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FIQUE DE OLHOS BEM ABERTOS: SEU TIME PODE SER COMPRADO EM BREVE PELOS CHINESES. COMO SERIA PRA VOCÊ?

por Cesar Oliveira


Torcedores de Inter e Milan protestaram contra o horário do clássico

Torcedor troca de mulher, mas não troca de time. Hei de torcer até morrer. Você nunca caminhará sozinho. Até a pé nós iremos. Eu teria um desgosto profundo se… meu time fosse vendido, principalmente para um investidor estrangeiro, sem nenhuma relação com a história do futebol brasileiro.

Como se sabe, isso acaba de acontecer na Itália, com Internazionale e Milan, ambos da charmosa cidade de Milão, realizando o primeiro “clássico chinês” da história do futebol da Bota. A entrega é tanta que o “derby” da semana passada foi realizado em horário que se acomodava ao fuso horário. Meio-dia e meia na Itália, 19h30 na China, bem no horário nobre.

Depois de uma negociação arrastada e de atraso no pagamento das parcelas, o Milan do complicadíssimo Silvio Berlusconi foi oficialmente adquirido na quinta-feira, 13 de abril, pelos chineses. Compra sacramentada pelo grupo Rossoneri Sport Investment Lux, liderado pelos investidores chineses David Han Li e Yonghong Li (este, já proclamado o novo presidente do clube).

E, desde junho do ano passado, a Internazionale é comandada pelo Suning Commerce Group (dono da equipe do Jiangsu Suning e dos passes de Ramires, Alex Teixeira e Jô); o manda-chuva é o indonésio Erick Thohir, que também tem participação no clube.


Há tempos, os times ingleses vinham sondando o mercado oriental, trazendo jogadores de olhinhos puxados para seus times, e olho grande no gigantesco potencial do mercado chinês. Afinal, quem não quer uma torcida com algumas centenas de milhões de torcedores, vendendo camisas e mais camisas do outro lado do mundo?

Não sei o que pensam disso os torcedores dos clubes brasileiros, todos pendurados em dívidas monstruosas, impagáveis e, também, que não pretendem pagar?

Como você se sentiria?

O FUTEBOL COMEÇOU NA CHINA

Segundo registros milenares, por volta de 3000 a.C, militares chineses praticavam um treinamento chamado “tsu-chu”, que tem enormes similaridades com o nosso bom e (não tão velho) futebol. O velho e violento esporte bretão teria sido inspirado nessas práticas?

Conta-se que, durante a dinastia do imperador Huang-ti (conhecido como “o Imperador Amarelo”, que teria reinado entre 2697 a.C. e 2597 a.C.), após as guerras, equipes eram formadas para chutar a cabeça dos soldados inimigos.

Eram dois times de oito jogadores. E o objetivo era passar a cabeça, de pé em pé, sem deixar cair no chão, tentando fazê-la atravessar por dentro de duas estacas fincadas no campo (seriam os ancestrais das “balizas”?), ligadas por um fio de seda.

Com o tempo, as cabeças foram substituídas por esferas de couro, revestidas com cabelo (seriam escalpos?). Essa prática era chamada “tsu-chu”, que em chinês, significa “bola recheada” (tsu), “feita de couro” (chu).

AMARELO E INTELIGENTE

O Imperador Amarelo não era um qualquer. Tido como muito inteligente, é considerado como o ancestral de todos os chineses da principal etnia da China – a etnia Han. Ele introduziu o Calendário Chinês e importantes elementos da cultura chinesa, tais como o Taoísmo, a Astrologia, a Medicina Chinesa e o Feng Shui.

Veja mais sobre o “Tsu Chu” no YouTube:

FIFA RECONHECE ORIGENS

No dia 4 de fevereiro de 2004, a Fifa reconheceu que “os chineses, e não os ingleses, inventaram o futebol”. Segundo o então secretário-geral da entidade, o francês Jerome Champagne (dirigente da entidade entre 1999 e 2010), “os historiadores do futebol concluíram que uma forma rudimentar do esporte teria surgido na China. Os ingleses apenas criaram as regras que se tornaram a base do futebol moderno”.

