CANHOTINHA DE OURO
por Elso Venâncio

Gerson, um dos monstros sagrados do futebol brasileiro, comenta futebol hoje na Rádio Tupi, do Rio de Janeiro. Antes, passou pela Rádio Globo, depois que Washington Rodrigues aceitou o convite de Kleber Leite para ser o técnico do Flamengo em 1995, em pleno centenário do clube. Apolinho partiu depois para a Tupi, onde segue até hoje fazendo sucesso. A direção da Rádio Globo quis ter Zagallo, mas o ‘Garotinho’ José Carlos Araújo bateu o pé e o ‘Canhota’ acabou sendo contratado.
Passei a ancorar os jogos principais da cabine, ao lado do ‘Garotinho’, assim que deixei a reportagem esportiva. Comandava os debates antes da bola rolar, nos intervalos e ao fim dos jogos. Pude conviver de perto com dois grandes profissionais e, sobretudo, duas figuras humanas espetaculares: Gerson e Luiz Mendes, os comentaristas titulares. A audiência nas transmissões pelo rádio sempre sobe quando há polêmicas. Mendes, o ‘Comentarista da Palavra Fácil’, um gaúcho apaixonado pelo Grêmio e pelo Botafogo, de memória privilegiadíssima, era um verdadeiro ‘Google’ da época. E divergia, a meu pedido, das opiniões do Canhotinha:
“Gerson, eu discordo sempre de você, a pedido do Elso. Falei a verdade, tchê! Pronto!”
A gargalhada foi geral…
Durante os programas e jornadas eu vi Gerson se emocionar algumas vezes. No Dia das Mães era certo, com a família em foco. Ao ouvir a reprodução de seu gol contra a Itália, o segundo do Brasil na final da Copa de 1970, no México, na voz do locutor Waldir Amaral, o ‘indivíduo competente’ que o apelidou de ‘Canhotinha de Ouro do Futebol Brasileiro’, o ídolo chorava.
Numa tarde, em General Severiano, Didi, que chegou a jogar com Gerson no Botafogo após o bicampeonato no Chile, o aconselhou:
“Você tem que treinar lançamentos”.
Gerson se tornou o principal e talvez maior lançador da história do futebol. Numa excursão ao exterior, Didi, no campo, chamou Gerson:
“Canhotinha, está vendo aquele branquelo ali, o número 8 deles? Não deixa ele jogar. Cola nele!”
Bola rolando e Gerson reclama, aos gritos:
“Não dá… esse cara corre muito! Inverte comigo.”
“Eu, não. Você é garoto!”, retrucou Didi, o inventor da ‘Folha Seca’ e autor do primeiro gol do Maracanã. Os dois ícones da bola contavam histórias e passavam ensinamentos no ‘Enquanto a Bola Não Rola’, programa de debates aos domingos na Rádio Globo. Gerson ficava de pé quando cumprimentava o seu mestre, mas o provocava:
“Esse aqui deu trabalho… gostava da noite, de uma esbórnia.”
Didi ria de forma contida e mudava logo de assunto.
Certa vez, com Ronaldo Fenômeno no estúdio, Didi o aconselhou:
“Faz um dois… assim, você foge das pancadas.”
Há poucos dias eu presenciei o diálogo de dois tricampeões. Estava com Paulo Cézar Caju e o telefone dele tocou. Era Rivellino, alegre e descontraído:
“PC, liguei para o ‘Papagaio’ (outro apelido de Gerson) e falei que ele está ridículo dançando nas redes sociais.”
“Orelha, vai tomar no …” – a resposta chegou fulminante.
Gênios do futebol e bons amigos, com muitas histórias e títulos em Copas do Mundo, no tempo em que o futebol brasileiro era protagonista, respeitado e temido.
Teremos amistosos esse mês, contra a Inglaterra, em Wembley, e a Espanha, no Santiago Bernabeu. Na onda das Bets, você apostaria em vitórias dos comandados do técnico Dorival Júnior?
CONTRA FOTOS NÃO HÁ ARGUMENTOS
por Zé Roberto Padilha

Qual jogador de futebol conseguiria, hoje, saltar mais de um metro e ter o tempo da bola para alcançá-la no terceiro andar?
Pelé foi um atleta quando todos eram jogadores de futebol. Tinha uma musculatura forte, natural, que lhe concedia força e velocidade, e que só artificialmente ficou à disposição dos nossos jogadores a partir de 1974.
A Alemanha, campeã mundial, introduziu o futebol força e seu feito saiu distribuindo máquinas Apolo e Gladiador por todo o mundo. Quando elas chegaram, Pelé se despediu.
Quando respondo para meus filhos e netos quem foi Pelé, porque ele foi considerado o Rei do Futebol, sempre cito como exemplo um adulto jogando bola entre as crianças.
Os zagueiros batiam nele e caíam. A velocidade era de um Mitsubshi fazendo 100 metros em 0,5 segundos contra 50 segundos, de uma Kombi, dos que ousavam tentar acompanhá-lo. Seus chutes, com os dois pés, furavam as redes. Tiveram que reforçá-las.
Suas fibras fortes, herança dos seus ancestrais, não foram alcançadas no sedentarismo da Casa Grande, mas na capoeira, nas estratégias de fugas contra a opressão dos que viviam nas Senzalas.
Um gênio que surgiu fora do seu tempo. Depois dele, alguns súditos fizeram bonito. Dentro do seu próprio tempo. Nada que se aproximasse de sua genialidade.
Por isso, Pelé será eterno.
NADA IRÁ SUBSTITUIR JOEL SANTANA
por Zé Roberto Padilha

