Tinga
TINGA, UM BRASILEIRO
texto: Jihan Kazzaz | fotos: Bruno Senna
““De uma coisa eu tenho certeza: Deus não faz nada por acaso. Se isso tinha que acontecer justamente comigo, deve haver uma forte razão.” ”
Os huancas são um povo nativo da selva amazônica que vive na região central do Peru. Fazem parte do grupo étnico Quechua, termo coletivo usado para denominar indígenas que vivem na região em torno do Vale do Mantaro, centro do país. Durante centenas de anos, os huancas sofreram com a dominação dos conquistadores, primeiro na formação do Império Inca, depois pelo espanhol Francisco Pizarro e, finalmente, com a guerra civil peruana, na segunda metade do século XX, tendo sido vítimas de constante perseguição étnica. Dentre os cerca de 400 mil habitantes da cidade de Huancayo, quarta maior do Peru, pelo menos a metade tem origem huanca. Os demais são, em geral, de sangue europeu ou asiático.
A história sangrenta de um povo que conhece a dor de ser dominado e subjugado por invasores não impediu que, séculos depois, alguns dos seus representantes protagonizassem uma das mais tristes e desrespeitosas manifestações de racismo em um estádio de futebol. A estreia do Cruzeiro na Copa Libertadores de 2014, contra o Real Garcilaso, no dia 12 de fevereiro, em Huancayo, no Peru, não será lembrada pelo resultado final do jogo, e sim pelas ofensas preconceituosas ao volante Paulo César Tinga.
O jogo poderia ter sido em Cuzco, mas o estádio do adversário na partida de abertura do grupo 5 da Libertadores estava em reformas e havia sido interditado. Poderia também ter acontecido em Espinar, porém a pequena cidade da província de Cuzco não possuía base aérea a 150 km de distância, como exige o regulamento da Conmebol. Assim, o duelo foi marcado para Huancayo, a 3.259 metros acima do nível do mar e a 700 km da “casa” do Real Garcilaso, onde as duas equipes tiveram que se digladiar em território desconhecido, mas continuariam tendo pela frente os efeitos da altitude como principal arma dos peruanos contra o time celeste.
Aos 20 minutos, com o placar desfavorável ao Cruzeiro, o volante Tinga, carreira internacional na Europa e Japão, duas Libertadores conquistadas, 36 anos, entrou em campo para tentar mudar a história da partida. A Raposa perdia por dois a um, resultado que se manteria até o final. O técnico peruano Freddy García fechara o time inteiro, com sete atletas na defesa, cinco zagueiros e dois volantes. Pelo lado do Cruzeiro, Marcelo Oliveira apostava na experiência, excelente passe e capacidade de infiltração de Tinga mesmo nas defesas mais impenetráveis. Assim, colocou o jogador no lugar de Ricardo Goulart.
Mas Tinga não imaginava que mudaria a história da partida sem mexer no placar. Logo percebeu que, a cada toque que dava na bola, a torcida huancaya grunhia, fazia guinchos, sons e gestos que tentavam intimidar o jogador, trazendo à partida um desfecho inesperado e sombrio. Pouco importava o resultado final. Todos sabiam que o futebol havia sido derrotado.
A Revista do Cruzeiro conversou com Tinga, em uma tarde quente de fevereiro nos jardins da Toca da Raposa II. Da história vencedora no futebol à discrição na exposição de suas atitudes, o volante celeste mostrou sua conhecida personalidade e muita firmeza nas opiniões e posições. A mesma seriedade demonstrada ao final do jogo contra o Real Garcilaso, quando fez uma declaração tão forte quanto verdadeira: “Se [eu] pudesse não ganhar nada e ganhar esse título contra o preconceito, trocaria todos os meus títulos pela igualdade em todos os lugares, todas as áreas e todas as classes”.
“Se [eu] pudesse não ganhar nada e ganhar esse título contra o preconceito, trocaria todos os meus títulos pela igualdade em todos os lugares, todas as áreas e todas as classes.”
O que se passou com Tinga poderia ter ocorrido com qualquer jogador negro, brasileiro ou não. Craques internacionais como o camaronês Samuel Eto’o, do Chelsea, e o italiano Mario Balotelli, do Milan, já deixaram o gramado revoltados e até chorando após serem insultados por torcidas europeias. O que chama a atenção no episódio foi ter acontecido na América Latina, em um país onde há forte miscigenação racial e poucos registros de preconceito tão escancarados como o visto em Huancayo.
