Escolha uma Página

VASCOLECIONISMO

texto: Jorge Maia | entrevista: André Mendonça | fotos: André Gomes


“O meu Vasco de hoje é completamente diferente de antigamente, tudo muda de fato, mas a história não, ela se eterniza e enche de brilho os olhos daqueles que desejam conhecê-la”. A frase de efeito, carregada de saudosismo, é do parceiro Jorge Maia, um exímio colecionador de itens do Vasco da Gama. Depois da matéria com Victor Raposo, o colecionador flamenguista, corremos atrás de um vascaíno, que ressaltou que colecionar é história, conhecimento cultural, terapia, gestão e organização! 

Durante a resenha, Jorge revelou ter sido um grande goleiro, principalmente no futebol de salão, onde conquistou oito títulos municipais consecutivos. É no colecionismo, no entanto, que o craque se destaca! Embora nunca tenha visitado o Rio de Janeiro, o morador de Colinas, no Maranhão, mostrou, com mais de 2 mil peças catalogadas, que sua paixão pelo Vasco não tem limites!

Com quantos anos começou sua paixão pelo Vasco e pela coleção? Quem te influenciou?


Na verdade pratico o colecionismo desde os sete anos de idade, quando comecei com caixinhas de fósforos e tampinhas de refrigerante, em Belém do Pará, minha cidade natal. Na pré-adolescência mudei o foco para selos nacionais e internacionais, mas sabia que a minha identidade colecionável era outra, estava à procura, pois meu ego solicitava desta identificação. Somente em 1998, já morando em Colinas do Maranhão, encontrei meu foco verdadeiro. Colecionar camisas de futebol do meu clube amado. Este ramo colecionável foi a partir de uma forte influência de pessoas que colecionavam diversas camisas de outros times, na rede social do finado e saudoso “Orkut”.

Além de camisas e autógrafos, o que mais você coleciona?

Comecei com camisas, mas o Vasco da Gama não se resume sua história só em mantos, tem todo um conjunto de simbologia que expressam um contexto histórico! Por isso, somente em 2010, doze anos depois de começar a coleção, resolvi ampliar e diversificar bastante os itens da coleção. Vieram flâmulas, livros, medalhas, pôsters, revistas etc. Tudo que se referia à marca C.R. Vasco da Gama.

Qual foi o primeiro objeto da sua coleção?

O primeiro objeto da minha coleção foi uma camisa Adidas que ganhei do meu avô, que foi juiz de futebol da Federação Paraense, na década de 60. Meus olhos brilhavam de felicidade quando vestia aquele manto sagrado, era como estivesse numa armadura templária.


Todas as camisas são originais? Como faz para conseguir tantos itens do Vasco da Gama?

Hoje em dia, com mais maturidade e mais conhecimento na arte do colecionismo desportivo, procuro por peças que realmente estejam inseridas no histórico do clube. Antigamente, por exemplo, pegava camisas sem levar em consideração a autenticidade das mesmas. Agora, analiso e adquiro somente peças autênticas; uma camisa de jogo, um livro autografado, autógrafos de jogadores e celebridades desportivas, placas e medalhas comemorativas, assim como flâmulas e fotografias originais, etc. Hoje em meu acervo tenho mais de duas mil peças, todas catalogadas, mas historicamente dentro do conceito de memorabílias tenho por volta mil peças históricas tranquilamente.

Como funciona esse mercado dos colecionadores? Existe muita procura?

O mercado do colecionismo cresceu bastante, ou melhor, tem vida hoje em dia graças as redes sociais que divulgam e ajudam nos desejos de todos. Eu, por exemplo, comecei a partir do Orkut, conseguindo camisas, assim como a maioria dos colecionadores antigos. Com o surgimento do Facebook e demais redes interativas, novos colecionadores aparecem dia a dia, compartilhando suas ambições e divulgando seus interesses em compra, troca ou venda. Sem tais interações sociais, eu morando nas entranhas do nordeste, não teria o que tenho e não conseguiria o reconhecimento que adquiri. Talvez até não estivesse respondendo a tais perguntas para o Museu da Pelada.

Qual foi o valor mais alto que pagou por uma camisa?


O colecionador, muitas vezes, quando aparece uma peça que ele não tem, não mede esforço algum para adquirir àquela oportunidade única, talvez. Quer possuir, quer a todo custo tê-la em seu acervo ou em sua coleção, aí pode causar transtorno financeiro e pessoal. Eu atuo sempre com um orçamento para coleção e outro familiar. Nunca misturo as “estações” e nem cubro prejuízo de um ou de outro com orçamentos trocados. Por isso, ao longo dos anos, sempre fui equilibrado no sentido amplo orçamentário. Já paguei uma quantia alta por uma peça significativa, mas na maioria das vezes consigo peças raríssimas, e muito valiosas a preço de “banana”. Tudo vai do olhar critico e conceitual daqueles que me vendem ou doam algo. Muitos não têm o conhecimento histórico do valor daquele objeto, outros têm e acham que um acervo é o verdadeiro lugar deles, por isso fazem as doações. Já paguei R$ 400,00 reais por um par de chuteiras da década de 50, onde colecionadores deste ramo já me ofereceram alguns milhares de reais por essas chuteiras. E assim outros itens.

Com uma coleção tão grande, consegue escolher o item que você mais gosta? Aquele que você não venderia nem por muito dinheiro.

Todos os itens da minha coleção são importantes e têm o mesmo valor significativo, isso vai muito do foco que você escolhe para sua coleção. Desde um chaveiro adquirido em um camelô a R$ 2,00 até uma carteira social do clube da década de 20 tem o mesmo cuidado e significativo para um colecionador de verdade. Claro que nós temos àqueles que chamam mais atenção de maneira expositiva como: medalhas e placas antigas, flâmulas antigas, fotografias etc. Mas, especificamente, amo todos os itens que tenho e que fazem parte do meu foco. Os que não fazem, negocio para alimentar o desejo dos demais colecionadores e amigos.


