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SANTA CRUZ 1975

por Marcelo Mendez


O ano de 1975 era importante para o futebol brasileiro.

Dentro dos conceitos de então, a seleção brasileira, que em 12 anos havia vencido três mundiais, não poderia terminar 1974 com um quarto lugar na Copa da Alemanha no ano anterior. “Vergonha!”, foi o que bradaram.

Dessa forma, o campeonato nacional que aconteceria um ano depois era aguardado com grandes expectativas. Foi um bom campeonato. Mas ao contrário do que se esperava, dos 42 times, um outro, até então pouco conhecido do cenário nacional, foi quem chamou atenção. E é desse time que falaremos aqui hoje.

Esquadrões do Futebol Brasileiro vem essa semana para homenagear o Santa Cruz de 1975

A FORMAÇÃO

A história desse time não foi construída à toa. Não foi uma obra do acaso o que aconteceu no Brasil de 1975. O Santa Cruz há muito tempo vinha sendo trabalhado para brilhar em nível nacional.

A coisa começa em 1969 quando o tricolor do Arruda traz do Rio de Janeiro o técnico Ivan Gradim para montar um time de jogadores jovens, como Ramon, Luciano, Cuíca, Zito Peito de Pombo, Fumanchu, Volnei para quebrar a seca de títulos e a partir dali vencer tudo, formando um time que seria pentacampeão pernambucano de 1969 até 1973. E que ano mágico foi 1973!


O Santa teve naquele ano o craque Ramon voando baixo! Em partidas lendárias como o 3×2 em cima do Santos de Pelé, Ramon deitou o cabelo, jogou muito, arrebentou. O time que contava com a gerência da camisa 5 do ótimo Givanildo, a frente dos zagueiros Lula (Pereira) e Levir (Culpi), começava a chamar atenção do Brasil. Inevitavelmente, o futuro seria glorioso.

1975, O ANO INESQUECÍVEL

A campanha do Santa engrenou na segunda fase do Brasileirão. Daí pra frente não teve pra ninguém.

O Santa Cruz venceu Grêmio, Sport, Palmeiras de Ademir da Guia dentro do Parque Antártica por 3×2, bateu o Internacional, que viria a ser campeão, por 1×0 e foi buscar a vaga para semifinal dentro do Maracanã metendo um 3×1 no Flamengo, numa noite de sonhos para Ramon e para o meia Mazinho.

As coisas estavam ótimas para o Santa, o técnico Paulo Frossad começava a falar em título e nada disso era absurdo. O Santa fazia por merecer e decidiria a vaga contra o Cruzeiro dentro de um Arruda em festa. A recepção do time após a vitória contra o Flamengo foi uma ótima mostra disso.


Todavia, para uma pessoa não tinha festa. No meio daquela multidão de felizes no aeroporto dos Guararapes. Mazinho, o meia que acabou com o Flamengo no Maracanã, já sabia que não poderia jogar contra o Cruzeiro alguns dias depois. E essa ausência seria muito sentida.

NO MEIO DO CAMINHO, UM GOL IMPEDIDO

O Cruzeiro de 1975 era uma seleção.

Ainda tinha por lá jogadores do porte de um Zé Carlos, de um Piazza, Palhinha, Eduardo, Nelinho e a novidade, um espetacular ponta esquerda de nome Joãozinho. Um time de respeito, mas o Santa vinha embalado. O povo de Pernambuco entendeu.

No dia do jogo, no Arruda lotado, havia bandeiras do Santa sim, mas também tinha bandeiras de Sport, Náutico, América e de todo Pernambuco a torcer pela Coral. Nesse clima ótimo, o Santa abriu o placar.

Fumanchu cobrando pênalti põe o Santa na frente. Poucos minutos depois, Zé Carlos em posição de impedimento, empata a partida. O Santa Cruz faz a festa, mas o time do outro lado era fortíssimo. Com mais um gol de Palhinha, a Raposa passa à frente e sua para conseguir manter esse resultado, até que Fumanchu, novamente de pênalti põe o placar igual


Nessa hora, percebe-se nitidamente que mesmo podendo ter a velocidade de um atacante como Nunes, o Cruzeiro amarra o jogo para suportar o desgaste físico, mas no final, de maneira surpreendente, meio a toda pressão, uma bola sobra para Palhinha meter o pé na bola pra finalmente conseguir derrotar o Santa.

