O CRAQUE GLAMOUR
por Zé Roberto Padilha
Sou daquelas pessoas que deveria todos os dias passar pelas portas das igrejas, templos, sinagogas, entrar e agradecer. Seja virado para Meca ou Jerusalém, tenha a Bíblia, o Evangelho Segundo o Espiritismo ou o Alcorão às mãos, levantar as mãos para os céus e dizer: muito obrigado! Era um bom ponta esquerda, o Beto bom de Bola por aqui, mas que quando cheguei para fazer testes, aos dezesseis anos nas Laranjeiras, tinha Betos bons de bola às pencas. De Friburgo, Teresópolis, Mesquita, Campos e Muriaé. Fui treinando, me esforçando, abrindo mão de uma adolescência que pouco vivi fora da minha rotina de dormir cedo, não fumar ou beber, disputar a pole na subida das Paineiras com o Edinho, Toninho Baiano e o Pintinho. Muitos amigos trirrienses foram treinar no Rio. Dispensados, voltaram debaixo de um vaia silenciosa, que os marcaria para o resto da vida. Tinha vergonha desta volta, e treinava, treinava, treinava. Alcançar o título de campeão carioca juvenil, em 1970, nos ajudou a ficar. Como o Fluminense, por ser campeão, foi a base da seleção sub-20 que disputou o sul americano e o Torneio de Cannes, em 1971, fui convocado junto ao Nielsen, Abel, Marinho, Marco Aurélio e Rubens Galaxe. Campeões, na volta, encontrei o Zagalo treinando o profissional. Achou meu falso ponta parecido com o falso ponta que exerceu, e me lançou aos 19 anos contra o América, no Maracanã. Com isto, assinei meu primeiro contrato e alcancei meu sonho: ser jogador de futebol profissional. Mais que isto: do meu time de coração.
“E quando ele chegou de Marselha, eu estava ali, caneta, chuteiras e uma folha de papel para pedir um autógrafo de um tricampeão do mundo.”
Mas teve mais bênçãos para agradecer: jogar três Taças Guanabara seguidas ao lado de três monstros sagrados do nosso futebol. Em 1974, ao lado do Gérson, 1975, com Rivelino, 1976, coroando com Zico. Mas faltava o toque da cereja. Faltava conhecer um gênio de perto. E quando ele chegou de Marselha, eu estava ali, caneta, chuteiras e uma folha de papel para pedir um autógrafo de um tricampeão do mundo. Tinha tempo. Concentrávamos no Hotel Nacional, disputamos o Torneio de Paris, ganhamos a Taça Guanabara, o estadual, relaxei, fui deixando, e não peguei o autógrafo até hoje.
“Paulo Cézar Caju foi o craque mais glamouroso que conheci.”
Paulo Cézar Caju foi o craque mais glamouroso que conheci. A elegância com que deslizava pelo lado esquerdo, cabeça erguida e uma bola que não desgrudava dos pés, era acompanhada fora de campo por um bom gosto jamais visto nos campos de futebol. Trouxe da França, onde jogou por quatro anos, um guarda roupas que não havia na Bibba. Nem na New Man ou na Windsor, as lojas que ditavam as tendências em Ipanema. Chegava num Puma branco conversível para treinar, e o perfume que usava pós treino era tudo que Arnaldo Guinle sonhou um dia a aromatizar seu nobre clube, ao erguê-lo com arquitetura inglesa, vitrais franceses, ao lado do palácio onde sua família morava. E quando a falta era na entrada da área, ele cobria a barreira com uma elegância que aos Andradas, Wendell, Renatos, só restava olhar. Pular para quê?
“Muita arte, bom gosto e sensibilidade junto a uma bagagem que poucos alcançaram, era normal que PC tivesse uma biografia diferente dos outros ídolos.”
Muita arte, bom gosto e sensibilidade junto a uma bagagem que poucos alcançaram, era normal que PC tivesse uma biografia diferente dos outros ídolos. O céu e o inferno passaram ao seu lado, e sempre foi e será assim quando um negro ousar ascender socialmente no país. Millor Fernandes disse um dia, para refletirmos: “O Brasil não tem racismo porque o negro conhece o seu lugar”. Paulo Cézar Caju, meu ídolo, tratou ele mesmo de construir o seu lugar.