Como colecionador, ninguém discute que você é um craque! Mas como é o Jorge em campo? Gosta de jogar peladas? Qual posição?

O Jorge saindo do cenário do colecionismo, sempre foi um desportista. Em Belém do Pará, comecei a praticar o antigo futebol de salão.Treinei do Clube do Remo, depois vôlei e futebol de campo e a posição de goleiro sempre foi meu forte. Quando cheguei a Colinas do Maranhão, fui goleiro de uma agremiação local chamada Botafogo Futebol Clube e fomos octacampeão municipal consecutivos. Depois vieram as conquistas no futsal e, por fim, pendurei as luvas com muitas conquistas no currículo.

Como um bom colecionador, imagino que você tenha alguma história engraçada envolvendo procura de algum item… Alguma camisa que você queria muito, algum outro colecionador oferecendo…


A camisa trocada com o flanelinha

Quando se coleciona, se procura desesperadamente, e se depara com algumas situações bem engraçadas. Todo colecionador, principalmente de camisas, fica sempre com olhos ligados esteja onde estiver prá ver se pinta alguma raridade na rua, no shopping, na balada, no campo de futebol ou em qualquer outro lugar.

Certa vez estava no centro da capital, em São Luis, andando na rua me deparei com um flanelinha usando uma camisa do Vasco autêntica de jogo. Era uma finta (Away), usada por Giovani, no começo da década de 90. Imediatamente o abordei e ele se espantou pensando que era assalto! Fui explicar pra ele que estava desejando somente a camisa do Vasco e sugeri a troca. Fui até uma loja renomada de confecções, e comprei uma “Lacoste” original pra ele. Troca justa, eu acho. Saí feliz da vida e toda vez que olho pra esse manto me ponho a sorrir e vivenciar a novela que foi pra conquistá-la. Tornei-me amigo do cara, e sempre que o via ele me pedia outra Lacoste, mas só que não era troca… Passei a cortar beco nas mediações que ele atuava no ramo.

Você disse que cultua o clube das décadas áureas. A que época, especificamente, se refere? E como vê o Vasco dos dias atuais?


A história do Vasco é uma das mais lindas, se não for a mais bonita do cenário futebolístico mundial! O meu Vasco de hoje é completamente diferente de antigamente, tudo muda de fato, mas a história não, ela se eterniza e enche de brilho os olhos daqueles que desejam conhecê-la. Futuramente o que vou contar de lindo do meu clube para meus netos? São os rebaixamentos em pouco espaço de tempo? Ou são os anos de brio do Expresso da Vitória? São os talentos vascaínos de hoje? Ou são as histórias de Barbosa, Ademir Menezes, Ipojucan, Danilo Alvim, dentre outras lendas? Claro que vou começar a história lá quando era apenas Clube de Regatas, passando pela discriminação racial, pelas conquistas dos negros e operários, chegando no Expresso da Vitória e aportar em Roberto Dinamite, o nosso ídolo dentro e fora de campo. O Vasco de hoje é medíocre, não transmite confiança alguma. Nós torcedores vivemos em cordas bambas e inseguros em relação ao dia de amanhã, nas competições. Sobe, cai, sobe, cai, sobe, cai. Chega. O C.R. Vasco da Gama tem que ser tratado como time grande, seus torcedores precisam ser respeitados, assim como sua história tem que ser conservada. É injusto vivermos só do passado. Eu amo o Vasco, eu respiro o Vasco. Eu tenho boa parte da sua história dentro de casa, tudo ao meu alcance.

Além disso, você nunca veio ao Rio. Por qual motivo?

Nunca fui ao Rio, não foi por falta de oportunidade ou interesse, jamais, e sim porque o Vasco atual me faz distanciar desta possibilidade, deste desejo. O Rio pra mim não é Copacabana, Corcovado, Maracanã, somente. O Rio pra mim é VASCO DA GAMA e todos os seus anexos. O Rio pra mim são os colecionadores e amigos virtuais que fiz ao longo desses anos. O Rio pra mim são vocês que dão oportunidade de uma expansão no ramo colecionável, e fazem do reconhecimento a força para continuar com o meu propósito de extensão do clube.

Qual é o jogo inesquecível pra você?

Os jogos inesquecíveis do Vasco pra mim, na realidade são dois. O primeiro é a virada histórica, ou melhor, a Virada do Século sobre o Palmeiras na Mercosul de 2000. Estar perdendo de 3 x 0 em pleno Parque Antarctica, numa decisão, e virar o placar, te digo e afirmo foi muita emoção… Confesso que quando pego o DVD desta partida e vejo, ainda me pergunto: “Será que o Vasco vai virar este placar?”

O jogo mais importante prá mim foi conta o Botafogo em 1976, onde Roberto Dinamite fez o gol de placa! Obra prima, foi surreal àquela jogada, ficou eternizada em minha mente, pois foi depois daquele jogo que tornei-me VASCAÍNO, isso aos meus nove anos de idade. Por isso, considero o jogo mais importante da minha vida. Foi aí que conquistei minha identidade futebolística e graças a Deus estava na hora e lugar certo na frente da TV com imagem preta e branca, com meu pai (que Deus o tenha) torcendo contra o Vasco!


E sua família? Também é apaixonada pelo Vasco?

Sou pai de três filhas e dois enteados. Isadora, de 20 anos, é tricolor, Sarah, de 16, é flamenguista e Ana Flávia, a caçula de dois anos, é vascaína de corpo e alma e espero que continue com este propósito sempre. O Jonas tem oito anos e é vascaíno e o André, corintiano, tem 12. Percebe-se uma miscigenação de gostos futebolísticos. 

