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BRASIL CONTRA ARGENTINA AO SOM DE ABBA E O JOGO NA CASA DO “INIMIGO” DE 1981

por Marcelo Mendez

Subimos a Rua Tanger.


A ideia naquele domingo de muito sol no Parque Novo Oratório era aceitar o armistício de paz do Tocão, que após quebrar meu nariz no “contra” entre Tanger de Baixo x Tanger de Cima, chamou a rapa nossa pra ver o jogo do Brasil x Argentina na casa dele. Ele topou as condições minhas: eu poder levar meus amigos de time da Tanger de Baixo.

Após conversa dele com a mãe, da mãe dele com as nossas, tudo foi acertado.

Minha mãe, Dona Claudete, se prontificou a ajudar com as coxinhas que ela já vendia pra ajudar nas contas de nossa casa. O Seu Antonio, pai do Jadão, descolou uma grana para os refrigerantes e então, munidos de tudo isso, eu, Jadão, Néinha, Pedrinho, Serginho e Denis subimos os 200 metros que precisávamos para chegar até a casa do Tocão.

– Tocãooooooooooo!!!

– Caraio, Marcelo, num grita!

– To chamando o cara, Jadão!

– Tem campainha, seu burro!

E então, com a atenção chamada pelo Jadão, acompanhado das risadas dos outros parceiros, apertei o botão da campainha na parede da frente do sobradão que o Tocão morava. Chamava atenção…

Em um bairro que ainda era bem precário, quando a vida era dura no Brasil de 1981, ver uma casa como a do Tocão impressionava bastante. Ele morava num sobrado na parte de cima da rua, uma casa bonita, com uma Brasília nova e um Dodge Polara na garagem. Seu pai, o Renato, trabalhava na Volks, era ferramenteiro por lá e a vida do Tocão era bem diferente da nossa.

Foi ele quem nos recebeu:

– Entra, Marcelo! Veio todo mundo?”

– Se num viessem, eu também num viria!

A chegada no sobrado do Tocão…

Ao me ver com a vasilha de salgadinhos cheia, Tocão me ajudou com o peso.

Os amigos se revezam na condução da sacola de guaranás antártica de litro, na época num existia o tal do pet, era tudo vidro, tudo meio desengonçado pra carregar. Na porta de entrada, Renato, Pai do Tocão nos recebeu.

Homem alto, com um topetão penteado pra trás, muito bem vestido, equilibrou o copo largo com alguma coisa dentro, em uma mão e com a outra, fez afagos na cabeça nossa. Perguntou do meu Pai, deu um sorriso e nos convidou pra entrar.

Dentro da casa, a gente se surpreendeu de novo. Diferente dos cômodos apertados que a gente dividia a casa era grande, arejada, com móveis novos, uns super ventiladores de teto instalados e a sala onde assistiríamos o jogo tinha uma TV em cores enorme, umas poltronas e sofás confortáveis e um aparelho de som último tipo, tocando uma música.

Cheguei perto e vi que o disco era do ABBA e a música, contando as faixas da bolacha, descobri que era “Angel Of Morning”. Foi nesse momento que Dona Dirce, mãe do Tocão, chegou com uma bandeja de um monte de coisas pra gente comer.

– Meninos, falei pra mãe de vocês que não precisava trazer nada. Mas já que são os salgadinhos da Dete, sei que são bem melhores que os meus, então a gente come junto, né?

Concordamos e então começamos petiscar, quando a campainha tocou. Tocão foi atender e voltou com Sandrão, Betinho, Luciano, Carlão e Dida. Era o time da “Tanger da Cima”

O rescaldo do nariz quebrado

Dona Dirce foi quem recebeu os caras, da mesma forma que nós fomos recebidos.

Os trouxe até a sala, nos apresentou, como se já não nos conhecêssemos tão bem, nos deixou sozinhos enquanto foi preparar algo. Nesse momento, rolou um clima meio estranho, de eles pra lá pro outro lado do sofá, nós pra cá. Foi Luciano quem quebrou o gelo:

– E aí? Precisamos marcar aquele “contra” de novo. Porque num acabou, né? Marcelo e Tocão estragaram tudo…

– Eu? Ele que deu um murro no meu nariz. Sorte de vocês que o Peu chegou, senão num ia ficar assim, não!

– Assim como, Marcelo? Com o nariz torto? – tirou onda comigo, Sandrão. Eu não deixei quieto. Levantei do meu lado do sofá e fui até ele:

– Torto vai ficar você, desgraçado…

– Calmaaaaa!!!” – era o Renato, Pai de Tocão.

