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Geral

D10S

por Paulo Escobar


No ano de 1986 na periferia de Viñadel Mar, no Chile, me lembro claramente que todos que jogávamos bola na rua queríamos ser Maradona. E foi justamente numa dessas tardes que teve um jogo na qual todos fomos Diego, pois depois de muita briga ninguém mais se opôs.

Villa Fiorito, bairro precário e pobre de Lanús, viu nascer este que talvez seja o jogador mais espetacular tanto dentro como fora de campo. A vida de Maradona, sem dúvida, foi um verdadeiro tango, oscilando entre céus e infernos, entre a genialidade e a loucura, ma,s sem dúvida, se teve algo que Diego nunca foi é neutro ou de ficar em cima dos muros que a vidas lhe deixou.

Foi do Cebollita ao Argentino Jr,, mas somente em 1980 que chegaria ao clube que declararia seu amor e a um povo que na sua maioria é composto de gente que entenderia a realidade de Diego, o Boca Jr, pois ali muitos Villeros nas arquibancadas da Bombonera veriam um dos seus fazer maravilhas.

A Copa de 1982 não seria a Copa de Diego, foi uma das primeiras mortes e infernos de Maradona, mas dois anos depois, até de uma curta passagem pelo Barcelona, chegaria a sua primeira ressurreição. Em 1984, chega ao sul da Itália, a uma das cidades mais pobres e diante de um povo que teria a felicidade em sua rotina de sofrimentos diários. Na Napoli constrói uma das histórias mais lindas dentro e fora dos campos.


Por lá, o que se viu foi toda a genialidade, ficamos maravilhados com Diego, o San Paolo teve momentos de alegrias e mais de algum deve ter se emocionado ao ver seu time brigar de igual pra igual com a poderosa Juventus, Milan e Inter. Como esquecer daqueles jogos aonde a genialidade terminava com muitos gols de Careca, ou então quando colocava os zagueiros para dançar.

Na Napoli foi Campeão Italiano, da Copa da Itália, da Copa da Uefa e a Supercopa Italiana, as pessoas lotavam os estádios para ver Diego. Me lembro de mais de uma vez ter ficado realmente emocionado vendo os jogos com Maradona dentro de campo.

A Copa de 1986 seria a copa de Diego, com todo um contexto que cercava a Argentina na época, um país envolvido numa guerra (estupida como são as guerras) contra a Inglaterra aonde muitos jovens vinham morrendo. Deitou e rolou, acabou com a própria Inglaterra dentro de campo, neste jogo fez o gol mais lindo das Copas e com uma narração espetacular, o choro do narrador Uruguaio, Víctor Hugo Morales, com direito a famosa frase: “Barrilete Cósmico de que planeta viniste?”

Para arrebentar, ainda mete um gol de mão nos Ingleses para dar uma vitória que teria todo um contexto espetacular, só esse jogo já o teria colocado como um histórico. Depois viria ainda a fazer a sua apresentação de gala contra os alemães, levando uma Copa que ficou conhecida como a Copa de Diego.


Na Copa de 1990, ao lado de Caniggia, Burruchaga, Rugeri, Goycochea que fecharia o gol nas decisões de pênalti por quais a Argentina disputara durante o mundial, Maradona levaria a Argentina a outra final. Como esquecer daquelas oitavas de final contra o Brasil, quando o D1OS carregou aquela bola do meio de campo fazendo fileira e entregado pro Cani marcar o gol da eliminação do Brasil daquela Copa.

Nessa Copa aconteceria talvez um dos fatos únicos na história das Copas, na semifinal contra a Itália, dona de casa, em Napoli o estádio se dividiu, os napolitanos foram torcer pela Argentina de Maradona. Venceram nos pênaltis e depois enfrentaram a Alemanha de novo numa decisão, mas desta vez a Alemanha vence como um pênalti bem duvidoso no final do jogo, e foi aí que começa o inferno de Maradona de novo.

Na entrega das medalhas dessa final de 90, o criminoso do Havelange fica com a mão esticada, pois Maradona se nega a cumprimentar o então presidente da FIFA. E justamente deste gesto que começa a perseguição da entidade, um ano depois, em 1991, Maradona cai no antidoping, e aí começa uma guerra até dos meios de comunicação que o colocam como bandido, cansamos de ver o Seu Galvão Bueno tentando a todo custo acabar com o Maradona em rede nacional.