Quero que futuramente a Ana Flávia, a caçula, toque minha coleção e que tenha o mesmo amor pelo ramo do colecionismo como eu tenho. Estou trabalhando diariamente para isso, porque a história do C.R. Vasco da Gama não irá se acabar, ela continuará sempre, seja com tempestades ou calmarias, assim como uma caravela em alto mar nas descobertas dos caminhos marítimos em mares turbulentos.


André Gomes, o enteado corintiano responsável por tirar as fotos

Agradecimentos a colaboradores:

Sérgio Pugliese pela oportunidade e interação no nosso dia a dia; Jorge Medeiros, grande Vascaíno e Prof. de História, no Rio, vem me auxiliando bastante no contexto histórico literário do acervo; André Moura, o mago das camisas; Roberto Campos, criador da estrutura do site, foi que me impulsionou no projeto virtual e grande colecionador cruzeirense; aos colecionadores vascaínos Cláudio e Tavares, amigos do peito mesmo; minha mãe (Sônia), irmãs (Karina e Alessandra), filhas (Isadora, Sarah e Ana Flávia), enteados (André e Jonas), pai (Pedro, falecido) e principalmente minha esposa Alciane Maia, que atura este colecionador chato todos os dias, e claro, ela é uma fonte de inspiração para que eu preserve a história do Vasco.


João Ernesto e Mauro Prais, os padrinhos

Dedico esta matéria especialmente a duas pessoas que são muito importantes para o Acervo Vascolecionismo. São dois ícones e historiadores vascaínos. São “PADRINHOS” do acervo e conhecedores profundos da história do clube. Quando fiz o convite para usufruírem dos títulos a eles designados, não pensaram duas vezes. Agradeço a JOÃO ERNESTO e a MAURO PRAIS, por fazerem parte desta família que dia a dia cresce em conhecimento e reconhecimento.

Confira o site: http://acervovascolecionismo.com.br/

 

A PRIMEIRA

por Sergio Pugliese


Na foto, Sylvio Amaro, o homem que jogou o camarão para o alto

Eduardo perdeu a direção quando tentou uma manobra ousada e ficou entalado num canteiro. Foi ultrapassado pelo amigo e bufou quando ele seguiu rindo, e ainda deu tchauzinho pelo espelho interno. PC Bonfim saiu de uma festa com o sol raiando e para não arriscar foi direto ao Campo do Agrião. Dormiria no carro a uma hora e meia que faltava. Chegando lá, foi surpreendido por outros dois malucos com a mesma ideia. Mauro Maidantchik acorda todo sábado às cinco da matina para garantir a vaga, no Jamelão. Fernando Coimbra teve acesso de fúria quando viu a pelada iniciar sem ele e, inconformado, jogou duas dúzias de tangerina no campo do Country Clube de Niterói. A mesma atitude irada teve Sylvio Amaro, do Bate Boca, na Barra. Arremessou 10 quilos de camarão para os ares e melou o jogo. Quem é peladeiro sabe. Vale tudo para não ficar fora da primeira. 

– Se a pelada é mágica, a primeira exerce um fascínio inexplicável. Ganhar, então, é garantia de uma resenha paradisíaca! – define Tico, da Pelada do Surdos e Mudos, em Laranjeiras. 

A equipe do A Pelada Como Ela É sabia disso tudo mas se impressionou com certas atitudes, todas insanamente divertidas. Na Asbac, do Estácio, foi demais! 

– Faltam quantos para fechar? – perguntou Luiz Flávio, o DJ, pelo rádio, em tom de pânico, ao organizador Porquinho. 

– Um – respondeu, com a tranquilidade de quem tinha a vaga garantida. 

DJ é um cidadão pacato, do bem, excelente professor de Educação Física, amado pelas crianças, mas a resposta de Porquinho fez com que ele pisasse fundo, avançasse dois sinais, quase atropelasse uma velhinha e lembrasse seus tempos de campeão de kart. Minutos depois o pessoal da concentração ouviu o som de carro cantando pneu e, em seguida, freando bruscamente. 

– O que foi isso? – perguntou Fino, assustado. 

– DJ chegou – disse Porquinho, com a experiência dos monges budistas. 

Estava certo. DJ entrou tropeçando e respirou aliviado quando ouviu Porquinho gritar “fechou!”. Exultante, contou sobre suas manobras ousadas e contabilizou o valor das multas que deve receber por avanço de sinal, mas vibrava por estar na primeira. Dez segundos depois, Fabinho Surfista entrou como um raio querendo saber se estava dentro. 

– Fechou, otário! – disse Porquinho, vibrando de prazer. 

– Tá todo mundo em dia com a mensalidade? São todos efetivos? – apelou Fabinho, tentando uma última cartada. 

Só restava lamentar. 

– O que me quebrou foi aquele sinal da Presidente Vargas. 

A loucura para não perder a primeira chega a níveis tão elevados que Joãozinho, da Pelada do Clube dos Macacos, adquiriu uma técnica ninja de trocar de roupa dirigindo. Certa vez estava na Lagoa apenas de cueca quando foi parado por um motoqueiro da PM. Desceu o vidro apenas alguns centímetros e passou a habilitação. Desconfiado, o policial o mandou descer. Então, abriu totalmente o vidro e revelou suas condições. 

– Você sempre dirige assim? 

– Vou trocando de roupa para não perder a primeira pelada – confessou, constrangido. 

O PM se apoiou no carro para rir e mostrou-se totalmente solidário. 

– Nossas mulheres nunca nos entenderão! Também faço isso e olha que tirar a farda não é mole. E a bota? Tenho que aproveitar os sinais fechados. Amigo, vai em frente, não quero lhe atrasar. Mas cuidado com os radares! 

E Joãozinho partiu. Mas perdeu preciosos minutos. Na verdade, ganhou. Empresário renomado, achou divertido ele e um PM agirem da mesma forma. Mais cara de pelada, impossível! Pelo rádio, um amigo avisou que a primeira fechara. 

