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MANIFESTO

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS BOLEIROS

por Pedro Motta Gueiros

Marcado por uma linha, dois chinelos ou três paus, a meta de todo boleiro é um portal que eternize seus melhores momentos. Mas, atenção; por questão de segurança, a sua entrada depende da identificação das palavras a seguir: caneta, lençol, chapéu, tesoura, carretilha, filó, chaleira e… vá lá, rolinho, só para os paulistas.

Antes de qualquer interpretação lúdica, quem pensou em mercadoria já teve o acesso negado. Os entusiastas da objetividade, crentes na verdade absoluta dos números, que sigam o mesmo caminho. Todos ao shopping! Os demais receberão, a seguir, as orientações para frequentar e sustentar uma construção permanente, com arcos monumentais, goleiros alados e matadores divinos. Sua existência depende daqueles que usam a paixão do torcedor e a criatividade dos craques para transformar objetos prosaicos, como caneta, lençol e balão, em marcas de um futebol de fantasia. Bem-vindos ao Museu da Pelada!

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“Sua existência depende daqueles que usam a paixão do torcedor e a criatividade dos craques para transformar objetos prosaicos, como caneta, lençol e balão, em marcas de um futebol de fantasia. Bem-vindos ao Museu da Pelada!”

Num tempo em que bola na rede é futebol pela internet, com mais atenção à tática do que ao homem, a palavra chave para se reestabelecer a velha conexão pode ser nostalgia ou romantismo. Para evitar entradas maldosas, a senha é irreverência. A julgar que a capacidade de destruir é maior do que a criatividade, haverá sempre uma linha de brucutus para reduzir as boas lembranças a saudosismo e amargura. Quando o choque parece inevitável, resta a opção do drible, que deixa o pragmatismo no chão. Se a hegemonia já não se faz presente, o passe no ponto futuro aponta para uma volta ao passado.

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“Se a hegemonia já não se faz presente, o passe no ponto futuro aponta para uma volta ao passado.”

Em todos os tempos, saudade é o amor que fica apesar das perdas acumuladas no período. Capazes de deixar os visitantes boquiabertos diante de suas linhas monumentais, o Maracanã e o futebol brasileiro se apequenaram pela submissão ao padrão que vem de fora. O Mineirão teve suas estruturas definitivamente abaladas por sete tremores naquela tarde em que a Ilusão do hexa se espatifou contra o muro alemão. O fim anuncia o eterno recomeço. Do barro viestes e ao barro voltará. A pelada é o mito original do futebol brasileiro.

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“O fim anuncia o eterno recomeço. Do barro viestes e ao barro voltará. A pelada é o mito original do futebol brasileiro.”

Alguns acreditam que tenha nascido em Portugal, na identificação do piso, onde a bola rola sobre a relva rala. Para outros, resulta do atrito do couro com a terra nua, o que deixa a bola igualmente despida. Palavra de origem controversa, pelada merece um fórum permanente. Mais ainda, um museu que é virtual, não apenas pelo seu caráter digital, mas pela possibilidade de vir a ser um ponto de encontro físico, e técnico, entre e o amadorismo e o alto desempenho. Em meio à crise de identidade, um museu guarda os valores mais preciosos de uma sociedade. Não se trata de deboche ou heresia diante do formalismo que se exige nos palácios das artes. Sua exposição tampouco deve ser reduzida a uma manifestação primitiva, que se contrapõe à produção acadêmica. Em todos os sentidos, pelada também é cultura!

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“Palavra de origem controversa, pelada merece um fórum permanente. Mais ainda, um museu que é virtual, não apenas pelo seu caráter digital, mas pela possibilidade de vir a ser um ponto de encontro físico, e técnico, entre e o amadorismo e o alto desempenho.”

