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COMEÇO DO SONHO; FINALMENTE A COPA DE 1982 COMEÇOU…

por Marcelo Mendez


14 de junho de 1982; Acordei tarde.

O rádio da minha mãe na cozinha tocava uma música do Roberto, via Rádio América, minha irmã brincava de boneca e eu levantei para tomar meu café.

Passando pela sala vi meu Pai aflito, fumando um cigarro atrás do outro e discando freneticamente o telefone. A todo instante, folheava o Jornal, depois voltava a ligar. Minha mãe dizia que ele estava tentando falar com nossos amigos jornalistas para saber da Argentina que segundo minha mãe, Dona Claudete, “parece que tão terminando um charivari de guerra lá…”

Vi na capa do Jornal que era a tal das Malvinas que eu tanto ouvia falar.

Eu sabia, mas não sabia de nada. Na minha cabeça de menino de 12 anos, não queria muita coisa com essas Guerras. Meu mundo naquele dia 14 não era esse e então peguei minha bola, meu álbum de figurinhas da Copa e corri para casa da minha Tia Leoni, no velho quintal da Avenida das Nações, no nosso Parque Novo Oratório, de uma Santo André ainda bucólica.

Cheguei e vi Tia Leoni fazendo empanadas e coxinhas de frango. Vi a mesa repleta de garrafas de Coca-Cola de um litro, cervejas Brahma Chopp, maços de Minister longo, vários sorrisos e muita expectativa. Meus primos terminavam de enfeitar a rua, a prima Marlene, tentando ficar alheia àquilo tudo, ouvia um disco do Joy Division e eu de coração acelerado:

A Copa do mundo ia começar! Brasil x URSS se enfrentariam! E por mais que parecessem séculos, as horas passaram e o jogo, enfim começou…

Não seja alienado companheiro!


Bola rolando. O time não estava bem. Nervosismo, ansiedade, o time mal em campo e aquela discussão interminável entre meu Pai e meu Tio Urzaiz enchendo nosso saco:

– Muito me admira Urzaiz, você aqui feito uma besta torcendo pra esse time aí. Você sabe o que isso representa, sabe o que significa. Mesmo assim fica aí se descabelando…

– Mauro vá à merda você, o Marx, o Trotski e a URSS! Deixa a gente ver o jogo…

– Alienado!

– Alienado é a put…

– EEEEEEEEE SILÊNCIO, OLHA O JOGO!! – clamávamos nós, os alienados todos, para podermos torcer em paz. Eles pararam, mas a URSS abriu o placar com um chutão de Bal e um frangaço de Valdir Peres.


Pânico! Não podia ser…

Depois disso, pouco falei. Observei meu pai falando em complô da Direita universal contra o regime comunista. Quando o árbitro não deu um pênalti para os soviéticos, vi minha Tia Cida colocar dentes de alho embaixo da mesa como simpatia, minha mãe bater cabeça para Xangô e toda sorte e reza do mundo para ajudar aquilo mudar.

Não sei se foi isso, mas o Brasil virou com dois chutaços de fora da área, um de Sócrates, outro de Éder. Final: 2×1 de virada, festa, pipoca para o alto, beijos, abraços efusivos, inclusive entre meu Tio Urzaiz e meu Pai, que na hora do gol do Éder, esqueceu o Marxismo, a Guerra das Malvinas, a paz mundial e a compostura:

Gritou como o mais feliz dos alienados.

Começava a Copa de 1982. Ali eu depositei todas as minhas esperanças e odes. Meu coração de menino vivia aquela Copa como se jamais fosse bater por outra.

Talvez não tenha batido…

A DESPEDIDA EM SÃO PAULO, A FESTA QUE NÃO HOUVE E VAIAR ZICO, JAMAIS!

por Marcelo Mendez

28 de Fevereiro de 1982, o Dia…

Era um daquele domingos clássicos.

O cheiro da manhã na Quebrada, uma mistura de orvalho, com os temperos da mãe que já preparava as coisas do almoço, misturado com a fritura das bancas de pastel e das máquinas de frango, o caminho pelo bairro até o campo do Nacional era algo lúdico pra Fellini filmar. Ali nos encontraríamos, mas não para jogar. A peleja seria outra e em outro lugar.

