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CORRIDA CONTRA O TEMPO

por Fabio Lacerda


Todo artilheiro carrega consigo um peso às costas. Quando está brigando pela artilharia é natural que o clube que ele defende esteja almejando as primeiras colocações dos certames. Dizem que ser goleiro é a pior posição em campo porque uma falha compromete a performance individual, coletiva e coloca em risco o êxito do time. Mas quem escolhe jogar de centroavante abraça a causa coletiva e individual. 

Fred desencantou no Brasileiro depois de cinco rodadas. Artilheiro solitário na vitória sobre o Avaí, no Independência, jogo válido pela quinta rodada. Artilheiro por três vezes do principal campeonato do país, autor do gol mais rápido do mundo quando ainda era juniores do América-MG, este moço faz valer o jargão das Alterosas: mineirinho come quieto para comer mais! 

Único jogador do país que pode ser artilheiro do Campeonato Brasileiro por quatro vezes, Fred também está na cola de Romário na Copa do Brasil. O Baixinho é o maior artilheiro da segunda competição mais importante do país com apenas três gols à frente do goleador de Teófilo Otoni – 36 contra 33. Fred é o maior artilheiro da Copa do Brasil numa única edição com 14 gols marcados pelo Cruzeiro em 2005.


No seleto e restrito grupo de artilheiros por três vezes do Brasileiro, Fred está lado a lado de Dario “Peito de Aço”, o único jogador que parava no ar como helicóptero e beija-flor, Túlio, o artilheiro irreverente que era frio como um iceberg à frente do gol, e Romário que cravou seu nome no lugar mais alto da tabela de artilheiros já veterano (primeira vez que foi o maior feitor de gols em Brasileiro ele tinha 34 anos em 2000). 


A ida de Fred para a França defender o Lyon em 2005 até 2009 afastou o artilheiro de cinco edições do Campeonato Brasileiro. O que isso quer dizer? Muita coisa! O atacante foi viver numa das cidades mais belas da França, cuja gastronomia é uma referência mundial. Mas o camisa 9 à moda antiga poderia ter comido a bola por aqui. Sua ida ao Lyon traçava uma sequencia de títulos nacionais, porém, a chance de ganhar uma Liga das Campeões ou uma Copa da UEFA, agora chamada de Europa League, era inimaginável diante dos gigantes do Velho Continente. E esse hiato de cinco anos no Brasil o coloca diante de um desafio: fazer mais 63 gols nos próximos três ou quatro anos para tornar-se o maior artilheiro e superar Roberto Dinamite com 190 gols, honraria esta que o “camisa com cheiro de gol” sustenta desde 1989. Provavelmente, o atacante do Atlético-MG tenha se deparado com essa informação após quem vos escreve ter entrado em contato com sua assessoria de imprensa para escrever ao MUSEU DA PELADA. Espero ter aguçado esse desejo e desafio no atacante do Leste de Minas, região esta que carrego no meu coração pelo fato de meu pai ter nascido no Vale do Aço e ter chegado ao Rio de Janeiro aos 14 anos. 


Fred chegou a 128 gols na história dos Campeonatos Brasileiros – 13 gols pelo Atlético-MG, 91 pelo Fluminense e 24 pelo Cruzeiro – deixando Serginho Chulapa para trás. Ainda neste Brasileiro, Túlio com 129 gols, e Zico, com 135, serão superados. Se os próximos quatro anos contando com a competição em andamento o Fred tiver uma média de 15,5 gols por edição de Brasileiro, ele tornar-se-á o maior artilheiro da história dos Campeonatos Brasileiros. Aos 33 anos, somente lesões graves podem desvirtuar o artilheiro do caminho. Em 2012 e 2014 pelo Fluminense, Fred balançou as redes 20 e 18 vezes, respectivamente. Ano passado foram 14 gols dividindo a artilharia com Diego Souza (Sport) e William Pottker (Ponte Preta e atualmente no Internacional). 

A verdade é que, se tivesse rechaçado a ida para a França, hoje, Fred já teria superado Roberto Dinamite e estaria aumentando sua diferença para o ex-camisa 10 do Vasco que atingiu a marca de maior artilheiro jogando pela Portuguesa de Desportos sob o comando de Antônio Lopes, em 1989, quando o seu time de coração sagrou-se campeão brasileiro. Ironia do destino não!? 


Nessa crônica, peço com todo o respeito a opinião de Paulo Cezar Lima, nosso embaixador do Museu da Pelada que também jogou na França entre 1974 e 1975. É possível fazer esse prognóstico, Monsieur Caju? Embora tenha feito o primeiro gol no Campeonato Brasileiro, Fred já foi às redes 19 vezes em 25 partidas em 2017. Será que o jogador sedento por gols vai acelerar a partir de agora para reduzir a diferença para Roberto Dinamite e levar o Galo Doido ao tão sonhado título de campeão brasileiro depois de 46 anos? Apostem suas fichas! Nunca duvidemos de um artilheiro nato! 

