda, terceira colocada na Copa passada, pode ficar de fora? E o Chile, campeão da Copa América? Está errado! Como Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar podem não participar de uma Copa?


Durante o ano todo eles atraem milhares e mais milhares de torcedores aos estádios e na competição mais importante saem por conta de regulamentos esdrúxulos. Quem criem um ranking, mudem o formato, mas Copa do Mundo é Copa do Mundo, é show, é evento, é quando os maiores astros podem se enfrentar.

Tenho todo carinho do mundo pela Islândia, mas ela não vai contribuir em nada para o futebol. Serão onze soldados, disciplinados e determinados a não perderem. A torcida é linda, dá show, emociona, mas eu quero assistir é futebol de verdade.

Alô, dirigentes que ainda estão soltos, não acabem com a Copa do Mundo porque ela é sagrada e merece respeito, o máximo respeito. 

OS PIONEIROS

por Sergio Pugliese


Da mesma forma que o futebol de salão virou futsal e o futebol de praia, beach soccer, o soçaite, criado em 1954, foi rebatizado de Fut7 e transformou-se na modalidade futebolística da vez. Mas se os nostálgicos não se dobram aos modismos, o que dizer dos pioneiros, os precursores do esporte?

– O nome pode até mudar, mas a essência não morrerá nunca – garantiu Ary David de Almeida, considerado um dos maiores jogadores de soçaite de todos os tempos.

Ary era a grande estrela do Pioneer, primeiro time de soçaite da história, montado pelo saudoso José Luiz Ferraz, dono da construtora Santa Isabel, e que apresentava-se, nas tardes de sábado, no impecável gramado de seu terreno, em Corrêas, distrito de Petrópolis.

– Aquilo era o paraíso e o time deles, praticamente imbatível – reforçou Pedro Tartaruga, ídolo do Santo Inácio, um dos adversários que sofreu nas mãos, na verdade nos pés, dos craques do Pioneer.

Nossa equipe reuniu Ary David, Pedro Tartaruga, os irmãos Paulo e Thomas Sá, também do Santo Inácio, e Zé Brito, do Milionários, boleiros que tiveram o privilégio de participar do nascimento do soçaite, em Corrêas. Imaginávamos um encontro pacato, mas rivalidade é rivalidade e Ary David resgatou do fundo do baú uma goleada de 21 x 3 do Pioneer no Santo Inácio. A casa caiu!!!!

– Sinceramente, não me lembro disso – esquivou-se Paulo Sá.

– Nesse dia, não fui – defendeu-se Pedro Tartaruga.

Thomas Sá preferiu rir, mas Ary David, iniciou uma sessão de hipnose, praticamente uma regressão, e conseguiu ativar a memória de Thomas, que tinha argumentos convincentes, como a falta de hábito de jogar sem o impedimento, uma das regras da casa. José Luiz Ferraz também estabeleceu que as cobranças de falta seriam indiretas, a marca do pênalti ficaria a oito passos do gol e a baliza mediria cinco metros de largura e dois e dez de altura. E se Ary David era uma máquina de fazer gols com linha de impedimento, imagine sem! Naquele dia, fez um caminhão, mas pediu para o árbitro encerrar a partida quando o placar marcou 21.

– Os amigos não mereciam aquele tratamento – divertiu-se ao lado dos companheiros da vida toda.

Mas os craques do Santo Inácio não sofreram sozinhos. O escrete do Pioneer colocou muita gente na roda, inclusive profissionais como Gerson, Ayrton Povil, Pampolini, Carlos Alberto Torres, Zizinho e Zagallo, além de clubes tradicionais, como Juventus, Lagoa, Columbia e Real Constant.

– Também ganhamos do Milionários – acrescentou Ary David.

– Do Milionário, não!!! Esquece!!! – bradou Zé Britto, que numa de suas belas atuações em Corrêas, como adversário, acabou contratado pelo Pionner.

Além de Zé Britto, Ary David e José Luiz Ferraz, o Pionner também tinha Marcos André, Moacir Lobo, Valdir, Ary, Átila, Eurico Louro, Raphael de Almeida Magalhães e Rivadávia Corrêa Meyer e Luiz Fernando Secco. Mas o pessoal da alta sociedade também disputava uma vaguinha na equipe e atraía a atenção da imprensa. Empresários como Tony Mayrink Veiga, Álvaro Catão, Didu Souza Campos, Antônio Piano e o construtor Celso Bulhões de Carvalho, além de Miéle, Armando Nogueira e Luiz Carlos Barreto, eram personagens constantes da coluna de Maneco Muller, no Diário Carioca e Última Hora, e bom goleiro, que aproveitou um termo já existente, o café society, para criar o futebol soçaite.

– Não duvide que a resenha também tenha nascido lá – comentou Ary David, que participou de muitas rodas musicais, pós-pelada, com Adalgisa Colombo e Dorival Caymmi.

A rapaziada aprendeu direitinho e até hoje mantém a garganta em forma, afiadíssimo nas resenhas. Se dependesse de Zé Brito, Ary David, Pedro Tartaruga e dos irmãos Paulo e Thomas de Sá estaríamos até agora brindando uísque e cerveja, no apartamento do artilheiro Ary David, que cobriu a mesa com fotos e recortes da época. Cada imagem, uma lembrança. Sorrisos e lágrimas, heróis e pioneiros.

Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É em 20 de agosto de 2015.