Tinga não esconde que ficou muito incomodado e surpreso com a atitude da torcida peruana. “Tenho muita fé em Deus e sei que não foi por acaso o que aconteceu”, garante. “Estou preparado para responder a todos sobre isso, pois sempre tive opinião formada sobre todos os assuntos”, explica o experiente jogador, ciente de que se as ofensas tivessem sido dirigidas a um garoto iniciante no futebol, o resultado poderia ter sido devastador.
Impactante também foi a repercussão do episódio. Tinga diz que ficou impressionado com a quantidade de manifestações de apoio que recebeu, de vários jogadores, como Ronaldo Fenômeno e Neymar, e de personalidades como Joseph Blatter e Dilma Rousseff. Até o presidente peruano Ollanta Humala condenou a atitude da torcida: “Um país tão diverso como o nosso e que fortalece sua identidade, com todas suas culturas, não deve admitir reações racistas de nenhum tipo”, declarou o presidente, pelo Twitter. Também pelas redes sociais, cruzeirenses e torcedores de outros times demonstraram apoio ao volante. A hashtag #FechadoComOTinga chegou a ser a líder dos termos mais discutidos no Twitter.
Exemplo para a família
Mas a emoção toma conta de verdade quando Tinga se lembra da família, em especial de um dos filhos, Davids, de 11 anos, que chegou a faltar à escola no dia seguinte ao jogo e perguntou ao pai porque ele havia sido comparado a um macaco. “Este foi o momento mais difícil, em que achei importante explicar para ele que o preconceito pode ser aplicado a vários tipos de situação, contra gordos e deficientes, por exemplo, e que ele nunca fizesse isso contra alguém, pois a pessoa se sentiria como eu me senti”.
“Este foi o momento mais difícil, em que achei importante explicar para ele que o preconceito pode ser aplicado a vários tipos de situação, contra gordos e deficientes, por exemplo, e que ele nunca fizesse isso contra alguém, pois a pessoa se sentiria como eu me senti.”
Orgulhoso da inteligência do filho, que estudou na Alemanha e tem esse nome em homenagem ao ex-meio-campista holandês Edgar Davids, Tinga é casado com a gaúcha Milene Nascimento, loira, de origem italiana, e lembra que sempre sofreu com o preconceito, inclusive no Brasil. “Muitos acham que um negro só pode ser casado com uma loira por ser jogador de futebol e não sabem que estamos juntos há 19 anos, antes de me tornar atleta profissional”.
Se o futebol trouxe tristezas para Tinga, as alegrias foram muito maiores. “Não tive a oportunidade de continuar estudando, terminei só o primeiro grau. Fui educado, alfabetizado, me tornei homem e cidadão através do futebol, pois aproveitei as oportunidades que a carreira me deu”. Aos 21 anos, Tinga saiu do país pela primeira vez, para o Japão, quando não sabia falar nenhuma língua estrangeira. Jogou também na Alemanha, pelo Borussia Dortmund, e em Portugal, pelo Sporting. “Aprendi muito como cidadão. O futebol me levou a conhecer pessoas, lugares, culturas e hoje consigo conversar sobre qualquer assunto”.
“Aprendi muito como cidadão. O futebol me levou a conhecer pessoas, lugares, culturas e hoje consigo conversar sobre qualquer assunto.”
Tinga lembra a infância difícil, principalmente após a separação dos pais, quando tinha somente sete anos. “Vi minha mãe tomando conta de um banheiro de um clube, vivendo com dificuldades, enquanto meu pai tinha uma vida mais confortável com outra família”. O maior exemplo, lembra Tinga, foi dado pela própria mãe, 20 anos depois de ter sido deixada pelo pai, que acolheu o antigo companheiro, com sérios problemas psicológicos, em sua casa, para que Tinga pudesse continuar jogando futebol, quando já atuava no Grêmio. “Essa foi uma lição muito importante para a minha vida e fez com que eu tentasse sempre ensinar aos meus filhos sobre o que é o amor e o perdão”, ensina o craque da vida, Paulo César Tinga.
