POSSE DE BOLA
por Zé Roberto Padilha
O Júnior não estava presente e o Casagrande esqueceu de avisar ao Galvão. Dentro da transmissão de Real Madrid x Grêmio existia uma outra disputa acontecendo fora do foco da bola. Ele, que nunca jogou, e quem mais assiste, e quem fala e transmite, só acompanha e julga a partida pelos rumos da bola. São 22 jogadores, 11 de cada lado e um apenas detêm momentaneamente a sua posse. E quanto aos outros que precisam tentar roubá-la para serem notados e se tornarem, como Luka Modric, protagonistas da festa?
Quem jogou sabe, correr atrás de quem não erra um passe desgasta. Assim sofriam os adversários do Barcelona na era Guardiola. Contra uma equipe como o Real Madrid, então, que não erra passe e ainda é aguda em seus contra-ataques, extenua. Um convidado da TV Globo nos chamava atenção: Kross não erra um passe há seis meses. A bola chega aos pés do Marcelo e cola. Na do Cortez se descola. Quem aguenta?
Só havia uma chance do Grêmio equilibrar a posse de bola na final contra o Real Madrid e dividir as rédeas do jogo: tirar a partida do campo e levar para as quadras. No Basquete eles teriam apenas trinta segundos para ficar com a bola. No voleibol, apenas três toques. E no tênis apenas um. No futebol, a posse, ilimitada, é dos que não erram passes. E eles sabem como poucos não subestimar tal fundamento.
Tão poderosa, a equipe espanhola acompanha por satélites escaltes de todos os jogos pelo mundo. Quando o computador avisa que há um Casemiro surgindo em São Paulo que não erra um passe, manda contratá-lo. Há algum tempo ele recebia mais sinais do Brasil, e levaram Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Romário e Rivaldo e quem mais reinava por aqui e o dinheiro pudesse comprar. Mas os craques sumiram daqui. E os sinais passaram a vir de Portugal. Lá havia um que além do passe não errava um chute. E uma cabeçada.
Luan nunca correu tanto, junto aos seus companheiros de meio-campo, para fechar os espaços de um time que não erra passes. No Campeonato Brasileiro, foram os que menos erraram e por tal envolveram adversários. Sábado provaram o contrário. Quando a conseguiam, só tinham pernas para tocar para os lados. Uma posse de bola acima de 70% significa que você se desgastou 70% e quando a tem a seus pés restou apenas 30% de energia. A partida do meio campo do Grêmio fora do foco da bola foi admirável. Com ela, desgastados, mal tinham forças para dar um chute a gol.
Perder da mais poderosa equipe do mundo não vai tirar o mérito desta bela equipe que, ontem, se tornou a segunda melhor do futebol mundial. Se faltou a bola para jogar melhor, sobrou a raça, a superação para evitar o pior. E Luan, como toda criança, com as bolas nos pés se diverte. Sem ela, chora. Parabéns, Grêmio!
BANDEIRINHA GAGO
por Victor Kingma
No início da década de 60, o Palmeiras, que na época possuía um dos maiores times do Brasil, foi fazer um amistoso no interior de São Paulo. O juiz, por exigência da equipe esmeraldina, veio da capital, mas os auxiliares eram locais, com destaque para o bandeirinha João Gaguinho. Olho de lince, não perdia um lance. O problema era que possuía uma gagueira incontrolável, principalmente quando ficava nervoso.
Antes da partida festiva ocorreram todas aquelas solenidades de praxe, com discursos de autoridades e troca de flâmulas, costumes muito comuns na época. Entretanto, bastou a bola rolar para o clima amistoso do jogo acabar, e várias jogadas violentas iam se sucedendo de ambos os lados.
Numa jogada envolvendo vários jogadores, o zagueiro do time local foi atingido por uma cotovelada e o árbitro não viu. João Gaguinho, que como sempre acompanhava o lance de perto, levantou a bandeira.
