UM CANHOTO DECIDINDO DE DIREITA
por Matheus Rocha
Elivelton comemorando gol na final
13 de agosto de 1997: Avenida Catalão já estava cheia desde o Anel Rodoviário. Faltavam poucos quilômetros, mas muito tempo para chegar no Mineirão. Tudo parado, ou como um bom mineiro: “tudo agarrado”. Eu com meus 15 anos esperando ver aquilo que ouvia meu pai contar sobre Piazza, Nelinho, Joãozinho e Raul.
Nem sabíamos como havíamos chegado lá: perdemos as três primeiras partidas da fase de grupo, trocamos o técnico e ganhamos as outras três, inclusive contra o Grêmio no Olímpico.
Ainda estava clara na memória o gol do Fabinho nas quartas de finais, contra o mesmo Grêmio, no Olímpico: aos 15 minutos do segundo tempo, machucado, recebeu a bola na área, matou no peito e jogou para o fundo das redes de Danrlei, sendo substituído na sequência. O Grêmio reagiu e ainda virou o placar para 2 a 1, mas aquele gol na vontade de vencer me marcou. Classificamos por termos ganhado de 2 a 0 no primeiro jogo.
Camisa oficial de 1997
Chegamos ao Mineirão. Fomos para o mesmo lugar de sempre: bar 15, de frente para o centro do gramado, do outro lado das cabines de rádio, na arquibancada de baixo. O adversário era o Sporting Cristal do Peru, o qual já tínhamos ganhado por 2 a 1 no Mineirão na fase de grupos. Mas ao invés dos 8 mil torcedores da primeira fase, o velho Mineirão tinha 95 mil torcedores para empurrar o Cruzeiro.
Passou o primeiro tempo. A final já durava 135 minutos e ninguém tinha marcado um gol sequer. O primeiro jogo truncado em Lima se repetia em Belo Horizonte. A tensão tomava conta da torcida.
Dida operara milagres desde a fase de grupos, mas após uma falta cobrada por Solano perto da área do Cruzeiro, aos 20 minutos do segundo tempo, o goleiro espalmou a bola nos pés do atacante peruano na pequena área. Um silêncio ensurdecedor tomou conta do Mineirão. Todo cruzeirense tem essa imagem na cabeça: em uma recuperação espetacular, Dida cresceu e defendeu o segundo chute feito da linha da pequena área. Aquela defesa incendiou a torcida mais uma vez.
Após este lance, a tensão já não se controlava nos quase 100 mil presentes. Eu olhava fixo para o gramado, sem reação e já esperando uma disputa de pênaltis.
Ilustração da Libertadores no Barro Preto (bairro da sede do Cruzeiro)
Passaram 10 minutos do milagre do Dida para que após uma cobrança de escanteio, a zaga peruana rebatesse e o canhoto Elivélton pegasse de primeira, de direita, fazendo a bola passar lentamente debaixo do goleiro. A bola morreu mansinha no cantinho da rede do gol de Julio Cesar Balerios. O Mineirão estremeceu novamente, acordou o gigante da Pampulha.
Agora éramos nós e o relógio. Cada segundo precioso, cada minuto uma eternidade. Até que soa aquele apito do argentino Javier Castrilli.
Acabou!!! Somos bi campeões da América!!!
Depois de 21 anos, a espera havia acabado. Hoje, fazemos 20 anos do segundo título. Podem esperar que ano que vem tem mais!!!
ARREPIA, ZAGUEIRO
por João Carlos Pedroso
Ser filho de um jogador de futebol é bom. Ser neto é ainda melhor, espero.