“Essa foi uma lição muito importante para a minha vida e fez com que eu tentasse sempre ensinar aos meus filhos sobre o que é o amor e o perdão.”
texto originalmente publicado na
Revista Oficial do Cruzeiro Ed. 123, março de 2014
Lateral direito da seleção ilustrada
texto: Sergio Pugliese | charge: Claudio Duarte
É rapaziada, a disputa foi a mais acirrada dos últimos tempos e poderíamos até considerar empate técnico, mas Leandro (veja a matéria com Leandro aqui) venceu Carlos Alberto Torres por quatro, eu disse, quatro votos: 264 a 260!!!!! Ou seja, na lateral direita eles reinam absolutos!!! O terceiro lugar foi Nelinho com 72 votos. Muitos outros foram lembrados: Luiz Carlos Winck, Paulo Roberto, Josimar, Perivaldo, Rosemiro e Léo Moura. Parabéns, Peixe Frito!!!! Agora precisamos escolher a dupla de zagueiros, mas vamos começar votando em apenas um deles. Meu voto é Mauro Galvão!
Evandro Mesquita + PC Caju
BLITZ NO BAÚ
texto: Sergio Pugliese | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Simone Marinho | edição do vídeo: Izabel Barreto
A estreia no Maracanã colore a memória até hoje. Artistas x Cantores, preliminar de Flamengo e Amigos de Raul Plassmann, despedida do goleiro, em dezembro de 1983. No vestiário, 50 disputando 11 vagas. Camisa 8 garantida, avançou no corredor em direção ao campo, subiu as escadas e surgiu no gramado acenando para as arquibancadas, ainda vazias. Imaginou a galera gritando o seu nome: “Evandro! Evandro!”. Virou criança! Comparou sua altura à das balizas, alisou a grama, sentiu a textura das redes e benzeu-se em reverência ao maior estádio do mundo. Que sonho! Convidou Charles Negrita, do Novos Baianos, para a foto e guardou o registro sagrado no baú de preciosidades. No estúdio de Evandro Mesquita, Paulo Cezar Caju ouvia e gargalhava, ouvia e gargalhava, ouvia e gargalhava. E assim foi durante toda a manhã, no reencontro promovido pelo Museu da Pelada, entre os amigos tricolores que não se viam há seis anos.
“O Caju me deu muitas alegrias dentro e fora de campo!”
– O Caju me deu muitas alegrias dentro e fora de campo! – vibrou Evandro.
Para evitar comparações, Caju, elegante, preferiu não lembrar a sua estreia no Maracanã quando, aos 17 anos, estreou pelo Botafogo contra o América e marcou três gols. Simples, assim. Mas nem precisava, Evandro contava tudo sobre PC. Recordou suas atuações pela Máquina Tricolor, em especial a partida Flu 1 x 0 Bayern, gol contra de Muller, que marcou o retorno de Caju ao Brasil vindo do Olympique de Marselha, mas também não deixou de fora as peladas no Caxinguelê, tradicional campo no Jardim Botânico, fechado recentemente.
– No Caxinguelê, passamos bons momentos de nossas vidas!!! – confirmou Caju.
“No Caxinguelê, passamos bons momentos de nossas vidas!!!”
Mas o tricampeão do mundo só não imaginava a surpresa preparada por Evandro, que aumentou o som e apresentou a canção “Nunca Joguei com Pelé”, uma das faixas de seu próximo cd, que será lançado no próximo semestre, liberada com exclusividade para o Museu da Pelada. Caju e Caxinguelê são citados!!!! Olha um trechinho aí: “Aí, vou dizer: Caxingelê, meu campo favorito. Lá deito, rolo, grito, corro, chuto e xingo… Cada drible tinha um nome Kleber, Pintinho e Samarone. Paulo Cezar Lima, o P.C., jogando uma beleza, apresentava o churrasco e batia a sobremesa”. Bem, essa história de “bater a sobremesa” arrancou novas gargalhadas de PC, mas, esqueçam, o craque está em outra, purinho, purinho, geração saúde!
– Continua jogando uma bolinha, parceiro? – perguntou Caju ao final da música.
Aí, Evandro franziu a testa, acusou o golpe. Há tempos os joelhos do craque vinham pedindo arrego e, para tristeza geral da nação peladeira, o vocalista da Blitz anunciou sua aposentadoria do futebol.
– Maldito rato! – resmungou ele.
– Que rato é esse? – quis saber, PC.
Na verdade, um camundongo invadiu a casa de Evandro e provocou uma perseguição de cinema. Após pisar em falso num degrau, os joelhos rangeram, o roedor fugiu e as chuteiras foram penduradas. E dá-lhe gargalhada do PC!!!
– Precisava fechar a carreira com chave de ouro, então resgatei fotos, crônicas e vídeos sobre peladas e usei tudo em meus dois últimos DVDs – revelou.