A começar pelo desenho da bola, em que a combinação de hexágonos e pentágonos determina o número de gomos, a geometria faz parte da formação de um peladeiro. Os mais graduados dominam a ciência exata da trivela, a visão espacial e a relação tempo/espaço. Pelada também exige conhecimento de meteorologia. Não que a chuva acabe com a brincadeira, mas é sempre melhor que a água caia depois que o jogo e o sangue já tenham esquentado. Os fundamentos da geologia se tornaram obsoletos com o advento da grama sintética. Até então, era preciso conhecer o tipo do solo, o tempo de absorção da água e a natureza jurídica daquelas terras. Em unidades militares, clubes ou sítios administrados com rigidez, qualquer precipitação na noite anterior já era uma tormenta. Junto com a água na lateral do campo, quantas ilusões escorreram na vala comum de uma pelada cancelada pela chuva? Com a grama sintética, o barro foi coberto pela aparência da perfeição.

Se na terra batida o jogador desliza e a bola trava, no piso emborrachado as relações se invertem. O tapete estendido aos peladeiros, em sinal de reverência e nobreza, é também uma forma de ocultar suas raízes. O período glorioso do futebol brasileiro, entre 1958 e 1970, coincide com o desenvolvimento de um país que deixava espaços vazios para a brincadeira e o improviso na transição entre campo e a cidade. O jeito de jogar refletia uma maneira de viver tipicamente brasileira. As sociedades industriais e pragmáticas, que não conheciam nem uma coisa nem a outra, entravam na roda, dançavam e ainda batiam palmas. Ao botar o futebol na balança, a rota do comércio internacional começou pelo fim. Primeiro, o Brasil levava ao mundo seu produto beneficiado, com longas excursões de seus times e seleções. Depois, passou a mandar apenas a matéria prima, bruta, e cada vez mais verde. Com a exportação progressiva e prematura, a terra nua, pelada, já não produz safras como aquelas que fizeram o torcedor propor o brinde e levantar a taça.

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“Com a exportação progressiva e prematura, a terra nua, pelada, já não produz safras como aquelas que fizeram o torcedor propor o brinde e levantar a taça.”

Com a evolução dos transportes e das comunicações, o mundo ficou pequeno. Num clique, é possível reproduzir a música, o comportamento e o esquema tático adotados em qualquer parte. Se a natureza de cada cultura já não basta para produzir futebol de excelência, o caminho mais curto para o gol vem da repetição dos processos de formação e treinamento. Explorado por cartolas e governantes como o esporte da política, o futebol agora exige uma política esportiva. Na dificuldade de refazer as estruturas, restam as obras de fachada, como um alambrado, refletores novos e o tapete verde para esconder a terra arrasada. O reflorestamento leva mais tempo e exige que se recupere o contato com as raízes. A pelada é princípio meio e fim desse processo, a julgar que todo jogador acaba voltando ao lugar de origem. Alguns esperam as férias para jogar pelada. Outros conseguem manter a paixão paralela à atividade profissional. Misturam as leis da educação física à filosofia de botequim para que um só corpo esteja em dois lugares ao mesmo tempo.

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“No meio de um tiroteio, um policial ligou para botar seu nome na lista para o primeiro jogo daquela noite. Estas e outras aberrações, que não surpreendem aqueles que amam demais, foram tema, durante quase cinco anos, da coluna “A Pelada Como Ela É”, nas páginas de O Globo.”

Deixar a noiva nas cobertas e partir para a pelada não oferece risco ao matrimônio. A fidelidade, antes de tudo à pelada, impede que o futebol entre amigos seja deixado para depois. No meio de um tiroteio, um policial ligou para botar seu nome na lista para o primeiro jogo daquela noite. Estas e outras aberrações, que não surpreendem aqueles que amam demais, foram tema, durante quase cinco anos, da coluna “A Pelada  Como Ela É”, nas páginas de O Globo. O espaço limitado da publicação impressa remete à formação do futsal. Com a técnica aprimorada, e muitas conquistas no período, veio a necessidade de ampliar os domínios, atravessar o portal e chegar ao museu.