Enquanto o atleta local era atendido, o juiz, alertado pelos demais jogadores, se dirigiu ao bandeirinha.
– Quem foi o agressor?
– Foi o Va…vá! , o Va… vá!, o Va… vá!
Incontinente, o árbitro expulsa de campo Vavá, o leão das Copas de 58 e 62.
Enquanto o jogador palmeirense, sem entender nada, deixa rapidamente o campo, João Gaguinho, muito nervoso e agitando sem parar a bandeira, invade a cancha correndo em direção ao juiz:
– Nâââ… não fo… foi o Va vá! Nãâã…não fo…foi o Va vá!
– Quem foi então?
– O Vá… vá , o Va…. vá , o Va… vá…
O Va…. Val… de… mar…. Caara… bi..na !
(Valdemar Carabina, vigoroso lateral do Palmeiras)
Tarde demais…
Índio
LENDA DO COXA
entrevista: Sergio Pug|iese | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel
Em uma época de ouro do futebol nacional, com pelo menos um cracaço em cada time, Coritiba e Bangu surpreenderam e chegaram à final do Campeonato Brasileiro de 1985. A inusitada decisão, para muitos, sempre despertou a curiosidade do Museu da Pelada e, graças ao parceiro Kleverson Marcos, tivemos a oportunidade de bater um papo bacana com o atacante Índio, um dos grandes personagens não só da final, mas do torneio inteiro.
Ao lado de Lela e Edson, Índio formava um ataque poderoso e começou o campeonato a todo vapor. Na reta final da competição, no entanto, amargou uma sequência de 16 jogos sem balançar as redes, jejum que não impediu a chegada do Coritiba à decisão após bater adversários fortíssimos como São Paulo, Cruzeiro, Flamengo, Santos, Corinthians e Atlético-MG.
Embora não tivesse o mesmo investimento das equipes de ponta que já haviam sido eliminadas pelo Coxa, o Bangu contava com um time enjoado comandado pelo goleador Marinho e, se já não fosse o bastante, ainda tinha o apoio de todos os cariocas que lotaram o Maracanã e fizeram uma linda festa naquele 31 de julho.
– Até o ano anterior, a decisão era sempre realizada em duas partidas, dentro e fora de casa. Não sei por que motivo, justamente naquele ano, foi realizada em partida única – questionou Índio.
De bate-pronta, Sergio Pugliese perguntou se ele achava que havia sido alguma treta que envolvia o Castor de Andrade, presidente de honra do Bangu e um dos mais famosos e poderosos bicheiros do Brasil.
– Não sei, mas que ficou estranho, ficou! – desconversou.
Acontece que Índio tratou de acabar com seu longo jejum de gols e calar o Maracanã logo aos 25 minutos de jogo, quando cobrou uma falta com perfeição, no ângulo do goleiro Gilmar,
– O Gilmar, meu amigo, nem se mexeu! Até hoje eu tenho a curiosidade de saber qual foi a velocidade daquela bola.
O Bangu empatou dez minutos depois em um chute forte de Lulinha de fora da área, que ainda contou com o desvio da zaga. Após muitas chances para os dois lados e boa atuação dos goleiros, a decisão foi para os pênaltis.
Com a frieza dos grandes craques, Índio chamou a responsabilidade e, com muita categoria, só deslocou o goleiro para abrir a série. Os outros batedores também converteram as cobranças até chegar a vez de Ado. Confiante por nunca ter desperdiçado uma penalidade, o craque tentou mudar de canto em cima da hora e jogou para fora, dando o título ao Coritiba em pleno Maracanã.
Vale destacar que o erro é, até hoje, um trauma não superado pelo jogador. Ao ser questionado sobre essa situação, Índio contou sobre os encontros que os dois tiveram:
– Estive com ele duas ou três vezes e realmente ele sente até hoje esse “golpe” que aconteceu em 85. Mas eu sempre converso com ele e digo que isso faz parte do futebol. Acho que a gente não tem que guardar nada que seja negativo nas nossas vidas.