Era a final do campeonato de Santo André na categoria mirim e o Nacional do Parque Novo Oratório enfrentaria o time da Pirelli, no estádio do Jaçatuba. Uma novidade para nós, uma molecada que cresceu correndo no terrão ao lado do cemitério e que ali, jantou todo mundo.

Chegamos na final do campeonato, com 2 gols tomados e mais de 40 feitos em 8 jogos. Os antigos da várzea que frequentavam a beira do campo apelidaram nosso time de “A Máquina” e acho que era bem pertinente. A gente entrava em campo pra passar por cima mesmo! Chegando na sede, vi a rapaziada e o primeiro que falei foi o Pedrinho:

– E aí, Marcelo? Dormiu?

– Porra nenhuma. Não consegui fechar o olho. Tem que começar logo esse jogo!

– É, vai ser difícil, time deles é bom…

 Nessa hora, o Batata, nosso volante chegou na roda ao ouvir a prosa:

 – Bom é o caralho, Pedrinho. Time bom é o nosso! Vamo logo lá ganhar essa porra!

 – Bora!

 Pouco depois, a Kombi que nos levaria até o Estádio do Jaçatuba, em Santo André, encostou. Nela, fomos nós, os jogadores, mais o seu Cido, Esquerdinha e o Ditinho roupeiro. Atrás de nós uma fila de alguns carros dos nossos pais, amigos e torcedores vieram nos seguindo. Impossível não se empolgar com aquilo tudo. Não tinha como dar errado…

Zico de presente…


 Aos 42 do segundo tempo, o placar da final era Nacional 6×0 Pirelli.

 Foi um baile de bola!

Naquele dia fiz três gols, os três primeiros. Carlão, o centroavante, fez dois e o Lidú, ponta esquerda, fez o outro, driblando a defesa da Pirelli, o goleiro, o gandula e toda a Santo André. Um golaço!

Com o apito do árbitro, festa no gramado, os pais e torcedores entraram no campo e abraçaram a gente.  Meu Pai, junto meus tios Bida e Zé, entrou junto, me abraçou, me levantou e já foi anunciando:

 – Filho, tu arrebentou! De presente, vou te levar pra ver o Brasil, quarta-feira no Morumbi!

 Nessa hora, o mundo começou a rodar na minha cabeça!

 – Sério, Pai? Eu vou ver o Zico de perto? O Éder? Vou mesmo???

 – Vai, sim! E vai comer lanche de pernil também!!!

 – Ebaaaaaaaaa!!!

 Dois tempos de uma mesma festa

O caminho para o Morumbi já era por si só uma grande viagem.

Sair do Parque Novo Oratório, para chegar do outro lado da cidade em 1982, era uma grande aventura que eu amava ver se concretizar. As luzes de São Paulo, o carro do Carlinhos, deixado lá longe, a procissão a pé, do lado de milhares de torcedores, Gentes como eu, ávidos por espetáculo, por sonhos, pela seleção que já já disputaria a Copa.

O jogo seria contra a Tchecoslováquia. Eles não se classificaram para a Copa, mas era um bom time. Além disso, a noite era toda especial.

Dia 03 de março de 1982 era aniversário do Zico, completando 29 anos, o jogo seria uma homenagem a Jairzinho, que estava se despedindo do futebol e o clima no Morumbi era ótimo. Parecia que nada seria estragado. Mas daí, um jogo precisava ser jogado…

O primeiro tempo tinha sido protocolar. O time nosso, que uma semana depois enfrentaria a Alemanha no Maracanã, jogou apenas para o gasto. Os Tchecos pouco faziam e a partida começou a ficar chata. No segundo tempo, mesmo com o gol do Zico nada mudou e a torcida começou a vaiar o jogo sem dó.


A cada bola que Roberto Dinamite pegava, vinha o estrondo das arquibancadas; “Uuuuuuuuuuuuuuuhhh”. Eu, que via tudo isso, não conseguia acompanhar a rapaziada.