O bêbado e o bandeirinha
Jornalista e pesquisador preocupado em preservar a memória do futebol, o craque Roberto Assaf deu a sua primeira contribuição para o Museu da Pelada. Assaf conta uma história divertidíssima que ocorreu no Estádio Ítalo Del Cima, em Campo Grande, no Rio de Janeiro. Enquanto cobria uma partida entre Fluminense e América, o jornalista e todos presentes no estádio perceberam um torcedor visivelmente embrigado xingando o bandeirinha de forma incansável, do início ao fim do duelo. O mais curioso é que o tal torcedor não torcia para nenhum dos dois times e não estava nem aí para futebol.
O dia em que quase desejei ser vascaína para agradar ao meu pai – mas ele preferiu que eu fosse eu mesma
por Hérica Marmo
Houve um tempo em que eu achava besteira ter que torcer pro mesmo time do pai. Filha de uma botafoguense e de um vascaíno, minha primeira rebeldia foi me apaixonar pelo Flamengo. Logo o Flamengo. A ovelha-negra da família, dizem os primos alvinegros fanáticos. Ovelha rubro-negra, devolvo vidrada nas cores que me fascinam. Não foi capricho. Nem acaso. Apenas era muito complicado para os meus 6 anos só poder torcer para o Zico quando ele vestia verde e amarelo. Driblei o conflito interno e simplifiquei: meu time seria o que contasse com aquele camisa 10.
Na adolescência, quando o tema ainda era um tabu em casa, convenci meu pai a me levar pela primeira vez ao Maracanã. Em pleno domingo de clássico, propus a aposta que jamais poderia pagar: “Se seu time ganhar, eu viro Vasco”. Ele respondeu com uma piada que guardava um simbolismo que nem imaginávamos: “Não quero que você vire Vasco. Quero que você continue sendo Hérica”. Mas, empolgado com a excelente campanha do seu clube, que terminaria campeão brasileiro naquele 1989, resolveu pagar pra ver. “Vai que, né?”, deve ter pensado… Não deu… Quando subi as escadas e me deparei com a lindeza daquela arquibancada vermelha e preta, chorei de alegria e pertencimento. E rezei pra não perder a aposta. Recordar é viver: Bujica ouviu minhas preces, fez dois gols, ganhei uma camisa na saída do Maraca e nunca mais precisei esconder a minha paixão.
Meu pai pareceu levar na boa as duas derrotas. A partir daí, viramos rivais declarados. Mas, enquanto em mim o encanto pelo meu time só crescia, ele se envolvia cada vez menos com o dele (“Enquanto Eurico Miranda mandar, não quero saber de Vasco”, prometia). Mesmo assim, na contramão das estatísticas, eu me tornei minoria em casa: uma solitária rubro-negra contra dois vascaínos (meu pai e minha irmã) e dois botafoguenses (minha mãe e meu irmão). Acima de tudo, quatro fervorosos membros da torcida arco-íris. Não havia vitória do Vasco ou do Botafogo que os mobilizasse mais do que uma derrota do Flamengo. Quando o assunto era futebol, pegar no meu pé era o maior prazer da família.
Movida por essa certeza, comentei uma vez com o meu pai: “Você até gosta que eu torça pro Flamengo, né? Porque você adora implicar comigo quando eu perco”. Para a minha surpresa, ele desfez seu quase permanente sorriso e confessou com profunda tristeza: “Não, eu preferia que você torcesse para o mesmo time que eu”. Meu coração ficou pequenininho, mas já não tinha condições de voltar atrás.
Foi ali que entendi que herdar a paixão futebolística do pai não é besteira. Invejei todos os meus amigos que foram ungidos com essa benção. E fiz um acordo comigo mesma: se um dia tivesse um filho, eu o deixaria torcer para o mesmo time do pai, ainda que eu não tivesse competência para casar com um seguidor de Zico.
No papel de filha, consegui aplacar parte dessa frustração na Copa de 1994. Eu já morava em outra cidade e assisti aos primeiros jogos com os amigos da faculdade. Mas, quando Romário e cia chegaram à final, decidi ver o último jogo em casa. Meu desejo secreto: comemorar um título com o meu pai. Minha preocupação ainda mais secreta: meu pai se emocionar tanto com a vitória do Brasil e ter um infarto. Na minha cabeça maluca, eu tinha que estar lá para evitar que isso acontecesse. No momento em que Baggio chutou a bola pro alto, porém, o que fiz foi me jogar no pescoço do meu pai pra gritar junto com ele: somos campeões!!! Pela primeira vez, campeões ao mesmo tempo! Choramos abraçados e, se o coração dele realmente não aguentasse tanta emoção, a culpa teria sido toda minha.