Meu pai era um zagueiro que, na dúvida, sentava o cacete no atacante. Isso deveria ser um ensinamento de vida, mas nunca consegui aproveitar integralmente dos benefícios dessa sábia filosofia de vida. Ele era de Arcadas, um distrito de Amparo, no interior de São Paulo, que hoje tem cerca de 70 mil habitantes, imagina nos anos 50…
Mesmo assim veio para no Flamengo! Foi campeão nos aspirantes, ficou um tempão na reserva da Milton Copolillo e do mito Pavão, entre outros. O moleque do interior de São Paulo não tinha chance ali, mas um amor sem fim nasceu – foi Flamengo até morrer. Seguiu para o Olaria. Foi campeão do Torneio Início de 1960, recebeu a taça de João Havelange e formou uma zaga de responsa com Navarro.
Os dois foram para a Venezuela, jogar no Tiquires Flores, time de uma fábrica. Era capitão, foi campeão da Copa da Venezuela e vice venezuelano, tudo em 64. Eu estava lá. Mas minha mãe estava grávida do meu irmão e não queria ficar. Voltou, e depois voltou ele.
Aqui continuou jogando, se machucou e depois foi trabalhar no Maracanã e bater bola no time da Adeg em amistosos pelo interior. Em 1969, o moleque de Amparo e sua família foram obrigados a trocar o Leblon pela Cidade Alta, em Cordovil. Esta mesma Cidade Alta que está em guerra nos dias de hoje.
No Flamengo
Tentou jogar peladas algumas vezes. Mas o fato de ter sido jogador de fato, e a diferença de temperamento em relação aos seus parceiros de bola eram obstáculos quase intransponíveis. Se errava, era um alvo fácil. Se acertava (e acertava muito) um alvo desejado. Meu pai era doce demais para aquele ambiente, apesar do passado de zagueiro durão.
Acabou desistindo. De jogar peladas e de outras coisas. Se manteve por bom tempo fiel ao hábito de ver futebol pela TV sem som. Comentaristas e narradores nada tinham a dizer a ele. Hoje, isso seria ainda mais justificado.
Ele me ensinou a ser técnico e dar porrada quando preciso. Não fui bom aluno. No futebol, era um atacante debochado e sem muita raça. Na vida, até tinha mais disposição, mas sempre foi difícil encontrar algo que valesse realmente a pena suar a camisa.
No Olaria
Meu filho joga muita bola, mas essa não é a meta dele, nem seu sonho. É extremamente técnico e não tenho dúvidas que vai saber dividir uma bola quando for preciso. É a prova da evolução das espécies: mais bonito, preparado, e inteligente do que todos antes dele. Mas é também (e fundamentalmente) neto de um zagueiro clássico, e por vezes duro, que vestiu a camisa do Flamengo.
Fotos na Venezuela, no Olaria e no Flamengo, respectivamente
O AMIGO DOS AMIGOS
texto: André Mendonça | fotos: Daniel Planel | vídeo e edição: Daniel Planel
É com muito prazer que a equipe do Museu da Pelada, diariamente, lê e tenta responder todos os comentários em nossas redes sociais, sejam eles críticas, elogios ou mesmo uma pura resenha. E, hoje, Dia dos Pais, destacamos uma história que nos encheu de orgulho e emoção, a de Andreia Bittencourt, filha do saudoso Mauro Bittencourt, o rei da resenha de Niterói, cria do Canto do Rio. Em uma mensagem ela revelou que o nosso trabalho a encorajara a revisitar o acervo do pai. Três anos e meio após a sua morte, álbuns, fotos, recortes de jornais e a gloriosa bandeira do Canto do Rio descansavam, empoeiradas, no armário. Sabemos, não é fácil aceitar certas situações e a dor da perda nos paralisa. Mas Andreia e o Museu trocaram ideias, experiências e gargalhadas, uma divertida sessão de análise. Deu liga! Andreia, no entanto, precisava de um tempo para convidar os amigos do paizão, os mesmos que durante anos divertiram-se no aconchegante terraço da casa, em Santa Rosa, Niterói. Mas um mês depois, o celular toca.
– Tudo certo, podem vir depois de amanhã? – perguntou, ao celular. E respirou fundo.
