TALENTO DO BERÇO
Após a dica do colecionador Jorge Maia, batemos um papo com João Marcos Alencar, flamenguista de 18 anos, de Colinas Maranhão, com um talento impressionante: o desenho.
João Marcos Alencar
Apaixonado pela arte desde a infância, João começou a dar seus primeiros rabiscos aos cinco anos, e apesar de nunca ter feito curso algum, se especializou em ilustrações depois de assistir tutoriais na internet.
Depois disso, para arrecadar uma grana, o artista passou a atender os pedidos dos colecionadores e registrou de forma perfeita alguns jogadores. Ademir Queixada, Dadá Maravilha, Yago Pikachu, Augusto, do “Expresso da Vitória”, e o goleiro Castilho, que ainda está sendo ilustrado, são apenas algumas de suas obras. O curioso é que a paixão pela bola só foi despertada aos 13 anos.
– Comecei em campinho de bairro mesmo, depois em quadra de futsal. Sou goleiro e agarro tão bem quanto desenho!
Além dos jogadores, o flamenguista também faz ilustrações de atores e personagens famosos do cinema, como a dupla da série norte-americana “Supernatural” e Angelina Jolie.
Sem medo de novos desafios, João garante que quem tiver interesse nas ilustrações não vai se arrepender do resultado!
SOBRE PAIS, MENINOS E VÁRZEA
por Marcelo Mendez
Domingo de manhã é dia de futebol de várzea.
Dessa vez eu faria a final da primeira divisão da várzea de São Bernardo entre Divineia e Jardim do Ipê no Estádio Primeiro de Maio. Aí vem a história, aí reside toda a magia da coisa. Todas as vezes da minha vida que eu tiver que voltar nesse Estádio a emoção se apropriará de mim. Na hora me vem à mente o ano de 1980, meus 10 anos e meu velho pai:
– Filho, você vai comigo lá na Vila Euclides.
– E o que é Vila Euclides, pai?
– É um lugar aonde o pai vai lá dizer umas coisas que você precisa ouvir…
– Ué, mas por que não fala aqui?
– Porque lá, meu filho, muita gente tem o que dizer, muita gente tem o que ouvir.
Você já sabe que eu estou em greve, já te expliquei. Agora você vai comigo ver o que é uma greve…
– Ah, legal, pai!
– Tá… Mas não fala pra sua mãe!
– Tá bom, pai.
E então saímos naquele dia frio, juntos, com um segredo de amigos, sem minha mãe, dona Claudete, saber de nada, para ir lá ver o que era a tal da greve que meu pai tanto fazia e que tanto problema causava pra gente. Ah, mas adorei!
Era um tal de helicóptero voando, cavalo pra lá e pra cá, caminhão cheio de guarda e todo mundo querendo falar com meu pai. Eita, que meu velho era o cara ali no meio daquele povo todo. Tinha também um barbudo de voz rouca, que chamava meu pai de
“cumpanheiro”, que dizia que eu tava crescendo e que mandava me darem refrigerantes.
Eu só sentia falta de uma coisa, que falei de primeira pro meu pai:
– Pai, não é um campo de futebol? Por que não tem jogo?
– Hoje não dá, filho. Mas um dia, terá…
Teve. Em 2014, 34 anos depois, teve o jogo que eu tanto queria…
Em campo tivemos dois times representando duas comunidades simples, humildes, carentes da cidade de São Bernardo. Os bairros do Divineia e do Jardim do Ipê tomaram conta das arquibancadas do Primeiro de Maio, agora sem aquela tensão, sem mais ter que se preocupar se um daqueles helicópteros vai dar tiros, tocar bombas, sem medo dos cavalos passarem por cima da gente, nada disso assustava mais. No domingo de manhã, os olhos daquela gente simples olhavam para o campo de jogo para apenas torcer por sonhos, gols, tabelas, canetas e outras artes ludopédicas. Não dá para dizer que a vida está uma maravilha, melhorou um tanto.