Outro personagem importante do torneio foi Ênio Andrade, técnico que assumiu o Coritiba quando a equipe não vinha bem na competição, mudou todo o esquema tático e levou o Coxa ao título. Sobre o saudoso treinador, Índio rasgou elogios:
– Ele era fantástico! Era um treinador que não perturbava os jogadores. Dava o treino dele, a preleção não durava nem cinco minutos e a gente ia para o jogo. No intervalo ele corrigia o que estava errado e no segundo tempo a gente resolvia. Fomos campeões brasileiros através da palavra dele!
No fim da resenha, Índio ainda reviu seu golaço na decisão:
– Isso é uma maravilha! – festejou!
DEZEMBRO LARANJA
“Se exponha, mas não se queime”. Sempre preocupada com a saúde dos boleiros, a equipe do Museu da Pelada aderiu à campanha do Dezembro Laranja, de prevenção contra o câncer de pele, idealizada há 18 anos. Se já não fosse o bastante, ainda levamos o especialista Joaquim Mesquita para orientar os craques da pelada do Caldeirão do Albertão.
Todos nós sabemos que não há tempo ruim para a bola rolar. Independente do sol escaldante ou da chuva torrencial, a rapaziada marca presença e a pelada segue normal.
Sergio Pugliese e Guido Ferreira
Contudo, vale destacar a importância da proteção à pele. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), ocorreram 180 mil novos casos de câncer de pele no Brasil neste ano.
– É importante ressaltar que o protetor deve ser usado não só na praia, mas também em qualquer atividade ao ar livre – orientou Joaquim.
À medida que a pelada ia rolando, os boleiros iam tirando suas dúvidas com o doutor, que foi logo avisando:
– Eu vim aqui não só para dar dica, mas para jogar também, hein!
Após uma verdadeira aula, Joaquim deixou o Caldeirão do Albertão satisfeito com a pelada, com a resenha e, principalmente, por ter conscientizado a rapaziada do Caldeirão!
FUTEBOL: UMA METÁFORA DA VIDA
por Leandro Ginane
Historicamente as finais do Flamengo no Maracanã sempre atraíram muito mais gente do que o suportado pelo estádio. Em todas em que estive presente, houve invasão de torcedores e o número de pessoas dentro do estádio superava em muito o que era suportado e divulgado na mídia. Foi assim em 1992 numa final de campeonato, quando uma grade que sustentava a torcida cedeu vitimando centenas de pessoas.
Quem é Flamenguista e frequenta o estádio há pelo menos quinze anos sabe do que estou falando e anteontem não foi diferente. O que mudou é que a exclusão social proporcionada pelas novas arenas “hightech”, ingressos a preços exorbitantes e a segurança falida do estado do Rio de Janeiro foram o cenário ideal para as cenas terríveis de brutalidade que estão sendo exibidas por todos os lados.
Uma frase que li me marcou bastante e reforça o senso de exclusão dessas pessoas que saíram de casa para invadir o estádio: “Maracanã vai virar baile de favela, tropa vai invadir TJF”. Tudo isso atrelado a um contingente de policiais truculentos de apenas 650 pessoas.
Esse ambiente de medo se espalhou pelas ruas em torno do estádio e uma multidão de novos frequentadores que não estão acostumados com isso se desesperou em um corre corre frenético para fugir das balas de borracha e do gás de pimenta da polícia. A fumaça e o barulho das bombas estourando também contribuíram para o cenário de guerra.
Por trás dessa tragédia anunciada, porém, há uma questão muito mais complexa sobre exclusão social e o fim de uma de uma das mais prazerosas diversões do pobre: ir ao estádio ver seu time ser campeão. Isto precisa ser discutido com atenção por clubes de futebol, pela grande mídia que investe nos campeonatos e os Estados, para que um novo caminho de inclusão social seja criado no futebol sob pena de novas tragédias acontecerem nos próximos anos.
A força e a energia do povo precisa ser direcionada e não contida, como estão tentando fazer.