– Vai começar o jogo, vocês vão comer, beber guaraná e ver isso juntos. Vamo sentar que os times já tão no campo!

Com a narração do Silvio Luiz, via TV Record, a gente viu que os times de Brasil e Argentina estavam em campo.

Maradona, eu não te odeio…


Estava muito recente, nas nossas retinas de meninos, aquela festa de papel picado no titulo deles contra a Holanda na última Copa, a marmelada que eles armaram contra o Peru e o timaço que eles tinham que vinha reforçado com um camisa 10 que eu já começava a gostar.

– Porra, mas como pode um cara desse tamanho, dar tanto trabalho? Porque o Oscar num da uma chegada nele?

– Porque o Oscar não ta nem achando ele em campo, Jadão! – respondeu o Sandrão.

Aos meus 11 anos de idade, eu descobri que jamais ia conseguir odiar Maradona. Ele era aquilo que eu e qualquer um dos moleques da Rua Tanger poderíamos vir a ser. Um moleque de bairro, de uma favela Argentina, com um talento especifico, como única chance de mudar a sua vida. Se apegaria a isso com toda a fé e todos os pecados do mundo.  Seria nosso rival, mas jamais, nosso inimigo:

– Ah lá, fodeu! – Falou Néinha. Com toda habilidade do mundo, o 10 argentino entrou driblando e abriu o placar. E o primeiro tempo virou com aquele gosto estranho na goela. 

O coice que uniu a nação!

Na segunda etapa, o Renato já não estava mais ali com a gente.

A irmã e a mãe do Tocão também já faziam outras coisas. Na sala tínhamos nós que torcíamos pelo mesmo time, mas que não estávamos juntos ainda. Até que o Passarela resolveu dar um jeito nisso…

Uma jogada no meio, bola comum, sem nada de perigo pra lado nenhum e na dividida com Batista, Passarella dá um coice no meio da perna do volante nosso, pura maldade.

– Filho da puta! – gritou tocão.

– Filho, num fala palavrão… – disse Dona Dirce.

– Não, Dona Dirce! Tocão tá certo; Esse Passarella é um filho da puta mesmo! – disse o Jadão.

E nesse momento fizemos um corinho no meio da sala:

– Filho da puta, filho da puta, filho da puta…

– Mas o que é isso?!?! – indignou-se a Mãe.

Sorrindo, seu Renato, amenizou:

– Deixa os meninos, Dirce. Vamos lá pro outro quarto…


E então, sozinhos, começamos a comentar a patada do Passarella, juntos, sentando agora misturados, um do lado do outro, xingando tudo da seleção Argentina, torcendo pra valer. Ali, naquele momento, a sala da casa do Tocão virou uma arquibancada do Estádio Centenário onde rolava o jogo e juntos vimos o gol de Edevaldo, empatando para o Brasil:

– GOOOOOOOOOOOOOLLLLLLLL!!!

Abraçados como amigos que sempre fomos mesmo antes de sabermos que éramos, fizemos a festa naquele domingo à tarde. Enchemos a cara de guaraná e coxinhas de frango, nos saudamos e ficamos felizes como se a vida em 1981 fosse algo muito bom. E no final, Luciano arrematou:

– Acho que aquele “contra” que num acabou a gente num precisa mais jogar. Mas acho que a gente podia se juntar pra pegar o time da Rua Camerun. Vamo?

E no caminho para a Copa de 1982, surge um novo escrete no Parque Novo Oratório…

 

 

 

 

A ARTE QUE FALA PORTUGUÊS

por Zé Roberto Padilha


Em 1932, uma bola foi alçada sobre a área da equipe do Carioca, pelo campeonato estadual do Rio de Janeiro, em direção a Leônidas da Silva., então atacante do Bonsucesso. Quando ele se preparava para concluir de cabeça, a bola quicou em uma irregularidade do terreno e tomou um novo rumo. Qualquer jogador que não pertencesse a esta iluminada raça miscigenada, não incorporasse a capoeira e outros ritos culturais pela colônia preservados quando de suas capturas, lamentaria o seu curso. E colocaria as mãos na cintura. Leônidas da Silva, não.

Negro, safo e habilidoso virou de costas para o gol adversário e se jogou no ar num rodopio a tentar alcançar seu objeto de desejo. Nada era fácil para eles, como perderia aquela bola? E pés e bola se encontraram no ar e as redes, ao balançarem, registraram o espanto do público diante de uma inédita obra de arte. Desta vez ela não chamava Mona Lisa. Era um gol de Bicicleta.