Para além da paródia rodrigueana, “A Pelada Como Ela É” é objeto de interesse das ciências humanas.  O traço de comportamento comum, entre pessoas tão heterogêneas, leva o futebol para o campo da antropologia. Além do banco de reservas, lugar de teórico é no grande círculo, onde o debate e as celebrações ocorrem. Do Egito antigo aos povos das Américas o homem se vale de narrativas diferentes para contar as mesmas histórias. O fenômeno se repete nas peladas, em que o culto aos mitos e lendas serve para manter a coesão da tribo. Diante do mistério infinito, a esperança de salvação até o último minuto reforça a importância do herói.

A afirmação sincera “de que ninguém jogou tanto quanto fulano”, chama mais atenção pela banalidade do que pela qualidade do jogador. Em toda pelada, o melhor jogador do seu mundo é igual aos craques do mundo todo. A província e o cosmos se encontram na trajetória esportiva de Pelé, entre Bauru e Nova York. Para além da figura do rei, os arquétipos da pelada são bem conhecidos. Suas múltiplas faces formam uma só identidade. Peladeiro é aquele que vai a um jardim e se admira com a grama em vez de olhar para as flores. Quando visita um museu, sua imaginação desenha um gol entre as colunas. Numa igreja, vê a abóboda como cobertura para uma quadra de futsal dos deuses. Aqueles que não viajam para tão longe, conseguem se transportar por meio de uma caixa de sapatos, onde guardam fatos e fotos para a vida toda. Todo peladeiro é igual em suas diferenças

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“Embora o craque seja o mais reverenciado, a alma da pelada está no jogador limitado, que guarda posição e expõe suas vergonhas para que os demais se divirtam.”

Embora o craque seja o mais reverenciado, a alma da pelada está no jogador limitado, que guarda posição e expõe suas vergonhas para que os demais se divirtam. Tem o jogador oportunista, que só liga para pedir carona. Tem o jogador de açúcar, que se derrete e faz doce para jogar sob chuva. Tem o jogador ostentação, que só chama atenção pelo material novo. Tem o malabarista palhaço, que aplica dribles desconcertantes e desiste da jogada para rir de sua vítima. Tem o que bagunça a defesa adversária e aquele que causa confusão no próprio time. Tem briga, muita briga; e um código de ética, gravado na pedra fundamental das peladas, para impedir que se carregue pela vida aquilo que ficou dentro de campo.

Essa linha já era bem marcada mesmo quando a cal se misturava à terra batida. Com a evolução dos materiais em detrimento dos recursos humanos, ficou mais difícil separar o romantismo da alta performance. Num momento em que o futebol profissional no Brasil remete a uma grande pelada, o museu anuncia o seu renascimento.

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“Num momento em que o futebol profissional no Brasil remete a uma grande pelada, o museu anuncia o seu renascimento.”

A ENCARNAÇÃO

Por Sergio Pugliese

Se tem uma expressão que não faz nem cosquinha nos peladeiros é bullying, encarnação para os veteranos. E os que se irritam, dão faniquito, jogam o colete no chão e abandonam o jogo já entenderam que estão apenas dando mais munição ao adversário. No Caldeirão do Albertão, tradicional pelada do Grajaú, o afrodescendente virou Júnior Negão, o calvo, Guilherme Careca, o branco demais, Alemão, o gordo, Renatinho Tonelada e por aí vai. Tem Bebezão, Bebezinho, Vapor, Paraíba, Feinho, Pequeno, 171, Cangaceiro, Pau PQ, Anaconda, Baixinho, Cachaça e Barbie. Mais politicamente incorreto, impossível!!! Isso ficou claro na entrevista com Júnior, do Flamengo, para o Museu da Pelada, postada nesse domingo, quando ele escalou, só com apelidos, o time campeão do mundial de clubes.