Não passava pela minha cabeça vaiar o Zico. Seria algo contra tudo que eu já acreditava aos 12 anos, um atentado contra meus sonhos, um ídolo ali, esculachado por mim. Jamais!

Me coloquei numa espécie de transe e parei de ver e ouvir as coisas a minha volta. Ali no campo, distante apenas alguns metros de mim, estava o maior ídolo da minha vida. O maior dos jogadores, o camisa 10 que eu queria ser. Zico correu, suou, se esforçou o que foi possível, mas não conseguiu impedir a má sorte do placar final em 1×1 e todas aquelas vaias no final do jogo.

Indo embora, estando num clima completamente diferente daquele que foi a chegada, eu estava bem, estava feliz e pensava que muitas outras emoções viriam pela frente. Já, já começaria a Copa do Mundo.

E eu descobriria que a Tchecoslováquia seria o menor dos problemas. Quem dera fosse o maior…

IBRA NO BRASIL?

por Matheus Rocha


Você queria o Ibra no seu time? Saiba que ele poderia estar nos principais times do Brasil.

Talvez você, leitor, esteja se perguntando: “como este ‘louco’ diz que o Ibrahimovic poderia estar jogando no meu time aqui no Brasil?”. E eu te respondo: “Sim, poderia, se as gestões sobre os clubes não fossem tão amadoras”.

Os torcedores sabem, mas não se importam. Os clubes são amadores no Brasil e agora estão começando a se profissionalizar e tratar como sempre deveria ter sido tratado. O excesso de empréstimos e excesso de falta de pagamento de tributos no passado gerou um passivo muito grande para os clubes, que sofrerão durante os próximos anos para pagá-los.

Se cada clube tivesse um plano bem definido, um orçamento bem ajustado e, principalmente, que fosse cumprido este orçamento, poderíamos estar brigando com a Europa em todos mundiais interclubes, fazendo frente às contratações e colocando o Brasileirão na vitrine, gerando mais valor e mais receita para todas as equipes. Pode até parecer absurdo o que eu digo a você, leitor. Mas não é absurdo.


Pesquisei hoje os balanços patrimoniais de alguns dos principais clubes do Brasil em seus sites e digo que estão melhorando as apresentações. Com algumas exceções, como Coritiba – a página diz estar sendo atualizada; do Vasco que nunca é encontrado no site; do Fluminense – que há somente um balanço provisório informando que está sendo avaliado pela auditoria ainda (faça-se uma ressalva que os balanços do Fluminense são muito bem apresentados há algum tempo, então acredito ser somente questão de tempo).

Alguns clubes ainda precisam melhorar (e muito) as apresentações de suas demonstrações financeiras para que tenham uma consistência e que informem aos associados e torcedores algo relevante, conforme previsto na lei do PROFUT. Esses clubes demonstram um amadorismo muito grande quando apresentam as demonstrações financeiras com informações faltantes ou até mesmo com erros que são facilmente identificáveis para profissionais da área contábil.

Mas vou explicar primeiro a técnica utilizada na comparação que faço ao final deste texto: os clubes apresentam as despesas financeiras (basicamente juros e atualizações monetárias de empréstimos e tributos, com alguma outra despesa financeira extra). Comparei essas despesas financeiras com os salários de alguns jogadores do futebol mundial. E o que isso significa? Significa que se os dirigentes do passado não tivessem captado tanto empréstimo e tivessem pagado todos os tributos no período correto, hoje os times poderiam estar pagando salários que competissem aos salários dos jogadores da Europa. Obviamente isso não é uma verdade absoluta, pois alguns jogadores deveriam rescindir com os clubes atuais, isso gerariam outros gastos de contratação. Mas aqui é somente um exercício de reflexão sobre a boa gestão.