Graças a Deus, salvo a minha neurose, ninguém estava doente. Com apenas 51 anos, meu pai gozava de plena saúde. O coração generoso, felizmente, continua batendo forte, agora, quando meu herói completa 73 temporadas de riso fácil, otimismo e respeito ao próximo.
Com a simplicidade de quem trocou a escola por uma boleia de caminhão, meu pai me ensinou que não precisa pensar igual para conviver bem com alguém. O futebol, claro, não foi o único campo da vida em que vestimos camisas diferentes. Mas em todas as vezes em que escolhi a arquibancada adversária, ele manteve o espírito esportivo. E eu aprendi a ter também.
Pai, desculpa pelo Flamengo e pelas outras decisões que causaram frustração. E muito obrigada por sempre me incentivar a ser tudo o que eu quis ser. Se o mundo fosse feito de mais pais como você, talvez não houvesse tanta demostração de ódio e intolerância por aí… Obrigada, obrigada, obrigada! Te amo!
Seu Ary e o seu sorriso indefectível
CINEFOOT TEM RECORDE DE INSCRIÇÕES
texto: André Mendonça | foto: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Perpétuo
Antonio Leal veste a camisa da sétima edição do CINEfoot
Comandado pelo craque Antonio Leal, o CINEfoot terá sua sétima edição entre os dias 19 e 24 de maio, no Rio de Janeiro. Com exibição dos filmes no Espaço Itaú de Cinema , Ponto Cine, Cine Joia e Cinemaison, o festival desse ano recebeu um número recorde de inscrições de diversos países. Foram 162 filmes e os especialistas tiveram a dura missão de escolher apenas 23 para entrarem na disputa pela Taça Cinefoot 2016.
A sétima edição, não por acaso, vai homenagear os grandes jogadores que vestiram a camisa 7 no passado. Aqueles pontas ariscos, habilidosos, que davam trabalho para os zagueiros e são raridades no futebol moderno. Entre eles, obviamente, o grande destaque é Garrincha. Homenagem mais que justa! Como os próprios organizadores descrevem no site, “suas atuações encantadoras, seus dribles desconcertantes e sua descontração em jogar futebol, o elevaram a uma categoria de extraterrestre, gênio, mito”.
A sessão de abertura do CINEfoot 2016 está marcada para o dia 19 de maio, às 20h30, na Praia de Botafogo. Além da homenagem aos camisas 7, neste dia o festival também fará tributo ao craque holandês Johan Cruyff, falecido recentemente.
– Vamos abrir o CINEfoot com uma homenagem simbólica e bastante marcante ao Cruyff, o nosso gênio do futebol. Vamos exibir um filme italiano, de 40 anos atrás, sobre o craque. Foi uma raridade que conseguimos. – revelou Antonio Leal
Como ocorre em todas as edições do festival, o lado cultural do futebol também será abordado. E no meio de tantos craques, o Museu da Pelada terá a satisfação de ser homenageado com a “Honraria Futebol Arte 2016”. No site do CINEfoot, os organizadores descrevem o Museu como “a mais recente e brilhante iniciativa no campo cultural em defesa da identidade e promoção dos valores mais preciosos do futebol genuinamente praticados nos campos e fora das quatro linhas”.
Vale destacar que no dia 23 de maio, às 15h, haverá um encontro para debater o tema “Sem estádio, sem ingresso, sem futebol. Uhhh, cadê o Maracanã? Sumiu!” e ex-jogadores devem fazer parte dessa resenha.
Para os atrasados e esquecidos, do dia 31 de maio a 4 de junho está programada a tradicional “PRORROGAÇÃO CINEfoot” no Centro Cultural da Justiça Federal, Cine Teatro Eduardo Coutinho e Cinemaison.
Assim como nas outras edições, a entrada para o Cinefoot 2016 é franca. A programação completa do festival pode ser encontrada no site http://www.cinefoot.org/programacao-2016/.