– A pelada é um exercício mental e na resenha você exorciza todos os seus fantasmas. Quando comecei a perder cabelo fiquei chateado, mas os peladeiros me ajudaram a dar um bico nesse fantasma – comemora Guilherme Careca Meireles.

Na verdade, a pelada é uma aula de convivência. No Caldeirão, há simpatizantes de Bolsonaro e de Moro, de Lula e Aécio, e até do Tiririca! Afinal, no grupo joga um palhaço profissional, o Camelinho. Nas resenhas musicais, na base do papo, da gelada e do bom argumento já teve gente que trocou o PT pelo PMDB e vice-versa. Sem cuspes. No Caldeirão, durante o racha, quando a saliva falta, o faz-tudo Vílson já está à beira do campo com uma água geladinha.

– Esqueçam os clichês, mas a pelada é, e sempre será, o retrato mais fiel da democracia – filosofa Beto Ahmed, dono do campo, da bola e de um coração que cabem todos os partidos.

Na semana retrasada, surgiu uma convidada querendo jogar: Nathália. Ninguém torceu o bico, ela jogou, fez dois gols e na semana seguinte, no par ou ímpar, foi escolhida antes de Renatinho Tonelada.

– Preciso emagrecer urgentemente – concluiu o artilheiro.

Todos os temas delicados ali são tratados na base do escracho. Bastou Mesquita elogiar a liberação de drogas no Uruguai e virou Vapor. Tico Tico não se importa em ser chamado de nordestino, mas avisa que é pernambucano e não paraíba. Seu conterrâneo, de tanto tirar lascas de canelas rivais virou Maurição do Cangaço.  No Caldeirão, o Pau PQ e o Anaconda, apesar dos 20 centímetros de diferença, convivem harmoniosamente e trocam saudáveis experiências. Cada um com seu cada um.

– E viva a cerveja!!! – gritou Sandrinho Cachaça, o barman.

Outro dia, Beto Ahmed lembrou uma história contada por Jecy Sarmento, braço-direito de Leonel Brizola. Na época da ditadura, inimigos políticos fugiam de seus esconderijos para jogarem uma tradicional pelada no bairro do Flamengo. Apito final, cada um para o seu lado.

– No Caldeirão, quanto pior, melhor! – definiu Rodrigo Ahmed, filho de Beto.

O próprio Beto diz para quem quiser ouvir que Ricardinho, o bom de bola, é filho dele, mas Rodrigo é sobrinho de Aziz, o tio com pouca intimidade com a redonda. E dá-lhe gargalhada!!!! E veio de Rodrigo a última novidade do Albertão: a série “Separados no berço!”. O moleque se deu ao trabalho de ver quem parece com quem e foi buscar no Google imagens para provar a sua teoria. Não há como negar, Renatinho Tonelada e o comediante Castrinho realmente são idênticos e só podem ter sido separados no berço. O grupo de whatsap bomba o dia inteiro a cada descoberta. A última foi a semelhança entre Joãozinho Perdigão com Zacarias, de Os Trapalhões. Como ele e Renatinho costumam jogar juntos, na frente, virou o “ataque de risos”.

– Desse grupo só podem participar pessoas com as cabeças muito bem resolvidas, sem traumas, sem dramas – comentou o goleiro Franco, a “cara” de Fred Flintstone.

– Só falta gritar Dilmaaaaaa!!!!!!!! – brincou Tico, o Sassá Mutema.

Em alguns momentos, a votação na Câmara dos Deputados lembrou as festas de amigo oculto do Caldeirão. Uma berraria generalizada, Juarez Bombeiro subindo na cadeira para declamar “O Adeus de Teresa”, de Castro Alves, Marcelo Rodrigues disputando o violão com Ney Cochicho Pereira, Sapo reclamando do presente de Boechat, Viquinho, o tesoureiro, tentando arrecadar mais algum dos convidados do Aziz, cachorro uivando, música alta e agradecimentos, muitos agradecimentos. A única diferença é que no Caldeirão ninguém se leva a sério.