Um povo se mobilizou pelo seu ídolo, o viu ressurgir de novo e mesmo nos antidopings e recaídas que ele possa ter sofrido, o povo o acompanhou e esteve junto dele em cada ressurreição do 10. Maradona se posicionou sobre os problemas de seu país, procurou ficar do lado dos pobres nas suas posições na América Latina, não se isentou jamais e comprou inimigos pelas palavras ditas.

Diego teve que driblar e gambetear dentro e fora dos campos, teve que lutar contra a difamação, pois desde um copo de cerveja tomado até uma comemoração junto com seu povo na Bombonera era criticado. Qualquer palavra do Maradona repercute e não deixará suas convicções de lado seja o assunto que seja.

Messi pode vir a fazer mais gols, ou ter mais títulos, fazer lances geniais, mas jamais Messi será Maradona. Pelo contexto todo que sempre cercou Maradona, pela vida e posições fora de campo e pelo que o mesmo representa para o povo argentino, Messi jamais será igual a Diego.


Ao andar pelas ruas do bairro da Boca, são inúmeras imagens de Diego, nas casas de lata ainda se vê o rosto de Maradona enfeitando. Aqui no Brasil o pachequismo e aquela idiotice da rivalidade criada e alimentada pelos narradores xenófobos de plantão talvez tenha impedido alguns de enxergar a grandeza do Pibe.

A vida de Maradona sem dúvidas foi um tango, com sofrimento, com dores, amores, dramas e ressurgimentos memoráveis, de quedas e levantes, com odes e cânticos com musicas e homenagens, com rezas e igrejas e sentimentos que só Diego consegue despertar. Maradona é um Deus do Futebol, goste você ou não, com suas imperfeiçoes, contradições, com sua grandeza e genialidade que nos apaixonam e nos aproximam dele.

Sem duvida uma das maiores alegrias que o futebol me deu foi ter visto Maradona jogar, e pelo conjunto da obra e sem medo afirmo que Diego foi o maior jogador que o futebol já viu nascer. E me sinto contemplado pela música“Tombola” do Manu Chao:

“Si yofuera Maradona Viviria como el”

 

EU E AS MINHAS CALÇAS DE GOLEIRO

por Rodrigo Cabral


Rodrigo Cabral

Era uma manhã de sábado, acordei todo empolgado para mais um dia ensolarado em Porciúncula, cidade do interior do Rio e fronteira com Minas, onde morei na infância. Era dia de treino do meu time e ali naquele campo de terra eu sonhava junto aos outros meninos e como a maioria deles, em ser um jogador de futebol. Confesso que fui um moleque um tanto privilegiado, as referências da minha geração formam o elenco dos sonhos de muitos até hoje. Sou da época de Romário, Bebeto, Raí, Djalminha, Zinho, Rivaldo, Ronaldo, Edmundo, dentre tantos outros monstros sagrados.

Diferente da maioria dos outros tantos e tantos meninos, eu não calçava apenas chuteiras, meu coração sempre bateu mais forte pelas luvas também. E já que estamos falando de uniforme, para mim nada de shorts, eu gostava mesmo de agarrar de calças, meião, devidamente colocado por cima dessas calças. Modo de vestir que denunciava que meu grande sonho era ser o Zetti.


Me recordo de nos treinos sempre tentar imitar as pontes que ele dava, evitando espalmar a bola, numa busca implacável pelo encaixe perfeito, mas se fosse para espalmar a gorducha, me esticava todo para que fosse plasticamente perfeita, ao menos no meu juízo de criança. Além da obsessão pelas defesas perfeitas inspiradas no meu ídolo, fui um jovem sem cabeça o suficiente para entender que goleiros falham. Cada bola que eu sentia que poderia ter defendido e não defendia me derrubava, não fisicamente como no meu ofício dos sonhos, mas emocionalmente. Contudo, embora às vezes com lágrimas nos olhos, ao lembrar da garra do Zetti, desistir deixava ser uma opção. Seguia eu com meu talento e energia de menino, entre falhas e sucessos, fazendo ótimas partidas.

Afinal, meu craque e inspiração ficava embaixo da três traves. Não me lembro de nada mais empolgante do que ouvir o Galvão Bueno gritando com todo seu fôlego: “Zetti! Que nem um gaaaaaato na bola”. Fechava os olhos instantes antes de sair para defender uma bola, e não me via, via o Zetti fazendo aquelas lindas defesas de mãos trocadas.


