FESTA DO AREIA
Através do parceiro Dime Cordeiro, um dos maiores zagueiros do futebol de praia do Rio de Janeiro, recebemos o convite para participar da festa de 50 anos do tradicional Areia, do Leme, e não pensamos duas vezes antes de aceitar e ser um dos patrocinadores da confraternização.
Se hoje em dia o futebol de praia está longe de ser o esporte mais praticado entre a garotada, o mesmo não se pode falar do passado. Grandes craques do Brasil deram os primeiros passos nas praias do Rio de Janeiro, em uma época em que centenas de pessoas se aglomeravam para assistir aos clássicos em Copacabana.
Neimar, Neyvaldo e Dime
O Areia Leme, sem dúvida era um dos times mais temidos pelos rivais. Enquanto Dime Cordeiro fazia a segurança lá atrás, Neimar e Neyvaldo faziam chover no ataque e balançavam a rede com extrema facilidade.
– Jogamos juntos por uns 20 anos e vivemos grandes momentos na praia.
O artilheiro Neyvaldo reforçou a felicidade por participar dos 50 anos da equipe.
– O mais legal disso tudo é que a amizade permanece. O Areia é um grupo de amigos. Além de companheiros de time, somos amigos desde os seis anos de idade.
Quem também fez questão de participar da festa foi o craque Adílio. Embora tenha sido ídolo do Royal, do Leblon, rival do Areia, o ídolo do Flamengo vê o encontro como uma boa lembrança do futebol de praia do Rio de Janeiro.
Ao ser perguntado sobre qual time costuma vencer o duelo, Adílio puxou a sardinha para o seu lado:
– O Royal vencia mais!
Ao saber da resposta de Adílio, Dime preferiu não polemizar:
– Nessa época eu ainda não era nascido.
Por fim, o camisa 8 da Gávea exaltou a amizade com Neimar, com quem dividiu as quadras com a camisa da seleção brasileira e foi campeão mundial na Holanda.
– Esse cara é meu ídolo. Tive o prazer de conviver com ele durante um mês e meio e aprendi muito com ele! – retribuiu Neimar.
DIA DA ALEGRIA
Recentemente, com muita alegria e satisfação, comemoramos um ano de Museu da Pelada, um projeto novo, que superou todas as expectativas possíveis com resenhas emocionantes e inigualáveis! Além de celebrar, a confraternização também serviu para agradecer a todos que nos acompanham e nos ajudam a ir em busca da poesia perdida e do ineditismo num esporte que se torna cada vez menos romântico.
O local da festa não poderia ser outro: o Bar da Pelada, do parceiro Guilherme Careca, na Rua Souza Lima, em Copacabana. Palco de futuros encontros com os jogadores, o bar recebeu grandes amigos e a festa contagiava até os transeuntes. A cerveja estupidamente gelada somada ao som de Silvio Villas, o rei do cavaquinho, animava a galera, que soltou a voz relembrando sambas históricos.
– É HOJE O DIAA DA ALEGRIAA… – cantavam em coro.
Além de Moacyr Luz, Afonsinho, Sérgio Sapo, quem também não quis ficar de fora da festa do Museu foi Rodrigo Santoro. Mesmo sem saber que era a nossa confraternização, o ator, que já contou de suas experiências no futebol para o Museu, gostou da algazarra e se deliciou com a saborosa feijoada do Bar da Pelada. No dia seguinte, a ansiedade pelo aniversário de dois anos do Museu já tomava conta da nossa equipe!
Cada texto, curtida, foto, compartilhamento, elogio, crítica, sugestão e comentário são muito gratificantes! Recebemos com muito orgulho e é um dos nossos maiores combustíveis!! Vocês fazem parte do Museu!!
Vem muito mais por aí!! É só o começo de uma longa trajetória!!
A BOLA E O RÁDIO, DOALCEY BUENO DE CAMARGO
por Marcelo Mendez
Depois de falar de Osmar Santos, Jorge Curi e Oduvaldo Cozzi, hoje a coluna “A Bola e o Rádio” tem a honra de apresentar mais um grande nome do rádio em um momento glorioso: Doalcey Bueno de Camargo é nosso homem.