“Precisava fechar a carreira com chave de ouro, então resgatei fotos, crônicas e vídeos sobre peladas e usei tudo em meus dois últimos DVDs.”
Afastar-se da bola não é fácil. Ela o acompanha desde os tempos do colégio estadual André Maurois. O moleque sempre foi o craque da turma e matou muita aula para correr atrás da redonda. E cresceu aprontando. Certa vez, no final da década de 70, já em pleno sucesso com a peça “Asdrúbal Trouxe o Trombone”, deixou as parceiras de palco, Regina Casé e Patrícia Travassos, com os nervos a flor da pele quando resolveu trocar o ensaio por uma pelada. Mas, convenhamos, o convite era irrecusável. Os três saíam da praia e deram de cara com ele, sempre ele, PC Caju, estrela da seleção brasileira, que o convidou para um racha com Bob Marley no campo de Chico Buarque. Quem negaria?
– Regina e Patrícia falaram que se eu fosse iria ferrar tudo – recordou o centroavante habilidoso.
Não teve jeito e mais uma vez ele chutou o balde pela bola e, tempos depois, escreveu uma divertidíssima crônica: “… Bob tava com a bola… Pedi… Ele rolou para mim, eu levantei fiz uma firula e devolvi para ele, que gritou Yeah, man! e me abraçou sorrindo com todos os dentes de Marley pra fora!”. O futebol sempre inspirou Evandro. “Nunca Joguei Com Pelé”, um resumão da carreira futebolística, foi escrita há tempos, mas só agora resolveu lançá-la: “Joguei com malandro e otário, com Renato, Ronaldo e Romário, Toninho, Nelinho e Búfalo Gil, Dadi, Du, Dé, Marreca, Rato e Jacaré, mas nunca joguei com Pelé!”.
– Agora estou feliz porque achei no meu baú, guardada há anos, uma fita cassete com uma gravação, que o Rei Pelé me deu para avaliar – comentou.
A fita enviada por Pelé
“Agora estou feliz porque achei no meu baú, guardada há anos, uma fita cassete com uma gravação, que o Rei Pelé me deu para avaliar.”
Evandro não jogou com Pelé, mas protagonizou lances geniais. E lamenta não ter registros para comprovar. Mas há testemunhas. Guaraci Valente, o Gaúcho, do Planet Globe, guarda na memória duas obras primas do parceiro, a primeira, no Maracanã, despedida de Raul Plassmann. Após belíssimo lançamento de Silvio Cesar, Evandro deu uma caneta humilhante em Eliezer “Cala Boca, Batista” Motta e disparou um petardo no ângulo do goleiro Félix, o Papel. A segunda, um golaço de bicicleta, pelo Light Futebol Show.
– Nem no Museu do Louvre vi algo tão lindo – resumiu Gaúcho.
Foram incontáveis dias de glória! Na última atuação, em partida beneficente, em Angra, Ricardo Rocha engraxou sua chuteira após mais um golaço. No Caxinguelê, palco preferido, perdeu a conta dos gols e pelo Fumeta, ao lado de Yet, Maurício Camelo, Marco Madalena, Ruban, Vinicíus Cantuária, Marcelo Costa Santos, Rodolfo e Brown, ganhou os dois primeiros campeonatos, nos concorridos torneios no campo de Chico Buarque, contra os times de Afonsinho, João Nogueira e Nelson Rodrigues Filho.
– Amigo, preciso ir. Se pudesse ficaria aqui o dia inteiro – lamentou PC.
Evandro fez cara de menino triste. Ao levantar-se, a estalada básica, a cara feia e a reclamação de sempre: “esse joelho é foda”.
Nunca Joguei Com Pelé
Aí, vou dizer: Caxingelê,
meu campo favorito
Lá deito, rolo, grito,
corro, chuto e xingo,
de segunda à domingo
Já joguei com Junior, Zico
Bebeto, Beline e Brito
Ney Conceição e Afonsinho
sempre deram moral
Geraldo, o Assobiador e Geraldo Mãozinha
Nunca joguei com Gerson, o Canhotinha
Cada drible tinha um nome
Kleber, Pintinho e Samarone,
Troquei altas tabelas com Beto Bial
passes, música e letras com Chacal,
Dionísio, Pedro, Peninha e ainda tinha
o jogo do bicho pra fazer fézinha
Neném, Batata, Adriano, Magal
e ainda por cima, no Caxinguelê
Paulo Cezar Lima, o P.C.
jogando uma beleza
apresentava o churrasco
e batia a sobremesa
Humberto do Botafogo
e Serginho da Portuguesa
Outro craque? Por que não dizê-lo?