Foi triste. Aquelas pessoas mereciam mais, mas a gente entende; O futebol é o esporte que mais se aproxima da vida real humana. Nessa ocasião, vitimou um dos maiores times de futebol já formados. Só que para essa coluna, pouco importa se tem o tal do título. Vale a arte, vale o tesão de fazer bem feito. Portanto vamos à homenagem:

Esquadrões do Futebol Brasileiro tem a honra de apresentar, o Santa Cruz de 1975

CONVOCADO POR ENGANO

por Victor Kingma


A mais desorganizada seleção brasileira de todos os tempos foi, seguramente, aquela que disputou o mundial da Inglaterra, em 1966.

Durante  os quase quatro meses de preparação para a Copa, foram formadas nada menos que quatro seleções para os treinamentos. Astros consagrados como Pelé e Garrincha disputavam espaço com outros, muitas vezes desconhecidos do público, selecionados por questões políticas.

Alguns jogadores famosos, mas já em final de carreira, eram convocados apenas para agradar ao público por onde a seleção passava.

O técnico Vicente Feola, com tanta interferência em seu trabalho, passou o tempo todo tentando armar um time base e, apesar do longo tempo de preparação, chegou à Inglaterra sem saber qual era a melhor escalação.

O fato mais marcante da desorganização daquela seleção foi o incrível episódio em que um jogador foi convocado por engano.


Numa das listas divulgada pela CBD, saiu o nome de Gilberto Freitas Nascimento, o Ditão, vigoroso zagueiro do Flamengo. Na verdade, o selecionado deveria ser o outro Ditão, seu irmão mais velho, Geraldo Freitas Nascimento, que após se destacar na Portuguesa de Desportos havia sido contratado pelo Corinthians, time pelo qual brilhou por muitos anos.

Surpreso com a convocação, o Ditão caçula se apresentou à seleção e foi incorporado ao grupo para os treinamentos.

Constrangidos, os cartolas acabaram mantendo a convocação. O raçudo zagueiro rubro-negro, posteriormente, acabou sendo cortado.

Apesar de tantos desacertos, o Brasil ainda foi para a Copa com um grupo muito forte, uma mescla de craques consagrados com jovens promessas.

Mas, como não poderia resistir a tanta bagunça, a seleção acabou desclassificada ainda na primeira fase do mundial. Estreou vencendo a Bulgária por 2 x 0, com gols de Pelé e Garrincha, ambos de falta, na última partida em que os dois gênios da bola jogaram juntos. Entretanto, nos dois jogos seguintes, o Brasil foi derrotado pela Hungria e por Portugal, do grande astro Eusébio, pelo mesmo placar de 3 x 1.  O então garoto Tostão, contra os húngaros, e o lateral esquerdo Rildo, contra os portugueses, assinalaram os gols brasileiros.

Nas três partidas que disputou, o Brasil atuou com escalações diferentes e nada menos que 20 jogadores foram utilizados. Apenas o volante Zito, contundido,  e o ponteiro Edu, que era muito jovem, pois foi convocado com apenas dezesseis anos, não atuaram. O meia Lima e o ponteiro Jairzinho foram os únicos que participaram dos três jogos.


O grande fracasso acabou valendo como lição. Quatro anos mais tarde, na Copa do México, agora com uma organização ímpar, vários destes jogadores, como Brito, Gerson, Jairzinho, Tostão e Pelé, além do reserva Edu, deram a volta por cima e encantaram o mundo na conquista do tricampeonato, fazendo parte daquela seleção mágica.

Jogadores   brasileiros que foram à Copa da Inglaterra:

Goleiros: Gilmar (Santos) e Manga (Botafogo).

Laterais: Djalma Santos (Palmeiras, Fidelis (Bangu), Rildo (Santos) e Paulo Henrique (Flamengo).

Zagueiros: Brito (Vasco), Belini (São Paulo), Orlando (Santos) e Altair (Fluminense).

Meio Campo: Denílson (Fluminense), Zito (Santos) Lima (Santos) e Gerson (Botafogo).

Atacantes: Jairzinho (Botafogo), Garrincha (Corinthians), Alcindo (Gremio), Tostão (Cruzeiro), Silva (Flamengo), Pelé (Santos) Edu (Santos) e Paraná (São Paulo).