Em 1972 o Fogão arrebentou com o Flamengo e no segundo gol de Fisher as coisas foram assim:
“Desce o Botafogo, Fisher de primeira disparoooooouuu é Goooooolllll, Gol do Botafogo… Vai, Amilcar…”
“A violeta é procurada pelo perfume que tem/quem tem amor tem ciúme/quem tem ciúme quer bem… Gol cristalino!”
Entre 1965 e 2009 a Rádio Tupi contou com um narrador espetacular, um Paulista do interior que fez história no rádio, que abrigou os grandes nomes da crônica esportiva, como seu parceiro de comentários Amilcar Ferreira, o “Comentarista Cristalino” que a cada gol mandava um verso tirando uma onda com o time que levava o tento.
Esse de hoje é histórico…
Em 1972 o Fogão meteu seis no Flamengo, em dia lendário. Doalcey mandou as narrações com classe, com elegância, com um estilo único que marcou para sempre os geraldinos que colavam os ouvidos para vibrar com o radialista.
Na narração escolhida, além da voz linda de Doalcey, tem o impagável Amilcar que a cada gol fazia um verso como falamos acima. O problema é que o jogo foi 6×0 e nosso comentarista, contrariado, já não tinha lá mais tantos de improviso.
No comentário, o registro de sua contrariedade. Na agulha, a coluna “A BOLA E O RÁDIO” homenageia Doalcey, o Grande!
TIM, O PAI DA ‘PSICOLOGIA PELADEIRA’
por André Felipe de Lima
“Não gosto de fazer nada que não esteja ligado ao futebol. Aliás, são duas as coisas que mais gosto de fazer na vida: cozinhar e tratar de futebol”. Assim, o sr. Elba de Pádua Lima, que atendia pelo singelo apelido de “Tim”, ia levando a vida. Um camarada completamente desprendido dos bens materiais. Jamais ligou muito para dinheiro. Davam para ele um fogão ou uma bola de futebol e estava tudo certo. Sim, Tim era simples e foi com essa simplicidade que se tornou um dos maiores nomes da História do futebol brasileiro, tanto como jogador, cujo estilo peladeiro foi inconfundível, quanto como marcante técnico, cuja (a boa) malandragem rendeu hilariantes histórias do dia a dia dos boleiros.
Fumante inveterado, Tim era filho do seu Vargas de Lima, pai que perdeu quando tinha apenas seis anos, e de Teresa de Lima, que, sozinha, sustentou-o e as suas quatro irmãs. Casou com dona Tomires com quem teve duas filhas, Miriam e Valéria. Foi craque também na cozinha, onde, gabava-se, jamais se apertou. Tim, um eclético. Suas feijoadas, macarronadas, cozido e dobradinhas eram insuperáveis. Como ele, na meia cancha da Seleção Brasileira ou do Fluminense. Ali, pelo meio do campo, ninguém o superou em seu tempo.
Poderia ter sido o herói do escrete na Copa do Mundo de 1938, na França, mas, por pura birra, o técnico Ademar Pimenta preferiu escalar Perácio, que, embora bom jogador, não chegava nem a um por cento do que jogava Tim. A implicância do treinador com o craque foi tão intensa que chegou a apelidá-lo de “Lero-Lero” porque o achava “conversa fiada” ou um “finge que vai, mas não vai”. Naquela Copa, Tim só entrou em campo contra a antiga Tchecoslováquia, que o Brasil derrotou por 2 a 1. Jogou uma barbaridade e encantou a imprensa local.
Muitas décadas depois, Pimenta veio com um papo meio torto, alegando que o Tim e o ponta-esquerda Patesko passaram da conta na birita, quando o navio que os levavam à Paris, para a Copa do Mundo, fizera escala em Salvador. Pimenta os queria fora do elenco imediatamente. Dizia que havia “privilégio” para ambos e que até vinho ou chope bebiam nas refeições. Tentou cortá-los, mas houve coragem?