CACÁ, UM ÍDOLO BOTAFOGUENSE, PARTIU

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Carlos de Castro Borges, o lateral-direito Cacá, esteve próximo de realizar um sonho para qualquer jogador de futebol: defender a seleção brasileira em uma Copa do Mundo. Em abril de 1958, o técnico Vicente Feola preparava a lista que de craques que iriam à Suécia para defender o escrete. Cacá era nome certo, mas, na última hora, Feola desistiu de levá-lo e convocou De Sordi e Djalma Santos. Até hoje o motivo para corte de Cacá não ficou muito claro. João Havelange, que à época era o mandachuva da seleção, mostrou-se surpreso com a saída de Cacá e acreditava, num primeiro momento, que o jogador é quem pedira para sair: “Todo atleta deve se sentir honrado em vestir a camisa da entidade que representa a sua pátria. Eu, quando fui convocado para as seleções de natação e water-polo, sempre me senti orgulhoso de ver o meu nome dentre os convocados. É estranho que um jogador de futebol procure fugir a um chamado para o qual ele, mais do que nunca, devia estar disposto a dar o máximo de sua capacidade física, técnica e mental.”

A pinimba de Havelange com Cacá pode ter origem no fato de o craque ter sido o precursor da luta pelo “passe livre” no futebol brasileiro. Bem antes do grande Afonsinho, com a sua luta pelo passe livre no começo dos anos de 1970, Cacá já peitava a cartolagem para ter os seus direitos preservados. Exigia sempre cláusulas que lhe garantissem o passe livre após o término dos contratos. Isso aconteceu com o América, seu primeiro clube, e de forma traumática. Cacá incomodou [e muito!] os cartolas de sua época ao se recusar a voltar ao América, em setembro de 1955, mesmo com o clube exigindo juridicamente seu passe e ignorando a cláusula contratual que facultava ao atleta o passe livre.

De 1950 a 1954, Cacá permaneceu como amador do América, que defendia desde os juvenis, no final dos anos de 1940. Tentara ingressar nas divisões de base do Botafogo, clube que ficava próximo de sua casa e da praia, onde também jogava bola. Mas o Botafogo não o quis. “Eu sempre fui torcedor do Botafogo e, por isso, frequentava o Clube com o meu pai, antes mesmo de começar a minha carreira de jogador. Como eu conhecia o Octávio Morais, ex-jogador, eu tinha contato com alguns jogadores do Botafogo da época, entre eles o Nilton Santos”. No América, pelo menos, conseguia conciliar os jogos do time amador e com os da praia, dos quais não abria mão de jeito algum.

Em 1952, Cacá vivenciou uma fase muito boa no América sendo, inclusive, convocado para compor a seleção brasileira que se preparava para disputar os Jogos Olímpicos, em Helsinque. Mas, surpreendentemente, Cacá pediu dispensa da seleção. Não teve culpa alguma no imbróglio. Se houve culpada, foi a diretoria do América que o requisitou, agora como profissional, para um jogo — o primeiro jogo oficial da carreira de Cacá — contra a toda poderosa seleção do Uruguai, bicampeão mundial, em Montevidéu. 

Cacá era vítima das manobras dos dirigentes, que fazem o que bem entendem com os jogadores. Ali, o jogador começou a ficar mais atento com os cartolas. Afinal, ele era um exemplo de jogador e, mais: um jovem craque, com um potencial para ser ídolo da torcida. Mal iniciara sua carreira profissional no América do Rio, em outubro 1954, quando assinou seu primeiro contrato, Cacá foi agraciado com o prêmio Belfort Duarte pela sua desportividade em campo.

Mesmo sendo exemplo dentro e fora dos gramados, Cacá não foi respeitado pela diretoria do América. Em setembro de 1955, após uma renhida negociação com os cartolas para que liberassem o seu passe para o Fluminense, que sinalizara querer contratá-lo, Cacá vencera, enfim, uma guerra jurídica contra o América. Não foi fácil. A diretoria do América recorreu de todas as formas para mantê-lo no clube. O Ministério do Trabalho chegou a intimar a antiga Confederação Brasileira de Desportos [CBD] e a antiga Federação Metropolitana de Futebol [FMF], em vão, para que decidissem sobre o caso “Cacá”, mas ninguém quis interferir para não melindrar a cartolagem. Cacá estava prestes a perder a causa de forma injusta e lastimável.