Quarta feira, pela Champions League, contra a Juventus, em Turim, um descendente dos nossos colonizadores, que certamente carregou em sua árvore genealógica um ramo miscigenado, Cristiano Ronaldo pintou um novo quadro, ao vivo, para um mundo boquiaberto pela plasticidade e raridade do movimento. Desta vez a bola veio reta, o gramado era um tapete, não irregular como em Teixeira de Castro, mas alcançou uma altura tamanha, 2,40m, quase impossível de ser encontrada. E o artista atirou seu pincel no vazio e desenhou, com a ponta da chuteira no terceiro andar, uma nova obra de arte que se alinhou nas redes de Buffon.

Historiadores se dividem: afinal, fomos descobertos ou achados pelos portugueses? Pelo menos agora, na história da arte do futebol, não há mais dúvidas: quando Leônidas da Silva e Cristiano Ronaldo captam a essência do Rei local, Édson Arantes do Nascimento, e perpetuam a bicicleta como um quadro raro e precioso exposto no Baú do Esporte, o mundo fica sabendo que quando o pincel é uma bola, a tela um campo de futebol, todo Leonardo da Vinci fala português. Se por baixo se desentenderam em revoltas, motins e insurreições, no ar encontraram a paz e a harmonia em forma de arte.

A COPA DO MUNDO DE 1986 SOB A VISÃO DE UM MENINO LOIRINHO

por Marcos Vinicius Cabral


Sentado na última cadeira da primeira fileira do lado contrário da porta na sala de aula, o suor escorria pelo rosto daquele menino loirinho de 13 anos.

Aquele espaço físico de aproximadamente 4m x 3m, sem ventilação e com pequenas janelas encardidas deixavam à mostra algumas folhas secas castigadas pelo tempo e sopradas pelo vento.

Vez ou outra, o som dos pássaros famintos pedindo comida no ninho que estava instalado no peitoral em uma das janelas tornava menos tediosas determinadas aulas.

E era para os alunos da 6ª série do CETHL (Colégio Estadual Técnico Henrique Lage), motivo de contemplação a relação daquelas espécies de aves.

Por mais que aquele menino loirinho fosse aplicado em Matemática do professor Feliciano, equações, raiz quadrada e porcentagem nunca foram seu forte.


Já em Português, da professora Terezinha, sujeito, verbo e predicado faziam com que seu desempenho fosse satisfatório nesta disciplina.

Portanto, nada seria mais natural que a leitura e a busca incessante por informações fizessem que o menino loirinho se tornasse um ávido leitor da Reader’s Digest – revista mensal criada em 1922 por Lila Bell Wallace e DeWitt Wallace em Nova York – conhecida aqui no Brasil como Seleções e das manchetes esportivas, pois era também apaixonado por futebol.

Mas aquele ano de 1986 era ansiedade, ansiedade e ansiedade…

Era ano de Copa do Mundo e tanta ansiedade só seria atenuada à procura de informações quase sempre nas folheadas escondidas do jornaleiro nas páginas do Jornal do Brasil na banca próxima ao colégio.

Enfim, o domingo de estreia do Brasil se aproximava e era contra os espanhóis.

Aliás, os mesmos espanhóis que eram considerados favoritos na Copa de 1950 em solo brasileiro até o confronto pela fase final da competição, quando sofreram uma goleada de 6 a 1 para o escrete canarinho – Ademir da Guia e Zizinho só não fizeram chover naquela tarde no Maracanã – onde os 153 mil pagantes aplaudiram de pé os brasileiros.

Desde então, a Espanha passara a ser chamada de Fúria em virtude do encantamento de seu futebol apresentado naquela Copa.

E para não perder o brilho nos seus olhos, o menino loirinho, aflito, não escondia de ninguém a frustração se viesse a perder algum jogo caso fosse em um dia de aula.


E as partidas eram novamente no México, onde havíamos conquistado o tri com uma linha de produção dos operários da bola como Jairzinho, Gérson, Tostão, Pelé e Rivelino, que com o selo de qualidade, transformou aquele time em um fábrica de bons resultados e se transformou em um dos melhores nas vinte edições de Copas do Mundo.

Mesmo sendo um aluno exemplar, o menino loirinho não hesitaria em matar aula para correr para casa e ver seus heróis em ação.