Tim era o mais paparicado dos jogadores pelos jornalistas que acompanhavam a delegação até Paris. Leônidas da Silva, que se tornaria o grande craque daquela Copa ao lado do italiano Meazza, ainda não era o “Diamante Negro”. Domingos da Guia, esse sim, era o único campeoníssimo internacional naquele navio. Havia sido campeão na Argentina, com o Boca Junior, e no Uruguai, com o Nacional. Mas, no Brasil, Tim era o “cara”. Menos para Ademar Pimenta, que, segundo o biógrafo e jornalista Marcos de Castro, teve a cara de pau de pedir para o zagueiro Zezé Procópio “quebrar” o Tim durante um treino em Salvador, provavelmente após a “bebedeira” e “comilança” promovidas por Tim e Patesko.
Na primeira tentativa de sarrafo em Tim, Zezé Procópio recebeu imediatamente o revide. Pimenta o repreendeu. Tim era malandro e logo manjou que aquilo não era obra gratuita do companheiro de time. “Apertou” o Zezé e descobriu que o mandante tinha sido o Pimenta. Há poucas semanas da estreia na Copa do Mundo, o “El Peón” (apelido que recebera dois anos antes dos fãs argentinos) foi tirar satisfação com o treinador. Pimenta “amarelou”. Não havia como expulsar Tim da delegação. O cara era o queridinho dos jornalistas. Pegaria mal à beça. Seria um escândalo. O técnico decidiu, então, barrá-lo do time. Eis o desastre.
Muito anos depois, o ex-zagueiro Nariz, titular no escrete de Pimenta, “acusou” Tim de ser o grande “culpado” pela derrota frente à Itália, na semifinal: “Isso mesmo. Se ele [Tim] tivesse jogado contra a Itália, nós não perderíamos”. Nariz estava coberto de razão. Romeu Pelicciari, outro companheiro de Tim nos ataques da Seleção — inclusive na Copa de 38 — e do Fluminense, foi seu amigo até o último minuto. Sobre Tim, que Romeu costumava receber no restaurante de massas que mantinha em São Paulo, declarava com imensa admiração: “Às vezes tínhamos a impressão de que o Tim amarrava a bola nos pés.”
Sim, Romeu estava certo. Tim, geralmente com o seu indefectível bonezinho branco, matava a bola no peito como se o dorso fosse aveludado. A bola rolava macia e tranquila até os pés e ali, neles, transformavam-no diabo em forma de gente… e futebol. Dribles curtos e desconcertantes. Lançamentos sobrenaturais de mais de trinta, quarenta metros. Quem viu e a mim contou dizia: “Tim era impressionante”. Todas as jogadas praticamente passavam por ele. Isso aconteceu tanto na Seleção Brasileira quanto no Fluminense, com o qual Tim, por pouco, não foi hexacampeão carioca. Sim, o Fluminense sob a batuta do maestro foi campeão carioca em 1937, 38, 40 e 41. Em 1936, Tim ainda não estava nas Laranjeiras, mas o clube foi o campeão carioca. A extraordinária saga de troféus dos tricolores foi interrompida em 1939, quando perderam o título para o Flamengo, que estava voando baixo, tendo na linha Leônidas da Silva e Domingos da Guia sensacionais. Mas certo estava o grande ídolo argentino Guillermo Stábile, craque na Copa de 1930, que assim definiu Tim: “O meia esquerda que o Brasil ainda não compreendeu.”
ALTIVO E CRAQUE DESDE MOLEQUE
Tim foi uma criança feliz, embora de família bastante humilde. Quando pequeno, a irmã mais velha, Valdívia, chamava-o de “Ti”. O acréscimo do “m” ao apelido só aconteceria depois, nos times que defendeu. Foi, quase sempre, o dono da palavra final em qualquer discussão, seja em peladas, ou nos clubes de futebol que treinou ou defendeu como jogador. Malandramente escondia o jogo como poucos. Manha que levou dos gramados para a profissão de técnico. Tanto que “El Peón” sempre cultivou (e muito bem…) a louvável fama de “estrategista”. E foi mesmo. Sagacidade e altivez que desenvolveu ainda moleque, em Rifaina, interior de São Paulo, onde nasceu no dia 20 de fevereiro de 1916. “Dizer que nasci talhado para ser craque é uma verdade clara como águas límpidas dum regato. Garoto ainda tracei meu futuro. Jogando bola na rua havia uma coisa que me deixava um bocado convencido: era na hora do par ou ímpar. Queriam me escolher ao mesmo tempo. Brigavam. Era o diabo! Alguns meninos chegavam a roubar frutas, me dar ‘cola’ durante as aulas, enfim, me ‘chaleravam’ [o mesmo que “puxar o saco”, “babar” de inveja e por aí vai…] escandalosamente afim de que eu nunca mudasse de time. Fui um ídolo em guri para a garotada da minha rua”. Tim foi um peladeiro de raiz. Essência da qual jamais se livrou. Ainda bem.
