FELIZ NATAL
O modelo do cartão de Boas Festas do Museu da Pelada não poderia ser um Papai Noel tradicional porque o bom velhinho não tem pinta de já ter batido uma bolinha. Então usamos a foto do craque Bruno Senna feita para a Revista do Cruzeiro (Valeu, Jihan Kazzaz!!!), onde Natal, lendário ponta-direita, posa apontando para o próprio nome. Nada mais justo do que usar um jogador, pois foram as histórias deles que deram visibilidade ao Museu nesse primeiro aninho de vida. No Museu, o protagonismo é do jogador, de todos eles, afinal se o Zico fez o gol de cabeça foi porque alguém lançou. E é justamente essa a mensagem de fim do ano do Museu. Um mundo sem protagonistas, sem falsos líderes, sem o ultrapassado “sabe com quem está falando?”. Desejamos um mundo em que todos toquem na bola, sem discriminações, sem vaidades. A importância de cada um deve ser reconhecida. Em 66, quando Natal surgiu acompanhado pelos desconhecidos Dirceu Lopes, Tostão, Evaldo e toda a tropa cruzeirense desbancaram o todo-poderoso Santos, de Pelé, com uma goleada e levaram a Taça Brasil. Ninguém quer ser rei. Ter o trabalho reconhecido, valorizado, já é um grande passo para vivermos num mundo mais justo. Feliz Natal e um 2017 fenomenal são os votos da Equipe do Museu da Pelada!
VALEU, FÉLIX!
Tricampeão mundial com a seleção de 70, o saudoso goleiro Félix completaria hoje 79 anos! Em homenagem ao craque, relembramos uma entrevista de 2010, durante o Cinefoot.
Homenageado no festival de cinema, o paredão não escondeu sua felicidade e relembrou as peladas da infância nos campinhos de várzea paulistanos e sua vitoriosa carreira, encerrada no timaço do Fluminense.
Vítima de enfisema pulmonar, Félix faleceu em agosto de 2012, após várias paradas cardiorrespiratórias.
Esse deixou saudades!
TALENTO DO BERÇO
Após a dica do colecionador Jorge Maia, batemos um papo com João Marcos Alencar, flamenguista de 18 anos, de Colinas Maranhão, com um talento impressionante: o desenho.
João Marcos Alencar
Apaixonado pela arte desde a infância, João começou a dar seus primeiros rabiscos aos cinco anos, e apesar de nunca ter feito curso algum, se especializou em ilustrações depois de assistir tutoriais na internet.
Depois disso, para arrecadar uma grana, o artista passou a atender os pedidos dos colecionadores e registrou de forma perfeita alguns jogadores. Ademir Queixada, Dadá Maravilha, Yago Pikachu, Augusto, do “Expresso da Vitória”, e o goleiro Castilho, que ainda está sendo ilustrado, são apenas algumas de suas obras. O curioso é que a paixão pela bola só foi despertada aos 13 anos.
– Comecei em campinho de bairro mesmo, depois em quadra de futsal. Sou goleiro e agarro tão bem quanto desenho!
Além dos jogadores, o flamenguista também faz ilustrações de atores e personagens famosos do cinema, como a dupla da série norte-americana “Supernatural” e Angelina Jolie.
Sem medo de novos desafios, João garante que quem tiver interesse nas ilustrações não vai se arrepender do resultado!
SOBRE PAIS, MENINOS E VÁRZEA
por Marcelo Mendez
Domingo de manhã é dia de futebol de várzea.
Dessa vez eu faria a final da primeira divisão da várzea de São Bernardo entre Divineia e Jardim do Ipê no Estádio Primeiro de Maio. Aí vem a história, aí reside toda a magia da coisa. Todas as vezes da minha vida que eu tiver que voltar nesse Estádio a emoção se apropriará de mim. Na hora me vem à mente o ano de 1980, meus 10 anos e meu velho pai:
– Filho, você vai comigo lá na Vila Euclides.
– E o que é Vila Euclides, pai?
– É um lugar aonde o pai vai lá dizer umas coisas que você precisa ouvir…
– Ué, mas por que não fala aqui?
– Porque lá, meu filho, muita gente tem o que dizer, muita gente tem o que ouvir.
Você já sabe que eu estou em greve, já te expliquei. Agora você vai comigo ver o que é uma greve…
– Ah, legal, pai!
– Tá… Mas não fala pra sua mãe!
– Tá bom, pai.
E então saímos naquele dia frio, juntos, com um segredo de amigos, sem minha mãe, dona Claudete, saber de nada, para ir lá ver o que era a tal da greve que meu pai tanto fazia e que tanto problema causava pra gente. Ah, mas adorei!
Era um tal de helicóptero voando, cavalo pra lá e pra cá, caminhão cheio de guarda e todo mundo querendo falar com meu pai. Eita, que meu velho era o cara ali no meio daquele povo todo. Tinha também um barbudo de voz rouca, que chamava meu pai de
“cumpanheiro”, que dizia que eu tava crescendo e que mandava me darem refrigerantes.
