JOÃO UBALDO, O DELEGADO
entrevista: Sergio Pugliese | vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel
Quinta é dia de recordar! Advogado de formação, tradutor, jornalista, escritor e gênio, João Ubaldo Ribeiro deixou saudades! Por isso, recordamos uma resenha divertidíssima entre Sergio Pugliese e o nosso saudoso amigo, nos tempos de “A Pelada Como Ela É”!
Durante o papo, Ubaldo recordou os tempos em que pegava um baba na Ilha de Itaparica, época em que era conhecido como Delegado e comandava a zaga formada por Nêgo Tóia e Chico Gordo e contava com a ajuda de Edinho e um punhado de areia para deter o craque Chupeta.
UM AMOR DE MARACANÃ
por João Carlos Pedroso
Eu tive um Maracanã só meu. Você e a torcida do Flamengo, diria um leitor precoce, doido para abandonar estas linhas antes que termine o primeiro parágrafo. Calma aí, mermão!
Não, eu não estou sendo poético, possessivo ou nostálgico. É só descrição literal. E isso foi quando toda semana tinha quase 200 mil lá dentro para ver um jogo. Mas eu conseguia ficar com aquilo só para mim, em domingo de clássico, acreditem.
Meu pai foi jogador de futebol e depois foi trabalhar no Maraca, na parte elétrica, apesar de quase nada saber do assunto. Era meio uma aposentadoria informal para alguns boleiros cariocas, os mais azarados (pela dureza) e sortudos (por ter uma alternativa) ao mesmo tempo, via Adeg (sim aquela do lendário “Adeg Informa”, das narrações antigas). Saudades da Guanabara…
Mas enfim, meu pai trabalhava no estádio, mas também fazia “frila” nele. Nos jogos dos fins de semana, mexia os pauzinhos para integrar de forma quase permanente um grupo chamado quadro móvel, composto por funcionários que recebiam um extra para atuarem naqueles dias. E me levava na garupa, assim como meu irmão mais novo. Normalmente, ou um ou outro, para facilitar as coisas, mas tinha vezes que íamos os dois.
Chegava cedinho, antes do almoço, e ficava na sala do pessoal da elétrica, embaixo da arquibancada. Eu só quicava lá, nem sentava direito. Tinha que começar uma espécie de ritual: sair da sala, subir a rampa de acesso com o coração quase saindo pela boca. Com os passos de moleque gordinho e que amava tanto, mas tanto o futebol, eu ia subindo a rampa e, quando chegava lá em cima (escute-se um Ooooooooooooooh com coral de anjos) via aquela coisa mais linda. O Sumaré, a grama verdinha, os degraus de cimento… e mais nada. Ninguém. Só eu. Estava deserto e adormecido o gigante do Maracanã…
O bordão é de Waldir Amaral. Futebol era rádio, Campeonato Carioca era muuuuuuito mais legal que Brasileiro (até porque era possível ganhar), era Waldir Amaral e Jorge Cúri, um tempo cada – e Jornal dos Sports, rosa e soltando muita, mas muita tinta. Futebol era aquela arquibancada vazia e só minha.
Nem durava tanto tempo assim, apesar da ilusão de eternidade. No gramado, começavam a aparecer funcionários retocando o cal, aparando e molhando a grama, checando as redes. Na arquibancada, os primeiros vendedores de mate, biscoito de polvilho e Geneal, dividindo as mercadorias, e os chefes das torcidas organizadas (na época, muito mais simpáticas do que assustadoras), preparando a festa, as faixas, as bandeiras. E eu, sempre.
Foi dessa maneira que conheci Zico (e Geraldo, meu maior ídolo nessa época), o fabuloso time do América de 74, Roberto Dinamite, a máquina de Rivelino e um Botafogo que, se não brilhava, tinha em Marinho Chagas uma estrela que se bastava. Foi assim que vi Pelé jogar, uma vez só, mas fazendo gol, contra o Vasco, também em 74.
Via também preliminares com promessas de craques geniais, a maioria não realizada. Estava lá desde cedo, via tudo e tudo era bom. Mas nada era capaz de superar a primeira visão do estádio e aquela sensação de posse, de ser o primeiro de outros 200 mil, uma espécie de semente da paixão. Tem hora que esqueço, mas fui uma criança muito feliz…
COMO SURGIU O TERMO GANDULA?
por Victor Kingma
O futebol é o esporte mais praticado no mundo. No Brasil, especialmente, tornou-se uma paixão nacional, que mexe com a vida e os costumes dos brasileiros.