– Parei numa blitz – explicou. 

– PM querendo tomar grana? 

– Não, PM que dirige de cueca como eu. 

O amigo estranhou a resposta, mas preferiu não entrar em detalhes. Sem chances para a primeira, Joãozinho relaxou e foi a 20 quilômetros. A cena era melancólica. Terno amassado no banco do carona, um dos sapatos jogados no painel, vidro aberto, de cueca, meião, cotovelo para fora da janela e peito nu para sentir a brisa da noite. O PM estava certo. As mulheres nunca entenderão tanta poesia.


Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 18 de dezembro de 2010.

NOVA IMPRENSA ESPORTIVA

por Mateus Ribeiro


A Imprensa Esportiva precisa mudar o quanto antes. Todos nós gostamos de falar e ouvir sobre futebol. Todos nós gostamos de discutir os lances do final de semana na mesa do bar, na hora do café . Todos nós gostamos de assistir os debates futebolísticos, de ler o caderno de esportes dos jornais. Bom, ao menos no passado assistir ou ler qualquer coisa relacionada ao futebol era algo construtivo e prazeroso. Hoje em dia, acompanhar o futebol jogado já e uma tarefa das mais difíceis, principalmente pela baixa qualidade dos jogadores, que além de judiar da bola se comportam feito estrelas do rock e se acham a salvação do futebol. Como se não bastasse, a imprensa esportiva virou um circo. Mas não aquele circo que faz rir, que diverte. Virou um circo dos horrores. Comentaristas sem a mínima graça tentando fazer palhaçada, comentarista que inventa boatos, comentaristas de arbitragem, o modelo dos programas, tudo isso virou a cereja do bolo amargo e indigesto que o futebol se tornou.

Os problemas são gritantes. E sabe o pior? Que o modelo engraçadinho de se falar sobre esporte está virando moda. Óbvio que existe público para isso. E esse público só aumenta. O que muitos comunicadores esquecem é que eles formam opinião. E estão ajudando a criar uma geração com opiniões vazias, e na maioria das vezes rasas, plastificadas e sem o mínimo de embasamento. Chega a ser triste saber que já tivemos Tostão falando sobre futebol na hora do almoço, e hoje vemos um show de piadas sem graça para preencher horário.

Dito isso, podemos falar sobre os comentaristas de arbitragem. Partindo do princípio de que muitos lances são interpretativos, é realmente necessária a opinião soberana de alguém? Quando então notamos que essa opinião foi emitida por um árbitro que durante sua carreira acumulou péssimas atuações, tudo fica pior. Apenas para finalizar, a ideia de transformar em alguém fundamental em uma transmissão uma pessoa que precisa analisar um vt para emitir uma opinião está longe de ser uma boa ideia. Afinal, qualquer ser humano que enxergue e saiba o mínimo das regras do futebol pode opinar.

Outro grande problema que assassina a cada dia mais nossa outrora interessante imprensa esportiva é o fato dos baluartes do microfone decidirem quem é craque e quem não é. Eu não sei qual é o critério que usam para blindar alguns e arrebentar com outros. Tampouco sei qual a razão que inventam um craque por dia, mesmo que esse craque jogue uma partida bem e passe o restante do campeonato sumido. Mas numa dessa conseguiram enfiar na cabeça de grande parte dos torcedores que dois caras com nome de ave são craques. Os maiores exemplos disso são dois jogadores com uma boa técnica. Nada além disso. Mas basta um passe ou um gol em meio a um jejum gigantesco e pronto. Temos o novo Maradona. Nasceu o novo Roberto Baggio. Menos pessoal, bem menos. Não precisamos de falsas promessas. Queremos apenas nos informar. O futuro pé nebuloso. Não existe possibilidade concreta de melhora.

Enquanto isso, continuamos a utilizar a opção de mudar de canal, acessar outro site, ou trocar de jornal. Por enquanto temos essa saída. Mas se as coisas não mudarem, poderemos não ter mais saída. Ou teremos: deixar de acompanhar a imprensa esportiva.

FALSOS BRILHANTES

por Zé Roberto Padilha


Rodinei era lateral direito da Ponte Preta, de Campinas,  e foi destaque no ano passado no Paulistão. Certo dia passou por um comércio popular e se apaixonou por um relógio Rolex de 80 pratas. Coisas de jogador de futebol. Era grande e dourado, mas todos os jogadores lá no clube da Macaca saberiam que não era de verdade. Iriam zoar com a cara dele.


Rodinei em ação pela Ponte Preta

Precisava, então, se transferir para um time grande. Aí sim, com altos salários, quem duvidaria da procedência daquele adorno barato? E assim o fez. Comprou o relógio e veio jogar no Flamengo.

Com um futebol de verdade, e um relógio de mentira, chegou impressionando a todos. Muricy Ramalho, então treinador, gritava nos treinamentos: “Dá no neguinho que ele resolve!”. E ele partia para cima da zaga do Resende, do Volta Redonda e da Cabofriense. Rodinei voava em campo e o relógio brilhava fora dele. Acabou se destacando também no estadual carioca.

Na primeira entrevista coletiva, porém, assustado diante de tantos repórteres, declarou: “Caramba, lá na Ponte não havia tantos jornalistas assim!”. Já no Campeonato Brasileiro, apavorado com tanta gente presente ao embarque para enfrentar o Palmeiras, bateu na mesma tecla: “Até hoje não havia visto nada parecido com aquilo!” Quando soube, então, que o voo era fretado, declarou-se emocionado e deitou sobre uma fileira de poltronas como jamais imaginou um dia viajar.