AS DERROTAS

Por Zé Roberto

Esta manhã eu devo ao futebol. Derrotado no Fla x Flu que se tornou a batalha do Golpe x Impeachment, pelo placar que não sei quanto foi, pois quando deu no telão 100 x 26 retirei minha torcida de campo (o torcedor cobra criada já sabe o “time” de quando a vaca foi para o brejo) e deveria ficar escondido em casa, pelo menos durante 24 horas,  evitando as provocações. Ainda mais que meu Fluminense também perdeu a Taça Guanabara e com um peteleco daquele do Riascos. Mas estou competindo desde os dezesseis anos.


Foto: Reprodução

Foto: Reprodução

Perdendo, empatando ou ganhando, dia seguinte tinha que descer do apartamento, ir ao jornaleiro e enfrentar nas bancas as críticas. E eram sempre os mesmos comentários: vencendo, um jogador moderno, polivalente, presente em todos os lados do campo. Perdendo, um peladeiro, perdido em todos os lados do campo. O caixa do banco com quem pagava segunda-feira as contas em Campos, quando defendia o Americano, me recebia com a cara do resultado. Não sabia o valor da conta da luz, mas dos seus comentários sabia de cor. “Tá feia a coisa, hein! Tem que tirar o treinador!”. Ou: “Maravilha, se continuar assim seremos campeões cariocas!” Menos. Mas era assim. Irrefletido, efêmero, pueril. Como o futebol. Como a política.

Aprendi com o futebol, não com minhas segundas-feiras tristes como esta, mas com o passar dos anos, que evoluímos muito mais nas derrotas do que nas vitórias. Quando ganhamos, a euforia momentânea nos eleva a patamares não alcançados e imerecidos. Com o vestiário cheio, dezenas de entrevistas aos repórteres, tapinhas nas costas de dirigentes de todos os lados, ficamos sabendo que a reapresentação não seria mais na segunda. Fora remarcada para terça à tarde, onde muitos se apresentariam de chinelinhos. Não havia crise, o clima era bom, o treinador fora mantido e com o bicho pela vitória levaríamos a patroa a jantar fora. A missão estava cumprida.

Mas nas derrotas, ficávamos sabendo que dia seguinte teríamos que nos apresentar para uma longa preleção. Nela, nossas falhas seriam analisadas, posicionamentos corrigidos, uma cobrança maior de envolvimento, treinamento, alimentação. Depois, o preparador físico nos levava para a pista para aprimorar a forma física, caprichar nos passes, bater melhor um escanteio. Depois de 17 anos de bola, você aprende: as derrotas nos ensinam e nos preparam muito mais ao longo da nossa carreira. Se vivêssemos ganhando, desfilaríamos hoje pelas nuvens, não pelas ruas. Nos acharíamos “os caras” na totalidade do ser, não viveríamos a aperfeiçoar nossas caras, almas, posturas e coração a tentar ser um cidadão, um político, um jogador, melhor.

Então, levantei a cabeça cheia, saí hoje cedo pelas ruas e me apresentei ao trabalho às 8h desta manhã. Vou ouvir do treinador sobre os passos que erramos para alcançar a governabilidade. Para obter a maioria no parlamento e aprovar o Bolsa Família, nos aliamos a quem praticava um futebol diferente do nosso. Vencemos uns dias, mas corremos o risco de sofrer as falhas de uma frágil zaga formada por Cunha e Temer. E, de goleada, nos levar a uma derrota que talvez nos tire de vez do campeonato Brasil Rico é País sem Pobreza. 