As saídas rápidas, que com uma mão, faziam a bola atravessar o campo e ir de encontro ao destino dos pés exatamente de quem ele queria. Mesmo ao falhar não havia tempo para crítica, porque ele era maior do que qualquer erro. A cada defesa dele eu ficava tão feliz, que parecia sempre final de Copa do Mundo. Zetti! Craque, ídolo! Obrigado por ter me inspirado a a seguir meus sonhos, embora tenha seguindo um outro caminho, tudo em mim começou quando você, sem saber quem e nem de onde eu era, me guiou nessa coisa mágica e poderosíssima chamada sonho.

Meus ídolos calçam luvas e no meu esquema de jogo você sempre vai ser o número 1.

FRANCISCO E O FUTEBOL

por Rubens Lemos


Gosto do Papa Francisco. Aquela simpatia genuína. De supetão.

José Mário Bergoglio escolheu o santo que respeito. São Francisco badala o som da minha infância em sua oração de renúncia. Se despe da vaidade, cilada sorridente, da riqueza e prega o amor ao outro mais que a si mesmo. Por enquanto, só é prática a canção.

Francisco, o Papa, sorri o sorriso fraternal. Papa é pai. Eu não tenho o meu. Quem sabe, esteja aí o gatilho de rompante admiração.

Danem-se polêmicas sobre a postura política do jovem Bergoglio. Ele é fuçado por extremistas. De qualquer tendência, são equilibrados e coerentes como talibãs explodindo crianças. Concentro-me na figura humana. E o Papa é gente. Deus nele parece real.

Gosta de futebol – terá sido por aí? – torce pelo San Lorenzo de Almagro e reconhece craques brasileiros que vestiram a camisa do seu time: Waldemar de Brito (descobridor de Pelé), Petronilo e Silas, o refinado, campeão em 1995.

Além de um brasileiro típico nascido portenho: o loiro Narciso Doval, atacante arrasador do Flamengo e Fluminense nos anos 1970, morto precocemente de overdose aos 45 anos.

O Papa me dá esperança. Suas palavras são bálsamos e mobilizações. Francisco me lembra vovó falando de outro carismático: João 23. Vovó.

É Vovó. Ela tinha o olhar agasalhador, triste, sedutor e terno do Papa Francisco. Sempre Maria. Maria do Carmo da Minha Saudade.

E a ele – só a Francisco de batina – confessaria minhas dores. A maior, Maria

COMO O MUSEU DA PELADA SALVOU A MINHA PAIXÃO PELO FUTEBOL

por Luis Filipe Chateaubriand 


Desde os oito anos, acompanho futebol. São 40 anos dedicados a este esporte tão fascinante, que nos faz sonhar, nos dá êxtase, alimenta nossa essência infantil.

Minha paixão pelo gênero esportivo era incontestável. Quantos jogos escutei com o ouvido no rádio. Quantos jogos vi na televisão. Quantos jogos vi nos estádios. Quantas resenhas acompanhei. Quantos jornais li.

Já com os meus 25 anos, fiz um trabalho na disciplina Métodos do Pensamento – do Mestrado em Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas –, sobre o tema. Cada aluno escolhia o seu tema, e debatíamos sobre os temas escolhidos nas aulas.

Meu trabalho foi o de melhor nota na disciplina. Meus colegas de Mestrado me aplaudiam, me incentivavam, diziam que eu tinha que trabalhar com isso.

Eu acreditei…

Desde então, lá no longínquo ano de 1995, alimentei a perspectiva de atuar profissionalmente com o futebol – ou na escrita, ou na gestão.

Em 1999, época da Lei Pelé, eu, já professor universitário, juntei-me a dois amigos e criamos uma empresa de consultoria em Gestão Esportiva. E, um pouco antes, já tinha começado a escrever sobre alguns assuntos do futebol, especialmente os ligados à gestão, especialmente os relacionados ao calendário do futebol brasileiro.


Seguiram-se diversos livros, artigos, ensaios, palestras, entrevistas. Mas ser um profissional do futebol, no sentido de exercer uma atividade remunerada ligada ao assunto, não consegui.