Com os fantasmas da eliminação da seleção brasileira na Copa da Espanha, em 1982, assombrando e sobrevoando o imaginário dos amantes do bom futebol, havia no povo brasileiro, um misto de certeza e desconfiança.

Ainda mais que alguns acontecimentos infelizes pré-Copa seriam um presságio de coisas ruins.

E teria como não sê-los?

Ei-los:

Parecia mentira o 1° de abril, quando no amistoso contra o Peru, em São Luís (MA), o camisa 11 Éder Aleixo deu um tapa na cara de um adversário na lateral do campo.

Telê não hesitou e cortou o ponteiro que não mais vestiria a camisa amarelinha em jogos oficiais.

Já o outro ponteiro, Renato Gaúcho ficou de fora da lista final dos jogadores selecionados que usariam terno com as iniciais CBF bordadas no bolso do terno para viajar ao México.

O técnico brasileiro não engoliria a fatídica noite na esbórnia dele com o parceiro Leandro, em que chegaram noutro dia na concentração, na Toca da Raposa – que foi o centro de treinamentos utilizada para a preparação da Seleção Brasileira para as Copa do Mundo de 1982 e a de 1986 -, na cidade mineira.

Talvez o lateral Leandro, que surpreendeu a todos ao refutar sua segunda Copa do Mundo em solidariedade ao ponteiro gremista, tenha sido a ausência mais sentida por Telê.

Pouco tempo depois, o treinador dizia em entrevistas que precisava apenas de 40% de seu futebol, independente do estado de seus joelhos.

Mas Leandro não retrocedeu, manteve-se firme em não ir ao México e surgia Josimar, camisa 2 do Botafogo como seu substituto.

Na lateral esquerda, surgia um impressionante Branco – que sagrava-se tricampeão carioca pelo Fluminense –  que obrigaria o técnico a deslocar Júnior para o meio de campo, formando com Elzo, Alemão e Sócrates, os pensadores da equipe.

Com experiência comprovada na magia de um futebol envolvente como foi em 1982 na Espanha, Telê preferiu reservar três lugares cativos no banco: um para Cerezo, outro para Falcão e mais um para Zico.

Os dois primeiros estavam por deficiência técnica, enquanto nosso camisa 10, tentava se recuperar de uma grave contusão em seu joelho.


Era muita coisa negativa para uma seleção que buscava o Tetracampeonato Mundial.

Se o pernambucano Gagliano Neto foi o primeiro locutor brasileiro a transmitir um jogo de Copa do Mundo – na França em 1938 -, Galvão Bueno, Luciano do Valle e Osmar Santos tentaram fazer com que a torcida brasileira acreditasse no título de uma seleção pragmática com suas respectivas narrações, que vinham recheadas de emoção e de uma inquietude jamais escutada pelos ouvidos daquele menino loirinho.

A bola ia rolar…

Em 1° de julho, no gramado do estádio Jalisco em Guadalajara, brasileiros e espanhóis se perfilaram para o ritual dos jogos em Copas do Mundo.

Coisa normal, aparentemente.

Bastou tocar o Hino à Bandeira e não o Hino Nacional, que o sorriso sem graça de Sócrates e o balançar negativamente de sua cabeça, demonstraram o que seria o futebol brasileiro naquela décima segunda edição de Copa do Mundo.


O sonho acalentado há quatro anos, quando sucumbimos para a Itália, ali, naquele momento foi determinante: o Brasil não ganharia aquele Mundial.

Se o menino José Carlos Vilella Júnior, então com 10 anos, estampou a capa do Jornal da Tarde chorando lágrimas torrenciais, dando ao fotógrafo Reginaldo Manente seu terceiro prêmio Esso de Jornalismo – considerado o Oscar para a imprensa – na derrota para a Itália, em 1982, aquele menino loirinho chorava silenciosamente, sentado no chão acimentado situado à Rua Dr. March, 70, no Barreto em Niterói.

Ali, rodeado por alguns vizinhos, ele é milhares de torcedores viram o Brasil vencer a Espanha por 1 a 0, graças ao árbitro australiano Christopher Bambridge, que invalidou um gol legítimo do espanhol Michel.

O Brasil venceu mas não convenceu.

No segundo jogo contra a Irlanda, um pobre futebol e o mesmo placar da estreia – 1 a 0 – e o pessimismo cada vez mais presente àquela seleção.