As despesas financeiras também não significam que o clube pagou aquele valor no ano, pois por vezes esses juros são somente um aumento do empréstimo ou do acordo relativo a aquele ano que será pago em anos posteriores. Isso ocorre por que os clubes não apresentam adequadamente os juros pagos na demonstração do fluxo de caixa, conforme requer a norma contábil, com exceção do Flamengo. A outra exceção, porém negativa, é o Cruzeiro que não possui abertura do resultado financeiro, ou seja, o valor utilizado são as despesas financeiras líquidas das receitas financeiras. Os clubes somam amortizações e juros dos empréstimos e tributos, então resolvemos ser consistentes na comparação. Dessa forma, utilizamos as despesas financeiras da demonstração do resultado ou da abertura da nota explicativa para todas as equipes abaixo:


O que vale lembrar é que os clubes têm essa despesa financeira todos os anos, ou seja, seria possível pagar o salário de um James Rodriguez ou de um Zlatan Ibrahimovic durante vários anos com o que os grandes clubes brasileiros pagam.

Toda vez que o presidente do seu clube anunciar uma grande contratação, lembre-se: poderia ser muito melhor, se a gestão passada tivesse sido profissional!

 

** Matheus Damasceno Rocha é contador formado pela UFMG e pós graduado pela FGV e Ohio University. Experiência de mais de 15 anos em multinacionais e ex-auditor da PwC em BH e no Rio.

VITÓRIA NA ALEMANHA E A FESTA QUE PRECEDE O SILÊNCIO. O BRASIL SEGUIA FIRME ATÉ 1982…

por Marcelo Mendez

As minhas andanças de pijama até o quarto do Velho Gunther já era algo comum na rotina do Hospital Santo André.

Toda a hora que dava eu ia lá pra ver desenho, Globo Esporte e filmes de bang bang. Gunther, quando não resmungava de tudo, dormia e os dois grandões, Pedrão e Teodoro, viraram meus amigos e me falaram dele. Particularmente, porque ele ficava sempre sozinho naquele quarto enorme e chique.

O Velho Alemão não tinha uma boa relação com os filhos, com ninguém. Sempre cuidou dos seus negócios com mão de ferro e a vida que teve o fez se preocupar muito em ter as coisas todas, a ganhar tudo e de todos, se dedicou a isso e nunca teve muito para nada que não fosse o que por aí se chama de sucesso. Eles me contaram que a coisa piorou quando a mulher faleceu e agora a doença.

Gunther era um homem rico e solitário.

Como tal, tinha um pouco de medo quando alguém afrontava essa solidão. Foi o que aconteceu comigo, no começo, mas era o que não acontecia mais, desde o dia que bati na sua porta pra ver futebol

Liberado para receber afeto


Descobri no dia anterior que eu finalmente estava liberado para receber visitas.

A doença já estava saindo do meu corpo, a recuperação ótima e em breve eu teria alta para ir pra casa. Faltava pouco e agora ia poder ver as pessoas que pudessem me ver. No dia 18 de maio de 1981 eles poderiam vir me ver, mas isso tava me preocupando…

Naquele dia, o Brasil, que já havia vencido a Inglaterra por 1×0 e dado um baile de 3×1 na França, iria enfrentar a Alemanha, depois daquele 4×1 do mundialito, só que dessa vez na casa deles, em Stuttgart. O time alemão era forte e viria com tudo pra cima da gente. O jogo seria as 16h45 e o horário de visitas das 15h às 17h. Que coisa…

O Parque Novo Oratório é em todo lugar…

Às 15h em ponto, meu Pai, minha mãe e minha irmã entraram no quarto.

Depois de abraços, beijos, orações e glórias, me entregaram um pacote com bolacha, maçã, pêra. Eu estava liberado pra comer fora da dieta do hospital. Falamos um pouco quando meu pai falou da surpresa:

– Filho, eu vou lá embaixo buscar um pessoal que veio te ver!

– Quem, Pai?

– Você vai ver…

E enquanto eu falava com a mãe, eis que ouço um barulho, seguido de uma invasão no quarto:

– Aeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!!!!!!

Era o time do Nacional. Todos os jogadores do time fizeram questão de vir me ver. Seu Cido, nosso diretor, arrumou uma Kombi, botou todo mundo dentro e trouxe a molecada toda.

– Espera, sai de cima, vai quebrar a cama!

Todos eles fizeram montinho em mim, comemoraram e uma zona foi feita no corredor do terceiro andar do hospital. Os assuntos eram vários:

– Marcelo, tamo classificado pra semifinal do campeonato de Santo André. Sem você, tá jogando o Edu! – me informou Baianinho, o zagueiro.