Foram muitas e muitas horas de investimento, paixão, tesão, trabalho, trabalho, muito trabalho, tentando viabilizar oportunidades. Sem êxito.

Eu havia fracassado.

Em abril de 2017, depois que ministrei uma palestra sobre o calendário do futebol brasileiro para oito pessoas, quando havia a expectativa de serem centenas delas, a minha frustração explodiu… resolvi me afastar do futebol!

Havia decidido: não assistia mais futebol, não comentava mais futebol, não me informava mais sobre futebol, não escrevia mais sobre futebol, não lia mais sobre futebol.

Futebol era algo riscado de minha vida!

E, para o espanto de muitos amigos e conhecidos, foi o que fiz, disciplinadamente. Leitura sobre política, história, economia. Nada de futebol. Escritas e estudos sobre administração e ciências sociais. Nada de futebol. Debates acalorados sobre música, sociedade, costumes, outros esportes. E nada de futebol!

Passaram-se cerca de oito meses sem futebol em minha vida, e apareceu a síndrome de abstinência.

Pensei em um jogador chamado Leandro, ex lateral do Flamengo e da Seleção Brasileira, cracaço de bola.


Fiz uma busca pelo nome “Leandro Flamengo” no Google.

Uma das opções que apareceu para mim foi “Leandro o Papa da Lateral”, uma entrevista de vídeo com o “Peixe Frito” em um sítio de internet chamado Museu da Pelada.

Fiquei bastante curioso, não me contive, fui assistir a entrevista. A síndrome de abstinência de oito meses chegava ao fim!

Fiquei extasiado com o que assisti. Estórias curiosas, engraçadas, interessantes, um clima de alto astral e de muitas risadas entre o entrevistado e o entrevistador (que depois, fiquei sabendo, chamava-se Sérgio Pugliese, editor do Museu da Pelada).

Depois de assistir à entrevista, comecei a procurar “Museu da Pelada” no Google. E encontrei mais entrevistas interessantes, mais escritos excelentes, mais ações solidárias, mais engajamento com a comunidade do futebol, mais risadas bem humoradas do Sérgio Pugliese, e mais, mais e mais… futebol em sua essência!

Daí, não resisti: voltei para o futebol, minha grande paixão, de braços abertos!


Apesar de não ter conseguido, até a presente data, atuar de forma remunerada como um profissional do futebol, estou reconciliado com este. Afinal, o futebol me deu e me dá muito. Me dá tesão. Me dá sentimentos em sua plenitude. Me dá exemplos. Me dá emoções. Me dá raciocínios. Me dá vida!

E é assim que o Museu da Pelada age em nossas vidas: nos faz reconciliar com a nossa própria essência. A vida sem futebol seria insuportável!

Ave, Museu da Pelada, por nos fazer reconciliar com o futebol nosso de cada dia!

 

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra "O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro". Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.

ENTRE FLAMENGO E POLÍTICA, HENFIL PREFERIA O ZICO

por André Felipe de Lima


Caramba. Como o cartunista Henfil (1944-1988) faz falta. O traço mais bem-humorado e mordaz do nosso jornalismo partiu faz tempo. Uma porcaria de Aids o matou. Doença danada, maldosa, que o levou e tantos outros tão legais da nossa cultura. Contraiu-a numa daquelas torturantes sessões de hemodiálise. Ele e os irmãos Herbert “Betinho” de Sousa e Chico Mário eram hemofílicos. Todos morreram dramaticamente assim. Mas hoje não é dia de lamúria. Henfil era avesso a esse tipo de postura, ou seja, de quem vive choramingando pelo mundo sem dar chance a uma gargalhada. No universo dele não havia tempo para chororô ou versos melífluos. A piada final era sempre hilariantemente amarga.

Henfil faria anos hoje. Daí bateu a saudade daquele cara que desenhava no Pasquim e irritava muita gente babaca que achava bonitinho o que os milicos faziam nos bastidores (e porões!) sombrios da ditadura. Vamos recordá-lo sempre pelo que pronunciou (e denunciou!) com o seu traço, que tanto inspirou, mais pelo humor que propriamente pelo desenho. Mas, inegavelmente, inspirou bastante.