No terceiro jogo, com dois golaços de Josimar e uma vitória por 3 a 0 contra os irlandeses, o caminho ia se tornando firme com os passos dado pela equipe de Telê Santana.


No jogo seguinte, contra a envelhecida Polônia do craque Zbigniew Boniek – que já não era o mesmo de quatro anos antes – um 4 a 0 trouxe um serenismo à torcida e um euforia contagiante.

Contagiante sim e perigosa também!

A próxima fase seria um desafio ainda maior já que os três jogos iniciais não serviriam de parâmetro àquela altura do campeonato.

E chegava enfim, às quartas de final da Copa do Mundo.

De um lado a seleção brasileira de Edinho, Sócrates, Júnior e Careca enfrentaria a seleção francesa de Platini, Tigana, Giresse e Amoros, para ir à semifinal.

Naquele 21 de junho, completava-se 16 anos da conquista do Tricampeonato Mundial do Brasil em 1970 e era o aniversário de 31 anos de Michel Platini, o maior jogador francês da história até o surgimento de outro maravilhoso camisa 10: Zinedine Zidane!

E o Brasil fez, sem sombra de dúvidas, sua melhor exibição.

Não era a sombra do espetáculo que produziu quatro anos antes na Copa do Mundo da Espanha, mas era uma equipe com uma tática bem definida.

Era um clássico histórico, dramático e inesquecível!

Se o camisa 10 deles esbanjava talento nos gramados mexicanos, o nosso estava no banco e sem ritmo de jogo, entrando no decorrer das partidas.


Entrou no segundo tempo e aos 26 minutos na primeira bola que recebeu no meio campo, enfiou na diagonal para a entrada do lateral Branco que tocado pelo goleiro francês (até então um desconhecido), dentro da área, cometeu pênalti.

Os olhos do menino loirinho brilharam como nunca naquele momento.

Enquanto Branco com os punhos cerrados recebia o abraço forte do meio campista Alemão fazendo-o desabar no gramado e olhando o céu mexicano, o menino loirinho abraçava todo mundo, inclusive Carlinhos, um morador de rua que assistia a partida e era famoso no bairro.

Na hora da cobrança, Edinho pega a bola e dá ao Zico como se dissesse: “Toma. É sua. Só você sabe o que passou para chegar até aqui”.

O árbitro autoriza o Galinho, que bate mal e o camisa 1 da equipe francesa voa e defende.


Nesse instante os olhos do menino loirinho começam a ser uma nascente de lágrimas de diferentes sentimentos.

Elas escorrem pelo seu rosto inocente e incrédulo com o que havia acontecido, ele olha para o céu e busca resposta para sua pergunta: “Deus, por que o SENHOR deixou isso acontecer?”.

O silêncio toma conta dos quase 100 torcedores, que aglomerados naquele chão recém acimentado fazem daquele instante um momento doloroso e inesquecível.

O jogo terminaria empatado e o Brasil perderia na decisão dos pênaltis – Sócrates e Júlio César desperdiçariam suas cobranças e Platini também – por 4 a 3.


Fim de um sonho.

Se o goleiro italiano Zoff foi o vilão da história em 1982, o que dizer de Bats, que não deixou a geração de Zico e Cia. ir além naquele Mundial?

O amor irrestrito no coraçãozinho daquele menino loirinho pelas cores verde e amarelo se transformaria em ódio mortal pelas cores da França até bem pouco tempo atrás.

Aquele menino loirinho acreditou cegamente que o Brasil de Telê Santana na Copa do México seria campeão exatamente no melhor jogo que fizera naquela competição: contra os franceses!

Vem aí, a vigésima primeira edição de Copa do Mundo, a da Rússia, em junho.

Que não tenham mais meninos loirinhos chorando em silêncio e sendo desacreditados por aquilo que há de mais precioso no futebol: a magia da inocência de se acreditar!

Passados quase 32 anos daquela Copa do Mundo, aquele menino loirinho se lamenta até hoje e vive sonhando que o pênalti perdido pelo Zico foi tudo uma brincadeira de mau gosto dos deuses que dominam e cometem injustiças nesse esporte chamado futebol.

Em tempo: O menino loirinho se chama Marcos Vinicius Cabral, tem 44 anos, é escritor – lançou dois livros e está terminando o terceiro – é jornalista, chargista, taxista, pintor de quadros, colaborador do Museu da Pelada, coordenador do jornal niteroiense on-line A Metropole e craque da camisa 23 – numa clara alusão ao dia do nascimento de sua única filha Gabrielle Cabral – do Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, no Porto Velho em São Gonçalo.