Victor Kingma – www.historiasdofutebol.com.br

SERIEDADE NO FUTEBOL TEM SINÔNIMO: ZÉ MÁRIO

por André Felipe de Lima


O saudoso treinador Paulo Emílio tinha um talismã: o volante Zé Mário. Na Máquina Tricolor, em 1975, Emílio entrou no lugar do técnico Didi e o efetivou como titular. Quando Emílio foi contratado pelo Vasco, no ano seguinte, não pensou duas vezes: “Quero o Zé Mário aqui”. Porém nenhum outro personagem do futebol carioca daquela saudosa década de 1970 desenhou melhor Zé Mário que o companheiro de meia cancha Zanata, com quem Zé jogou no Flamengo e no Vasco: “O Zé tem um ótimo toque de bola e um fôlego fora do comum. Isto lhe dá uma enorme capacidade de auxiliar a defesa e o ataque, o tempo todo sem cansar. No final que está no bagaço é o adversário.”

Zé Mário e Zanata se entendiam maravilhosamente bem no meio de campo. O primeiro foi um dos melhores volantes de sua geração; o segundo, um meia estupendo, capaz de lançamentos de longa distância que deixavam todos os centroavantes e ponteiros na cara do gol, como aquela bola que parou na frente do Freitas, que fez o segundo gol do Vasco na vitória de 4 a 2 sobre o Flamengo, no campeonato nacional de 1975. Zé Mário ainda não estava em São Januário, mas quando lá chegou formou com Zanata uma das melhores duplas de meias do Rio e que este humilde jornalista viu [graças a Deus] jogar. Em 1977, os dois craques foram decisivos para que o Vasco fosse campeão carioca, diante do mesmo Flamengo, de Zico e Júnior, que também estiveram naquele memorável “4 a 2” de 75.


Aquele título de 77 foi especial na carreira do Zé Mário. Se a meia cancha já contava com o talento dele e o do Zanata, ficou ainda melhor com a entrada do magnífico Dirceu. Recorrendo ao jargão do turfe, o Vasco “sobrou na turma”, e o Zé Mário foi o pulmão daquele timaço. Jogou tanta bola que acabou eleito o craque da competição. Justíssimo. O “Dustin Hoffman” vascaíno estava demais. E a comparação é também justa. Zé Mário seria facilmente confundido com o grande ator americano caso desfilasse pelas ruas de Hollywood. É o popular “cara e crachá” ou o não menos famoso “separados ao nascer”. Pode parecer piada pronta, mas parecidíssimos. Mas deixemos o astro americano em seu canto cinematográfico. É do grande Zé de quem falamos, de quem recordamos os bons tempos de craque das tardes ensolaradas do Maracanã.

“Zé Mário é o comando do time dentro de campo, tem autoridade até mesmo para modificar o modo de jogar da equipe. E não se trata de uma função baixada por algum decreto: Zé Mário tem ascendência natural sobre seus companheiros, é um homem de comando. Com ele em campo, fico tranquilo”. Palavras do “Titio” Fantoni, técnico daquele Vasco campeão de 77.

Zanata tornou-se recluso e se afastou do mundo do futebol; Fantoni não está mais entre nós; mas Zé Mário continua atuante, inclusive como treinador. Foi um jogador que comprava o barulho dos companheiros. Um líder nato. Exemplo disso aconteceu com Wilsinho, ponta brilhante, que acabara de ser regularizado no Vasco, em 77. “Ô, Wilsinho, já anotaram o PIS na sua carteira profissional?”, perguntou Zé Mário. “Não, Zé, acho que ainda não”, respondeu o inocente Wilsinho. “Então vai lá em cima, apanha a carteira e entrega pra Marlene. Ela anota e fica tudo regularizado”, orientou o zeloso Zé Mário.