Júnior + Moacyr Luz

SINfONIA RUBRO-NEGRA

texto: Sergio Pugliese e André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Perpétuo

“Garçom, um chope!!!” O pedido, verdadeiro mantra dos bares, seria mais um se não fosse direcionado a um dos maiores jogadores do futebol brasileiro: o maestro Júnior. Tudo bem que o craque, mestre das assistências, já deu, de bandeja, muitos passes consagradores, mas servir chope só aos amigos, em suas rodas de samba!  A cena carioca aconteceu na resenha promovida pelo Museu da Pelada, no Bar Cevada, em Copacabana, entre os parceiros rubro-negros, do samba e da bola, Júnior e Moacyr Luz. Culpa de quem? De Marcelo Tabach, claro, fotógrafo de nossa equipe, que sugeriu aos ídolos posarem atrás do balcão, afinal a especialidade da dupla é atrair a freguesia.  Após o pedido de chope, o cliente, intrigado, olhou para a namorada e cochichou: “parece demais o Júnior, do Flamengo”. Mais para lá do que pra cá, a jovem preferiu não esticar o assunto: “Pirou, amor?”. Não faltaram gargalhadas.

– É cada uma que acontece nesse bairro… – divertiu-se Júnior, o jogador que mais atuou com a camisa do Flamengo, 876 vezes.

Além do talento musical e do gosto pela bola rolando, Júnior e Moa tem em comum a facilidade de arrastarem multidões. Enquanto Júnior era empurrado por mais de 100 mil torcedores no Maracanã, Moacyr Luz, consagrado músico e compositor, vem arrastando quase 2 mil pessoas,  em plena tarde de segunda-feira, ao “Samba do Trabalhador”, animadíssima roda de samba, no Clube Renascença, no Andaraí. Com 11 cds gravados, o violonista já dividiu o palco com grandes nomes da música brasileira, entre eles Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Alcione e Beth Carvalho. 

Júnior chegou cabisbaixo ao encontro e não podia ser diferente. No dia anterior, o centroavante Gaúcho, exímio cabeceador e que aproveitava como poucos as assistências do Capacete, morrera, vítima de câncer de próstata. Assim que chegou ao bar, Júnior explicou sua tristeza e revelou uma conversa no celular com o artilheiro, poucos dias antes.

– Um amigo me disse que o Cabeça (Gaúcho) não estava legal. Mandei uma mensagem para ele, que me respondeu com um áudio. Pela voz, senti a situação complicada.

Juntos, os craques comandaram o Flamengo ao título brasileiro de 1992. Para descontrair, Moa brincou exibindo o seu modelito: uma camisa apertadinha, presente do próprio Júnior, anos antes. Mas a camiseta comemorava justamente os 20 anos do penta brasileiro, em 92, contra o Botafogo. Júnior e Gaúcho estavam lá e novamente o centroavante voltou ao tema da conversa. Não tinha jeito, a solução era pegar o violão e animar a mesa! E de cara, veio o hino do Mengão!!! Júnior, afinadíssimo, acompanhou batucando com o garfo no prato. Emocionante!!!!  E emendaram em outra, eternizada por João Nogueira… “Flamengo joga amanhã e eu vou pra lá, vai haver mais um baile no Maracanã, o mais querido tem Zico, Adílio e Adão…”. Na voz de Moa virou “Júnior, Adílio e Adão”, mas o “Samba Rubro-Negro”, composto nos anos 50, por Wilson Baptista e Jorge de Castro já teve várias versões. A primeira homenageava Rubens, Dequinha e Pavão pelo tricampeonato carioca de 53/54/55. Mas também cantavam Rubens, Dequinha e Jordan. Em 2008, Diogo Nogueira deu uma apeladinha e alterou para “Souza, Obina e Juan…..e como seria hoje?

– Coisa boa estar aqui com você – comemorou Moa, enquanto abraçava Júnior ao fim da canção.