Dá para ter um pouco de alegria, vez por outra tomar um drink diferente, em dias de festas queimar uma carne e, principalmente, hoje é possível ir pra rua reclamar das coisas que ainda faltam sem ninguém ir preso como o meu pai (de vez quando ainda vai, mas a
gente mete a boca e soltam depois…). Foi naquela manhã fria de 1980. Foi complicado mais uma vez meu velho fora de casa, mas ele sempre me dizia quando voltava, que tudo aquilo ia valer a pena um dia. Pois é…
No 2×0 que o Divineia meteu em cima do Jardim do Ipê, tenho certeza que está a afirmação do meu pai. Creio que ele ficaria feliz da vida de ver e de saber que agora Vila Euclides chama Primeiro de Maio, muito em homenagem a ele e outros tantos que não
estão mais aqui. Feliz…
No Dia dos Pais em 2014, meu velho não tá mais aqui. Cansou disso tudo em 1997, foi novo, meu pai merecia mais. Muito mais do que farei agora, mas bom, velho… É de coração.
Para meu pai, seu Mauro, dedico esta crônica. Para a poesia, dedico à lágrima que me escorre a barba agora. Para a várzea, meu agradecimento sempre.
Obrigado, querida…
TÉCNICO DA ROÇA
por Victor Kingma
Nunca em sua história a modesta equipe do Barreirão tinha ido tão longe numa competição: estava na final da liga regional. Todos os habitantes da pequena cidade de Barreira se orgulhavam do feito e não se falava em outra coisa por toda a redondeza. Tudo sob a batuta do folclórico técnico Modesto do Carmo, com seus métodos nada convencionais de transmitir suas orientações, muitas vezes com palavras impublicáveis.
Costumava dizer: “meu nome é Modesto do Carmo! Modesto eu posso até ser, mas Carmo não! Se não seguirem minhas orde, fico nervoso mesmo… e sorto as cachorras!”
E este linguajar do seu técnico estava deixando sem sono toda a diretoria do Barreirão e até o prefeito local, pois, afinal, a partida seria transmitida pelo rádio para toda a região. Zelosos pela imagem da cidade e preocupados com o que poderia falar nas entrevistas, resolvem substitui-lo, logo na grande decisão. E contratam para seu lugar, um famoso técnico da capital, daqueles de paletó, gravata e fala empolada…
E chega o grande dia. Terminado o primeiro tempo, o Barreirão parece irreconhecível: 3×0 para os visitantes. Atordoados, os jogadores não conseguem assimilar as orientações técnicas e variações táticas propostas pelo novo treinador.
Atendendo ao apelo desesperado da torcida que urrava pelo velho Modesto, o presidente do clube tenta a última cartada:
– Busca o homem!
E pela primeira vez na historia do futebol, um técnico foi substituído no intervalo.
E nosso herói, que assistia ao jogo da arquibancada, volta à cena, irrompendo pelo vestiário, já disparando suas máximas a torto e a direito:
– O time tá muito manso. Parece pardal de igreja!
– E o capitão, muito calado! Precisa bancar o cabrito entrando na faca: berrar o tempo todo!
– Zagueiro tem que jogar quiném pé de milho: plantado!
– E tem mais: atacante inimigo é feito cabeça de prego: tem que levar pancada, até sumir da sua frente!
– Meio de campo não pode enrolar, tem que distribuir a bola igual a rabo de vaca: prum lado e pro outro!
– A linha tá paradona! Esqueceu da tática do “tatu com porco?”: É cavar e fuçar o tempo todo!
E arremata furibundo:
– Quando nóis tiver sendo atacado, arrecúa todo o time! E na hora do ataque, é quiném enterro de Coronel: vai todo mundo!
Final do jogo: Em memorável virada, o Barreirão vence o jogo por 4×3, com o nosso bravo Modesto do Carmo sendo carregado em triunfo, nos braços pela torcida…
Um pouco menos “Modesto” e mais “Carmo” que nunca!
O CARA
por Claudio Lovato
O veterano jornalista estava a passeio em Madri.
Mais faceiro que formiga em tampa de xarope, lá se ia o gaúcho de Taquara pelas ruas e vielas do centro madrilenho.
E dá-lhe Puerta del Sol, dá-lhe tapas, ô, Madri!
Até que surgiu no caminho uma loja de artigos esportivos. Uma baita loja. O jornalista entrou.
Camisas de todos os grandes da Europa. E de alguns médios. E de alguns pequenos também.
Curioso, o calejado repórter, que inspirou muita gente por onde passou, avançou, investigou, xeretou, e lá pelas tantas, lá no fundão, num canto com toda a cara de canto, ele viu as camisas do Vasco da Gama e do… Avaí.
De clubes brasileiros, apenas essas duas. E só.
Incapaz de resistir ao espanto e ao impulso, o experiente e sempre bravo homem de imprensa localizou o dono da loja.