Não há dúvida, era uma espécie de libertação e precisávamos agir rápido antes que ela desistisse. Do nosso lado, um prazeroso silêncio antes de comemorarmos com um grito de felicidade. E dois dias depois fomos celebrar a vida com Andreia e os ex-boleiros do Canto do Rio.
Da rua, avistamos o terraço da casa 30. Andreia nos recebeu na chuva e rimos, eu, Daniel Planel e Pugliese, como se nos conhecêssemos há tempos. Que felicidade, a chuva lava a alma!!!! Subimos as escadas e chegamos no reduto do vascaíno Maurão, um dos maiores zagueiros do Canto do Rio, que além de jogador, foi treinador, árbitro, professor de educação física e, sobretudo, um amigo dos amigos.
Andreia registrou tudo no celular
– Eu cresci dessa forma. Meu pai organizava os almoços aqui e a casa estava sempre cheia. Meu pai não está aqui fisicamente, mas consigo sentir a presença dele! – disse Andreia abraçando a estátua do pai em tamanho real, ao lado do irmão Maurinho e da mãe Célia.
Quem não escondeu a tristeza por não poder comparecer foi Verônica, a outra filha de Mauro, que mora na França. Ela, no entanto, fez questão de gravar um vídeo demonstrando todo o seu sentimento.
Apesar do dia frio e chuvoso, os amigos do saudoso zagueiro não paravam de chegar e, ao subirem as escadas para o terraço, se deparavam com uma mesa coberta de fotografias e recortes de jornais, um prato cheio para grandes lembranças. Se já não fosse o bastante, a geladeira entupida de cervejas e um almoço delicioso feito carinhosamente por Cecília tornavam aquela tarde ainda mais agradável.
Um dos primeiros a chegar, o enjoado ponta-direita Nélio conversava com o zagueirão Jaudeir e se recordava de momentos inesquecíveis ao lado do “rei da resenha”.
– Jogamos muita pelada juntos aqui em Santa Rosa, a gente tinha um timaço chamado Acadêmico. O Mauro me dava muitos conselhos e continua sendo um grande amigo meu! – disse Nelinho.
Jaudeir, por sua vez, lembrou dos anos gloriosos vestindo a bela camisa azul do Canto do Rio:
– Era uma época muito boa! A gente jogava por prazer, hoje só jogam por dinheiro.
Quem também prestigiou o evento foi o artilheiro Caio Cambalhota, que revelou ter curtido alguns sambas ao lado do amigo.
– O Mauro fazia parte de uma escola de samba aqui de Niterói e, vez ou outra, ele me convidava para os ensaios. Perdemos um grande amigo, mas estará sempre na memória.
Logo nos primeiros minutos do evento deu para perceber o quanto Mauro era querido, não só pelos adjetivos carinhosos que lhe atribuíam, mas também pelo esforço que muitos fizeram para participar do encontro. Hipólito, por exemplo, percorreu mais de 130 km para sair de Cabo Frio e chegar ao palco das memoráveis resenhas.
– Só tenho coisas boas para falar do Mauro. Foi um dos melhores amigos que eu tive. Me mudei para Cabo Frio, mas fazia questão de vir as festinhas que ele organizava aqui! – relembrou emocionado.
Atenciosa, Andreia mostrava preocupação em relação ao bem-estar coletivo. Sempre abastecendo os copos e oferecendo variados aperitivos antes do almoço, parecia se sentir na obrigação de fazer um encontro prazeroso à altura dos que o pai fazia, e conseguiu. Sua única reclamação era a ausência de Arnaldo, um dos amigos mais próximos de Mauro.
Embora não tivesse nenhum compromisso que impedisse sua chegada na hora marcada, Arnaldo explicou a sua demora:
– Para falar a verdade, eu não queria nem estar aqui. Senti muito a morte do Mauro, era um irmão pra mim.
Um irmão para Arnaldo e para todos que tiveram o privilégio de conhecer o “amigo dos amigos”, o “gente boa”, o “cara sem defeitos”, a fera Mauro Bittencourt!