No início, assim que Charles Muller o trouxe da Inglaterra para o nosso país, em 1894, bastavam uma bola, um campo, onze jogadores de cada lado, um juiz e um apito para que fosse disputada uma partida oficial.
Entretanto, através dos tempos e com a sua crescente profissionalização, várias atividades e profissões foram aparecendo no lastro do nosso velho e bom esporte bretão.
Daí surgiram o narrador, comentarista, repórter de campo, massagista, bandeirinha, roupeiro etc. Todos muito importantes e fundamentais para o brilho desse grande espetáculo que é uma partida de futebol.
Entre tantos personagens ligados ao futebol, um dos mais importantes e populares é, com certeza, o gandula. Aquele a quem cabe a tarefa de devolver a bola ao campo quando ela sai pela lateral ou linha de fundo. Seu trabalho torna a partida mais dinâmica e com mais tempo de bola em jogo.
Mas como teria surgido o termo gandula?
Reza a lenda do futebol que tudo começou em 1939, quando o Vasco da Gama trouxe da Argentina um atacante chamado Bernardo Gandulla. Com problema de documentação, o jogador, assim que chegou, não podia ser escalado para jogar. Entretanto, nos dias de jogos, ficava na beira do gramado assistindo as partidas e, quando a boa saía, ele corria e a devolvia rapidamente para o campo. Sua atitude ganhou a simpatia da torcida que sempre o aplaudia nessas ocasiões.
Com o passar dos anos, essa atividade passou a ser uma constante nas partidas. Sempre que a bola saía alguém perguntava:
– Quem vai dar uma de Gandulla?
Bernardo Gandulla logo retornou para a Argentina, mas os garotos responsáveis para devolver as bolas ao jogo, naquela época, passaram a ser chamados carinhosamente pelas torcidas de “gandulas”. O termo foi, então, se popularizando e se incorporou definitivamente ao vocabulário do futebol.
PÉS NO CHÃO
por Mateus Ribeiro
Tite está invicto no comando da seleção brasileira
Sonhar é bom. Manter os pés no chão, melhor ainda. A seleção brasileira passa por um bom momento. Venceu os últimos jogos das Eliminatórias com autoridade ímpar. O clima é de empolgação por parte de torcedores e da imprensa (como sempre). Não se pode negar que existe a troca de comando modificou muita coisa.
O time, com praticamente os mesmos jogadores, agora rende muito mais, o que causa uma dúvida: será que Neymar e seus amigos faziam corpo mole na gestão Dunga? Claramente jamais ouviremos tal hipótese, visto que agora não temos mais jogadores, e sim heróis de verde e amarelo. É claro que temos bons nomes. Neymar é ao lado de Messi e Cristiano Ronaldo um dos três jogadores que podem carregar um time nas costas. Desses três, o brasileiro é o que conta com melhores companhias.
Não podemos ignorar também que nomes como Gabriel Jesus e Coutinho estão indo muito bem, e enchem de esperança quem tanto sofreu torcendo para o selecionado da Nike durante os últimos anos. O que não pode ser ignorado de maneira alguma é que apesar da melhora evidente no futebol apresentado, os adversários enfrentados estão longe de enfiar medo em alguém.
O trio ofensivo da seleção tem dado trabalho aos marcadores
Apesar da Argentina contar com Messi, já faz um bom tempo que até nos piores momentos da canarinho, os vizinhos são atropelados. De resto, a vitória em Quito contra o Equador merece elogios. Porém, transformaram o triunfo em um desafio de Hércules. Não custa lembrar também que exatos dez anos atrás, estávamos no céu. A seleção era a melhor desde 1982 na boca de muita gente. Os títulos seguidos das insossas Copa das Confederações fizeram muita gente sonhar (e falar besteira) de maneira desenfreada. O resultado todos sabem: em um dia péssimo para o futebol brasileiro e ótimo para Zidane, a França mostrou que oba-oba não vence (e nunca vencerá) nada.
Já exista quem fale em hexa. A possibilidade existe, visto que muitas seleções sofreram declínio nos últimos anos, casos de Espanha, Holanda, Argentina, Uruguai e Itália. Porém, vale lembrar que se aqui as coisas mudaram em apenas seis meses, por lá as coisas podem mudar também. Afinal, até mesmo a falta de organização que tanto contribuiu com o enfadonho 7 a 1 já não aparece mais no discurso dos pachecos.