Mauricio Camelo, jogava de fraque
Jorge Ben, Chico, Tide, Babá e Didito,
Fernandinho, Marcelo, Dadica e Joninha
Dia de pelada todo mundo vinha
Boleiro, bolão, a bola bolava bonito
Gonzaguinha e Vina da perninha fina
E a alegria de ser um eterno aprendiz
Marcelo, Braga, Pernil, Pepeu e Ruban
A resenha rendia até de manhã
Todo mundo sabia o caminho
Madalena, Luizinho, Leão, Japa e China
Ernani e o falecido Rubinho
Gente boa, gente fina
vapor do Santo Cristo
Tinha estilo, levava jeito
Morreu matando uma bala no peito
Quarenta e cinco do segundo tempo
última volta do ponteiro
não teve pelada, nublou
neguinho chorou o dia inteiro
Nuvem Cigana e o perfume do vento
Novos Baianos e Paulo Suprimento
trazendo alegria pra rapaziada
Baseado nos papos da arquibancada
Música, filosofia e gargalhadas.
Cerveja espumando champanhe
Sempre tinha um beque sem mãe
estilo argentino entrando de sola
o menino, chutava cabeça, pau e bola
Mas artilheiro guerreiro manca sorrindo
e depois do luxo da ducha, tá tudo lindo
até debaixo d´água alguns moicanos
pingavam pra manter a fé
joguei com Jair, Djair, Altair e Orlando Lelé
mas nunca joguei com Pelé
e acredite, Jair da Rosa Pinto e Dinamite
Washinton, Assis, Eder e Reinaldo
Uri Geller, Silas, Silva e Clodoaldo
Rildo, Roger, Regis, Nunes, Andrade e Adílio,
com Ademir não. Nem com o pai, nem com o filho.
Delei, Denílson, Edu e Adão
Nunca joguei com Tostão
Tenho marcas no coração
das viradas históricas
jogadas antológicas
algumas mágicas, outras trágicas.
Não tinha pra ninguém
“Fumeta” e o “Passa A Bola, Meu Bem”
a bola rola desde menino
com Carlos Alberto, sim
mas nunca com Rivelino
Com dezoito, vinte, vinte e poucos
todo mundo é louco e atleta
Já fiz gol de falta
de cabeça e bicicleta
Areia, grama ou tábua corrida.
Caxinguelê era de terra batida
tinha o bar do Canário no fim
a vaca da grana do seu Joaquim
no meio do ar puro do horto
Só dava vaga quem saía morto
Lá perdi unhas e um joelho
Nunca joguei com Julinho Botelho
Joguei com Beto, Neto, Moreno
Branco e Preto
Torci pé, quebrei pulso e dedão
fui expulso por todo juiz ladrão
Saí com o nariz vermelho
numa dividida com Casé
Joguei com malandro e otário
comRenato, Ronaldo e Romário
Toninho, Nélinho e Búfalo Gil
Dadi, Du, Dé, Marreca, Rato e Jacaré
Mas nunca joguei com Pelé
No morro, no subúrbio, na praia
Lug, Ludovico, Necrose e Samambaia
Charles Negrita apresentava um
pra lua que nascia bonita
Jogávamos por música, por poesia
pela arte, pela bola, periferia.
Plena harmonia, zona sul, zona norte
dividíamos a conta, a ponta e a simpatia.
É a tal história… tá tudo na memória
Saudade é bom, mas as vezes dói
como bola na barreira que arde, incha.
Já joguei com muito Mané
mas nunca joguei com Garrincha
Nunca joguei com Pelé
ele era uma pantera de outro planeta
metia lençol, na gaveta, de placa, de letra
eu queria… Só pra falar:
“– Vai, Pelé! tô contigo, Pelé!
se quiser toca, Pelé.
golaço, Pelééé!”
Luiz Penido + Edson Mauro
clássico dos radialistas
texto: André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Simone Marinho | edição do vídeo: Izabel Barreto
É inquestionável que todo menino apaixonado por esportes, em algum momento da vida, narrou uma partida de futebol de botão. É dessa forma, aliás, que costumam surgir os grandes locutores. Na semana passada, a equipe do Museu da Pelada promoveu um duelo de botão entre dois dos maiores craques do rádio brasileiro: Luiz Penido e Edson Pereira de Melo, o Edson Mauro. E, é claro, que a partida contou com a narração de ambos, o que tornou o espetáculo ainda mais emocionante!