“O médico que trabalha com IA tem inúmeras vantagens. Ele é um médico melhor. A IA pode ler os exames trazidos pelo paciente e entregar ao médico uma leitura imediata sobre os dados que quer saber.”
Quem disse isso é o presidente do Hospital Albert Einstein, Sidney Klajner, em O Globo.
“Imagine um sistema que pensa mais rápido e com mais dados do que o cérebro humano consegue fazer. Mesmo que o médico passe no quarto a cada duas horas, nada poderá lhe abastecer mais do que milhares de dados dos que passaram por todos os quartos”.
Confesso que estou com medo do futebol levar a campo um treinador IA. Simplesmente, ela vai mostrar ao estudioso e inovador um algoritmo baseado em centenas de situações parecidas. O que não falta serão opções das mexidas feitas, em situações parecidas, pelo Muricy, Zagallo, Vanderlei e Mano Menezes.
Só que o futebol, ao contrário da medicina, não tem lógica. Aqueles comentaristas que vivem a criticar o centroavante tricolor por não pegar na bola, entram pelo Cano quando ele aparece e decide.
Nem a IA conseguirá explicar o Cano.
Enfim, saudades do Joel Santana. Tinha uma prancheta, e na sua cabeça, algo peculiar, Carioca pra levar, Brasileiro pra dar um jeitinho. E no improviso, dava um jeito do Renato Gaúcho, no fim de uma decisão, completamente extenuado, ficar em campo até o fim em um Fla x Flu decisivo.
Sem Joel Santana e sua intuição de ex-jogador criado ao lado do Dé e Alcir, presença debochada no Bloco das Piranhas levados pelo Moisés, nenhum treinador IA ganharia um título em cima do Flamengo em 1995.
Que jogava pelo empate, com Romário voando um ano apos ser o cara do tetra, aos 43 minutos do segundo do tempo. E justo no ano do seu centenário.
A IA, pelo menos no futebol, jamais irá alcançar a Inteligência de JS. Porque jamais existirá algoritmo algum que consiga captar a magia de um felling.
O PRIMEIRO FLA-FLU A GENTE NUNCA ESQUECE
por Zé Roberto Padilha

Dos 16 anos, quando cheguei às Laranjeiras, até os 24 anos, em que deixei o Fluminense, joguei muitos Flu X Flas. De todas as divisões. E quando estava concentrado em São Conrado, para jogar meu primeiro Fla x Flu, mal dormi.
Existia dentro de mim o tal amor à camisa. Torcedor e jogador dentro de uma bandeira que virou camisa. Como jogar contra o time que torcia e me formou?
Aí foi que o ônibus do Flamengo, nem tão imponente, parou em um sinal antes do Túnel Dois Irmãos. Em frente à favela da Rocinha.
E fiquei a observar a quantidade das paixões que de lá desciam. Muitos sem televisão, outros sem máquina de lavar porque o ano era de 1976, pouco importava naquele domingo.
Deixavam sua realidade para trás e partiam para o Maracanã em busca de um resultado que os transformariam em um chefe de família mais paciente. Um trabalhador mais produtivo seja qual for o seu ofício no dia seguinte.
Uma vitória do Flamengo era o bálsamo, o elixir da felicidade que não se encontra em nenhuma farmácia.
Daí despertei para o lado social do futebol. Não era mais o ponta esquerda que se olhava no espelho e entrava em campo cheio de orgulho. Quando entrei em campo para enfrentar o Fluminense, diante de 155 mil pessoas, consegui manter na minha profissão mais que o amor à camisa.
Daí pra frente era respeito e luta em prol de transformar os sonhos de uma multidão. E ela merecia minha luta e consideração.
Foi 0x0. Melhor assim. Para ir acostumando, mesmo porque mal saberia pra que lado da torcida correria se Zico fizesse um gol.
ANDREPENDÊNCIA
por Zé Roberto Padilha

Ninguém é insubstituível, dizem os gerentes de recursos humanos de todas as empresas. Porém, no esquema implantado por Fernando Diniz, o tal bonitinho que agrada aos olhos dos outros, atrai a cobiça dos atacantes adversários e põe o coração do torcedor tricolor à risca, André e insubstituível.
Poucos jogadores no mundo tem um passe tão preciso, uma técnica absurda de proteger a bola e um senso de cobertura capaz de levar o Nino a ser vendido. E Felipe Mello conseguir ser zagueiro.
Hoje, como nos tempos de Denilson, o Rei Zulu, Carlos Alberto Pintinho, Zé Mário, cabeças de área históricos e que se tornaram referência na posição, André se tornou uma peça difícil de ser substituída.
Já joguei em outras posições, além da ponta esquerda, só não consegui ser útil na proteção da área. Não é uma tarefa fácil transformar os tijolos arremessados pelos zagueiros em suaves assistências para os que estiverem à frente.
Ontem, Fernando Diniz mexeria menos no esquema do time se colocasse Felipe Melo no seu lugar. Sempre jogou ali. Não improvisaria Martinelli em outra função e a zaga teria o Marlon ou David Braz. Ou Manoel.
Mesmo com todo o elenco que possui, o Fluminense, para continuar a jogar diferente, retornar ao seu toque de bola, vai ter que viver uma Andrépendencia.
Hoje, ele é insubstituível.