O MARKETING E OS PROFETAS
por Idel Halfen
A transferência do jogador Neymar para o Paris Saint Germain chamou a atenção até dos que não acompanham o esporte, tamanho o valor das cifras envolvidas. E como não podia deixar de ser, apareceram os especialistas fazendo previsões acerca do retorno financeiro para o clube.
Um dos argumentos mais utilizados se voltou às vendas de camisas. Não faltaram declarações categóricas afirmando que essa comercialização já seria suficiente para amortizar grande parte dos custos envolvidos.
Será que os autores dessas declarações têm acesso ao contrato da Nike com o PSG? Por acaso têm noção de qual percentual cabe ao clube na venda de cada peça? Sinceramente creio que não, mas nem essa simples falta de informações foi suficiente para inibir a verborragia a respeito.
Outra sustentação versou sobre os prováveis incrementos nos valores relativos aos patrocínios, o que faz sentido. Não custa, no entanto, questionar o valor que estimam para esse incremento, lembrando que mesmo sem Neymar o clube francês já faturava mais com patrocínio do que o próprio Barcelona, na época com o jogador brasileiro mais Messi e outros craques, segundo dados do relatório da Deloitte – Football Money League – referente à temporada 2015/2016.
Baseado nesse mesmo relatório é possível supor que haja espaço para um aumento das receitas referentes à bilheteria – onde o time parisiense detém o sétimo maior faturamento global – e aos direitos de transmissão, no qual é o décimo quarto. Entretanto, é importante esclarecer que a ida ao estádio não depende unicamente da presença de um ídolo, até porque se dependesse apenas desse fator o clube ficaria extremamente vulnerável, visto haver o risco de suspensões e contusões. Claro que a existência do ídolo é importantíssima para atrair torcedores, e mais, para criar a cultura de se ir ao estádio, o que pode passar para as gerações vindouras criando assim uma maior sustentabilidade para esse tipo de receita.
Quanto às receitas de broadcasting, convém esclarecer que grande parte das mesmas advém dos direitos do campeonato nacional, que precisaria ser mais atrativo do que os demais concorrentes – espanhol, alemão, inglês e italiano, por exemplo – para dessa forma ter uma valorização expressiva.
Não pretendo aqui estabelecer que as previsões realizadas, sejam essas positivas ou negativas, estão corretas ou não. Se assim fizesse estaria incorrendo no mesmo erro de opinar de forma supostamente técnica sem se ter os elementos necessários para isso.
O intuito desse artigo é chamar a atenção para o erro que se comete ao não encarar o marketing como algo científico, cujas previsões são necessárias, desde que embasadas por números, pesquisas, planos e modelos, ao invés de meros “achismos”.
Afinal de contas, como dizer se algo dá retorno sem saber o que se espera e em que tempo? Ressaltando que parte desse retorno é intangível.
Contudo, o que mais impressiona é ver o espaço que a mídia concede para palpites dessa natureza, o que nos remete às iniciativas similares de previsões sobre os acontecimentos do próximo ano ou mesmo às sessões de horóscopo.
Leia mais em: http://halfen-mktsport.blogspot.com.br/
MÃE À VENDA
por Lucio Branco
Sede de General Severiano com faixa anunciando um Baile Black com o Monsieur Lima.
Botafogo de Futebol e Regatas, meados dos anos 1970.
A rigor, o que sucedia ali, dia após dia, quando já se acumulava mais de meia década sem títulos de uma contagem que viria a somar 21, no total?
A resposta: os corredores e gabinetes da sede de General Severiano tramavam a sua venda para a Companhia Vale do Rio Doce. À época, a Vale era uma estatal sob gestão de uma ditadura militar que se mantinha entre abusos e desvios num cenário totalitário e corrupto que demanda urgentemente ser tratado como tal pela História escrita e falada. Pesquisadores honestos podem calcular quão árdua é a tarefa. Afinal, a pós-verdade vigente fabrica revisionismos até mais canalhas que os da época.