Naquele período conturbado de sua vida profissional, Cacá, que era o capitão do time, cursava o segundo ano da faculdade de engenharia na antiga Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica, na qual se formaria em dezembro de 1958. Teve de, provisoriamente, trancar a matrícula para tentar resolver a situação com o América. “Eu não podia mais permanecer no clube. Depois de combinar um encontro com os diretores para reformar o contrato, e eles faltarem sem uma palavra de justificativa, vi que estava sobrando e que o melhor seria procurar outro ambiente. Na verdade, o América nunca mostrou interesse por mim. Do contrário teria concordado em procurar-me […] Não estou lutando por dinheiro, mas por convicção”, disse ao jornal O Globo, no auge da tensão com os cartolas, que tentaram de todas as formas prejudicar a imagem de Cacá para forçá-lo a permanecer no clube.

Cacá tinha direito ao passe livre por acordo e cláusula assinada logo expirasse o contrato. Além do passe livre, outro fator garantia a ele defender outro clube em 1955: Cacá, até outubro, não havia disputado uma única partida pelo América por conta de uma cirurgia de apêndice. Mas ele estava decidido e, desiludido, não mais desejava defender o América: “Juro por minha fé de ofício, pelo prêmio de disciplina que me foi conferido — o prêmio ‘Belfort Duarte’ — que jamais tive intenção de fugir aos meus compromissos legais, como algumas pessoas do América pretendem insinuar, alegando até, o que é inteiramente absurdo, que forcei a operação do apêndice só para ganhar tempo e não jogar mais este ano, de maneira que ficasse livre para me transferir… É falso. Vou contar o que houve. Tenho um músculo distendido desde o dia 9 de julho. Machuquei-me em S.Paulo, ao enfrentar o Corinthians pelo Torneio Charles MIler. Nesse ínterim, fui operado. A 5 de agosto, deixei a Casa de Saúde e retornei aos treinos. Somente depois que o médico declarou que eu não estava restabelecido da distensão e que precisava continuar o tratamento, foi que comecei a faltar aos exercícios. Mas ainda não estou bom. Tanto que continuo tomando aplicações no Fluminense. Por causa da operação, permaneci apenas vinte dias inativo. No entanto, os que me acusam em Juízo, falam em dois meses de ‘ausência premeditada’.”

A indignação de Cacá com o América por pouco não o fez abandonar a carreira de jogador. O craque ameaçou pendurar as chuteiras caso os órgãos esportivos competentes ou mesmo a Justiça do Trabalho proferissem decisão favorável ao América.


(Foto: Reprodução)

No fim de outubro, a pendenga foi resolvida e Cacá estava livre para defender o novo clube, que tinha no comando o treinador Gradim. Foi o técnico, aliás, quem sugeriu aos diretores do Fluminense que o contratassem após descobrir, durante um almoço informal, que Cacá estava com o passe livre. Gradim procurou Augusto Borges, pai de Cacá, e disse estar interessado em levá-lo para as Laranjeiras. O pai de Cacá conversou com o filho e expôs a situação. Cacá, já bastante indignado com a desgastante relação com o América, aceitou desde que as cláusulas que lhe garantissem ser dono do próprio passe e o de poder estudar mesmo em dias de jogos, se assim fosse exigido pela Universidade. Os diretores do Fluminense aceitaram as condições impostas por Cacá talvez para evitar briga futura com um jogador bem informado e convicto dos seus direitos profissionais. Começava a mudar, ali, com Cacá, a relação dos clubes com seus atletas.

No Fluminense, Cacá jogou como zagueiro, substituindo Píndaro, que formava a zaga com o goleiro Castilho e o zagueiro Pinheiro, este último um dos grandes amigos que Cacá teve após abandonar o futebol. Foram 123 jogos e o título de campeão do Torneio Rio-São Paulo, em 1957, com o Fluminense. Um período em que conquistou muito prestígio. Mas o melhor estava por vir, no Botafogo, onde aportou em março de 1958, no auge e convocado para a seleção brasileira que se preparava para a Copa do Mundo. Foi, infelizmente, cortado, mas a trajetória que construiria no Alvinegro, que um dia o rejeitou, seria a mais auspiciosa de sua carreira.

Em General Severiano, Cacá brilhou ao lado do centromédio Pampolini, goleiro Manga, do lateral-esquerdo e grande amigo Nilton Santos, do lateral Rildo, do magistral Garrincha, do mestre Didi, do artilheiro Quarentinha, do “formiguinha” Zagalo, do “possesso” Amarildo e do “trombador” Paulo Valentim. Dois destes craques foram grandes amigos de Cacá: Pampolini e Nilton Santos, este último, uma amizade que começou em 1955, quando ambos defendiam um selecionado carioca. Ademir de Menezes, ídolo vascaíno, também foi amigo de Cacá, que era o titular absoluto da lateral direita do Botafogo até 1961, quando uma insistente contusão na coxa o tirou do time na campanha do título carioca daquele ano. Abriu-se, portanto, a vaga para o jovem Rildo, mas Cacá, enfim, conquistara seu primeiro campeonato. Em 1957, perdera a final para o mesmo Botafogo, quando defendia o Fluminense, após a acachapante goleada de 6 a 2.