Penido iniciou a carreira de radialista com apenas 14 anos, em 1969, na Rádio Globo. Edson Mauro, que teve o nome “alterado” pelo primeiro chefe, por considerar que soaria melhor aos ouvintes, começou na Rádio Gazeta de Alagoas um pouco antes e, em 1971, por ironia do destino, se transferiu para a mesma rádio do adversário de botão. A mudança ocorreu após o locutor quebrar um galho e encantar Waldir Amaral ao narrar uma partida para a Rádio Globo na base da emergência, mas com a maestria de sempre. O palco do duelo de botão, portanto, não poderia ser outro: um auditório na própria rádio, na Glória.
Gentilmente, os radialistas aceitaram o convite do Museu da Pelada e promoveram uma resenha de alto nível e muito divertida. Para não criar ciumeira entre os times cariocas, Mauro comandou os botões do Cruzeiro e Penido defendeu a equipe do São Paulo. Pela carência de craques no presente, nada mais justo que os times fossem escalados com os melhores jogadores de todos os tempos. Antes de entrar na “arena”, Mauro benzeu-se, em seguida pegou papel, caneta e montou sua seleção celeste: Raul; Nelinho, Procópio, Roberto Perfumo e Piazza; Zé Carlos, Dirceu Lopes, Alex e Palhinha, Natal e Tostão. Seleção! Com um pouco mais de dificuldade, mas com a mesma eficiência, Penido escalou o tricolor paulista: Rogério Ceni; Cafu, Lugano, Leonardo e Nelsinho; Mineiro, Muller, Raí e Kaká; Zé Sérgio e Careca. Quem segura?
Enferrujados, há 20 anos sem jogar botão, os radialistas precisaram ensaiar algumas jogadas antes do duelo começar e o clima amistoso que reinava no auditório logo deu lugar à rivalidade e tensão assim que a bola rolou, fato que já era de se esperar pela dimensão do clássico.
Antes do apito inicial, no entanto, os craques bateram um par ou ímpar vencido por Mauro, que sairia com a bola. E o duelo não poderia ter começado de forma melhor. No primeiro lance, o comandante do Cruzeiro deu um toque para o lado e gritou para Penido posicionar seu goleiro.
“– Coloque-se!”
– Coloque-se!
Desacreditado, o comandante do São Paulo ajeitou o “Rogério Ceni” displicentemente, sem se preocupar. Mal poderia imaginar que Mauro soltaria um balaço lá do meio-campo, com “Tostão’, e marcaria um gol de placa!
Após o tirambaço no segundo toque na bola, o tradicional grito de gol do radialista ecoou no auditório.
“– BINGOO! OLHA O GOL! OLHA O GOL! OLHA O GOOOOL DO CRUZEIROO! ”
– BINGOO! OLHA O GOL! OLHA O GOL! OLHA O GOOOOL DO CRUZEIROO!
A narração empolgada foi com a mesma emoção que o craque costuma passar aos ouvintes de rádio, seja em jogos de menor expressão ou em batalhas memoráveis. Por falar em partidas inesquecíveis, Mauro considera a despedida de Pelé, o duelo entre Santos e New York Cosmos, como um dos momentos mais especiais de sua brilhante carreira.
– Tenho muito orgulho de ter feito o último jogo do Pelé como jogador profissional. Narrei o último gol dele. Foi emoção pura, pois “Quem viu, viu! Quem não viu, dançou!” – brincou.
O golaço de Mauro logo no início da brincadeira deixou os “torcedores” animados, na esperança de ver um duelo repleto de bolas na rede e jogadas bonitas. Contudo, até mesmo pela inatividade de ambos no futebol de botão, não foi bem o que aconteceu. Atrás do placar, Penido buscava desesperadamente o gol de empate, mas parava na muralha “Raul”. Com chutes insistentes de “Leonardo”, o radialista se irritava a cada defesa do goleiro celeste.
– Apontou, atirou… Não é possível! Já era para eu estar ganhando! – disse Penido.
Sem esconder a felicidade, o “Bom de Bola”, apelido que Mauro ganhou de Waldir Amaral, na Rádio Globo, comemorava a boa atuação do goleiro cruzeirense na partida.
– Obrigado, Raul!! Um dia eu vou contar dessas defesas para ele! – comentou
O curioso do apelido é que Mauro nunca gostou muito de jogar futebol. Enquanto os amigos brincavam, ele preferia ficar narrando as peladas.