Quando começou a se destacar entre os meninos de sua idade, as peladas tinham de ser entre os mais velhos. Aí, meu Deus, Tim parecia de outro mundo. “Engraçado. O temor de mamãe era que eu poderia me dar mal enfrentando aqueles galalaus. Pois eram justamente aqueles barbados que eu mais facilmente dominava. É a velha história: maior o coqueiro, maior o tombo… e como eu driblava firme os grandalhões!”
Quando este jornalista era rapaz, morava em São Paulo e trabalhava como contínuo no escritório de uma empresa do ramo de Café. Havia lá um coroa que se chamava “Machado” e dizia ser irmão de outro “Machado”, este verdadeiramente famoso. Era o Machado zagueiro da Seleção de 38 e do poderoso Fluminense quase “hexa”. O Machado que conheci comentava sempre eufórico — e isso ficou marcado em minha memória —ter sido amigo do Tim e que El Peón, no campo, ostentava um drible curto impressionante. Escondia a bola do marcador de forma incomparável. O Machado menos famoso garantia ter jogado bola com o Tim. Eu acreditava e, como diria o Tim, ‘chalerava’ o Machado.
Até o último dia de vida, Tim respirou o futebol, mas sob uma condição irrevogável: que fosse o futebol vistoso, poético e plástico. Os detratores do futebol arte (e já existiam naquele tempo) tratavam de azucriná-lo com apelidos menos honrosos. Para eles, Tim era um “dançarino sem damas” ou “Rebeca”, e isso jamais foi esclarecido. Tim tampouco entendia o porquê do tal apelido “Rebeca”. Sequer ligava para o papo furado de quem dizia conhecer sobre futebol, mas não entendia bulhufas. Gostava mesmo era de narrar, com extremo orgulho, o gol mais bonito que assinalara ao longo da carreira. Marcou-o contra o Internacional de Porto Alegre.
O lance foi assim: Santamaria — um argentino importado do River Plate — centrou a bola e Tim a recebeu. Ao seu lado, como carrapato, o zagueiro colorado, que recebeu de brinde um lençol de El Peón. Veio o segundo zagueiro e também foi “coberto” pelo lençol de Tim. O desesperado goleiro Penha correu na direção do craque. Erro fatal, ingênuo, o coitado. Com um toque de gênio, Tim o encobriu e marcou um gol de placa. A torcida — gabava-se Tim sempre que descrevia o lance—ovacionou-o por mais de um minuto.
O jogador foi treinador. E dos melhores que se teve notícias até hoje. Quem discordar definitivamente não entende patavina de futebol. Mas a intolerância de Ademar Pimenta parecia persegui-lo obsessivamente. Tim seria o técnico da Seleção na Copa de 1966. João Havelange, na época o mandachuva da antiga CBD (Confederação Brasileira de Desportos), foi quem o vetou, mas, com aquela conversa mole que o caracterizou, emendou a seguinte desculpa, algo muito semelhante ao que o Pimenta alegara aos jornalistas em 1938: “Dentro de um princípio estabelecido por mim, de acordo com uma norma de trabalho, eu jamais poderia solicitar a presença de Tim porque entendo que tenho de ficar coerente com a Lei. Se Tim tivesse diploma da Escola Nacional de Educação Física, é possível que eu o tivesse ao meu lado. Mas eu me subordinei à Lei e assim é possível que tenha feito uma injustiça.”