Nenhum outro no Vasco era tão preocupado com os companheiros. Zé Mário era a referência de denodo e comprometimento profissional. Era o capitão do time. Não saía da sala do departamento de futebol do Vasco, onde trabalhava a Marlene. Zé era um líder espontâneo, que defendia os direitos dos companheiros de time. O “Narigueta”, o “Pinóquio” — apelidos que ele sempre aceitou numa boa — não deixava ninguém na mão. Ele não pedia. Exigia. Dirigente de futebol tem de respeitar o jogador profissional. Por isso Zé Mário nunca deu margem para que o criticassem. Se havia regras, as cumpria. Era exemplar, mas quase desistiu de lutar pelos direitos dos colegas de profissão após uma eleição da Fugap (Fundação Garantia do Atleta Profissional), em 1975. Nem 30 jogadores apareceram para votar. Um descaso que o fez pensar se valeria a pena cuidar somente de si. Mas Zé Mário não é assim. Ele é um todo. Um coletivo. Um craque dentro e fora dos gramados, cujo modelo tanta falta faz hoje em dia. E pensar que a década de 1970 a ditadura militar estava no auge, amedrontando o país. Mas — pelo menos no futebol — havia um Zé Mário, um Afonsinho (ícone da luta pelo passe livre), um Ubirajara Mota (maior goleiro da história do Bangu) para falar pelos jogadores. Ou seja, gente que sabia jogar bola de verdade, mas também tinha uma consciência real da situação do atleta profissional.

Zé Mário abomina deslealdade. Quando ainda jogava profissionalmente, recriminava companheiros que desciam a pua nos jogos. Podia ser até amigo dele. Não importava. Zé Mário não perdoava. Vacilou, dançou. Com Zé Mário não havia essa de sacanagem e violência em campo. Ele abria o verbo: “O Merica, do Flamengo, é um deles. Já falei com ele, mas não adiantou nada. Já havia batido no Zanata e depois pegou o Dirceu, quando o juiz já tinha até apitado. Assim não dá. Meu amigo Rodrigues Neto (com quem Zé jogou no Flamengo) também abusou outro dia, entrando pra quebrar no Orlando (Lelé). O Uchoa, do América, fez o mesmo com Dequinha, do Flamengo. Esses jogadores precisam entender que os adversários também vivem do futebol e que de perna quebrada eles não vão poder trabalhar, talvez para sempre.”

O amanhã para Zé Mário é o hoje. Ele sempre procurou mostrar aos companheiros que o futebol é eterno, porém as pernas são limitadas. Um dia a bola as deixa para trás sem um pingo de remorso. Ele trabalhava com afinco na Fugap e percebia que muito mais ex-jogadores de grandes clubes procuravam ajuda que os de pequenos. Em 1977, ele fez a seguinte reflexão: “As estrelas vivem sua época, dilapidam seu patrimônio, esquecem-se de estudar. Jogador de time grande só sabe jogar futebol. É incapaz de se adaptar a qualquer outra coisa. Com exceções, é claro. Jogador de time pequeno, por incrível que possa parecer, sempre acaba se arrumando.”


José Mário de Almeida Barros é carioca. Nasceu no dia 1º de fevereiro de 1949, completa hoje, portanto, 70 anos. Uma estrada longa no futebol, que começou com o incentivo do pai, que pedia apenas ao filho que conciliasse a bola com os livros e cadernos. No segundo semestre de 1967, o rapaz parou com o futebol para não se prejudicar na escola. O pai era louco por futebol e insistiu para que Zé não deixasse a bola de lado. “Ele trabalhou nas obras do Maracanã e, desde então, ficou ainda mais vidrado em futebol.”

Zé começou a jogar no time de futebol de salão da Associação Atlética Vila Isabel, do bairro de mesmo nome. O jogador que se tornaria famoso por conta do estilo arrojado e marcador foi antes um driblador dos bons nas quadras. E — creiam — goleador. Da bola pequena e pesada para a grande, dos gramados. Em seguida, Zé despontou no infanto-juvenil do Fluminense, em 66. Não se empolgou muito nas Laranjeiras. Preferia estudar. Adorava as aulas de Física e de Química do conservador Colégio São Bento.


Mas o pai o convenceu a permanecer no futebol. Do Tricolor, Zé foi parar no Bonsucesso. Treinava apenas uma vez por semana para, como de costume, não atrapalhar os estudos. Como a diretoria do clube suburbano atrasou o salário do rapaz, Zé decidiu requerer o passe livre na Justiça. Conseguiu-o e o ofereceu ao Flamengo. Foi de cara contratado: “O técnico, na época, era o Fleitas Solich, que não encontrava lugar para mim no time. Ele chegou a me experimentar na lateral-direita, depois na ponta-esquerda e, após umas poucas tentativas, desistiu de me aproveitar. Aí eu fiquei quatro meses treinando na pista com o preparador Tião Mendes, sem entrar no time nem mesmo para treinar. Com isso, acabei ganhando fôlego, porque do ponto de vista físico acabei fazendo um treinamento prolongado. Quando Zagallo assumiu a direção técnica do Flamengo, resolveu me aproveitar. Ganhei a posição de titular do meio-campo e, depois disso, me dei bem em todas.”