“– Eu pegava uma casca de coco, que fazia um som parecido com o do microfone, e ficava narrando os jogos. Desde pequeno gostava disso. Era um narrador de peladas.”
– Eu pegava uma casca de coco, que fazia um som parecido com o do microfone, e ficava narrando os jogos. Desde pequeno gostava disso. Era um narrador de peladas.
Se os gols no auditório eram escassos, o mesmo não se pode falar dos “desentendimentos” entre os locutores. Não importa a idade, nem o nível de amizade, partidas de futebol de botão sempre geram confusões.
Finalizando de longa distância, Penido anunciava os desvios na zaga celeste, implorando por um escanteio.
– Cadê o juiz? A bola desviou na zaga mais uma vez! É escanteio!
Mauro, no entanto, nem dava espaço para a discussão e já saía jogando.
– Você tá maluco! Não bateu em ninguém! Tiro de meta!
“– Você tá maluco! Não bateu em ninguém! Tiro de meta!”
Além das discordâncias dentro das quatro linhas, os radialistas também não chegavam a um acordo em relação ao tempo de partida. Enquanto o “Bom de Bola”, vencendo o clássico, narrava que o árbitro já tinha sinalizado o tempo de acréscimo, Penido, desesperado, gritava que o relógio marcava apenas cinco minutos.
Vale destacar que Penido foi o primeiro locutor titular da Rádio Globo sendo prata da casa. Os anteriores vieram de outras emissoras. O craque ficou 24 anos longe da Rádio, retornando em 2012 para substituir José Carlos Araújo na apresentação do programa “Globo Esportivo”.
– Voltei para a Rádio Globo em abril de 2012. Não atendi um convite, mas um chamamento do meu berço. Fiquei muito feliz! – lembrou
Mas de tanto insistir nos chutes de longa distância, o São Paulo de Penido chegou ao empate. No apagar das luzes, o radialista arriscou da intermediária com o lateral Cafu, o capitão do penta. A bola, que ia para fora, desviou num zagueiro tricolor e morreu no fundo da rede, dando início às provocações de Penido.
– GUARDOU! GOOOOOL! É DO SÃO PAULOOO! É o gol do título! O São Paulo jogava pelo empate! É campeão!
“– GUARDOU! GOOOOOL! É DO SÃO PAULOOO! É o gol do título! O São Paulo jogava pelo empate! É campeão!”
O gol marcado nos acréscimos da brincadeira lembrou um dos muitos lances em que o locutor teve a oportunidade de narrar e jamais esquecerá. Não pela plasticidade, mas pela emoção proporcionada. Foi a falta cobrada por Petkovic em 2001, na final do Campeonato Carioca contra o Vasco, que deu o título à equipe da Gávea. O gol de Neymar contra a Espanha, na final da Copa das Confederações de 2013, também está na lista dos gols inesquecíveis narrados por ele.
Edson Mauro, como era de se esperar, não deixou o gol que tiraria sua vitória passar batido e reclamou da posição do jogador do São Paulo.
– Estava impedido! Que absurdo! Não valeu!
“– Estava impedido! Que absurdo! Não valeu!”
Mas não adiantou. O gol foi validado pelo árbitro Sergio Pugliese, que imediatamente encerrou a partida. Como ocorre ao fim de todos os jogos, o clássico proporcionado pelos craques não poderia ficar sem a tradicional entrevista à beira do gramado. Enquanto Penido ainda comemorava o gol do empate, Mauro fez uma análise do duelo.
– Foi muito bom rever em campo e narrar jogadas de Raul Plasmann, o eterno goleiro da camisa amarela do Cruzeiro, que me salvou no jogo com defesas espetaculares! Foi uma emoção ímpar, marcar um gol com Tostão e transmitir jogadas de Natal, Piazza, Zé Carlos, Dirceu Lopes e outros craques que não tive a oportunidade de narrar jogos. Foi muito legal sentir novamente o clima de disputar uma partida de botão, mas quem é do ramo nunca deixa de fazer uma reclamação: o gol de empate do Luiz Penido foi roubado!
Depois de muita comemoração, o “comandante” do São Paulo, ofegante, deu atenção ao repórter e agradeceu à oportunidade.
– A brincadeira foi ótima! Me diverti muito com a ideia do camarada Sergio Pugliese. Adoro esse cara. Foi muito bom! Aproveito para agradecê-lo!