Eu só sentia falta de uma coisa, que falei de primeira pro meu pai:
– Pai, não é um campo de futebol? Por que não tem jogo?
– Hoje não dá, filho. Mas um dia, terá…
Teve. Em 2014, 34 anos depois, teve o jogo que eu tanto queria…
Em campo tivemos dois times representando duas comunidades simples, humildes, carentes da cidade de São Bernardo. Os bairros do Divineia e do Jardim do Ipê tomaram conta das arquibancadas do Primeiro de Maio, agora sem aquela tensão, sem mais ter que se preocupar se um daqueles helicópteros vai dar tiros, tocar bombas, sem medo dos cavalos passarem por cima da gente, nada disso assustava mais. No domingo de manhã, os olhos daquela gente simples olhavam para o campo de jogo para apenas torcer por sonhos, gols, tabelas, canetas e outras artes ludopédicas. Não dá para dizer que a vida está uma maravilha, melhorou um tanto.
Dá para ter um pouco de alegria, vez por outra tomar um drink diferente, em dias de festas queimar uma carne e, principalmente, hoje é possível ir pra rua reclamar das coisas que ainda faltam sem ninguém ir preso como o meu pai (de vez quando ainda vai, mas a
gente mete a boca e soltam depois…). Foi naquela manhã fria de 1980. Foi complicado mais uma vez meu velho fora de casa, mas ele sempre me dizia quando voltava, que tudo aquilo ia valer a pena um dia. Pois é…
No 2×0 que o Divineia meteu em cima do Jardim do Ipê, tenho certeza que está a afirmação do meu pai. Creio que ele ficaria feliz da vida de ver e de saber que agora Vila Euclides chama Primeiro de Maio, muito em homenagem a ele e outros tantos que não
estão mais aqui. Feliz…
No Dia dos Pais em 2014, meu velho não tá mais aqui. Cansou disso tudo em 1997, foi novo, meu pai merecia mais. Muito mais do que farei agora, mas bom, velho… É de coração.
Para meu pai, seu Mauro, dedico esta crônica. Para a poesia, dedico à lágrima que me escorre a barba agora. Para a várzea, meu agradecimento sempre.
Obrigado, querida…
TÉCNICO DA ROÇA
por Victor Kingma
Nunca em sua história a modesta equipe do Barreirão tinha ido tão longe numa competição: estava na final da liga regional. Todos os habitantes da pequena cidade de Barreira se orgulhavam do feito e não se falava em outra coisa por toda a redondeza. Tudo sob a batuta do folclórico técnico Modesto do Carmo, com seus métodos nada convencionais de transmitir suas orientações, muitas vezes com palavras impublicáveis.
Costumava dizer: “meu nome é Modesto do Carmo! Modesto eu posso até ser, mas Carmo não! Se não seguirem minhas orde, fico nervoso mesmo… e sorto as cachorras!”
E este linguajar do seu técnico estava deixando sem sono toda a diretoria do Barreirão e até o prefeito local, pois, afinal, a partida seria transmitida pelo rádio para toda a região. Zelosos pela imagem da cidade e preocupados com o que poderia falar nas entrevistas, resolvem substitui-lo, logo na grande decisão. E contratam para seu lugar, um famoso técnico da capital, daqueles de paletó, gravata e fala empolada…
E chega o grande dia. Terminado o primeiro tempo, o Barreirão parece irreconhecível: 3×0 para os visitantes. Atordoados, os jogadores não conseguem assimilar as orientações técnicas e variações táticas propostas pelo novo treinador.
Atendendo ao apelo desesperado da torcida que urrava pelo velho Modesto, o presidente do clube tenta a última cartada:
– Busca o homem!
E pela primeira vez na historia do futebol, um técnico foi substituído no intervalo.
E nosso herói, que assistia ao jogo da arquibancada, volta à cena, irrompendo pelo vestiário, já disparando suas máximas a torto e a direito:
– O time tá muito manso. Parece pardal de igreja!
– E o capitão, muito calado! Precisa bancar o cabrito entrando na faca: berrar o tempo todo!
– Zagueiro tem que jogar quiném pé de milho: plantado!
– E tem mais: atacante inimigo é feito cabeça de prego: tem que levar pancada, até sumir da sua frente!
– Meio de campo não pode enrolar, tem que distribuir a bola igual a rabo de vaca: prum lado e pro outro!
– A linha tá paradona! Esqueceu da tática do “tatu com porco?”: É cavar e fuçar o tempo todo!
E arremata furibundo:
– Quando nóis tiver sendo atacado, arrecúa todo o time! E na hora do ataque, é quiném enterro de Coronel: vai todo mundo!
Final do jogo: Em memorável virada, o Barreirão vence o jogo por 4×3, com o nosso bravo Modesto do Carmo sendo carregado em triunfo, nos braços pela torcida…
Um pouco menos “Modesto” e mais “Carmo” que nunca!