Nem imagino o que pensam disso os velhinhos da Board…


O chamado “cuju” seria o primeiro embrião do futebol. E a cidade de Linzi, capital do antigo Reino Qi, o lugar original do futebol. Em Chinês Antigo, “cu” (sem gracinhas, por favor, isso aqui é História…) significa “dar pontapé”, e “ju” significa bola. É provável, por questões linguísticas que não nos é dado entender facilmente, eis que a Língua Chinesa tem milhares de meandros; então, quem sabe “tsu-chu” e “cuju” podem se referir ao mesmo jogo?

Historiadores asseguram que, por volta de 300 a.C., o “cuju” já era um jogo muito popular na cidade de Linzi, que atualmente integra a província de Shandong, no leste da China.

No século primeiro, na Dinastia Han, haveria sólidos regulamentos sobre o “cuju”. Até a Dinastia Tang, a técnica de produzir a bola foi sendo aprimorada. Usavam-se oito peles de vaca para formar a superfície; e, para encher a bola, bexigas de animais (ao invés de crinas de cavalo ou cabelos). Esta seria, então, a primeira vez que surgiu a bola com preenchimento de ar no mundo.

Na Dinastia Song, os bons jogadores de “cuju” eram respeitados e assediados por admiradores e até podiam alcançar uma alta posição social e política. Eram as celebridades do esporte, sem as facilidades de comunicação que temos hoje, em que qualquer zémané vira um sucesso de mídia.

O historiador Bai Yunxiang, da Academia da Ciência Social da China, afirma:

“Nossos ascendentes inventaram o ‘cuju’, uma antiga forma de futebol e elaboraram seus regulamentos, o que deu uma base para o desenvolvimento do futebol moderno. E esta é mais uma contribuição da China antiga para a civilização humana. Acredito que o esclarecimento da origem do futebol favorece o desenvolvimento deste esporte na China”.

A opinião de Bai Yunxiang conseguiu consenso junto aos responsáveis pelo esporte na China. Segundo Yuan Daren, diretor do Departamento do Estudo Histórico da Administração Estatal de Esportes da China, “a descoberta é um sucesso, e foi conseguido por parceria de especialistas de estudos históricos esportivos e da Arqueologia. Queremos aproveitar esta oportunidade para impulsionar o desenvolvimento do futebol da China”.

UM MARCO POLO ÀS AVESSAS


Rowan Simons

O inglês Rowan Simons, um lateral-esquerdo das peladas das tardes de domingo, veio ao Brasil, a passeio, bem na época da Copa de 1986 e andou pelo nosso País atrás de futebol.

Tal como aconteceu com os pioneiros do futebol no Brasil (Charles Miller, em SP; Thomas Donohoe, no Rio de Janeiro) – e seguindo orientação de amigos –, Simons trouxe várias bolas para o Brasil. Segundo seus amigos aconselharam “uma bola de futebol abre portas no Brasil”. Ele percebeu isso por ter conseguido contornar situações de ameaça com a proposta de uma “pelada”, simplesmente apresentando uma bola. O mesmo se deu na Argentina; imaginem, um inglês por lá, as feridas da Guerra das Malvinas ainda sangrando…

A experiência vivida aqui – que levou Simons desde a Transamazônica até o Cone Sul –, o incentivou a buscar novas experiências pelo mundo. Como seria na China? – imaginou. E se preparou para isso, estudando chinês intensivamente durante um ano, na Universidade de Leeds, quando voltou à Inglaterra.

Chegando à China, em 1987, e aproveitando a amizade de antigos colegas da universidade inglesa, procurou – mas não conseguiu –, encontrar um clube amador de futebol no qual pudesse jogar. E, pior, descobriu que todos os encontros que envolvessem dez ou mais pessoas tinham que ser submetidos à aprovação das autoridades governamentais. Mesmo com a falta de interesse dos chineses pelo jogo, Rowan conseguiu organizar pequenos campeonatos e atrair a atenção da nação para o futebol.