Quando os “ânimos se acalmaram”, os rivais se cumprimentaram, recolheram suas equipes e o clima amistoso estava de volta.
– Que saudade que eu estava de brincar disso! – suspirou Mauro.
– Eu não jogava há mais de 20 anos – lembrou Penido.
Na saída do auditório, os radialistas mostraram mais uma vez que a rivalidade fica dentro de campo e fizeram questão de carregar a mesa juntos, cena corriqueira para os amantes do futebol de botão.
REIS DA ESPANHA
texto: Sergio Pugliese | foto e vídeo: Simone Marinho
edição de vídeo: Izabel Barreto
Os craques Octávio Bocão, Mauro Bandit e Felippe Orelha
Se a Espanha hoje é uma potência no futebol podemos apontar alguns “culpados”. Na verdade, muitos!!!! No campo, Evaristo de Macedo foi um dos pioneiros e conseguiu a façanha de ser ídolo dos rivais Barcelona e Real Madrid (veja a matéria de Evaristo de Macedo aqui). No futsal, então, a lista é interminável!!!!! O Museu da Pelada agendou um papo com três dessas lendas do futebol de quadra, na Associação Atlética Light, no Engenho Novo: Mauro Bandit, Bocão e Marabu. A bolsa de apostas apontava um “furo” de Marabu, “uma saída pela esquerda”, “um sambarilove”, uma ausência certa!
“Marcou com o Marabu? E ele garantiu que vinha?”
– Marcou com o Marabu? E ele garantiu que vinha? – perguntou Bocão, às gargalhadas.
Mauro Bandit dobrou a aposta e cravou:
– Ele não vem!!!!
Não é só porque eu já tentara esse encontro algumas outras vezes que iria desistir. Marabu é considerado celebridade no futsal da Espanha, um dos mais técnicos que passaram por lá. Nunca o vi jogar, mas não há um salonista que não o cite como referência.
– Marabu, cadê você? – perguntou Bocão, no celular.
“Marabu, cadê você? No Recreio? Na piscina! Ah, esqueceu? Meu Deus, depois combinamos, esquece.”
Após algumas risadas, afinal Marabu é uma figuraça, a resposta.
– No Recreio? Na piscina! Ah, esqueceu? Meu Deus, depois combinamos, esquece.
Esse é o Marabu! Mas não desistiremos!!!! Preocupado, Bocão quis saber se a matéria só renderia com três personagens, então olhou para a rapaziada jogando nos campos da Light e apontou para o aniversariante Felippe Orelha, de 44 anos.
– Também deixou sua marca na Espanha, serve?
A facilidade em achar craques do futsal que jogaram na Espanha só reforça a admiração daquele país por nosso estilo. Gostaram do “nosso”? Ao ser informado sobre a matéria, Felippe Orelha calçou as sandálias da humildade:
– Peraí, estão loucos, o Marabu é incomparável!!!!
Tudo certo, fomos para a quadra da Light. Não tinha bola, mas rapidamente o presidente Wagner Coe providenciou.
“Esses três merecem tratamento vip.”
– Esses três merecem tratamento vip – explicou.
O trio fazia questão de lembrar de Schumacher, Celsinho, Paulo Roberto e tantos outros que serviram de inspiração para a Espanha transformar-se numa potência. Octávio Bocão, 48 anos, na quinta temporada como comentarista da Liga Espanhola, no Esporte Interativo, estrela do Macer, jogou sete anos na Espanha, foi bicampeão da Copa do Rei e está com Mauro Bandit, e Schumacher na lista dos 10 melhores brasileiros de todos os tempos que atuaram na Espanha. No Brasil, Bocão foi três vezes artilheiro do campeonato paulista e acumula mais de 30 títulos. Bandit também arrasou por lá e até virou marca de chuteira. Nos nove anos atuou pelo Toledo’Port, uma filial do Atlético de Madrid, Interview e Blanes. Foi pentacampeão e é tratado como lenda.
– Fiz muitos amigos por lá e sou Atlético Madrid de coração – reforça Mauro Bandit, de 59 anos.
Felippe Orelha, embaixador do Ronald McDonald, ficou menos tempo e jogou pelo Galdar, de Las Palmas, mas os amigos levantaram tanto a sua bola que para o Museu ele também merece o tratamento de “rei”. De repente, o telefone toca. Era Marabu querendo saber se ainda dava tempo de ir. Todos riram e partiram para a cerveja. Marabu não apareceu.