Rodinei perdeu a posição para Pará no Flamengo

Com o tempo, Rodinei descobriu que as praias da Cidade Maravilhosa, as noites da Lapa e o samba do Salgueiro não tinham também nada a ver com Campinas. E aí os papéis se inverteram perante tantos contrastes que surgiam e não soube lidar: era o torcedor do Flamengo, diante sua insegurança, que desconfiava. Não do seu relógio. Mas da autenticidade do seu futebol. Começou a chegar atrasado nas divididas, adiantado na marcação mesmo sem ter que parar os ponteiros já extintos do futebol. Quem o parou foi o Pará.

Moral da História: não são os relógios, as camisas Lacoste, os tênis Nike, nem o perfume Azarro que precisam provar que são de verdade para funcionar. E sim quem usa,  veste, perfuma e leva junto para o Rio de Janeiro, Campinas, qualquer lugar, a confiança num taco, ou uma bola, que tenha a grife da sua personalidade.

Bolívar

XERIFE DO BOM JESUS

texto: Augusto Dalpiaz | fotos: Paulo Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel 

 

O lateral esquerdo Bolívar desenvolveu, ao longo de sua carreira, estratégias para intimidar os adversários, antes mesmo do jogo começar. Seu mentor foi o zagueiro Jorge Ortunho, ex-Vasco, ex-Grêmio e com rápida passagem pela Seleção Brasileira, em 1956. De tanto ouvir que era preciso se impor em campo logo na primeira jogada e que tinha de mostrar que não estava ali para brincar, Bolívar usava seis travas de cerca de 18 mm, as maiores possíveis, na sola de suas chuteiras de alumínio, que brilhavam à distância. Ele chega a comparar o solado à “boca de um crocodilo”. 

Não era o bastante. Ao sair do vestiário, começava a “riscar” (esfregar o pé no chão), tirando faíscas no atrito com o concreto, avisando aos oponentes o que lhes esperava. Depois, batia as travas na “goleira”.

– Fazia um barulhão e os adversários pensavam: “lá vem o homem” – relembra o jogador, que atuou no Avenida (Santa Cruz do Sul – RS), Grêmio, Portuguesa (SP), Inter de Limeira, Bragantino, Bandeirante (Birigui – SP), Aimoré (RS) e Guarani (Venâncio Aires – RS).


Bolívar com as camisas da Portuguesa, Grêmio e Inter de Limeira, na varanda de sua casa, no bairro Bom Jesus.

O comportamento e jogadas que deixaram marcas no corpo dos adversários, a ponto de acabar com a carreira de um deles, fez Bolívar ser chamado de “assassino” por 15 anos. Mas isso nunca abateu o atleta que foi bicampeão do Torneio de Cannes com a seleção brasileira juvenil (1972-1973) e campeão paulista pela Inter de Limeira (1986).

PULANDO MUROS

Bolívar Modualdo Guedes nasceu em 21 de dezembro de 1954, no bairro Bom Jesus, também conhecido por Camboim, em Santa Cruz do Sul, a cerca de 150 km de Porto Alegre. Desde os anos 1950, a região era a “vergonha da cidade”, que foi colonizada por alemães e se desenvolveu com a indústria fumageira. Lá, se fixaram os afrodescendentes que migraram em busca de emprego, mas só encontraram o preconceito e a segregação, de acordo com o historiador Eduardo Paim, em seu trabalho “História, identidade e racismo na formação da sociedade santa-cruzense”.  Os jornais locais reforçavam o estereótipo que, no bairro, a miséria e a fome andavam parelhas com a marginalidade e a desesperança. Sem se importar com o que diziam, Bolívar, torcedor do Avenida Esporte Clube, costumava pular os muros do Estádio dos Eucaliptos para ver os jogos do alviverde, sem saber que o Periquito marcaria a sua carreira.

Aos 13 anos, Bolívar conciliava o curso de mecânico ajustador no Senai com o estágio na fábrica de cigarros Souza Cruz. Porém, com menos de um semestre para a conclusão do ensino profissionalizante, decidiu largar tudo e seguir o caminho do futebol. Um dia, em um rompante, saltou o muro do Senai e foi para casa. Ao chegar, foi interrogado pelo pai por que estava em casa tão cedo. A resposta veio de bate-pronto: “não vou mais à escola, vou jogar bola”.  O menino que tinha sido descoberto pelo técnico Gaúcho em um jogo de futebol de salão nas quadras da associação de funcionários da Souza Cruz chamava atenção por sua magreza:

– Eu ia treinar no Avenida e os caras me davam leite com mel e uma vitamina. Lembro do copão de mel, aquele leite gelado e sustagem (suplemento para combater carências nutricionais). Eu bebia aquilo antes ou quando terminava o treinamento. O massagista vinha com um copão. Às vezes, colocava chocolate e me dava vitamina B12. Eu vinha para casa feliz da vida, assoviando. Chegava de barriga cheia. O pai falava: “Vai comer? “. E eu dizia que tinha comido no clube! – recorda.

Não era a primeira vez que jogava por causa do lanche. Antes de ir para o Avenida, jogou no Verinha, time amador do então distrito (hoje cidade) de Vera Cruz. Lá, na posição de centroavante, foi bicampeão infanto-juvenil e artilheiro em uma das temporadas (24 gols) em troca apenas de cachorro-quente, refrigerante e uns pedaços de carne do churrasco feito após os jogos.

– Era uma festa! – define.

No Avenida só fez treinamentos e chegou a atuar 10 minutos em três amistosos contra times profissionais. Ele só lembra de dois adversários: o Veteranos, de Carazinho, e o Riograndense, de Santa Maria. No ano seguinte (1969), se transferiu para a equipe infanto-juvenil do Grêmio. Foi promovido para o juvenil e convocado para a seleção brasileira da categoria que conquistou o bicampeonato (1972-1973) do torneio de Cannes, uma espécie de mundial juvenil à época.