UM INGLÊS VIVENDO NA CHINA

Ele viveu na China por 20 anos e virou uma celebridade. Ensinou futebol como um esporte que, praticado de maneira amadora, traria benefícios sociais e de saúde. Não foi fácil, naquela época em que juntar pessoas, mesmo que para a prática esportiva, era visto com maus olhos.

Como parte do seu projeto, fundou o China Club Football FC, clube de futebol amador de estilo inglês para expatriados e, depois, principalmente moradores. Tem mais de quatro mil membros, tornando-se um dos maiores clubes de futebol amador em Pequim. Veja o site do clube: (http://www.clubfootball.com.cn/).

TRAVES DE BAMBU RESUME EXPERIÊNCIA


Como fruto dessa odisseia, Rowan Simons escreveu um livro: “Traves de Bambu (Bamboo Goalposts) – como a China aprendeu a amar o futebol”, tradução de Carlos e Anna Duarte para a Editora Record (2008). O subtítulo do livro, em inglês, explica melhor as intenções e objetivos do autor: “A busca de um homem para ensinar a República Popular da China a amar o futebol”.

A edição chinesa de “Traves de Bambu” foi publicada inicialmente como uma série do “Titan Weekly”, o maior jornal esportivo da China, em fevereiro de 2008, e depois editado lá pela SEEC, em março de 2008. O livro mereceu uma versão em francês: “Des Bambous dans la surface de réparation – l’historie vrai de l’Anglais qui a fait jouer au football um milliard de Chinois”, uma edição da Editions Intervalle (2012).

Na obra, autobiográfica, Rowan narra sua longa jornada, por mais de 20 anos, para ensinar os chineses a amar o futebol, inspirada na iniciativa individual dos pioneiros do futebol amador, que levaram o esporte aos confins do mundo no século passado. O desafio era contar a história do futebol num país sem chuteiras. E ele o fez de modo bem-humorado. A narrativa é divertidíssima e cheia de informações interessantes sobre o país.

Fluente na língua, durante muitos anos Rowan tentou explicar na televisão chinesa, como apresentador, o que o futebol significava. Virou celebridade e referência da garotada que queria começar a jogar bola.

“Traves de Bambu” é a descrição de uma odisséia pessoal inspirada pelos pioneiros altruístas do futebol amador, que levaram o futebol pelo mundo nos séculos passados, mas, por algum motivo, esqueceu a China.

UMA CELEBRIDADE NA CHINA


Simons vive na China, é apresentador na Beijing TV, tem sua própria empresa de mídia – The Susijn Agency – e dirige o “Guinness World Records” na China. Mas é mais conhecido por sua carreira como comentarista de futebol na TV de Pequim e como defensor da reforma do futebol.

Ele concedeu uma esclarecedora entrevista à jornalista Liu Zheng, do South China Morning Post, falando da sua extraordinária de ensinar Inglês nas escolas durante a prática do futebol.

ENTREVISTA

Como você se interessou pelo futebol?

Minha família é fã de esportes. Meu pai ama o rúgbi, minha mãe era membro de um clube de tênis. Ainda joga competições aos setenta anos de idade. Eu era o capitão da equipe da minha escola e capitão da equipe do meu clube de 10 a 13 anos, na cidade de Guildford, em Surrey, ao sul de Londres. O meu primeiro clube foi o Ockham FC. Mas nunca joguei futebol profissionalmente.

Como começou sua aventura na China?

Eu vim para a China em 1987, como estudante. Estudei Chinês na Universidade de Estudos Estrangeiros de Pequim. Gostei muito do meu tempo e antevi uma enorme oportunidade para desenvolver minhas coisas na China.

Naquela época, nada acontecera na sociedade de consumo. Qualquer coisa que eu fazia impressionava o povo chinês, qualificadas como “idéias incríveis”. Mas era apenas porque eu vim de um país mais avançado no esporte.