Apresentou-se, saudou, foi saudado, riu, fez rir, e, por fim, perguntou, sem conseguir esconder o desconcerto que não parava de aumentar.
– A camisa do Vasco, tudo bem, eu entendi. O Vasco já foi campeão brasileiro, tem projeção internacional, coisa e tal, mas por que a do Avaí, a azul?
O espanhol olhou-o nos olhos. Ar reflexivo, parecia estar escolhendo as palavras, uma a uma. Por fim, respirou fundo, colocou as mãos para trás, pigarreou e então, num tom muito sério, muito reverencial, disse, com sua voz grave de comerciante do centro de Madri:
– Esta es la blusa del tenista, señor.
Guga comemora um título do Avaí
Texto dedicado ao jornalista Arthur Monteiro, mestre e amigo hoje radicado em Brasília, que me contou este episódio, do qual foi o protagonista.
RESENHA DO AREIA LEME
por André Mendonça
“Sempre joguei futebol na praia e em mais nenhum outro lugar, odeio colocar chuteira”. A frase, típica de um peladeiro, é de Dime Cordeiro, um dos maiores defensores do futebol de praia e ex-zagueiro da seleção brasileira de beach soccer. Dias antes da confraternização de fim de ano do Areia Leme, marcada para o dia 22 de dezembro, a equipe do Museu da Pelada bateu um papo com o craque.
Dime, Neimar e Neyvaldo
Para quem não sabe, o Areia é um dos times mais tradicionais da Praia de Copacabana, especificamente do Leme, e uma das maiores paixões de Dime. Fundada em 66, a equipe só foi contar com o reforço do zagueirão em 85. Jogando uma tradicional pelada no mesmo campo onde o Areia fazia seus jogos, o craque chamou a atenção da comissão técnica e ganhou uma chance no time de aspirantes.
– Fui bem pra caramba e no ano seguinte já estava no time de aspirantes! Fiquei 15 anos lá e depois joguei no máster. Joguei minha vida inteira lá. Até hoje eu sou Areia!
Diferente dos demais zagueiros, Dime tinha uma velocidade e uma capacidade de recuperação impressionante, o que complicava a vida dos atacantes. Dessa forma, o defensor foi capaz de parar craques como Júnior, Júnior Negão, Benjamin, Neném, entre outros, sem nunca ter levado um cartão vermelho nos 15 anos de carreira. Além de ser um xerife na zaga, o craque também se aventurava no ataque e fazia seus golzinhos quando surgia a oportunidade.
Uma das fotos mais bonitas enviadas por Dime define bem seu estilo de jogo. Enquanto o craque Júnior carrega a bola com sua classe inconfundível, o zagueiro dá um bote por trás e rouba a redonda sem nem encostar no ídolo do Flamengo.
– Eu esperava o cara botar na frente para roubar a bola. Sempre joguei limpo. Aquela foto foi em uma das primeiras festas de fim de ano do Areia! – lembrou o zagueiro.
Além da paixão pela bola, Dime também sempre morou no Leme, o que foi fundamental para criar essa identificação com o Areia. Sem nunca ter recebido um real para jogar na equipe, o craque lamenta o fato de, hoje em dia, os jogadores cobrarem para disputar os jogos. Dessa forma, segundo Dime, não fazia sentido o Areia continuar jogando.
– A gente tinha um amor pelo clube que você não tem ideia. Sempre joguei por amor! A rivalidade com os outros clubes (Embalo, Colorado e Copaleme) era tão grande que a gente chegava a mudar de calçada quando via um adversário. É uma pena que isso tenha acontecido!
Festa do Areia
Se a garotada não fez por onde para manter a essência do Areia, o mesmo não se pode falar das tradicionais festas de fim de ano! Sempre regada a muita cerveja, churrasco, samba e pelada, a confraternização costuma parar o bairro e reúne diversos craques do futebol de areia e do futebol de campo. Nesta quinta, o máster do Leme enfrentará a equipe de ex-jogadores e Renato Gaúcho, Romário e Júnior já confirmaram presença na festa, assim como os músicos Rogê e Diogo Nogueira. A equipe do Museu da Pelada, obviamente, também não vai ficar de fora dessa.
– A gente tem uma pelada na Constante Ramos ainda, mas tem amigos que a gente não vê mais. É sempre bom reencontrá-los! A festa é legal demais! Começa 14h e não tem hora pra acabar! – finalizou Dime.