OLIMPÍADA E ATENTADO

A convocação seguinte, para disputar as Olimpíadas de 1972, em Munique, foi marcada por um péssimo resultado e uma tragédia. Em campo, a seleção fez a pior campanha de sua história nos Jogos Olímpicos. A equipe que contava com Dirceuzinho, Nielsen, Rubens Galaxe, Falcão, Zé Carlos (Santa Cruz) e outros craques decepcionou. Eliminada na primeira fase,  ficou em último lugar de seu grupo. Bolívar jogou dois dos três jogos: o empate (2 a 2) contra a Hungria, melhor resultado dos brasileiros, e a derrota contra o Irã (0 a 1). A seleção perdeu ainda para a Dinamarca por 3 a 2.

Além disso, os Jogos Olímpicos ficaram marcados pelo atentado do grupo terrorista palestino Setembro Negro que matou dois e sequestrou nove atletas de Israel. A ação da polícia alemã para libertar os reféns acumulou erros e resultou na morte de todos israelenses, cinco terroristas palestinos e um policial. Bolívar conta que ouviu tiros na madrugada do dia do sequestro, mas voltou a dormir. Acordou com barulho de helicópteros, pessoas falando alto, cães latindo e com a movimentação de policiais. Ele acrescenta que os dirigentes da CBD tiraram os jogadores rapidamente da Vila Olímpica, embarcando-os para Portugal e, em seguida, para o Brasil.

– Havia o boato de que os sul-americanos também seriam sequestrados! – conta.

VOLTA PARA O GRÊMIO

Ao regressar para o Grêmio, em 1972, ainda adolescente, se profissionalizou. Com os primeiros salários comprou um terreno no Camboim:


Cadeira com as cores do Grêmio na varanda da casa de Bolívar, único torcedor tricolor em uma família de 13 pessoas – os outros são Inter.

– Vílson Cavalo, Iúra, Ivanir e Euclides, todos meus amigos, compraram um carro. Na época, o pessoal gostava de Fuscão. Eles diziam para eu fazer o mesmo, mas eu respondia que não queria, não gostava desse troço. Até hoje não dirijo. Preferi adquirir um terreno, que depois vendi para um parente, aqui no bairro – conta o ex-lateral.

Bolívar diz ainda que o filho Fabian, ex-jogador do Internacional, tentou lhe dar um carro várias vezes, mas que prefere ficar a pé. “

– Gosto de tomar uma cerveja para caralho. Deixa assim! – acrescenta.

Durante o período que passou no Grêmio (1972-76), o ex-ponta esquerda que virou lateral para atender o técnico Antoninho, da seleção de base do Brasil, não ganhou nenhum título gaúcho. Esta fase engloba o octacampeonato do Internacional (1969-1976). Bolívar considera o Gre-Nal o clássico mundial de maior rivalidade, superando até Boca Juniors versus River Plate, na Argentina. Neste tempo, os jogadores dos dois times não podiam se falar. Dirigentes, desde a base, diziam para os jogadores tricolores: “Guri, o inimigo é o vermelho (cor do Inter) “. A pressão era tanta que Bolívar e Falcão, parceiros desde Cannes, dificilmente se encontravam para não haver comentários sobre a influência da amizade no resultado dos jogos. Os atletas dos dois times mal se cumprimentavam. Mas isso não tirava o sono do lateral na véspera dos jogos.


Pôster do Grêmio. Bolívar é o último, em pé, à direita

Os confrontos que Bolívar teve com Valdomiro, um de seus maiores rivais, também foram marcantes. Segundo suas palavras, o ponta-direita o “infernizou”:

– Ele não era muito driblador como o Zequinha, mas quando dava um tapa e corria para o fundo, eu pensava que com pouco espaço não faria nada, mas ele chegava e “tum”: a bola estava lá dentro. Valdomiro era um cara rápido e tinha muita força. Para tentar pará-lo, precisava grudar nele e, de vez em quando, dar uma pancada, não tinha outro jeito – admite.

Por conta desses embates, os dois jogadores vivenciaram uma situação curiosa durante a entrega do troféu “Everaldo Marques da Silva”, no programa do jornalista João Bosco Vaz. Bolívar, ao ser chamado ao palco para receber o troféu em honra a sua carreira, não imaginava quem lhe entregaria o prêmio. Não deu outra: Valdomiro. Ao se olharem, os ex-jogadores se estranharam. O ponteiro colorado não se conteve:

– Puta sacanagem os caras fizeram, com o tanto que tu me bateste, ainda vou ter que dar o troféu na tua mão! – depois, os dois começaram a rir.

Ao fazer um balanço de todos os jogadores que marcou, o santa-cruzense com nome de general libertador de países sul-americanos, apontou Serginho Chulapa como o mais difícil por sua força e Careca, pela habilidade. Outros citados foram o centroavante do Palmeiras, Toninho, “baixinho e com muita velocidade”, e Beijoca, do Bahia, “que também batia muito”. Bolívar, porém, tem uma teoria para explicar porque nunca se desentendeu com jogadores como Chulapa, que brigava com todo mundo:

– Lobo não come lobo! – diz.

O MAIS VIOLENTO

Se antes do Gre-Nal, Bolívar dormia tranquilo, na hora da peleja, se transformava. Esquentava a cabeça durante o jogo, dividindo todas as jogadas com rispidez. Conta que devido a esta forma de atuar chegou a ser tachado de jogador mais violento do Rio Grande do Sul. Segundo ele, ao lado de Figueroa, do Inter.


– Eu chegava firme. Cada vez que ia na bola era um prato de comida que eu via. E eu sempre fui um cara de 1,87m. Quando saía para uma dividida, saía forte. Um cara pesadão assim… Mas eu não era desleal! – defende-se, para no segundo seguinte admitir que machucou alguns adversários.

Em uma partida do Campeonato Gaúcho de 1976, em Caxias do Sul, contra o time da cidade, o ponta-direita grená Maurinho acertou o lateral gremista duas vezes, atirando-o para a pista de atletismo. As jogadas duras de Maurinho eram incentivadas pelo treinador Marco Eugênio, que não parava de gritar:  

– Não deixa o Bolívar passar. Se deixar, vou te tirar de campo!