Em 1964, Cacá foi contratado pela Portuguesa de Desportos em um período de êxodo de cariocas para o Canindé. Muitos craques seguiram para lá, como o lateral Jair Marinho [ex-Fluminense], o grande amigo de Cacá, o meia Pampolini, o centroavante Henrique Frade [ex-Flamengo] e o extraordinário Dida [ex-Flamengo]. Dois anos depois, Cacá decidiu pendurar as chuteiras.

Carioca, de Botafogo, bairro da zona sul, Cacá nasceu no dia 31 de agosto de 1932. Sua fama de líder dentro e fora dos campos sempre foi notada e devidamente reconhecida pelas torcidas do Fluminense e do Botafogo. Muitas décadas após deixar os gramados, tornou-se amigo inseparável de Nilton Santos. Quando este foi internado em 2007, Cacá o visitava todos os sábados, o que se sucedeu até o dia da morte de Nilton Santos, em 27 de novembro de 2013.


Cacá não fez fortuna com o futebol, mas não teve do que se queixar com o que o esporte lhe proporcionou. Tornou-se um bem sucedido engenheiro civil e manteve uma vida tranquila. Foi um dos poucos craques de sua época que não insistiram com o futebol, mas como treinador: “O futebol foi o trampolim que eu soube explorar para ter sucesso na vida”. E a sua primeira obra como engenheiro foi a construção da casa do amigo Didi, na Ilha do Governador, em 1959, um ano após se formar. Da engenharia da bola para a dos prédios, Cacá foi um craque que deu certo.

Na quarta-feira, dia 7 de junho de 2017, vítima de câncer, Cacá partiu, e deixou tristes os botafoguenses e, sobretudo, nós, que amamos o futebol de verdade.

#Ídolos #DicionáriodosCraques #BotafogoFR

A REDENTORA

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Está provado: não foi a Princesa Isabel a verdadeira redentora. A História, sempre implacável nos rastros que deixa pelas cavernas, nos escritos e nos fósseis, agora confirma: ela assinou contrariada a abolição porque nada mais justificava a existência de uma monarquia isolada em meio a tantas republicas pela América. E manter a escravidão em meio aos ventos de liberdade, fraternidade e igualdade que dominavam o mundo. Com a contratação de Vinícius Junior pelo mais rico clube de futebol do mundo, realizando de jatinho, na primeira classe, a viagem de volta que seus ancestrais fizeram em navios negreiros, está mais que provado: a redentora, quem libertou mesmo a escravidão no Brasil, foi uma bola de futebol.

Foi a Inglaterra que impôs ao Brasil o fim do tráfico negreiro, em 1807, e como D. Pedro I não cumpriu o acordo, em 1845 o Parlamento inglês promulgou uma lei, A Bill Aberdeen, que lhes conferia o direito de busca e apreensão de embarcações suspeitas de transportar africanos escravizados por aqui. Apesar deste esforço, pouca coisa adiantou. A escravidão se enraizou de tal forma no Brasil que costumes e palavras ficaram por elas marcados. Se a casa-grande delimitava a fronteira entre a área social e a de serviços, a mesma arquitetura simbólica permaneceria presente nas casas e edifícios onde elevador de serviço não é só para carga, mas também para os empregados que guardam a marca do passado africano na cor. Como ultimo recurso, os ingleses enviaram para cá um emissário, Charles Miller, e um instrumento de liberdade na bagagem que nem o mais racista dos fiscais alfandegários percebeu: uma bola de futebol.


Um dos primeiros times do Fluminense

Como tudo vindo da Europa, logo a elite se apossou daquele instrumento. Só os brancos a tocavam nos clubes sociais, como o Fluminense FC, em gramados bem cuidados, bolas de couro, calções de brim e meias grossas de algodão. Se divertiram e propagaram o novo esporte, mas não era esta a missão daquela redentora. Para realizar a libertação definitiva foi preciso que ela rolasse nas periferias, nos campos de terra batida para o deleite, como único presente, do pobre menino descalço e sem camisa. E foi ali, num duelo de destreza e habilidade, onde ela quicou feliz em lugares inusitados e os meninos ampliavam os recursos para entender seus rumos, que nasceram os gênios da nação. Um rei, Pelé, um príncipe, Ivair, e tantos outros que mudaram a vida das suas proles. Sem exceção, no primeiro contrato, compraram uma casa para mãe. E seguiram pelos gramados a encantar o mundo.