Consegui um emprego na TV Central da China e decidi ficar. Trabalhei originalmente como professor de Inglês para os locutores do canal. Mais tarde, nos anos 1990, virei comentarista de futebol na televisão de Pequim.

Um inglês comentando sobre o futebol chinês?

Sim, para a Premier League e da FA Cup. Era comentarista convidado. O programa tinha dois anfitriões e um comentarista convidado chinês também. Eu comentava a partir de uma perspectiva de fãs de futebol Inglês sobre a história dos clubes, as rivalidades entre as equipes, os contextos culturais e um pouco de humor.

Na TV britânica, você não precisaria disso, porque todo mundo já sabe que o Manchester United foi fundado por trabalhadores de ferrovias, mas o público chinês precisa desse tipo de experiência.

Foi muito difícil no começo porque a linguagem era lenta para traduzir. Mas depois foi divertido.

Como foi fundado o seu clube de futebol?

Adoro futebol e queria jogar futebol. Mas descobri que não havia futebol na China. Não havia clubes, ligas locais, equipes amadoras, futebol nas escolas. Não encontrei qualquer dessas coisas que são normais na Inglaterra.

Nos anos 1980, o futebol inglês já era muito conhecido em Pequim e as grandes cidades; e o futebol europeu era muito popular na TV. Mas ninguém jogava futebol. Apenas assistiam, como um entretenimento na TV. Era muito estranho para mim.

Então, eu tentei organizar uma equipe para estrangeiros, para começar a jogar. primeiro, como amador. Houve um rápido crescimento de negócios e o patrocínio de futebol no país – mas os habitantes locais ainda não jogavam.

Então, finalmente, em 1997, decidi que o futebol de base poderia ser um bom negócio; e que o futebol poderia ser um negócio na China, como em toda parte do mundo.

Por que é diferente administrar um clube de futebol na China?

Foi muito difícil fazer acontecer porque, naquela época, o esporte era uma atividade controlada pelo governo. Todas as associações são órgãos governamentais.

Demorou muito tempo para obter permissão. Passamos quase um ano tentando explicar que não queríamos nos tornar um clube de futebol profissional, como o Beijing Guoan, e que nós só queríamos organizar o futebol amador, o futebol de base. Essa era uma ideia muito diferente para eles.

Obtivemos nossa licença em 2001 e começamos o negócio de futebol de base. Não houve financiamento externo. Foi autofinanciamento. Mas nós ficaríamos gratos por algum apoio de patrocínio.

Como você transformou um clube do passatempo de expatriados em um negócio comercial?

Foi possível fazer quando obtivemos nossa licença em 2001. Já estávamos contratando árbitros, jogando uma liga de forma livre. Assim que formamos a empresa, tudo isso mudou. O futebol infantil começou em 2004.

O pensamento por trás disso é simples. Ao olhar para os investimentos dos estrangeiros no nosso clube, vimos muitos professores de Inglês, que alguns deles também tinham qualificação para serem treinadores de futebol.

Aí, pensei: e se nós trouxermos o ensino de Inglês junto com a prática e ensino de futebol? Aprender inglês enquanto joga futebol poderia ser uma boa idéia. Pedimos a essas pessoas para trabalharem conosco e ensinar Inglês através do futebol. Foi assim que começou.

Aprender Inglês jogando futebol motivava os pais da classe média chinesa?

Sim, nosso primeiro cliente foi a Escola Internacional de Pequim. Fornecemos classes de futebol de alto padrão para seus alunos. Então, começamos a construir alianças com outras escolas internacionais, que ficaram felizes em trabalhar conosco. Daí, começamos a ir às escolas chinesas, que era mais complicado.

Conseguimos finalmente atingir a nova geração de pais chineses, que são bem educados, que desejam mais para o seu filho, querendo que seus filhos sejam felizes e tenham uma educação equilibrada.

Aprender inglês enquanto jogava futebol era um ponto de venda muito importante para convencer as mães a deixarem os filhos ir jogar.