Após o segundo lance, Bolívar falou:

– Pô, Maurinho, tu estás de sacanagem, não vai na conversa do homem, deixa assim!

As entradas duras continuaram. Na dividida seguinte, o lateral decidiu que era hora de reagir. Resultado: 15 pontos na perna de Maurinho, vitória do Grêmio por 1 a 0 e muita dificuldade para o tricolor deixar o estádio, devido à fúria da torcida do Caxias contra o lateral rival. Apesar de tudo, Bolívar faz questão de dizer que era amigo de Maurinho e Marco Eugênio, já falecido. 

TRANSFERÊNCIA

Entre 1977 e 1980, Bolívar atuou na Portuguesa, onde acredita ter tido a sua melhor fase técnica, interrompida por uma lesão do tornozelo esquerdo. Num jogo em Limeira, ele enfiou o pé em um buraco e ficou seis meses sem jogar. Segundo o ex-lateral, antes da contusão, estava cotado para disputar a Copa de 1978, na Argentina. Talvez tenha sido um castigo por suas jogadas ríspidas, mas o certo é que Bolívar não foi convocado e isto o incomoda até hoje.


Bolívar acredita que contusão no tornozelo esquerdo impediu que ele fosse convocado para a seleção brasileira e da Copa de 78.

Mesmo jogando “muito bem nesta época”, foi na Portuguesa que ocorreu o lance que o fez ser chamado de “assassino” durante 15 anos pelas torcidas dos times que enfrentava. Numa partida contra a Ponte Preta, de Dicá, Vanderlei, Odirlei, Polozzi e Oscar, em Campinas, Bolívar discutiu com o arisco ponteiro Lúcio. A Ponte ganhou o jogo e veio o returno. Os ânimos ainda estavam exaltados. 

Neste dia, Lúcio foi substituído por “um menino” chamado Wilsinho.  A Ponte fez 1 a 0, no Pacaembu – a partida terminaria empatada. Em outra jogada, tocaram a bola para o ponteiro. Bolívar conta que em vez dele entregar a bola para o Dicá, que estava bem posicionado, resolveu dar uma “pedalada”. O lateral deu um carrinho acreditando que iria pegar a bola, mas não foi isso que aconteceu: 

– Peguei a perna do moleque e quebrou tudo. Quebrou tíbia, quebrou perônio, atingiu os ligamentos. Ele nunca mais jogou- rememora o defensor da Lusa. 

Os gritos de “assassino” que passou a ouvir dali por diante não o incomodariam.

– Entrava por um lado, saía pelo outro! – diz. Bolívar nunca entrou em contato com Wilsinho para se desculpar. Alega que não teve oportunidade.

Em contrapartida, narra um lance que quase provocou sua morte, em 1982, em Ribeirão Preto. Na disputa entre Inter de Limeira e Comercial, o técnico Jair Picerne mandou Bolívar marcar o Edval, ex-zagueiro do Fluminense. “Negão, alto e forte”, na definição de lateral, que disse estar ganhando todas as bolas alçadas na área naquele jogo. De repente, um cruzamento. Os dois saltaram, mas Edval, perdeu o tempo da bola e deu uma cabeçada na nuca do gaúcho.


Bolívar relembra episódios de sua carreira

– Caí com a cabeça no chão. Só lembro de ver o refletor rodando. Não vi mais nada. A ambulância entrou no campo. Saí como morto. Só fui acordar uma hora depois no hospital. A gente usava camisa, calção e meia branca. Quando despertei, me perguntei o que estava fazendo com aquele uniforme vermelho. O médico disse que era sangue e que tive sorte. Falou que se não rachasse a cabeça  teria dado um coágulo e eu não ia suportar mais meia hora. No final, levei 10 pontos! – relata.

Durante um mês, Bolívar passou a se encolher toda vez que a bola chegava pelo alto. Só depois de passar por uma série de exames e ser avaliado por um neurologista é que perdeu o medo.

CHUTEIRAS PINTADAS

A fama de “violento” preocupava os árbitros. José Assis Aragão foi um dos primeiros a tomar providências. Toda vez que apitava um jogo de Bolívar, proibia o uso das chuteiras de alumínio, mesmo em dias de chuva quando elas eram indicadas para evitar escorregões. Aragão mandava um representante da federação fiscalizar os calçados. Para tentar ludibriar os juízes, Bolívar pediu ao massagista da Inter de Limeira para pintar as travas da chuteira de preto porque, em suas palavras, sem isso “seus alumínios (travas) brilhavam de longe”. 

Na partida contra o Santos, na Vila Belmiro, após 10 minutos de jogo, a tinta desbotou por causa da areia que havia em campo. A chuteira voltou a brilhar. O juiz, cujo nome Bolívar não lembra, o abordou e falou “não te avisei que era para tirar essa merda? ” E o obrigou a trocar a chuteira. Em sua defesa, o ex-jogador alega que a chuteira com travas altas faziam ele “se sentir seguro” em dias chuvosos.

– Eu gostava de jogar na chuva, no barro. Deixava o campo como um leitão, como um porco, todo sujo, mas ficava satisfeito! – fala e solta uma risada.


Da Lusa para a Internacional de Limeira, onde ganhou o apelido de “Xerife”. Foram três passagens, a primeira de 1980 a junho de 1984; a segunda, de 1985 a 1987; a terceira, em 1989. A interrupção inicial ocorreu porque a mãe do jogador ficou doente e ele pediu para voltar a Santa Cruz do Sul para ficar mais perto dela. No Sul, jogou alguns meses no Aimoré, de São Leopoldo. 