Boa viagem, Vinícius. Quando seu jatinho rumo a Madrid sobrevoar o continente africano, de onde retiramos o melhor da nossa mestiçagem, dê um aceno para o seu berço. E agradeça sempre aquela esfera sintética, que já foi de pano, couro, por ter assinado, com a tinta da dignidade, com o papel da igualdade, a verdadeira abolição da nossa escravatura.

PROJETO MANÉ GARRINCHA

Na última quarta-feira, conhecemos Luiz Bastos, o neto do Garrincha, e descobrimos que ele é um dos fundadores de um lindo projeto social na Vila Cruzeiro, que leva o nome do consagrado avô. Encantados com a iniciativa, entramos em contato com Luiz para saber mais sobre a ONG e notamos que vai muito além da descoberta por novos talentos no futebol.


Fundado em janeiro deste ano, o Projeto Mané Garrincha já atende aproximadamente 1550 crianças de segunda a sexta-feira e oferece atividades variadas como dança, artes marciais música, aulas de informática, sala de fisioterapia, biblioteca e, obviamente, futebol.

– Atendemos crianças de 8 a 19 anos e a nossa pretensão é tirar esses meninos da rua e das más influências. Formar jogadores não é nosso principal objetivo, mas sabemos que os grandes craques saem das favelas e acaba acontecendo – explicou Luiz.


Camisa do Projeto

Nada disso seria possível, no entanto, sem Sandra Garrincha. Foi ela quem deu o pontapé inicial, quando conheceu a região e não pensou duas vezes antes de sugerir a iniciativa. Há mais de dez anos trabalhando com futebol, Luiz foi acionado pela prima e aceitou o convite na hora.

A partir daí, o projeto tem crescido consideravelmente. Com apoio da CBF, através de Walter Feldeman, secretário geral; do Botafogo, representado por Márcio Padilha e Dalila e Flávio Lopes, responsável pelas lojas do clube carioca, a ONG ainda busca patrocinadores para viabilizar novos projetos. Além de oferecer novas atividades e acolher mais crianças, Luiz revelou que almeja atender também o público da terceira idade.

– Sabemos que muitos idosos são analfabetos e queremos ajudá-los de alguma forma. Em um futuro próximo vamos oferecer atividades educativas para eles também.


Visita ao Museu da CBF

Recentemente, as crianças tiveram a incrível experiência de visitar o Museu da CBF e, de acordo com Luiz, o próximo passo será levar jogadores consagrados para dar palestras na ONG. Na página do projeto no Facebook, Roberto Dinamite e Ricardo Rocha foram alguns dos craques que gravaram vídeos elogiando a iniciativa.

– O nome do Garrincha simboliza mais do que nunca humildade, determinação, superação e tomara que no futuro surjam não só grandes talentos, mas acima de tudo grandes homens – gravou Dinamite.

Ao ser perguntado sobre a sensação de poder mudar a vida de centenas de crianças, Luiz não escondeu o orgulho:

– Isso não tem preço. Observar o sorriso no rosto de uma criança, mesmo no meio de tanto sofrimento, é uma das coisas mais gratificantes da minha vida! – finalizou.


SÉRIE ‘TIME DOS SONHOS’: ‘CORINTHIANS GRANDE, SEMPRE ALTANEIRO, ÉS DO BRASIL O CLUBE MAIS BRASILEIRO’

por André Felipe de Lima


Escalar um Corinthians dos sonhos não é mole não, meus amigos. Há ídolos aos montes, em todas as posições. Mas ousamos escalar, com base nas pesquisas jornalísticas para a produção da enciclopédia Ídolos – Dicionário dos craques, o “onze” ideal da história do Timão. Esse time, embora hipotético, é indiscutivelmente épico e o segundo da série “Time dos sonhos”. Vamos lá, portanto, começando pelo melhor goleiro. Há alguma dúvida de que Gilmar dos Santos Neves (1951 a 1961) é o dono da posição? Titular em duas Copas do Mundo conquistadas pelo Brasil, a de 1958 e a de 62, creio não haver resistências ao seu nome. Gilmar disputou 395 jogos com a camisa alvinegra e conquistou quatro títulos: três Campeonatos Paulistas (1951, 52 e 54) e um Rio -São Paulo (1954). Há, porém, um séquito a segui-lo. Em uma ordem cronológica, o Corinthians vislumbrou em suas escalações arqueiros memoráveis. O primeiro deles foi Tuffy (1928 a 1931). Simplesmente brilhante. Rivalizava no coração dos torcedores com o centroavante Neco, outro ídolo corintiano na década de 1920. O jeito desleixado, com a barba e a costeleta sempre a fazer, e o indefectível uniforme negro chamavam a atenção da imprensa e da torcida. O sinistro apelido “Satanás” nasceu aí.