Amigos de longa data, relembraram momentos de felicidade na infância. Com apenas cinco anos, Júnior mudou-se da Paraíba para o Rio de Janeiro e a paixão pelo samba começou a aflorar.  Menino, acompanhava o tio Walter nas rodas de samba do Bar Viriato,  esquina da Domingos Ferreira com Siqueira Campos, em Copacabana, pertinho de onde estavam. Segundo o craque, a música é herança familiar.

– Aprendi a tocar pandeiro olhando o meu tio. Eu olhava o pessoal tocando e quando eles paravam, eu pegava os instrumentos para tentar tocar. Meu bisavô também gostava muito de música. Ele era artesão de violinos.

O encontro não foi marcado no Cevada por acaso. O bairro sempre sediou as rodas de samba do tio Walter e foi onde Júnior morou mais da metade da vida. Em Copacabana, nos anos 60, o craque deu os primeiros chutes, na Rua Domingos Ferreira, com sandálias de “traves”. Logo depois, conheceu uma das maiores paixão de sua vida: o futebol de areia. Nas peladas, fez muitos amigos, muitos da Ladeira dos Tabajaras, e passou a frequentar a escola de samba da comunidade, onde aprendeu a tocar de verdade. O outro mestre da resenha, Moacyr Luz também se declarou fã de Copacabana. Apesar de ter morado em muitos lugares, o craque do samba não mediu palavras para falar do bairro.

– Já morei em mais de 20 bairros, mas Copacabana é o onde eu mais gosto. Morei aqui em uns quatro lugares diferentes. É o bairro com a cara do Rio – disse o compositor que já teve mais de 100 músicas gravadas por outros grandes intérpretes do Brasil.

Jogando futebol de areia toda quinta-feira com os amigos, Júnior decidiu montar um vitorioso time de pelada, que até hoje se mantém ativo, o Juventus. Com muita resenha e um futebol bonito, os meninos encantavam as pessoas que passavam pelo calçadão. Um dia, a equipe foi convidada para um torneio de futsal no Sírio Libanês. O futebol de salão, no entanto, não encantava Júnior. Pelo contrário, e o motivo era simples e digno de um bom peladeiro:

– Aquelas chuteiras primitivas, duras, de couro, machucavam muito meus pés. Eu evitava ao máximo. Gostava mesmo era de jogar descalço na areia – revelou.

Com menos habilidade do que o Maestro, mas com o mesmo gosto pelas peladas, Moacyr atuava como zagueiro. Tendo um bom porte físico, o músico dificultava a vida dos atacantes que o enfrentavam. Deu sorte de não enfrentar Júnior. Esse, infernizava a vida dos marcadores, mas não tinha êxito nas peneiras que realizava. Somado a isso, seus pais o cobravam bastante em relação aos estudos. Em 1973, quando estava quase desistindo do futebol e se preparando para iniciar o curso de veterinária na faculdade, fez um teste no Flamengo, a convite de Napoleão, amigo de seu tio. Desanimado com as injustiças que via no mundo da bola, o craque foi ao treino só por consideração a Napoleão. Chegando lá, a categoria de sempre, dribles, lançamentos, show!!!! Só tinha vaga para lateral. Topou! No meio-campo, posição preferida, teria que disputar vaga com outros 20 garotos. Pra que esse esforço todo? No ano seguinte, em outubro de 1974, subiu para os profissionais e logo foi campeão carioca. Fez parte do timaço do Flamengo que encantou o mundo e destacou um companheiro.

– O Leandro era nosso ídolo como jogador de futebol. Era a essência daquele time.

Júnior, hoje comentarista da TV Globo, opinou em relação à função dos laterais da atualidade. Segundo ele, antigamente os donos dessa posição tinham a vida mais dura.

– Enfrentávamos pontas rápidos e habilidosos. Era muito difícil marcar aqueles caras. E ainda tínhamos a obrigação de apoiar. Era complicado não tomar bola nas costas.