– E tá muito bem, viu? Cê pode seguir aqui mais uns dias…

– Vai se fuder, Carlão!

Todo mundo riu. As gargalhadas foram interrompidas pela pergunta do Tocão:

– Puta merda, num vamo poder ver o jogo. É daqui a pouco!

– Hum… Pode deixar, vou dar um jeito. Venham comigo!

– Marcelo, pra onde você tá levando eles?

– Pode ficar tranquila, Mãe. É aqui perto…

A arquibancada possível…

Acompanhado de mais 12 moleques eu cheguei até o quarto do Seu Gunther:

– Seu Gunther, tudo bem?

– Mas que diabo é isso? Arrastão?

– Não, Seu Gunther. Esses são meus amigos, lá do nosso time, o Nacional do Parque Novo Oratório, aquele que eu falei pro senhor…

– Sim, mas o que você quer aqui com essa turma?

– Seguinte, hoje é o ultimo jogo da excursão da Europa e contra a Alemanha do senhor. Daí trouxe os amigos pra gente ver o jogo aqui!

– Mas de novo esse futebol?

– Ô Seu Chucrute… Libera logo essa TV aí, que já vai começar.

– Do que você me chamou??!

– Cala a boca, Luciano! Seu Gunther, a gente num vai embora. Deixa a gente ver, vai…

Resoluto, Gunther deixou. E mesmo que não quisesse, entrou na nossa pilha e o quarto virou uma festa. Ele mandou que Teodoro comprasse um monte de salgadinhos da lanchonete do hospital, refrigerantes e até uma pipoca arrumou. Quando a Alemanha fez 1×0 com Fischer, ele gritou gol e tudo.

Porém, quando Toninho Cerezo empatou, a gente fez montinho nele e no segundo gol, de Júnior, quase derrubamos o andar do Hospital.

Tiveram ainda os pênaltis que Valdir Peres defendeu e, no final de tudo, o jogo acabou, o horário de visitas estourou e quando foram se dar conta, no quarto particular de Gunther tinha nós, os moleques, meu pai, os seguranças do Velho, os Enfermeiros, o médico de plantão e o pessoal da faxina.

Uma festa!

O Brasil saía invicto da Europa e o Velho Gunther, depois de muito tempo, voltou a sorrir.


A dor que o silêncio traz…

Os dias se passaram.

Chegou a vez de eu ter minha alta e eu corri lá pro quarto dele para dar a notícia, mas ele não estava mais lá. Dona Dora, a enfermeira, estava arrumando as coisas e foi ela quem me contou.

Gunther havia morrido naquela madrugada. Ninguém de sua família subiu para vê-lo, nenhuma pessoa ali para lamentar nada. Parei por um tempo ali.

Olhei para a TV, lembrei das tardes que passamos juntos e fiquei triste o bastante para não querer mais olhar para nada daquele lugar. De volta pelo corredor do Hospital Santo André, chorei sem entender o porquê.

Naquele Maio de 1981, aprendi que a vida, o futebol e a Copa de 1982 eram bem legais, mas que também podiam fazer chorar.

Essa foi uma lição que eu não aprendi para 1982…

GARRINCHA, UM CRAQUE ‘ITALIANO’ QUE POUCOS CONHECERAM

por André Felipe de Lima


Garrincha é, talvez, o jogador de futebol mais pródigo em histórias. Algumas realmente verdadeiras, outras, porém, parte integrante e indispensável do anedotário do futebol brasileiro. Vivemos assim, felizes com nossas histórias. O brasileiro, no fundo, confia nas mais diversas versões possíveis para reproduzi-las no dia seguinte. Isso nos faz diferentes e sempre sorridentes, sei lá. Talvez singulares. E, porque não, artistas. Sim, todos trazemos conosco um pouco do Garrincha. Ora tristes, é verdade, mas deliciosamente irresistíveis e, acreditem, felizes e lúdicos. Brincamos de viver como poucos.