Gilmar (Foto: Reprodução)

A popularidade estimulou a presença de Tuffy em propagandas dos jornais e, até mesmo, em um filme, o primeiro sobre futebol na história do cinema nacional. O Campeão de Foot-Ball, de 1931, película ficcional dirigida pelo humorista Genésio Arruda, também contava no elenco com outros craques/ atores da época, dentre eles, Friedenreich, Formiga e Ministrinho. O cinema comoveu tanto Tuffy, que, após encerrar a carreira no Timão em 1931, acabou comprando o Penha Teatro para rodar seus filmes prediletos. Outros grandes nomes no arco corintiano foram: Cabeção (1950 a 1954), saudável “rival” de Gilmar; Ado (1969 a 1974), “tri” mundial em 70; Tobias (1975 a 1980), herói do fim do longo “jejum”, encerrado em 77; Carlos (1984 a 1988), titular do Brasil na Copa de 86; Ronaldo (1988 a 1998), o goleiro que mais vezes (602) vestiu a cami sa do Timão, e Dida (1999 a 2002), que fechou o gol do na primeira conquista mundial do alvinegro, em 2000.


Zé Maria (Foto: Reprodução)

Para compor a zaga, há, na lateral-direita, outro nome que é, a meu ver, intocável: Zé Maria (1970 a 1983), o “Super Zé”. Esteve, ainda bem jovem, na Copa de 70, na reserva de Carlos Alberto Torres, o “Capita”, e foi campeão paulista com o Corinthians em 1977, 1979, 1982 e 1983. Filho de um fanático torcedor do Timão, Zé, que jogava pela Lusa antes de ir para o Timão, prometeu ao pai que um dia defenderia o clube da saudosa fazendinha e que o ajudaria a acabar com a escassez de títulos, que perdurava desde 1954. Zé Maria cumpriu o prometido. Defendeu o clube do coração do pai e foi capitão do time campeão de 77. Aliás, o gol redentor de Basílio começou com uma cobrança de falta do Super Zé. Após o apito final, o maior lateral-direito de todos os tempos, pelo menos para a fanática e fiel torcida corintiana, levantou a taça de campeão que o Timão não erguia havia 23 anos.

O Corinthians teve outras feras na lateral-direita. O primeiro foi Jango (1933 a 1943), o da famosa e decantada linha média “Jango, Brandão e Dino”, dos anos de 1940, em seguida, Idário (1949 a 1959), que jamais deixou de atender ao pedido dos torcedores, que, em uníssono, gritava “pega ele, Idário!”. O lateral não se intimidava e “pegava” o que via pela frente, ou bola, ou adversário, coitado, que ficava pelo caminho. Após o fulgor de Zé Maria, o Timão encontrou em Alessandro (2008 a 2013) outro grande lateral-direito. No período em que esteve no Timão, tornou-se capitão e a alma do time campeão de tudo: nacional, paulista, da Copa do Brasil, da Libertadores, Mundial…


Domingos da Guia (Foto: Reprodução)

A zaga central também tem dono: Domingos da Guia (1944 a 1948). Mesmo defendendo o Corinthians em fim de carreira, o “Divino”, pai do também “Divino” Ademir da Guia, maior ídolo do arquirrival Palmeiras, é figura certa na maioria das escalações de “Times dos sonhos” do Timão que pesquisei. Na revista Placar, de 1982, ele está lá. Em vários “times de todos os tempos” escalados pelos jornais e revistas nas edições especiais sobreo centenário do clube, em 2010, Domingos também está nelas. Ou seja, quase uma unanimidade. Mas antes de o Timão ter Domingos, brilhou na mesma posição o gigante Grané (1924 a 1932), um camarada que tinha um chute tão devastador, que, muitos contam, levou a nocaute vários goleiros. Os petardos que desferia contra as balizas adversárias renderam o apelido de “420”, o mesmo número do canhão alemão com o maior calibre da época. Mostrava-se versátil por também atuar pela lateral-direita. Nenhum outro jogador de zaga fez tantos gols pelo Timão como ele. Foram 50 em 179 jogos e, de quebra, quatro Campeonatos Paulistas (1924, 1928, 1929 e 1930). No miolo da zaga corintiana também brilharam Olavo (1952 a 1961), Goiano (1952 a 1959), um verdadeiro de “Deus da raça” para a Fiel, o “xerife” Moisés (1976 a 1978) e Chicão (2008 a 2013), símbolo da garra corintiana no novo milênio.


