Família Lemos
chuva de gols
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach | vídeo e edição: Daniel Perpetuo
Se o Barcelona desembolsou um “caminhão” de dinheiro para poder contar com o ataque MSN, formado por Messi, Suarez e Neymar, Augusto e Edith precisaram de apenas três noites românticas para formar um trio de grandes artilheiros! Quis a genética que eles fossem pais de César Maluco, segundo maior artilheiro da história do Palmeiras, Luizinho Lemos, que marcou mais de 300 gols pelo América-RJ e Caio Cambalhota, goleador de Flamengo, Botafogo, Bahia, entre outros times. Três craques que vestiram a camisa 9 do Flamengo. Isso sem contar com os outros dois filhos que também foram jogadores: Marcos Neném e Paulinho Lemos, o primeiro jogador a se aposentar profissionalmente.
Por conta da genética privilegiada, os irmãos bons de bola não tiveram dúvida nenhuma para responder qual é a família mais artilheira do mundo:
– Não tem como comparar! Tem muito gol aqui nessa Família Lemos! – esnobou Luizinho.
Vale lembrar que, alguns dias antes, numa resenha divertidíssima na Barra da Tijuca, Eduzinho Coimbra afirmou a mesma coisa, se referindo a sua família, com os irmãos Zico e Antunes. Quando foram informados da opinião de Edu, os irmãos retrucaram de bate-pronto!
– Ele falou isso? Vamos marcar um duelo entre a Família Lemos x Família Antunes! Duvido a gente perder! Três pra cada lado! O desafio está lançado! – gritou César, para gargalhada de todos!
Em pé: Paulinho e Marcos Neném
Sentados: César Maluco, Luisinho Lemos e Caio Cambalhota
Reunir os cinco irmãos da Família Lemos não foi uma tarefa fácil, mas os “arqueólogos” do Museu não medem esforços para irem em busca da poesia perdida do futebol, ainda mais se a missão for encontrar craques de uma das posições mais carentes do futebol brasileiro. Missão cumprida, conseguimos nos reunir no aconchegante Campo de São Bento, em Niterói. Claro que Alexandre Niemeyer, do Canal 100, também marcou presença e lembrou momentos marcantes dos craques flagrados pelas lentes do canal. O Museu também convidou duas pessoas para participarem do histórico encontro, o Márcio Figueiredo, seguidor assíduo de nossa página, no Facebook, e o jornalista Fernando Bidú, que nos enviou a sugestão para localizarmos Luizinho, atualmente morando na Arábia, mas de férias no Rio.
O encontro era tão esperado que ao entrarem no prédio de Caio Cambalhota, em Icaraí, todos, ansiosos, correram para o elevador, acompanhados de César Maluco, e se espremeram ali, como sardinhas, sem perceber que haviam excedido a carga máxima permitida. Resultado, o elevador parou. Alexandre Niemeyer foi logo avisando que era claustrofóbico e Márcio começou a esmurrar a porta.
– Aperta o botão de emergência, aí!! Não vou aguentar ficar aqui muito tempo! – gritou.
Em pé: Paulinho, Marcos Neném, César Maluco e Maria da Glória.
Agachados: Caio Cambalhota, Luisinho e Natasha Lemos.
César Maluco, com a frieza dos grandes atacantes, apertou um dos botões, deu um leve empurrão na porta e ela abriu-se. Gol!!!! Mais um para conta do craque! Passado o susto, conhecemos toda a família Lemos e fomos caminhamos com os irmãos até o Campo de São Bento. Ali, a resenha comeu solta! No caminho, foram contando um pouco das trajetórias e na hora da gravação César Maluco deu uma de “repórter por um dia” e comandou a entevista.
Irmão mais velho, surgiu nas divisões do Flamengo e se profissionalizou pelo clube em meados de 1965. Se transferiu para o Palmeiras e lá ganhou o apelido de “maluco” por seu estilo nervoso dentro de campo e, principalmente, nas comemorações de gols, quando subia no alambrado e tirava a camisa.