Há muitas histórias do Mané que desconhecemos. Algumas delas, esse jornalista pretendia mostrar no documentário “Simplesmente passarinho”, que idealizei e comecei a produzir com o amigo e cineasta Marco Louro. Realizamos diversas entrevistas, com ex-jogadores, como Jordan, Altair e Coronel, a trinca mais famosa de “Joões” do Mané, e os tchecos da final da Copa de 62; amigos de Pau Grande, inclusive a primeira professora dele; personalidades do futebol, como o icônico João Havelange… enfim, gente à beça. O filme não conseguiu driblar a burocracia e o descaso com a cultura que afligem o Brasil. Mas vamos tocando (a vida) felizes… e contando histórias.

Garrincha era assim. Exímio contador de histórias e “tocador da vida” como poucos. Passava por ela da mesma forma que deixava para trás seus marcadores. Uma vez Elza Soares, companheira inseparável, levou-o a tiracolo para uma longa turnê na Itália, em 1970. Montaram residência na pequena Torvaianica. Elza queria tirar Garrincha do Brasil a todo o custo. No clássico “Estrela solitária”, Ruy Castro detalha essa desesperadora iniciativa da cantora para ajudar o companheiro, encalacrado com a justiça e muito deprimido. Mas essa é outra história. Mané estava na Itália e tinha que passar o tempo enquanto Elza cantava. Garrincha questionara: “O que farei enquanto a minha ‘Nega’ (como carinhosamente se referia a Elza) canta por aí?”. Ele pensou rápido, e veio a resposta: “Vou jogar bola, ora”.

Perto de Roma há uma pequena cidade chamada Sacrofano, que deve ter hoje cerca de 7 mil habitantes. Em 1970, quando Garrincha pintou por lá, deveria ter menos da metade que comporta hoje. Fez o mesmo em Mignano Monte Lungo, outra miúda “comune” italiana, ainda menor que Sacrofano, com pouco mais de três mil habitantes. Era o que Mané precisava naquele momento. Estava completamente duro e sem ter o que fazer enquanto Elza cantava. Calçou chuteiras e entrou em campo para disputar peladas com açougueiros e mecânicos. Embolsou por cada pelada cerca de 80 mil liras. Para os italianos, uma ninharia. Para Garrincha, a salvação da lavoura.

O time do Sacrofano era treinado por Dino Da Costa , ex-atacante histórico da Roma e da Juventus, com quem Garrincha jogou no Botafogo. Dino providenciou o show do Mané.


A deliciosa história foi recuperada pelo repórter Maurizio Crosetti, do jornal italiano La Repubblica, que ouviu, em 2016, personagens que arriscaram a honra ao tentarem, em vão, marcar Garrincha, que mesmo completamente fora de forma e já com sinais claros do devastador e impiedoso alcoolismo, deitou e rolou em cima dos italianos.

Carlo Sassi, um despretensioso lateral-esquerdo que jogou pelo modestíssimo e não menos despretensioso Sacrofano, tinha somente 20 aninhos quando ousou encarar um Garrincha já pra lá de Bagdá, mas ainda cascudo: “Garrincha estava sempre em silêncio, mas sorrindo. Ninguém conseguia tirar a bola dele. Ele marcou dois gols no canto, um no primeiro tempo e outro no segundo. Ele era um homem de pernas tortas, mas quão maravilhoso”, recordou o “João” italiano.

Crosetti fez a reportagem que todos nós, que amamos a história do futebol e, principalmente, a dos nossos ídolos, desejaríamos fazer.

Hoje, na sede da ASD Sporting Sacrofano, há fotos daquele memorável dia com Garrincha. Nosso Mané, cujas histórias andam tão esquecidas por nós, distraídos e lúdicos brasileiros, é para Edoardo Valentini, presidente do gentil Sacrofano, um “tesouro para todos”. Lá, na Itália, ou em qualquer canto do mundo, ainda se lembram do nosso Mané. Aqui, ainda sorrimos sem saber exatamente o porquê. Sorrimos ou choramos de histórias presentes sem que o passado nos instigue a nos prepararmos para o futuro. Não sabemos mais driblar nossa ignorância. Esquecemos que um dia fomos todos Mané. Mané Garrincha Futebol e “Vida” Clube.