Gamarra (Foto: Reprodução)

Para formar a dupla de zaga com Domingos da Guia, escolhemos o quarto-zagueiro paraguaio Gamarra (1998 a 1999). No curto período em que esteve no Corinthians foi campeão nacional de 98 e o melhor zagueiro do mundo, sobretudo após a fantástica participação na Copa do Mundo de 98, na França. Mas a quarta-zaga do Timão jamais ficou sem um “leão” para amedrontar os atacantes mais abusados. Del Debbio (1922 a 1931 e 1937 a 1939) foi, talvez, o primeiro destas feras na zaga alvinegra. Foi jogador e treinador ao mesmo tempo. Fato louvável. Depois dele, pintou por ali, na posição, o pai de santo Jaú (1932 a 1938), um dos convocados para a Copa do Mundo de 38, para a reserva de Domingos da Guia. Deixou, magoado, o Timão após um rumoroso caso de suborno, que jamais foi provado. Outro grande nome na zaga foi Homero (1951 a 1958), mais famoso pela truculência que propriamente pela técnica, que jamais esboçou nos gramados. Mas era firme e gozava de prestígio com a torcida. Depois dele, surgiu o carismático Ditão (1966 a 1967 e 1969 a 1971) e, uma década após Ditão sair do Corinthians, o clube trouxe o uruguaio Daniel Gonzalez (1982 a 1983), morto prematuramente em fevereiro de 1985, em um acidente de carro, no Rio de Janeiro.


Wladimir (Foto: Reprodução)

A legião de ídolos do Timão é inesgotável. E ainda estamos completando a zaga, com a que é, sem pestanejarmos, o maior lateral-esquerdo de toda a história do clube. Falamos de Wladimir (1972 a 1985 e 1987). Nenhum outro jogador vestiu mais vezes a camisa alvinegra que ele. Foram 805 jogos e 32 gols assinalados, como afirma aquele que mais entende da história do Timão, o jornalista Celso Unzelte. Antes de Wladimir despontar, o Corinthians contou com outros dois grandes laterais na canhota: Dino (1940 a 1944 e 1947 a 1948), Goiano (que também atuava como zagueiro, e Oreco (1957 a 1965).


Roberto Belangero (Foto: Reprodução)

Vamos, agora, para a meia cancha memorável que escalamos para o Timão dos sonhos. Começamos com o centromédio Roberto Belangero (1947 a 1960). Um jogador clássico, brilhante, que teve grande chance de ir à Copa do Mundo de 1958 não fosse uma contusão, no ano anterior, a impedi-lo. Com Idário e Goiano, médios direito e esquerdo, respectivamente, formou uma célebre linha media na década de 1950. Na posição, outros craques se destacaram. Decididamente não foi fácil escolher o melhor volante da história do Corinthians. Afinal, pode se considerar “pecado” deixar fora do time um ídolo como Amílcar Barbuy (1913 a 1923) — líder da seleção brasileira campeão sul-americana em 1919 —, ou mesmo um cracaço como Brandão (1935 a 1946) — ícone do time no final do s anos der 30 e ao longo da década seguinte —, Dino Sani (1965 a 1968) — um dos maiores volantes da história e campeão do mundo em 1958 —, Ruço (1975 a 1978) — o cão de guarda da defesa no título paulista de 1977 —, Biro-Biro (1978 a 1988) — um dos mais carismáticos ídolos que já pisaram o Parque São Jorge —, Zé Elias (1993 a 1996) — símbolo da raça corintiana em seu tempo —, Vampeta (1998 a 2000 e 2002 a 2003) — simplesmente campeão do mundo em 2002 — e Rincón (1997 a 2000) — um colombiano mágico e líder do Timão campeão mundial, em 2000.


Sócrates (Foto: Reprodução)

A “oito” é indiscutivelmente do Sócrates (1978 a 1984). Nenhum outro jogador atuou com tanta maestria como meia-armador do Corinthians. Nem antes e nem após a era do “Doutor”, que foi um dos mais emblemáticos craques brasileiros de sua época e titular absoluto daquela que foi, sem dúvida, uma das melhores formações de todos os tempos, a seleção brasileira da Copa de 1982, montada pelo mestre Telê Santana. Além dele, na posição, destacou-se Ricardinho (1998 a 2002), marcante e insinuante meia responsável por passes perfeitos que, invariavelmente, deixavam na cara do gol os atacantes Edílson e Luizão.