– Cheguei a São Paulo com muita garra e muita vontade de mostrar meu trabalho! Substituí o Tupãzinho, que se machucou logo na minha primeira semana, e não saí mais. Gostava de subir no alambrado, bebia a cerveja do torcedor, por isso me deram esse apelido! – disse um dos maiores ídolos e artilheiros do Palmeiras, com 180 gols.
Em seguida foi a vez do tímido Paulinho Lemos, que poderia seguir o mesmo caminho dos irmãos artilheiros, se não sofresse uma entrada desleal que rompeu totalmente seus ligamentos do joelho e interrompeu sua carreira precocemente. Por ser muito organizado e ter pedido para todos os clubes assinarem sua carteira de trabalho, foi o primeiro jogador a se aposentar profissionalmente.
– Ia fazer um golaço! Balancei pra cima do marcador, mas demorei a chutar, aí ele veio de carrinho e estourou tudo! Mesmo com pouco tempo, consegui marcar meus golzinhos!
O terceiro a ser apresentado foi Marcos, o Neném. Embora não tenha alcançado o mesmo sucesso dos irmãos artilheiros, se orgulha de ter marcado Garrincha, num jogo comemorativo, e garante não ter feito feio.
– Não era fácil passar por mim! Mas ele era fera demais! – lembrou o ex-lateral.
Antes de ser perguntado, José Carlos da Silva Lemos, o Caio Cambalhota, já foi explicando a razão ao apelido. Durante uma partida entre Flamengo e Bangu, no Maracanã, aproveitando o rebote de Ubirajara, o artilheiro foi mais rápido que o goleiro e mandou a bola para o fundo das redes. Para não cair em cima do fotógrafo, posicionado atrás do gol, e quebrar sua grande lente, Caio improvisou e deu uma cambalhota para delírio da galera. Da cabine de rádio, o locutor Waldir Amaral não titubeou.
– É o homem da cambalhota!!
O apelido pegou, claro, e as cambalhotas viraram marca registrada após seus gols. Com passagens por mais de 30 clubes, entre eles Botafogo e Flamengo, o tricolor de coração não se conforma com a situação atual do futebol brasileiro.
– Temos que viver de recordação! Não temos mais ídolos! Os jogadores mal se falam, só ficam conectados no celular e com aqueles fones de ouvido gigantes! Também não tem mais amizades com os jornalistas. Acabou tudo isso! – lamentou.
Criado nas divisões de base do Botafogo, Cambalhota foi transferido para o Flamengo em 70 e não esconde a satisfação por ter vivido três gerações do clube. A primeira, com Buião, Nei e Fio Maravilha, a segunda com Paulo Cézar Caju, Zé Mário, Vanderlei Luxemburgo e Doval e a última com Luizinho, seu irmão, Zico e Luiz Paulo. Em 1976, recebeu uma oferta do Atlético-MG e se mudou para Minas Gerais, onde atuou ao lado de Reinaldo, o Rei!
Por fim, foi a vez de Luizinho, que chegou a ser comparado com ninguém menos do que Pelé, no início da carreira, na década de 70. Poucos sabem, mas antes de se profissionalizar pelo América-RJ, seu clube de coração, teve uma passagem pelo aspirante do Vasco. No Mecão, foram 311 gols e a eterna disputa com Eduzinho Coimbra para saber quem é o maior artilheiro do clube. Depois teve uma grande passagem pelo Flamengo, onde balançou a rede mais de 90 vezes! A boa média de gols garantiu a Luizinho o terceiro lugar na lista de maiores goleadores, embora o craque garanta que marcou mais que Roberto Dinamite e só Zico o supera.
– Nossa família é muito respeitada em Niterói! Os três vestiram a camisa 9 do Flamengo. Tive a felicidade colocar meu pé na calçada da fama do Flamengo e do Maracanã.
Luizinho não escondeu a admiração que tinha pelas imagens do Canal 100.