Confira a seleção de filmes:
RIO DE JANEIRO / MOSTRA COMPETITIVA DE LONGA-METRAGEM
1) Uma Maravilhosa Época Falida (Dir. Mario Bucci, Itália)
2) Gascoigne (Dir. Jane Preston, Grã-Bretanha)
3) Paysandú 100 Anos de Payxão (Dir. Marco André e Gustavo Godinho, Brasil)
4) Aspirantes (Dir. Ives Rosenfeld, Brasil)
5) Barba, Cabelo e Bigode (Lucio Branco, Brasil)
6) Miller & Friedreich – As Origens do País do Futebol (Dir. Luiz Ferraz, Brasil)
7) Sunakaly (Dir. Bhojraj Bhat, Nepal)
8) Shooting for Socrates (Dir. James Erskine, Grã-Bretanha)
9) Eighteam (Dir. Juan Rodriguez-Briso, Espanha/Zâmbia)
10) O Filho de Deus (Dir. Mariano Fernández e Gaston Giród, Argentina)
11) O Futebol (Dir. Sergio Oksman, Brasil/Espanha)
12) Nossos Filhos (Dir. Juan Fernández Gebauer e Nicolás Suárez, Argentina)
RIO DE JANEIRO / MOSTRA COMPETITIVA DE CURTA-METRAGEM
1) Dois Pés Esquerdos (Dir. Isabella Salvetti, Itália)
2) Espectadores (Dir. Ross Hogg, Grã-Bretanha)
3) Bola Para Seu Danau (Dir. Eduardo Souza Lima, Brasil)
4) O Ladrão do Troféu (Dir. Dave Edwardz, Austrália)
5) Paixão sem Tamanho (Dir. Luiz Claudio Amaral e Fabio Penn, Brasil)
6) Jogo Truncado (Dir. Caroline Neumann, Guilherme Agostini Cruz, Brasil)
7) Paixão Nacional (Dir. Jandir Santin, Brasil)
8) A Culpa é do Neymar (Dir. João Ademir, Brasil)
9) Som das Torcidas – Juventus (Dir. Pedro Asbeg, Brasil)
10) Na Lateral (Dir. Hortense Gélinet, França)
11) As Crônicas de Riascos (Dir. Lobo Mauro, Brasil)
LUTAR PARA NÃO CAIR
por Paulo Cezar Caju
Respondam rápido, quem é o favorito para o título do próximo Brasileiro? Podem pensar!!! Continuem pensando!!! Esqueçam, amigos, não tem. Pela estrutura, podemos falar em Corinthians, São Paulo e Inter. Mas ninguém vive mais só de estrutura. Vejam o caso do Flamengo. Gestão profissional e time que não encanta. O Grêmio vinha embalado com Roger e emperrou. O futebol mais bonito é o do Santos, mas muita gente deve ir embora. Os poucos craques não ficam aqui. Esse Brasileiro será a briga para não cair.
Em Minas, o técnico não escalou todos os titulares pensando na Libertadores. Algum presidente de Federação já encomendou uma pesquisa para ouvir o torcedor, saber o que ele pensa. O Estadual não pode ser menosprezado dessa forma. Se os times estão prestes a cair para a Segundona o que pensam em fazer na Libertadores? O Vasco vai investir na Copa do Brasil porque “é o caminho mais curto para a Libertadores”. Papo chato. Meu Deus, o Vasco com esse time não volta para a Primeira e quer fazer o quê na Libertadores???
E o Botafogo, com esse amontoado? Vai acabar fazendo companhia ao Vasco. Sério, o meu Fogão precisa de, no mínimo, uns 10 jogadores. Argel, do Inter, Jorginho e Ricardo Gomes ganham com um futebol medroso, sem surpresas, não ousam. Como o Dorival Júnior, com um time daqueles, moleques abusados, bons de bola, consegue jogar na retranca? Acreditem, a parte de baixo da tabela será muito mais emocionante e quatro considerados grandes podem cair. A esperança é que surja alguma novidade, um Audax da vida, para dar um tempero nessa mesmice.
· Não gosto desse discurso “Igreja Universal” usado por Jorginho e Zinho. O ideal é deixar as religiões fora de campo.
· Não tem o famoso “jogou onde?”, que os boleiros adoram? Agora vou lançar o “se reciclou onde?”. Pode se encaixar perfeitamente para os técnicos mais populares do Brasil, Tite e Muricy.
· Se é para defender, defendo, mas quando é preciso criticar, critico: Jefferson falhou nos dois gols do Vasco.
· Troquei o Leblon por Florianópolis e, agora, sou vizinho de Renato Sá.
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 10 de maio de 2016.