Rivellino (Foto: Reprodução)

A camisa “10” é do Rivellino (1965 a 1974), e não se discute. Ousei “barrar” Marcelinho Carioca (1994 a 1997, 1998 a 2001, 2006 e 2010), o jogador que mais vezes levantou taças pelo Timão e, certamente, é o símbolo da melhor fase da história do clube, no final dos anos de 1990 e começo do novo milênio, um período em que o Corinthians conquistou campeonatos brasileiros, Copas do Brasil, campeonatos paulistas e, sobretudo, o primeiro mundial de clubes da Fifa. Mas Riva não tem adversários na posição. Mesmo sem ser campeão com o Timão e com a traumática saída do clube, o craque foi marcante na história do Corinthians e, acima de tudo, um dos gênios da seleção tricampeã da Copa do Mundo, em 1970. Para muitos, Rivellino é o maior jogador do Timão em todos os tempos. Estou entre estes que defendem a tese favorável ao Riva. Equivoca-se, contudo, aquele que resume a lista dos geniais pontas-de-lança corintianos aos dois craques. Ela extensa e conta com nomes fenomenais, destacando-se Servílio (1938 a 1949), Rafael Chiarella (1953 a 1963), Basílio (1975 a 1981), Palhinha (1977 a 1980), Zenon (1981 a 1985) e Neto (1989 a 1993 e 1996 a 1997).


Luisinho (Foto: Reprodução)

Do meio de campo para o ataque, no melhor estilo “1-4-3-3”. Na ponta-direita “escalei” Luisinho (1948 a 1960 e 1964 a 1967), o “Pequeno polegar”. Jamais poderia deixá-lo fora do time. Se há uma legião de fãs que acha Rivellino o maior dentre os maiores do Timão, há também o coro favorável ao Luisinho. Tanto quanto Riva, Luisinho foi um exímio driblador. Sua passagem pelo clube foi marcada por uma idolatria incomum. Suas jogadas fizeram de Cláudio (1945 a 1957) o maior artilheiro da história do Timão e de Baltazar e Carbone goleadores implacáveis. Todos eles craques de um ataque que foi, talvez, o melhor que o alvinegro já teve e que foi protagonista de conquistas inesquecíveis, como o Torneio Rio-São Paulo, em 1950, 1953 e 1954, o campeonato paulista, em 1951, 1952 e 1954, este último o do 4º Centenário. Mas, além de Cláudio, houve grandes pontas destros de ofício no clube, como Filó Guarisi (1929 a 1931 e 1937), que se destacou na seleção italiana campeão do mundo em 1934, Paulo Borges (1968 a 1974), autor do gol que marcou o fim do tabu contra o Santos, de Pelé, e Vaguinho (1971 a 1981), o do título paulista de 77.


Baltazar (Foto: Reprodução)

No comando do ataque, o centroavante Baltazar (1945 a 1957), o “Cabecinha de ouro”, é o nome certo, a meu ver. Foi um goleador que deveria ser parceiro de ataque de Ademir de Menezes na seleção brasileira da Copa de 1950. Pelo menos é o que defendiam a crônica paulista e, claro, a fiel corintiana. A popularidade de Baltazar era tão grande que o jogador ganhou um carro após ser escolhido o craque mais querido de São Paulo. O automóvel pegou fogo, mas a apaixonada torcida fez uma “vaquinha” gorda e comprou outro carro para o ídolo. Essa história (ou mito, talvez), os mais antigos devem recordar: o político Hugo Borghi disputava a eleição para o governo paulista. Durante o comício, teria dito à plateia que o Palácio dos Campos Elísios, então sede do poder executivo estadual, precisava de alguém com “cabeça”. O povo, em uníssono, emendou o coro como resposta: “É o Baltazar!”.

O “Cabecinha de ouro” teve grande adversários no posto de “maior centroavante” do Timão. Figuram na lista Teleco (1934 a 1944), Carbone (1951 a 1957), Flávio Minuano (1964 a 1969), Geraldão (1975 a 1981), Casagrande (1980 a 1981, 1982 a 1983, 1985 a 1986 e 1994), Viola (1986 a 1989 e 1992 a 1995), Edílson (1997 a 2000), Tévez (2005 a 2006), Emerson Sheik (2011 a 2015) e Ronaldo (2009 a 2011). Só “cabras cascudos”… e artilheiros, claro!


Neco (Foto: Reprodução)

Na ponta-esquerda, temos Neco (1913 a 1930). Foi o grande atacante do Brasil no primeiro título que conquistamos, o Sul-Americano de 1919, no estádio das Laranjeiras. No Timão, jogava na ponta canhota, como centroavante ou mesmo no meio de campo. Era extremamente versátil. Teve fama de indisciplinado e, às vezes, irascível, mas isso jamais impediu a festa que a torcida fazia para ele. É tão relevante na história do clube que mereceu um busto na sede alvinegra. Outros brilharam na canhota, como De Maria (1927 a 1932 e 1935), companheiro de Neco no ataque, Simão (1953 a 1955) e Romeu (1976 a 1980).

Eis o Corinthians dos sonhos, que ousei desenhá-lo para o quadro eterno do Timão.

Na próxima edição da série “Time dos sonhos”, o maior Botafogo da história. Aguarde, comente e escale o seu “Fogão” ideal.

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