– Eu dormia em todos os filmes e minha namorada ficava puta da vida! Mas quando assistia o Canal 100 eu ficava ligado! As imagens eram pretas e brancas, mas a qualidade era excelente!
Depois do encontro, os irmãos arrumaram as malas e se despediram. As reuniões entre eles também são raras. Enquanto César vive em São Paulo, Luizinho mora na Arábia, onde trabalha como treinador. Caio Cambalhota entrou no prédio, Alexandre Niemeyer sumiu em sua moto, Fernando Bidú, emocionado, agradeceu a oportunidade de ver os ídolos de perto, e a rapaziada do Museu parou num boteco para brindar mais um gol de placa.
FELIZ NATAL
O modelo do cartão de Boas Festas do Museu da Pelada não poderia ser um Papai Noel tradicional porque o bom velhinho não tem pinta de já ter batido uma bolinha. Então usamos a foto do craque Bruno Senna feita para a Revista do Cruzeiro (Valeu, Jihan Kazzaz!!!), onde Natal, lendário ponta-direita, posa apontando para o próprio nome. Nada mais justo do que usar um jogador, pois foram as histórias deles que deram visibilidade ao Museu nesse primeiro aninho de vida. No Museu, o protagonismo é do jogador, de todos eles, afinal se o Zico fez o gol de cabeça foi porque alguém lançou. E é justamente essa a mensagem de fim do ano do Museu. Um mundo sem protagonistas, sem falsos líderes, sem o ultrapassado “sabe com quem está falando?”. Desejamos um mundo em que todos toquem na bola, sem discriminações, sem vaidades. A importância de cada um deve ser reconhecida. Em 66, quando Natal surgiu acompanhado pelos desconhecidos Dirceu Lopes, Tostão, Evaldo e toda a tropa cruzeirense desbancaram o todo-poderoso Santos, de Pelé, com uma goleada e levaram a Taça Brasil. Ninguém quer ser rei. Ter o trabalho reconhecido, valorizado, já é um grande passo para vivermos num mundo mais justo. Feliz Natal e um 2017 fenomenal são os votos da Equipe do Museu da Pelada!
VALEU, FÉLIX!
Tricampeão mundial com a seleção de 70, o saudoso goleiro Félix completaria hoje 79 anos! Em homenagem ao craque, relembramos uma entrevista de 2010, durante o Cinefoot.
Homenageado no festival de cinema, o paredão não escondeu sua felicidade e relembrou as peladas da infância nos campinhos de várzea paulistanos e sua vitoriosa carreira, encerrada no timaço do Fluminense.
Vítima de enfisema pulmonar, Félix faleceu em agosto de 2012, após várias paradas cardiorrespiratórias.
Esse deixou saudades!
TALENTO DO BERÇO
Após a dica do colecionador Jorge Maia, batemos um papo com João Marcos Alencar, flamenguista de 18 anos, de Colinas Maranhão, com um talento impressionante: o desenho.
João Marcos Alencar
Apaixonado pela arte desde a infância, João começou a dar seus primeiros rabiscos aos cinco anos, e apesar de nunca ter feito curso algum, se especializou em ilustrações depois de assistir tutoriais na internet.
Depois disso, para arrecadar uma grana, o artista passou a atender os pedidos dos colecionadores e registrou de forma perfeita alguns jogadores. Ademir Queixada, Dadá Maravilha, Yago Pikachu, Augusto, do “Expresso da Vitória”, e o goleiro Castilho, que ainda está sendo ilustrado, são apenas algumas de suas obras. O curioso é que a paixão pela bola só foi despertada aos 13 anos.
– Comecei em campinho de bairro mesmo, depois em quadra de futsal. Sou goleiro e agarro tão bem quanto desenho!
Além dos jogadores, o flamenguista também faz ilustrações de atores e personagens famosos do cinema, como a dupla da série norte-americana “Supernatural” e Angelina Jolie.