Luiz Fernando, Garrincha e Charles Borer
Nas sombras da manobra comercial, a infâmia tinha nome e sobrenome: Charles Borer. Naqueles dias, milicos e congêneres desfilavam à solta pelos clubes. Portanto, nada mais dentro da norma que um cartola acavalar o cargo de presidente de uma agremiação desse porte com o de empresário do ramo de segurança privada. Era exatamente o caso. Mal assumido o comando, não bastou a Borer comercializar no interior do templo – o vendilhão tratou de vender o próprio templo.
Foi um acordo que apresentava o seu fim desde o início: a crise que punha o clube à deriva há alguns anos, agora o faria naufragar. Logo a torcida ficaria nostálgica da razão que a fizera calar o “É campeão” tão ecoado nos anos anteriores:o desgaste do plantel por conta das sucessivas convocações para o escrete nacional. Isso era bem mais que uma mera desculpa para a fuga de taças tidas como certas. Craques em bloco eram assiduamente sacados do Botafogo em plena temporada para compor as maiores escalações que o mundo da bola já testemunhou. Um fornecimento tão generoso que viria a combalir a contabilidade de títulos e dos cofres do clube.
(Um parêntese: definitivamente, não cabe o argumento de que o Santos sofria o mesmo desfalque no período. O Botafogo cedia mais e melhores jogadores. E, em contrapeso, o time paulista contava, então, com um Pelé em permanente estado de auge. O Rei sempre fazia a diferença, inclusive, contra o próprio Botafogo, em decisões com Garrincha, Didi, Nilton Santos etc que superpovoavam o Maracanã da primeira metade dos 1960. Foi somente com a geração subsequente de Gerson, Jairzinho e Paulo Cézar Caju etc, que a vantagem no confronto direto mudou de lado.
Por essas e outras, o constante questionamento do título de Atleta do Século é um exercício onde pontua mais a má-fé que a ignorância.)
O mais comprometedor é que os Borer, um clã policialesco que aproveitava períodos políticos de exceção para mostrar serviço, já carregavam na sua ficha corrida uma outra demonstração de repulsa à instituição que os projetou.
Três décadas antes, em pleno Estado Novo,o irmão mais velho de Charles, Cecil – que depois, sob os militares, foi diretor do DOPS –, disparou à queima-roupa contra João Saldanha numa reunião do PCB, realizada na UNE. A alegação de legítima defesa – Saldanha tentou acertá-lo antes com uma cadeira – é calhorda. O que ficou disso foi o efeito prático que teve na vida do futuro treinador do clube – e já, então, seu sócio dirigente atuante –, que a teve abreviada em função das complicações do ferimento, progressivamente agravadas com o seu envelhecimento natural.
Efeito prático e, faltou dizer, simbólico. Afinal, quem são os Borer em comparação com o treinador campeão carioca de 1957 na galeria alvinegra?
Dado o hábito deste em se prevenir com armas de fogo, seria legítimo especular sobre um possível acerto de contas posterior, em igualdade de condições. Mas é pouco provável. A autodefesa tática adotada por Saldanha alertava que o pior adversário possível é a polícia: – “Eles nunca estão sozinhos”.
(Uma cadeira contra uma pistola…Por aí se vê o porquê do “Sem Medo” que Nelson Rodrigues colou ao seu nome.)
Agora, uma enquete: alguém aí já foi apresentado à carranca de Charles Borer? Uma pesquisa no Google revela apenas três fotos do elemento. Todas de uma matéria da Revista Placar em que ele jura nada ter a ver com um escândalo de compra de árbitros. Com uma ou outra variação, ei-lo às voltas com um tema de semelhante teor.