As pessoas gostam da nossa equipe. São quatorze treinadores europeus qualificados. No começo, só tínhamos crianças estrangeiras. Agora, 70% das crianças são chineses.

Qual foi o maior desafio?

Desde nosso primeiro ano, em 2001, levamos doze anos até atingir o equilibro financeiro. Doze anos de lutas muito grandes. Sem a paixão muito profunda das pessoas envolvidas, não teria sido possível.

O ano de 2008 foi o pior ano para o nosso negócio em nossa história por causa dos Jogos Olímpicos, que quase matou esportes de base em Pequim.

Durante todo o verão, houve proibição de atividades por conta dos Jogos Olímpicos. Todas as nossas atividades foram proibidas durante todo o verão olímpico. Foi um desastre. Muitos pequenos clubes esportivos não sobreviveram. Conseguimos sobreviver, porque já estávamos com certo porte; então, tivemos algum impulso. E focamos nosso negócio no período da primavera e do outono. Mas foi muito difícil.

As autoridades chinesas do futebol o consideravam como um desafio ao sistema?

Não temos problema com o Governo. Eles não nos criam qualquer problema, nem interferem com o que fazemos, o que é bastante incrível para mim. Mas também mostram o quão longe o Governo estava de até mesmo entender o que o futebol deve ser, e que eles realmente não precisavam se preocupar com o que estávamos fazendo.

Sou o presidente do maior clube de futebol de Pequim. Temos jogadores jogando todos os fins de semana em Pequim, em 30 locais, por toda a cidade. Mas eu não tenho participação na Associação de Futebol de Pequim, e eu não vejo como contribuir com a AFP em nossa cidade.

Isso é pelo fato de você ser estrangeiro?

Historicamente, a AFP era uma organização governamental, então não havia espaço para um estranho, seja você estrangeiro ou chinês.

Agora, o Conselho de Estado emitiu o Plano de Reforma do Desporto. Foi um dia muito, muito feliz para mim.

Diz muito claramente que a FPA tem que mudar e se abrir. Que o Governo deve se retirar do controle, e a FAP deve ser dirigida pelas partes interessadas de futebol, especialistas e, muito especificamente, fala de “especialistas internacionais”.

O plano foi publicado em 2014, há dois anos. A mudança realmente está acontecendo?

Não vi nenhuma mudança prática. O plano de reforma é um plano maravilhoso, um plano de longo prazo que a China precisa. O presidente Xi Jinping colocou a reforma da FPA no topo de sua agenda, mas também é a coisa mais difícil.

O que foi parar a reforma? Por que a reforma é tão difícil?

Quando eu vi o discurso do presidente sobre a reforma do futebol, achei que ele estava perguntando à China uma questão muito maior; se a China, como uma grande sociedade, poderia realmente organizar corretamente algo tão simples quanto o futebol. Se não conseguimos organizar o futebol adequadamente, como podemos pensar sobre a nossa sociedade civil?

O grande problema na China que os esportes abordam, diretamente, é a corrupção. O jogo justo é o cerne dos esportes. É o problema da China?

São princípios e moral, como o respeito mútuo, o respeito pela verdade, o respeito pelo fair-play, o respeito pela meritocracia. Estas são as coisas que está faltando na China e que os esportes poderiam trazer.

O que mais na sociedade ou cultura chinesa você considera relevante para o desenvolvimento do futebol?

Vejo surgir uma classe média ávida pelo tipo de experiência e qualidade de vida que vem nos clubes, nos grupos sociais e nas sociedades. Essa é também a base do futebol de base.

Pode o seu modelo de clube ser copiado para grandes cidades como Xangai, onde a classe média se desenvolveu? Você já tem esse plano?

Sim. Cada cidade deve ter sua rede. Mas a capacidade de treinar é um grande problema.

Começaremos a nos mudar para cidades diferentes. Mas a verdade é que, depois de todo esse tempo, o mercado de Pequim ainda tem muito espaço para o crescimento. Há um longo caminho a percorrer.