Ainda menino, eu corria para frente da TV para assisti-lo no programa TV Mulher, da Rede Globo. Isso em 1980. Henfil apresentava um quadro, o “TV Homem”, quase que surrealista, e em P&B. Criticava abertamente o presidente Figueiredo e seus asseclas. Não é difícil imaginar o destino do “TV Homem”. A aventura no famoso edifício da rua Lopes Quintas durou pouco tempo. A chiadeira dos milicos e dos “biônicos” de Brasília com Roberto Marinho era frequente. Henfil pulou fora da Globo, mas continuou soltando o verbo contra a ditadura. Fez isso praticamente a vida toda. Fosse por meio de seus cartuns ou pelos livros que escrevia. Não perdoava nenhum suspiro que denotasse apoio aos milicos. Muita gente foi alvo do traço do Henfil.


No “Cemitério dos Mortos-Vivos”, que criou para espinafrar o governo do general Emílio Garrastazu Médici, ele “enterrou” Pelé, Zagalo, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Roberto Carlos e Wilson Simonal. Também levaram “porradas” verbais e em nanquim no “Cemitério” Clarice Lispector e Elis Regina, mas aí foram duas escorregadas feias do Henfil, que as reconheceu publicamente.

A primeira, ou seja, a Clarice, nada tinha a ver com a ditadura, sequer uma leve quedinha. Henfil foi muito criticado por “enterrá-la”. Defendia-se com o argumento de que a colocara no “Cemitério dos Mortos-Vivos” porque a escritora enfurnara-se em uma “redoma de Pequeno Príncipe” e recolhia-se em um “mundo de flores e de passarinhos”, enquanto Cristo estava “sendo pregado na cruz”. Henfil a definia como alienada por exercer a arte meramente pela arte em detrimento da crítica à repressão política.

A segunda “vítima” também foi a “sete palmos” injustamente. Elis foi ameaçada pelos militares para que realizasse um show durante a abertura da Olimpíada do Exército, em 72. Henfil soube disso depois e pediu perdão à genial cantora. Era fã dela, ora bolas. Quando a turma da Tropicália elogiou a “abertura lenta e gradual” do general Geisel, em 79, Henfil partiu para cima deles chamando-os de “Patrulha Odara”, o contraponto bem-humorado da “patrulha ideológica”, um termo que começou a pipocar naquele período.


Apesar dos poucos deslizes e “enterros” — afinal, todos nós somos humanos —, gostava do Henfil de graça. Mais crescido e espertinho fui entendendo quem era ele e a sua importância para a imprensa… e, caramba!, para o futebol também.

Se a política estava na sua pele, o futebol era a sua alma. Henfil tinha verdadeira paixão pela bola e, sobretudo, clubística. Era descaradamente Flamengo, e fora do normal, porém na sacrossanta loucura que nos acomete quando somos contaminados pelo brasão do clube do coração. O Flamengo e a personagem Urubru criada por ele derrotaram o ateísmo do Henfil , que fez do Zico seu “santo de devoção”. Amava-o tanto que chegou a desenhá-lo como o “Flautista da Gávea”, numa alusão à fábula do flautista de Hamellin. No cartum, Zico tocava seu instrumento musical e era seguido por bolas serelepes.

As piadas contra os rivais do Flamengo eram intermináveis e massacrantes. Cri-cri (Botafogo), Bacalhau (Vasco), Pó Pó (Fluminense) e Gato Pingado (América) viviam reclamando da verve sacana do Urubu. Morria-se de rir com as tiras futebolísticas do Henfil, mesmo torcendo para o time rival do dele. Mas sobrava também para cartolas suspeitos e jogadores dorminhocos. Henfil não os perdoava. Se um cartum publicado pelo Jornal dos Sports ou pela Placar denunciavam os caras, tenha certeza de que o inferno para eles estava instaurado. Henfil era visto, lido e cultuado. Incondicionalmente seguido.


Quem deseja entender a personalidade controversa do extraordinário Henfil, obrigatoriamente leia “O rebelde do traço: a vida de Henfil”, do bravo Dênis de Moraes. Mas também espie o próprio Henfil, sobretudo o derradeiro “Como se faz humor político”.

Os fradinhos Cumprido e Baixim; a Graúna; o Bode Orelana; o nordestino Zeferino; o Ubaldo, o paranoico, e, obviamente, o Urubu ficarão muito felizes se ressuscitarmos o grande Henfil. Essa piada certamente teria resposta dele no tradicional nanquim exposto no papel canson. Doa a quem doer.