Foi ali o começo para valer do grande Zé Mário. Um dos mais emblemáticos craques do futebol carioca na década de 1970.

HOUSEMAN, O LOCO QUE NÃO NEGOU AS ORIGENS

por Paulo Escobar


As pessoas simples no mundo do futebol não alcançam o reconhecimento necessário, pois os que fazem o jogo e se colocam como verdadeiros produtos da fama são aqueles que mais ficam em evidência, essa evidência seletiva que visa os bons moços.

Um dos jogadores mais formidáveis tanto na simplicidade, como na habilidade, surgiu em um dos lugares mais esquecidos pelos governos argentinos, numa favela de Bajo Belgrano, ali apareceria René Houseman. El loco Houseman como seria conhecido, era um homem de povo, que começou na várzea em um time que levava por nome “los Intocables”, onde uma vez disse que ao jogar ali se sentia como jogando na seleção.

Antes de Adriano, Houseman já não conseguia largar a favela e os seus, jogador que fugia das concentrações, deixava de ir a eventos importantes para estar nos churrascos no Bajo Belgrano. Sua paixão era o time do Excursionista aonde viria a jogar, mas diante das poucas oportunidades foi parar no rival, o Defensores de Belgrano.


Menotti ao enxergar o talento deste ponta ambidestro, o leva para o “Globo” como é conhecido o time do Huracán (aonde foi campeão argentino em 1973), e foi lá que o Loco começou suas façanhas e gambetas que o colocam no radar da seleção argentina. Com um ano de primeira divisão, Houseman chega a seleção e viria a disputar as Copas de 1974 e 1978 sendo artilheiro da Argentina na Copa da Alemanha

Nos tempos em que somente quem jogava a partida recebia o valor integral por ter jogado, os reservas tinham direito a metade somente. Houseman, de coração solidário, fingia dores e se jogava ao chão perto do fim do jogo para que algum companheiro pudesse entrar e receber o valor integral também.

Um dos episódios mais lembrados na vida do Loco Houseman, foi num jogo Huracán x River. No dia anterior, tinha aniversário do seu filho. René pede para ir a festa e é liberado com a condição de chegar às 23h, mas não apareceu. Por conta do atraso na madrugada, os funcionários do clube foram buscar o Loco na festa do filho. René volta, mas inventa uma desculpa e retorna a festa chegando bêbado as 11h do outro dia, prometendo que dormindo um pouco estaria apto pro jogo.


Houseman dorme e na volta entra em campo, ainda bêbado, marca um gol contra o River e pede substituição alegando depois aos jornalistas que precisava descansar da farra da noite anterior.

O Loco não se envergonhou de seu meio e nem sofreu de amnésia, pois muitos jogadores sofrem desse mal, em relação ao lugar de sua origem. Inclusive declarou uma vez que se tivesse sido milionário compraria uma favela só pra ele. Na Copa do Mundo de 2014, aqui no Brasil, ao vir a convite de uma revista Argentina, não se hospedou em hotéis de luxo, mas foi aos morros cariocas estar com os seus iguais.

René foi o jogador que jogando pelo Huracán mais vestiu a camisa da Argentina, sendo campeão naquela Copa de 1978. De gambetas e de Boemia viveu o loco, e querido pelo restante dos jogadores, que viam nele talvez a simplicidade perdida ou então negada no mundo do futebol.


No ano passado Houseman deixou o mundo do futebol mais triste do que já tem sido de anos pra cá, viveu uma vida simples até o momento de sua morte e se divertiu jogando futebol. Quem dera muitos dos saídos das favelas não se envergonhassem e tivessem mais presente ao lado das pessoas maravilhosas que moram nos morros, quem dera tivessem a coragem e a beleza do Loco Houseman, quem sabe assim contribuiriam no fortalecimento destas comunidades.

Houseman declarou numa entrevista que quando morresse Deus o expulsaria a ponta pés do céu, pois a vida que levou na terra não o deixaria entrar naquele lugar. Não sei em que lugar do universo o loco deve estar, mas imagino que quem o recebeu deve ter sido outro gambeteiro, boêmio e driblador, numa cerveja e outra, numa pelada e outra deve estar por ai com o Mané pela eternidade e na simplicidade que ambos sabiam viver.