Quando você se considerará bem sucedido com seu clube de futebol da China?

Um termo recentemente popular é “empreendimento social”. Nós precisamos nos encaixar neste segmento.

Gostaríamos de ganhar dinheiro e merecemos, e é possível porque pode ser em qualquer mercado desenvolvido com uma classe média que busca qualidade de vida e paga por experiências de qualidade. Mas também produzimos impacto na sociedade. Estamos construindo comunidades e amizades.

Outra coisa que vi na China foi a estratificação da sociedade, pouca mobilidade entre os níveis sociais. É possível para o motorista do táxi se encontrar com o CEO de uma grande corporação na sociedade chinesa? Achamos que o esporte oferece um campo justo e equitativo.

O produto secundário do nosso plano é ter muitas crianças felizes. Não sei se vai sair daqui um jogador para a seleção nacional da China; mas este não é o nosso objetivo. Mas se você quer uma equipe nacional e usar o atual sistema soviético, meu caminho vai funcionar mais rápido.

RIVALDO, O ÚLTIMO CAMISA 10 ROMÂNTICO

por André Felipe de Lima


Pelé foi categórico: Rivaldo está na lista dos 125 maiores jogadores vivos do mundo. Foi ele o último camisa 10 romântico do futebol brasileiro. Jogador igual ao Rivaldo hoje em dia? Não vislumbramos nem mesmo com bola de cristal.

Na Seleção Brasileira? Foi ídolo dos maiores do panteão de craques memoráveis. No Palmeiras? Sensacional. No Barcelona? Simplesmente o maior do mundo em 1999. O Bola de Ouro. O Rivaldo dos gols mágicos, inigualáveis. Foi vestindo a camisa azul e grená que Rivaldo mais brilhou. Marcou pouco mais de 130 gols em cerca de 230 jogos.

Como o próprio Rivaldo discursou, em sua despedida dos gramados, em março de 2014, sua linda carreira foi construída sem romantismo. Superou muitos obstáculos, desafios, renúncias, saudades e decepções, mas ergueu-se sempre. Sobretudo com alegrias, conquistas e profundas mudanças. Ora ensinando, ora aprendendo na roda da vida. Rivaldo, como ele mesmo definiu sobre si, jamais perdeu o foco: “Entre troféus, medalhas, premiações e títulos, em uma terra onde tudo se consome, deixo aqui uma história, talvez um exemplo, mas com certeza um testemunho de que vale a pena crer e lutar.”

Nesta quarta-feira, 19, é aniversário do grande meia campeão da Copa do Mundo de 2002. A nós, simples e humildes mortais, só resta uma coisa a fazer: agradecer ao cidadão recifense Rivaldo Vítor Borba Ferreira por tudo o que fez pela história do futebol brasileiro. Por manter viva em nossos corações a magia da camisa dez!


O GOL DA SAGRAÇÃO E O SORRISO DE JILÓ

por Marcelo Mendez


Marcelo Mendez (Foto: Fabiano Ibidi)

Ares de outono para um sábado de futebol de várzea:

Dia de paz, de sossego.

Pelo caminho cheiro de sol, de dia quente, de uma tarde bonita que chegou para alegrar os corações saudosos de dias claros. O jogo seria no campo do Nacional e eu fui direto do centro de Santo André para lá. Na chegada, no ponto de trólebus, uma senhora segurando o netinho pela mão me recebe.

Em meio à esperança que a linha 285 Ferrazópolis chegasse logo, ela encontrou um tempo para me sorrir, dar boa tarde, de me contar que estava ali havia não mais do que 10 minutos e que já, já viria nosso Trólebus. Veio.

Ela entrou, ficou com o neto pelo banco da frente e eu fui para parte de trás.

Sentei em um banco sozinho, coloquei os fones e, então, Johnny Shines começou a cantar um blues em meu ouvido; “The Blue Horizon”, nada mais pertinente.