SEM TESÃO, COMO COMANDAR UMA NAÇÃO?

por Zé Roberto Padilha


Ter a honra de dirigir o Flamengo é o sonho maior de muitos treinadores. Poucos cargos no futebol oferecem, além da enorme visibilidade, tanta gente reunida a torcer pela sua vitória. No entanto, o presidente do clube, Bandeira de Mello, acaba de declarar, em O Globo, que o seu preferido, Cuca, ainda não decidiu se aceita o convite ou vai ser comentarista na Copa do Mundo. Quando um comandante se mostra indeciso entre a coragem para assumir aquele caldeirão ou comodamente pegar um microfone e julgar o trabalho dos outros, é porque sua cuca perdeu o tesão de dar continuidade à sua profissão. E sem tesão, não há solução.

O cargo de comentarista esportivo tem sido ocupado, honradamente, por ex-atletas e árbitros de futebol. Ao lado de jornalistas formados e capacitados, estão contribuindo para explicar, com a simplicidade do Júnior e o bom humor do Denílson, em meio a idolatria que cultivaram, os segredos vividos dentro de campo. Mas o fazem após seu jogo de despedida. Logo após Muricy Ramalho anunciar a sua aposentadoria do apito.


Se o Flamengo insistir com esta cuca indecisa, vai ter no Campeonato Brasileiro um treinador meia bomba. Com seu olhar desconfiado, copinhos posicionados a dividir seu misticismo no burródromo, vai se apresentar ao Ninho de Urubu “de camisinha”. E dirigir seu time não com a faca entre os dentes, mas mascando um chiclete sem tirar o papel celofane. Não é a toa que todos amam por lá papai Joel. Sem deixar seus cabelos embranquecidos, além do brilho no olhar confiante, misto de deboche, atrevimento e confiança, traçou há anos em sua prancheta a fórmula do amor eterno à sua profissão. E a carrega em seus braços em qualquer direção. Menos da Rússia.

Ao não saber se vai para sua lua de mel em Cancun ou Raposo, vestir Armani ou Casa José Silva, tomar um vinho chileno ou licor de catuaba, viver grandes emoções ou apenas comentá-las, Cuca já se aposentou da profissão. Apenas não sabe.

FORÇA, MENDONÇA

Conheci Mendonça no Bar da Eva, no Grajaú, quando eu levava craques para reverem os jogos mais marcantes de suas vidas. Foram dois anos de pura felicidade! Bebi muitas geladas com Válber, Donizete Pantera, Búfalo Gil e, claro, Mendonça, que vinha de Bangu. Fechei o bar com alguns deles, sempre ouvindo glórias e derrotas. Rondinelli chorou, Assis chorou, Amarildo chorou. Os clientes choravam. O Afonsinho sentava em todas as mesas, o Adílio sorteou sua camisa, Francisco Horta cantou uma marcha tricolor e Eurico Miranda puxou o Casaca. Mendonça esteve lá várias vezes e em todas lamentou o fato de não ter sido campeão pelo Botafogo, time do coração. Nesse momento, eu pedia mais um chope, desviava o assunto e colocava na tevê o vídeo com seus dribles e golaços. Ele viajava e agradecia. No drible “Baila Comigo”, que descadeirou Júnior Capacete, levou uma bronca da mulher, rubro-negra, quando chegou em casa: “precisava daquilo tudo?”. Foram chopes e mais chopes! Na correria do dia a dia perdemos o contato até ser avisado por Adílio que ele precisava de ajuda, estava sendo vencido pelo álcool. O craque rubro-negro conseguiu a internação na Clínica Jorge Jaber e fomos visitá-los juntos. O álcool é devastador. Ficou três meses e recebeu alta com a condição de voltar quinzenalmente. Nunca mais apareceu. Mas na segunda passada o reencontrei na pelada do Carlinhos Cortázio, na Barra da Tijuca. Ficou meio sem graça quando me viu. Olhei para a mesa tentando flagrar algum copo de cerveja. Não tinha. Me aproximei e nos abraçamos. Sua aparência estava saudável e a memória boa. “Estou limpo!”, garantiu. Mas senti um cheirinho de álcool, típico de quando transpiramos na pelada após um dia de bebedeira. “Mesmo?”, perguntei. “A batalha é dura!”, disse. Não quis interpretar a resposta como um sim ou não, e pedi para que relembrasse pela milésima vez o seu “Baila Comigo”.