No regresso a Limeira, viveu o momento mais especial de sua carreira, o título paulista de 1986, conquistado diante do Palmeiras. Era a primeira vez que uma equipe interiorana, fora do eixo São Paulo-Santos, ganhava um campeonato estadual. Bolívar define a Inter daquele ano como “um time de casca grossa (jogadores experientes), com dois meninos – Lê e Tato”.

Depois de derrotar o Santos por 2 a 0, na casa do adversário, e voltar a vencer por 2 a 1, em Limeira, a Inter, treinada por José Macia, o Pepe, se classificou para disputar o título do Paulistão contra o Palmeiras. Metódico, Pepe ensinou a Bolívar que futebol tem que ser jogado como feijão com arroz. 

– Se colocar maionese, estraga – dizia o Canhão da Vila Belmiro.

DECISÃO HISTÓRICA

 No primeiro jogo da final, 104 mil torcedores viram o empate de 0 a 0, no Morumbi. As manchetes dizendo que faltavam 90 minutos para o Verdão, que estava na “fila” há dez anos, ganhar o título, mexeram com o brio dos alvinegros. Na segunda partida, a Inter venceu por 2 a 1, também no Morumbi, com gols de Kita e Tato. Amarildo descontou. 

Quando Dulcídio Wanderley Boschillia encerrou o jogo, Bolívar abraçou o Alemão, como o juiz era conhecido entre os boleiros, e foi para o vestiário. Enquanto a comemoração acontecia em campo, o gaúcho acendeu o cigarro que o roupeiro lhe trouxe e pegou o isopor com cervejas que tinha preparado. Entrou na banheira e comemorou sozinho, fumando e bebendo, o título que almejava desde os tempos que jogou no Grêmio.


Bolívar sentado na sala de casa, debaixo da foto com os filhos ainda crianças. Um deles, Fabian, foi campeão 12 vezes pelo Inter, sendo duas da Libertadores. O outro se chama Marcel

A festa não parou ali. A equipe chegou em Limeira às 5 horas da manhã do dia seguinte, e desfilou em carro de bombeiros. Por esse feito, por sua forma de jogar e por ter disputado 297 jogos com a camisa da Internacional, Bolívar até hoje é lembrado como o “Xerife de Limeira”.

Na terceira passagem pelo clube, em 1989, treinou a equipe principal por seis jogos, quando Pepe foi trabalhar na seleção peruana. Diante das poucas vitórias, o presidente do clube decidiu mudar. Enquanto Bolívar comandava o time na partida contra Botafogo de Ribeirão Preto, o dirigente jantava com Geninho e acertava a ida dele para Limeira. O gaúcho passou a cuidar da base. Geninho durou pouco. Levir Culpi, chegou e pôs o gaúcho no cargo de auxiliar técnico. No final do ano, o “xerife” decidiu voltar a correr atrás da bola.

FIM DE CARREIRA

Após ser campeão da segunda divisão do Campeonato Paulista, defendendo o Bragantino, em 1988, e da meteórica passagem como técnico, Bolívar retornou ao Rio Grande do Sul, defendendo o Guarani, de Venâncio Aires, cidade a 21 km de sua terra natal. No rubro-negro, conquistou o vice-campeonato de 1990 e subiu para a primeira divisão.

No ano seguinte, aos 37 anos, aceitou jogar por um baixo salário no Avenida. Objetivo era encerrar a carreira onde começou. Bolívar foi procurado por um dirigente alviverde que pediu ajuda para tentar fazer com que o Periquito voltasse à primeira divisão, o que não ocorreu. Segundo o livro “Histórico do Esporte Clube Avenida”, o então lateral jogou quatro jogos, sendo o último na derrota de 7 a 0 para o Internacional de Santa Maria.

Atualmente, Bolívar mora numa casa de dois andares, no bairro Bom Jesus. O confortável imóvel, que pertenceu a seu sogro é cercado por casas de seus familiares. Com quatro filhos (Tatiana, 43, Marcel, 39, Fabian “Bolívar”, 35, e Monise, 28) e seis netos (Tales, 16, Kevin, 13, Nicholas, 12, Vitória, 8, Valentina, 2, e Noah, 1 ano e 9 meses), espera que surja um jogador em sua terceira geração. A família toda torce para o Internacional. Só ele é gremista. 

Quando jogava futebol na Portuguesa, o ex-lateral virou figurinha, distribuída no chiclete Ping-Pong. Nela, revelava seu gosto musical por Roberto Carlos e Beth Carvalho. A novidade é que nos anos que passou em Limeira virou fã incondicional das duplas sertanejas Milionário e José Rico e Chitãozinho e Xororó. A ponto de tentar imitar José Rico, vestindo sobretudo e usando óculos escuros. Certa vez gravou uma música e enviou para o compadre Eudes, que também jogou na Lusa, Em resposta, ouviu a seguinte crítica:

– Fostes melhor jogador do que és cantor.

Outra preferência, revelada na figurinha, era a atriz Sônia Braga, que ele define como “uma máquina” nos tempos da novela Gabriela.

Bolívar ressalta que em sua época de jogador não ganhava muito dinheiro, mas tem orgulho de sua carreira. Seu maior reconhecimento vem de seus netos. O “xerife” conta que quando completou 30 anos do título da Internacional de Limeira, Kevin mandou uma mensagem, dizendo que tinha orgulho do avô. 


A única coisa que faz o santa-cruzense ir para ofensiva são críticas ao seu filho Fabian Guedes, que também adotou o nome de Bolívar e jogou no Internacional, Botafogo, Mônaco (França), dentre outras equipes. Em 2013, o então atleta foi apontado em pesquisa feita com 343 atletas como o mais violento do Brasil. Mesmo com a carreira encerrada e vivendo como empresário de jogadores e da renda de cinco postos de gasolina, o pai não deixa a história de lado e dispara:

– Perto de mim ele é um anjo, uma mãe. O perigo sou eu.