MESTRE ÊNIO

por Claudio Lovato


Era um cara simples, como geralmente são simples os caras realmente inteligentes.

Comunicava-se com os jogadores sem demagogia, sem condescendência, papo direto e reto entre uma baforada e outra do inseparável cigarro, sempre com respeito e com um humor que desarmava espíritos até na hora do esporro.

– Ô, negão, da próxima vez que tu fores tomar cerveja, me chama! – disse certa vez, quando era treinador do Cruzeiro, ao centroavante Dinei, depois de uma reprimenda histórica no jogador, que havia chegado para treinar em condições, digamos, precárias, e de um “castigo físico” que envolveu “cabeceios” numa medicine ball (mais detalhes em depoimento do próprio Dinei disponível no youtube).

Era camarada, compreensivo, solidário, mas também sabia ser mais malandro que o mais malandro dos malandros. Demonstrava seu apreço pelos que estavam com ele, mas ninguém o fazia de bobo.

Transportou com sabedoria a vivência e os aprendizados obtidos nos tempos de jogador para a atividade de treinador, iniciada em 1961, no Náutico. Genial dentro de campo e na casamata. Craque da meia-esquerda, campeão gaúcho pelo Renner em 1954, jogador da seleção brasileira campeã pan-americana no México em 56, e, depois, um estrategista capaz de mudar em instantes o jeito de um time jogar.

Gostava do futebol completo: imposição física, disciplina tática e valorização da habilidade individual.


Ênio Vargas de Andrade, nascido em Porto Alegre, completaria 90 anos de idade neste 31 de janeiro de 2019.

Ele está presente na minha memória de futebol desde sempre. Em 1975, na sua primeira passagem pelo meu Grêmio, eu tinha 10 anos, e então, no dia 23 de julho, aconteceu o Gre-Nal dos três gols do Zequinha, no Beira-Rio. Aquele jogo não foi importante para mim apenas na dimensão futebolística. Foi uma experiência de vida, para a vida toda.

Mas foi em 1981 que ele quase me matou do coração, e eu tinha só 16 anos. Foi quando o Grêmio conquistou seu primeiro Campeonato Brasileiro.

Bastava um empate com o São Paulo, no Morumbi. Havíamos vencido o primeiro jogo, no Olímpico, por dois a um. O segundo jogo avançava num zero a zero perigoso. Seu Ênio resolveu tirar o ponta-esquerda Odair e mandar para campo o meia-ponta-esquerda Renato Sá, aos 15 minutos do segundo tempo.

Esta quem me contou foi o próprio Renato numa resenha para o Museu da Pelada, em 2016, em Floripa:

– O Seu Ênio me chamou e disse: ‘Renato, vamos fazer uma correria ali no meio. É o único jeito’.


Cinco minutos depois de entrar em campo, vestindo a camisa 14, Renato Sá viu o lateral Paulo Roberto dominar a bola lá na direita, perto da linha divisória, e se posicionou para recebê-la dentro da grande área do São Paulo. Paulo Roberto lançou a bola daquele jeito que mais gostava: com altura e força. A bola viajou, com Renato Sá acompanhando sua trajetória, muito atento, muito ligado no lance, muito a fim de aprontar alguma coisa, e ela veio, aterrissando na entrada da grande área, e Renato Sá subiu no tempo certinho e cabeceou para trás, mandou a bola no peito de Baltazar, o Artilheiro de Deus, que sem deixá-la tocar o chão mandou um balaço no ângulo esquerdo de Waldir Peres, e isto foi quando eu, na casa de um mano velho, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, achei que fosse ter um treco e deixar este mundo na escassa idade de 16 anos.

Um outro Renato, de sobrenome Portaluppi, foi integrado aos profissionais do Grêmio por Ênio Andrade, em 1982. E quantas coisas aprendidas com Seu Ênio ele coloca em prática hoje no comando do Grêmio. É ou não é, Renato?


Ênio Andrade nos deixou em 22 de janeiro de 1997. Faleceu em Porto Alegre.  

Obrigado, Seu Ênio.

Todos nós, e não apenas os torcedores do meu Grêmio, ou do meu arquirrival colorado, ou do Coxa, clubes que conduziste em campanhas nacionais vitoriosas, mas todos nós, que fazemos do futebol algo tão importante em nossas vidas, algo tão essencial, vamos celebrar para sempre os teus feitos, o teu legado.