“PSICOLOGIA PELADEIRA”
Ora essa. Tim foi vítima de sua independência e genialidade bruta. Não era letrado (mal frequentara um colégio, afinal), mas tinha uma inteligência fora do comum e muito acima da média. Um dos maiores “QI’s” que o futebol brasileiro já viu. Como treinador brilhou em vários clubes. Tinha um humor ácido. Foi um verdadeiro “psicólogo peladeiro”. Desviava-se das perguntas dos repórteres com calma e picardia. São muitas as situações narradas por vários cronistas, como Sandro Moreyra e Aristélio Andrade. Tim era um pândego refinadíssimo, capaz de deixar os jornalistas com a calça arriada. Leiam alguns diálogos e tirem suas próprias conclusões:
— Tim, cadê o Zé Roberto (então ponta-de-lança do Coritiba)? Por que ele não veio com a delegação?
— Ora, meu filho, você não sabe? Zé Roberto está com caspa.
Outra pérola foi a seguinte:
—Tim, como vai jogar o Coritiba?
— Ora, meu filho, de calção, camisa, meias e chuteiras.
Outra também teria ocorrido nos tempos de Coritiba. Lá pelas tantas do jogo, o ponta-esquerda Aladim foi expulso e o time ia mal em campo. O afoito “apolinho” corre para o banco do Coxa e indaga:
— Tim, o que falta ao Coritiba?
— Você não está vendo, meu filho? Falta o Aladim. Ou você não viu a expulsão?
Tim reclamava que as perguntas dos repórteres eram feitas nas horas mais inconvenientes, quando estava ligadão no jogo imaginando o que faria para reverter o cenário ruim em campo.
Tim jamais foi descortês ou grosseiro com jornalistas. Com aquela fala mansa, jamais perdeu (ou quase) a paciência e, claro, a piada:
— Tim, o Coritiba vai se classificar?
— E eu estou de turbante, não é? Quer dizer que eu não sou pitonisa (sacerdotisa grega e profética), não é mesmo?
Em 1970, Tim era o técnico do Vasco. Silva “Batuta”, por sua vez, uma das feras do time. O ponta-de-lança, que se achava mais malandro que o Tim, tentou arriar uma cascata para cima do técnico com o papo de que, no dia seguinte,teria de chegar tarde ao treino para “experimentar” um terno no alfaiate. Malandro com mil encarnações a mais que Silva, Tim emendou: “Ótimo, vou com você. Preciso mesmo de um alfaiate.”
Silva teve de levá-lo a tiracolo e, constrangido, ouviu um assustado alfaiate interrogá-lo: “Ué, Silva, o que está fazendo aqui? Você já provou o terno ontem”. Tim, sabiamente, contemporizou: “Ele me trouxe aqui para fazer um paletó”. O que imediatamente foi feito pelo alfaiate. Toda vez que um jogador do Vasco metido a esperto chegava para o Tim com um papo torto, ele apontava para o cabide no vestiário e emendava: “Meu filho, vou te contar a história daquele paletó…”. Com a “psicologia peladeira” dele, o Vasco acabou campeão carioca de 1970. E o time nem era lá aquelas coisas…
Outra no Vasco aconteceu com o centroavante Valfrido, que se recusava a cair pela esquerda, seguindo a recomendação do treinador: “Seu Tim, o Alcir não vai passar a bola”. Tim insistiu: “Pode cair que ele passará sim”. Um teimoso Valfrido resistiu: “Não vai”.
O chove não molha durou alguns milenares minutos até que o “psicólogo” Tim abordou novamente o inseguro atacante vascaíno: “Valfrido, meu filho, você pode cair para a esquerda. O Alcir é muito meu amigo e ele me garantiu que vai passar a bola para você”. Tudo, enfim, resolvido no papo.
A “psicologia peladeira” do Tim internacionalizou-se. Quando treinava o San Lorenzo de Almagro, chamou um beque num canto e aconselhou: “Olha, meu filho, quando você estiver com a bola dentro da área, e não souber o que fazer com ela, não pense duas vezes: chute para o Brasil. Não se preocupe com a bola porque a minha mulher vem sempre a Buenos Aires e traz ela de volta.”