Na posição, Júnior fez história no Flamengo de 1974 a 1984, quando foi negociado para o Torino, da Itália. Antes disso, integrou a seleção brasileira de 1982, considerada por muitos como a maior da história, mesmo sem ter sido campeã do mundo. Naquela época, os maiores craques do mundo atuavam na Itália: Maradona, Zico, Platini, entre outros. A proposta por si só já era muito boa para o Maestro, mas quando o dirigente italiano disse que o craque seria contratado para jogar como meio-campo, não teve dúvidas.

– Se fosse para jogar de lateral eu não ia mesmo. Ele disse que eu iria fazer a função de organizador do jogo. Isso pesou muito na minha decisão.

Jogou por três temporadas no Torino e depois transferiu-se para o Pescara, também da Itália. No país, inicialmente teve dificuldades por ficar longe de duas das suas paixões: futebol de areia e samba. Contudo, o craque logo arrumou uma taberna que tocavam música ao vivo. Costumava frequentar o local para relaxar após as partidas e discutir sobre o desempenho do time.

– Comecei indo só com um amigo. Depois de um tempo, ia o time todo e até os dirigentes. Aquela resenha após os jogos melhorou o desempenho da equipe. Ficamos mais unidos. A gente discutia, bebia uns vinhos e ficava tudo certo.

O futebol de areia, no entanto, não tinha jeito. Júnior ficou um bom tempo sem praticar e ainda tinha que aturar a zoação dos amigos de infância. Enquanto passava frio na Itália, vez ou outra recebia ligações dos companheiros do time praia, após os jogos.

– Ficavam perguntando “Cadê você, Leo, não vem para a resenha? Mais tarde tem samba!” – recordou, sorrindo.

A zoação rendeu até 1989, quando, aos 35 anos, decidiu retornar ao Flamengo. Sendo um dos mais velhos do elenco, o craque comandou o rubro-negro nas conquistas da Copa do Brasil de 90, no Carioca de 91 e no Brasileiro de 92. Neste último, sem Zico ao lado, com 38 anos e atuando no meio-campo.  Ganhou o apelido de “vovô-garoto” por sua disposição. Moacyr Luz ouvia as histórias com um encanto juvenil. Dedilhava o violão e exaltava o passado. Considera desinteressante o futebol de hoje. Bateu no peito e novamente exibiu com orgulho a camisa, presente do ídolo.

– A verdade é que não existem mais jogadores como o Júnior. Hoje em dia, o cara joga cinco partidas com a camisa de um clube e já é transferido para outro. Não existe mais amor à camisa. Lembro que quando Bebeto foi para o Vasco cheguei a ter pesadelo – comentou Moa, antes de iniciar “Povo Feliz”, que embalou a seleção de 82 com o refrão “Voa, canarinho, voa”, na voz de Júnior.

Um vendedor ambulante parou quando viu a dupla cantando. E olhando, do lado de fora, da janela do bar, cantou junto e comentou com o casal, o mesmo do início da história, que, agora, bebia na calçada. “Caramba, nunca pensei ver o Júnior, do Flamengo, tão de perto”.  E a jovem, mesmo “trêbada”, concluiu que o namorado não estava tão pirado assim.

A ELEGÂNCIA DE ADEMIR DA GUIA

Por Sergio Pugliese

Depois do sucesso de PC Caju, sua primeira colaboração para o Museu da Pelada, o ilustrador Cláudio Duarte nos brinda com a elegância de Ademir da Guia!!!! Ninguém vestiu o manto palmeirense mais do que ele. Foram 901 atuações, na verdade, exibições de gala!!!!!!!! Vamos formar um time? Mandem suas sugestões e montaremos uma seleção de craques, com direito a álbum de figurinhas e exposição!!!!! Se Zagallo montou uma seleção com vários camisas 10 na seleção de 70, nós também podemos!!!!!!! Mas vamos começar pelo gol! O goleiro mais votado será o próximo homenageado do Museu nos traços mágicos de Cláudio Duarte. Foi dada a largada!!!!!!!!!