Sem medo de novos desafios, João garante que quem tiver interesse nas ilustrações não vai se arrepender do resultado!
SOBRE PAIS, MENINOS E VÁRZEA
por Marcelo Mendez
Domingo de manhã é dia de futebol de várzea.
Dessa vez eu faria a final da primeira divisão da várzea de São Bernardo entre Divineia e Jardim do Ipê no Estádio Primeiro de Maio. Aí vem a história, aí reside toda a magia da coisa. Todas as vezes da minha vida que eu tiver que voltar nesse Estádio a emoção se apropriará de mim. Na hora me vem à mente o ano de 1980, meus 10 anos e meu velho pai:
– Filho, você vai comigo lá na Vila Euclides.
– E o que é Vila Euclides, pai?
– É um lugar aonde o pai vai lá dizer umas coisas que você precisa ouvir…
– Ué, mas por que não fala aqui?
– Porque lá, meu filho, muita gente tem o que dizer, muita gente tem o que ouvir.
Você já sabe que eu estou em greve, já te expliquei. Agora você vai comigo ver o que é uma greve…
– Ah, legal, pai!
– Tá… Mas não fala pra sua mãe!
– Tá bom, pai.
E então saímos naquele dia frio, juntos, com um segredo de amigos, sem minha mãe, dona Claudete, saber de nada, para ir lá ver o que era a tal da greve que meu pai tanto fazia e que tanto problema causava pra gente. Ah, mas adorei!
Era um tal de helicóptero voando, cavalo pra lá e pra cá, caminhão cheio de guarda e todo mundo querendo falar com meu pai. Eita, que meu velho era o cara ali no meio daquele povo todo. Tinha também um barbudo de voz rouca, que chamava meu pai de
“cumpanheiro”, que dizia que eu tava crescendo e que mandava me darem refrigerantes.
Eu só sentia falta de uma coisa, que falei de primeira pro meu pai:
– Pai, não é um campo de futebol? Por que não tem jogo?
– Hoje não dá, filho. Mas um dia, terá…
Teve. Em 2014, 34 anos depois, teve o jogo que eu tanto queria…
Em campo tivemos dois times representando duas comunidades simples, humildes, carentes da cidade de São Bernardo. Os bairros do Divineia e do Jardim do Ipê tomaram conta das arquibancadas do Primeiro de Maio, agora sem aquela tensão, sem mais ter que se preocupar se um daqueles helicópteros vai dar tiros, tocar bombas, sem medo dos cavalos passarem por cima da gente, nada disso assustava mais. No domingo de manhã, os olhos daquela gente simples olhavam para o campo de jogo para apenas torcer por sonhos, gols, tabelas, canetas e outras artes ludopédicas. Não dá para dizer que a vida está uma maravilha, melhorou um tanto.
Dá para ter um pouco de alegria, vez por outra tomar um drink diferente, em dias de festas queimar uma carne e, principalmente, hoje é possível ir pra rua reclamar das coisas que ainda faltam sem ninguém ir preso como o meu pai (de vez quando ainda vai, mas a
gente mete a boca e soltam depois…). Foi naquela manhã fria de 1980. Foi complicado mais uma vez meu velho fora de casa, mas ele sempre me dizia quando voltava, que tudo aquilo ia valer a pena um dia. Pois é…
No 2×0 que o Divineia meteu em cima do Jardim do Ipê, tenho certeza que está a afirmação do meu pai. Creio que ele ficaria feliz da vida de ver e de saber que agora Vila Euclides chama Primeiro de Maio, muito em homenagem a ele e outros tantos que não
estão mais aqui. Feliz…
No Dia dos Pais em 2014, meu velho não tá mais aqui. Cansou disso tudo em 1997, foi novo, meu pai merecia mais. Muito mais do que farei agora, mas bom, velho… É de coração.
Para meu pai, seu Mauro, dedico esta crônica. Para a poesia, dedico à lágrima que me escorre a barba agora. Para a várzea, meu agradecimento sempre.
Obrigado, querida…