A corrupção da CBF, que tanto atrapalhava, aparentemente acabou. A seleção atingiu o Nirvana. Tudo isso com vitorias que não são menos que obrigação de quem sempre se orgulhou de ter a camisa mais pesada do futebol mundial, e que atualmente conta com estrelas de cinema que ganham zilhões de reais, dólares e euros. Os adversários também ganham isso? Ganham. Em proporção menor. E Peru, Colômbia, Bolívia e Equador não são obrigados a ganhar da seleção brasileira, mas sim o contrário.
Isso não acontecia com técnicos anteriores? Não. O que não anula o fato de ser obrigação chutar cachorro morto. Não sou nenhum urubu. Não quero jogar praga. Mesmo porque o cenário está muito mais claro do que até meses atrás. Sem cair naquela ladainha de que a seleção voltou a ter o amor, a confiança da torcida, até porque brasileiro não gosta de torcer, gosta de ganhar. Mas as chances de melhora, ao menos nessa geração, são reais.
Oscar é consolado por Lahm após a goleada alemã no Mineirão
O que quero com esse texto é apenas relembrar todos vocês que tempos atrás todos sonharam. Todos falaram muito. Todos já davam como certo o sexto título mundial. Todos caíram do cavalo. E após os tombos (que se repetiram em 2010 e 2014), tudo de ruim foi atribuído a fenômenos do porte de apagão, pane, ao invés de reconhecer que dias ruins acontecem, e que derrotas são possíveis e mais normais do que se imagina. Sonhar é bom. Mas manter os pés no chão evita quedas abruptas.
ELES MERECEM VOLTAR
por Zé Roberto Padilha
Se a diretoria do Vasco conhecesse a importância da Escola de Sagres no descobrimento da América, não faria a travessia para a primeira divisão sob tão frágeis estruturas. Para conquistar o Novo Mundo, o Infante D. Henrique criou, em 1417, uma escola de navegação que os possibilitou alcançar lugares nunca dantes navegados. Rodeou-se de mestres nas artes das ciências ligadas à navegação, formou grandes descobridores e construiu naus seguras para suportar tempestades, marés e calmarias.
Os novos almirantes vascaínos sabiam da duração da viagem rumo à primeira divisão. E seus percalços. Estava no mapa: desembarque no Ceará, depois fazer as malas e enfrentar o Brasil, de Pelotas, na quarta seguinte pegar o Náutico, em Recife, e tentar alcançar o primeiro voo para Salvador, jogar contra o Bahia. Mesmo assim, não reforçaram a estrutura da sua tripulação, que era boa, entrosada, mas sem peças de reposição. Além de não contratar ninguém para o lugar do Riascos, só tinha o Pikachu para entrar nas beiradas, o Diguinho para substituir o terceiro cartão amarelo e cometer penalidades máximas e o Thales para entrar no segundo tempo no ataque. E quando o arqueiro Martin Silva desembarcava no Uruguai, o Jordi cobria o seu lugar. E era só.
Será que alguém no hangar de São Januário, oito séculos depois daquela lição lusitana, acreditou que seus 16 homens que lutaram para não cair em 2015, foram bi-campeões cariocas no primeiro semestre, suportariam 37 novas baldeações pela imensidão do país com 90 minutos cada? Mesmo com o mérito do inegável entrosamento alcançado, que fez com que nós, tricolores, soubéssemos a escalação do Vasco e não a nossa, seria impossível ir tão longe com o mesmo time. E com poucas e previsíveis peças de reposição. Quando subia a placa de mais cinco minutos, como em Criciúma, parecia em seus semblantes que teriam que navegar em mar revolto por mais cinco horas.
Sábado, contra o Ceará, será a ultima etapa de uma travessia sofrida. Fico a imaginar como estão os músculos adutores do Rodrigo, os hematomas dos tornozelos sempre atingidos do Nenê, os joelhos já rodados do Andrezinho. Fora as cordas vocais do Jorginho, a carga do extintor de incêndio carregado nas costas pelo Zinho. Todos estão há mais de um ano sem descanso. Não são feitos de tábuas da Ilha da Madeira, ou construídos com um aço que nem existia. São de carne, osso e fibras. Independente da falta de visão dos seus novos infantes, cartolas descomandantes, a torcida vascaína precisa ir a São Januário, ou ao Maracanã, reverenciar a ultima jornada dos seus heróis e guerreiros. Um dia a história do futebol lhes fará justiça pela dedicação, entrega e capacidade de suportar tantos jogos com um elenco tão reduzido. Todos eles, jogadores e comissão técnica vascaínos, merecem o nosso reconhecimento e respeito ao desembarcarem de volta ao seu Porto Seguro.