Tim tinha uma paciência de Jó para lidar com seus comandados. Um garotão que mal começara a jogar bola e se achava um bastião da moral e dos bons costumes, chegou para ele e emendou: “Nunca bebi, nunca fumei, nunca fiz farra”. O garoto achava mesmo que com aquela conversinha mole cairia nas graças do treinador. Tim, como sempre foi rápido no gatilho: “E você veio aqui para aprender tudo isso, meu filho?”
Nesta sexta-feira, dia 20, o grande ídolo “peladeiro” do futebol brasileiro nas décadas de 1930 e 40 completaria 101 anos. Como escreveu um jornal francês, durante a Copa de 38, o craque foi, disputando apenas um jogo naquele mundial, “um virtuoso do Brasil”.
Tim, o “boa praça”, era assim. Amigo dos amigos. Amigo do futebol com a genuína alma de peladeiro a mostrar-lhe, sempre, o melhor caminho da vida.
LEITURAS OBRIGATÓRIAS:
“Gigantes do futebol brasileiro”, de João Máximo e Marcos de Castro, editora Civilização Brasileira, 2011.
“Tim, o estrategista”, de Pedro Zamora, Livraria/Editora Goal, 1969.
EU, O CRUZEIRO VELHO, O FUTEBOL E A SAUDADE
por Claudio Lovato
Estou morando no Cruzeiro Velho, depois de dois meses e meio alojado na Asa Norte. O Cruzeiro Velho é o “bairro dos cariocas” aqui em Brasília. É onde se instalaram quando vieram participar da construção da nova capital federal.
Para mim, gaúcho morador do Rio durante 20 anos, esse será um fator de peso para que eu logo passe a me sentir em casa.
Eu chamo o Cruzeiro Velho de “bairro”, e ainda vou chamar assim por algum tempo, por mais que o pessoal que está aqui de longa data insista em me dizer que o Cruzeiro é a “cidade-satélite mais próxima do Plano Piloto”, e não um bairro.
O Cruzeiro Velho é uma mistura de Copacabana sem praia com a Tijuca sem a Praça Saenz Peña e sem o Curso Oxford. Digo isso para os amigos do Rio. Para os amigos de Porto Alegre digo que é um mistura do Bom Fim com a Cidade Baixa, o que dá quase no mesmo.
No domingão, meu segundo dia oficialmente instalado na casa do Cruzeiro Velho, fui ao quiosque “De bobeira”. Vi Fluminense 4 x 0 Bangu. Vi o começo do clássico Flamengo x Botafogo, no Engenhão. A galera foi chegando devagarzinho, e o assunto era um só.
Estou sozinho em Brasília. A família chegará em breve. Que assim seja. Ô!
Na TV do quiosque, o canal Premiere seguia emitindo doses maciças de emoção. Meu irmão Rogério Nunes me dizia pelo WhatsApp que o tiro estava comendo do lado de fora do Engenhão. Falei para ele ficar esperto, se cuidar e mandar a garotada do FutRio ficar esperta.
Terminei minha última cerveja vendo o Flamengo em cima e o Botafogo acuado. Fui.
Minha casa fica perto do quiosque. Cheguei e me recostei numa das duas únicas cadeiras de plástico disponíveis, compradas no Walmart, e puxei o pôster do “Correio Braziliense”, edição de 8 de dezembro, com a foto de página dupla do meu Grêmio pentacampeão da Copa do Brasil. A final contra o Galo foi o primeiro jogo do meu tricolor que assisti na condição de morador do DF.
Mandei mensagem para a patroa. Ela me diz que está tudo bem na nossa casa (praticamente ex-casa), lá em Floripa; tudo bem com ela e com os nossos filhotes, confirmando a informação que ela já havia me dado algumas poucas horas antes, por telefone…
A saudade é uma faca cega que insiste em te cortar em fatias finas.
Floripa, Cruzeiro Velho, Engenhão, todo mundo tocando a bola pra frente.
Fui me deitar agradecendo ao futebol, que vai dando o seu jeito de contribuir para a minha salvação, mais uma vez.