Pela voz do bluesman vejo a vida passar em Santo André, vejo os ciclistas sazonais, as senhoras que rezam suas preces nas escadarias da igreja do Bonfim, moças da ginástica, os boêmios da cidade, os homens de fé do asfalto. A simplicidade que faz do sábado um dia de poesia plena.

Chegando para cobrir uma eliminatória da Copa Santo André entre Vila Alice x Unidos, munido de Blues nos ouvidos e desse sentimento de simplicidade, observo os homens da várzea e suas chuteiras coloridas em busca de um réquiem de sonho curto.

Alguma glória mínima que os redima de qualquer outra coisa que seja apenas comum. Quando o árbitro apita o inicio de uma peleja de futebol de várzea, começa a única chance que os envolvidos têm de se tornarem algo santo.

É a reserva lúdica necessária para tempos bicudos.


(Foto: Custodio Coimbra)

Em campo a partida era dura:

Disputada gota a gota de suor, os times que haviam empatado o primeiro jogo em 3×3 jogavam por uma vaga debaixo de um bom sol de 14h. A bola subia, descia, corria, saltitava e nada de muito promissor parecia acontecer naquele 0x0, até que o treinador do Unidos saca do banco seu trunfo:

Jiló…

FALHAMOS. DENTRO E FORA DE CAMPO

por Mateus Ribeiro

Sabemos que existem poucas verdades absolutas. Porém, uma delas não podemos contestar: o ser humano falhou miseravelmente durante seu processo de evolução.

No último final de semana tivemos mais algumas provas dessa máxima. O mais triste de tudo é que essas situações ocorreram durante partidas de futebol, que teoricamente deveriam garantir nossa diversão, mas ultimamente nos proporcionam mais medo do que qualquer outro tipo de emoção.

Começando pela tragédia que teve o pior desfecho, vamos até a Argentina. Não vamos nos aprofundar muito, até porque não somos apresentadores de jornal policial, é bom deixar claro.


(Foto: Reprodução)

Durante o clássico entre Belgrano e Talleres, um torcedor foi arremessado da arquibancada e faleceu. Foi jogado, como uma pedra, um copo descartável, ou um pedaço de papel. Tanto faz a “razão” pela qual o tumulto se iniciou. Tanto faz se o torcedor que já não está mais entre nós estivesse caçando o suposto assassino do seu irmão. A forma como tudo aconteceu entristece, choca, e mais uma vez, nos faz perder a fé na humanidade.

Algumas horas depois, durante o Domingo de Páscoa, que deveria ser um dia no mínimo tranquilo, tivemos um espetáculo repleto de barbaridade na França.


(Foto: Reprodução)

Antes da partida entre Bastia e Lyon, torcedores do time mandante começaram a provocar os atletas do Lyon que estavam aquecendo. Claro que ninguém tem sangue de barata, e alguns jogadores devolveram a provocação. Não foi a melhor atitude a ser tomada, ainda mais levando-se em consideração que existem torcedores de futebol que não são dotados de paciência e capacidade de raciocínio. O resultado? Confusão, e um grande número de vândalos invadiram o gramado para tentar agredir Depay e seus companheiros.

Depois de quase uma hora, a partida teve início. Uma grandiosa falta de responsabilidade por parte dos árbitros e de quem autorizou o início da partida, uma vez que a segurança não era garantida. Claro que as coisas poderiam ficar piores, e ficaram. Após o final do primeiro tempo, mais uma confusão, dessa vez envolvendo o goleiro titular. Após cenas horrorosas, o jogo foi suspenso. Menos mal que não houve nenhuma agressão mais pesada. Porém, o risco era gigantesco.


(Foto: Reprodução)

Vale lembrar que na última semana, o Lyon já havia passado por problemas em seu jogo contra o Besiktas. Situações deprimentes como as mencionadas viraram rotina. E existe quem ache legal torcedor brigar, jogador com discurso agressivo, e tudo que lembra a violência gratuita. Não precisa ser muito esperto para saber que isso está longe de ser aceitável, muito menos legal.