E mais: numa entrevista para a mesma publicação, em 1981, conseguiu pôr a culpa da sua desastrosa administração na torcida. E,claro, principalmente nos indefectíveis comunistas infiltrados nela…
Mas voltemos à venda de General Severiano…
Por bem menos dentro do quesito entreguismo, retiraram, acertadamente, a foto do Mauricio Assumpção do quadro de presidentes do clube no salão nobre da sede. Na mística relativa de que “tem coisas que só acontecem ao Botafogo”, a História se repetiu, no caso, como tragédia e como farsa: por malversações criminais outras, a justiça foi feita. Mas é preciso dizer que, como resposta a um ex-mandatário de folha corrida, foi um gesto consideravelmente isolado, reflexo direto do seu próprio isolamento político dentro do clube.
Por isso, vai aqui a sugestão – já condenada ao fracasso – senão de também retirar a foto de Charles Borer do mesmo quadro, pelo menos fazer constar, em legenda, sob a sua tenebrosa figura, a informação de que afundou a agremiação em dívidas para se beneficiar diretamente do desfalque do seu patrimônio material maior. Mesmo sabendo que apagar a História não a melhora – lição involuntária que Rui Barbosa deu ao país –, a iniciativa poderia ser considerada.
André Barros
Sei que, nessa trincheira, estaria o bravo advogado André Barros. Desde a época da negociação escusa – contra a qual bateu de frente –, é um engajado nas causas do Glorioso que casam política, direito e justiça (combinação infelizmente inviável na atual conjuntura nacional).
Inclusive, no dia em que o Dr. Barros quiser lançar sua candidatura à presidência do clube, serei seu mais fiel cabo eleitoral. Melhor: se ninguém se apresentar para preencher a vaga, pleitearei compor a sua chapa, caso ele julgue louvável a ideia. Seria este o único modo de dar o meu apoio ostensivo a um candidato na política interna do clube. E reforçaríamos, assim,a sua tese de que o Botafogo é, por tradição, a morada de quem não prima exatamente pela Razão, este atributo menor quando se trata da adesão ao Preto & Branco.
No mínimo, por causa da tentativa homicida de Cecil Borer contra Saldanha, no início dos 1940, seu clã deveria ser impedido de circular pelas dependências do clube. Intolerância zero na afirmação. Só assim para haver o reparador senso de justiça verdadeiramente democrático diante do malfeito. O Estado Novo terminou pouco tempo depois, mas por aí se vê o quanto o pouco apreço nacional pela democracia seguiu incólume.
A entrega da sede de General Severiano prova o perigo da concentração de poder nas mãos de um só cartola. E, para piorar, não bastando influir nos bastidores da sua administração, outro membro da mesma famiglia vir a se tornar, anos depois, presidente da instituição, só poderia ser obra de um período permissivo com arbítrios dessa natureza. Mas, de certa forma, não deixa de guardar coerência com a escolha de outros nomes que ocuparam a mesma cadeira naqueles anos de exceção, e também posteriormente – porque afinal, por aqui, em política, exceção é regra.
No loteamento que a ditadura operou no futebol brasileiro, o Botafogo foi um dos seus maiores reféns.
Mas o que importa é que segue vivo…
A luz que ora cai sobre o Alvinegro redime, com rara justiça, tantos naufrágios imerecidos, parentes daquele que não foi o primeiro, mas que foi, certamente, o maior: a entrega da sede. Sua restituição, anos após, não apagou o trauma. A rigor, o trauma que resultou dali não foi exatamente trauma. Foi maldição mesmo .Em suma: Borer é o nome a se exorcizar.
Ponho fé que vencer pelo menos uma das duas competições que o Botafogo tem chances concretas de vencer este ano dará fôlego à iniciativa (simbólica ou não) de retirar o seu retrato do quadro oficial de ex-presidentes. Ou, então, como sugerido, grafar a devida acusação histórica sob a cara medonha daquele que se igualou ao filho que, como consagrou o dito popular, vendeu até a mãe.
Pensando bem, por mim, a sugestão já virou promessa. E, claro, promessa é promessa. Portanto, Dr. Barros, a nossa chapa deve assumi-la desde já. Quando lançamos a candidatura?