O mesmo torcedor que reclama que o futebol não tem emoção sente-se com medo de ir até o estádio e voltar com algum hematoma ou com algum trauma. Na verdade, o torcedor que realmente pensa em sua segurança fica na sua casa. E não importa se é torcida única, torcida mista, que seja. Selvagem existe em qualquer lugar. E a selvageria está sendo perdoada, e em alguns casos, exaltada.

Um ambiente que era para significar lazer e diversão passou a significar medo e apreensão. E isso não pode passar batido.

O que não pode passar batido também é o discurso de que tais cenas acontecem em países de terceiro mundo. Ledo engano. Imbecis e criminosos existem no mundo todo. Desde a Guiana Francesa até a Noruega.

Infelizmente, depois de um final de semana repleto de grandes partidas, o que chama a atenção são espetáculos tétricos protagonizados por imbecis que se perderam na Idade da Pedra.

A esperança é a única solução. Esperança em dias melhores e leis mais rígidas. Enquanto isso não acontece, nos resta assistir jogos no sofá com a garantia de que terminaremos o jogo com vida.

NÃO SE SERVE MISTO FRIO EM RESTAURANTE CINCO ESTRELAS

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Pobre do torcedor do Botafogo, foi o ultimo freguês deste cardápio insosso que tem sido servido ultimamente pelos clubes que ascenderam a Copa Libertadores: misto frio. No lugar de serem premiados com pratos renomados que aqueçam suas paixões, são punidos com sandubas frios e improvisados, como a frágil equipe escalada ontem para enfrentar o Vasco na decisão da Taça Rio. A fome de títulos da gloriosa estrela da casa Nilton Santos não pode ser alimentada com uma salada de batatas em que você coloca uma pitada de Bruno Silva e acha que ela alcançará o sabor da vitória. No mínimo, há de ser preservada o fino paladar sempre servido em campo ao longo da sua gloriosa história.

O desrespeito maior é subestimar o entrosamento. Para isto existe uma pré temporada, onde vários ingredientes são colocados à disposição do mestre cuca Jair Ventura. Vegetais das divisões de base, Pimpões de safras passadas e carnes frescas do mercado são colocadas à disposição para que ele encontre uma consistente textura. E agrade a massa. Mesmo com alguns desfalques, que seu molho chegue ao ponto até o Campeonato Brasileiro e cause indigestão nos adversários. Não no Guilherme, meu filho, que divide sua paixão alvinegra com o Real Madrid e foi ontem literalmente desrespeitado. Mal servido por um time desentrosado e mal escalado quando disputava não uma pelada, mas uma importante taça. Quem disse, afinal, que o título carioca é de menor importância diante dos outros?


(Foto: Reprodução)

Mesmo porque a Colômbia é logo ali, não justifica ser erguida uma faixa de gaza entre titulares e reservas. Ela já foi distante no tempo do Manga, do Rogério e do Rildo, em que o quadrimotor da Varig levava cinco horas de viagem. Agora não, pela metade do tempo e o dobro do conforto nossos jogadores são transportados. É possível, como sempre foi, jogar no domingo, viajar na segunda, descansar na terça e enfrentar os adversários na quarta. O torcedor sabia de cor seu time titular, que quanto mais jogava, mais se entrosava. E reserva sempre foi reserva, vai ficar de molho até encorpar o sabor, ganhar sustância para depois merecer fazer parte da iguaria que teve Garrincha. Ser figurinha cobiçada em um álbum que tinha também Gérson, Roberto e Jairzinho.


(Foto: Reprodução)

Passo na banca e leio há pouco: Taça Fabulosa. Poderia até ser o prato principal no cardápio esportivo de hoje, o Vasco não tem culpa de nada, escalou quem tinha de melhor e venceu com todos os méritos. A indigestão fica para quem, como meu filho, aprendeu a frequentar um restaurante cinco estrelas e, em plena páscoa, lhe servem um misto frio em um prato morno numa tarde fria de domingo. Que vai precisar logo da quarta para ser digerida e esquecida.