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Índio

LENDA DO COXA

entrevista: Sergio Pug|iese | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel 

Em uma época de ouro do futebol nacional, com pelo menos um cracaço em cada time, Coritiba e Bangu surpreenderam e chegaram à final do Campeonato Brasileiro de 1985. A inusitada decisão, para muitos, sempre despertou a curiosidade do Museu da Pelada e, graças ao parceiro Kleverson Marcos, tivemos a oportunidade de bater um papo bacana com o atacante Índio, um dos grandes personagens não só da final, mas do torneio inteiro.

Ao lado de Lela e Edson, Índio formava um ataque poderoso e começou o campeonato a todo vapor. Na reta final da competição, no entanto, amargou uma sequência de 16 jogos sem balançar as redes, jejum que não impediu a chegada do Coritiba à decisão após bater adversários fortíssimos como São Paulo, Cruzeiro, Flamengo, Santos, Corinthians e Atlético-MG.


Embora não tivesse o mesmo investimento das equipes de ponta que já haviam sido eliminadas pelo Coxa, o Bangu contava com um time enjoado comandado pelo goleador Marinho e, se já não fosse o bastante, ainda tinha o apoio de todos os cariocas que lotaram o Maracanã e fizeram uma linda festa naquele 31 de julho.

– Até o ano anterior, a decisão era sempre realizada em duas partidas, dentro e fora de casa. Não sei por que motivo, justamente naquele ano, foi realizada em partida única – questionou Índio.

De bate-pronta, Sergio Pugliese perguntou se ele achava que havia sido alguma treta que envolvia o Castor de Andrade, presidente de honra do Bangu e um dos mais famosos e poderosos bicheiros do Brasil.

– Não sei, mas que ficou estranho, ficou! – desconversou.

Acontece que Índio tratou de acabar com seu longo jejum de gols e calar o Maracanã logo aos 25 minutos de jogo, quando cobrou uma falta com perfeição, no ângulo do goleiro Gilmar, 

– O Gilmar, meu amigo, nem se mexeu! Até hoje eu tenho a curiosidade de saber qual foi a velocidade daquela bola.

O Bangu empatou dez minutos depois em um chute forte de Lulinha de fora da área, que ainda contou com o desvio da zaga. Após muitas chances para os dois lados e boa atuação dos goleiros, a decisão foi para os pênaltis.

 Com a frieza dos grandes craques, Índio chamou a responsabilidade e, com muita categoria, só deslocou o goleiro para abrir a série. Os outros batedores também converteram as cobranças até chegar a vez de Ado. Confiante por nunca ter desperdiçado uma penalidade, o craque tentou mudar de canto em cima da hora e jogou para fora, dando o título ao Coritiba em pleno Maracanã.

Vale destacar que o erro é, até hoje, um trauma não superado pelo jogador. Ao ser questionado sobre essa situação, Índio contou sobre os encontros que os dois tiveram:

– Estive com ele duas ou três vezes e realmente ele sente até hoje esse “golpe” que aconteceu em 85. Mas eu sempre converso com ele e digo que isso faz parte do futebol. Acho que a gente não tem que guardar nada que seja negativo nas nossas vidas.

Outro personagem importante do torneio foi Ênio Andrade, técnico que assumiu o Coritiba quando a equipe não vinha bem na competição, mudou todo o esquema tático e levou o Coxa ao título. Sobre o saudoso treinador, Índio rasgou elogios:

– Ele era fantástico! Era um treinador que não perturbava os jogadores. Dava o treino dele, a preleção não durava nem cinco minutos e a gente ia para o jogo. No intervalo ele corrigia o que estava errado e no segundo tempo a gente resolvia. Fomos campeões brasileiros através da palavra dele!

No fim da resenha, Índio ainda reviu seu golaço na decisão:

– Isso é uma maravilha! – festejou!

 

DEZEMBRO LARANJA

“Se exponha, mas não se queime”. Sempre preocupada com a saúde dos boleiros, a equipe do Museu da Pelada aderiu à campanha do Dezembro Laranja, de prevenção contra o câncer de pele, idealizada há 18 anos. Se já não fosse o bastante, ainda levamos o especialista Joaquim Mesquita para orientar os craques da pelada do Caldeirão do Albertão.

Todos nós sabemos que não há tempo ruim para a bola rolar. Independente do sol escaldante ou da chuva torrencial, a rapaziada marca presença e a pelada segue normal. 


Sergio Pugliese e Guido Ferreira

Contudo, vale destacar a importância da proteção à pele. De acordo com dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), ocorreram 180 mil novos casos de câncer de pele no Brasil neste ano.

– É importante ressaltar que o protetor deve ser usado não só na praia, mas também em qualquer atividade ao ar livre – orientou Joaquim.

À medida que a pelada ia rolando, os boleiros iam tirando suas dúvidas com o doutor, que foi logo avisando:

– Eu vim aqui não só para dar dica, mas para jogar também, hein!

Após uma verdadeira aula, Joaquim deixou o Caldeirão do Albertão satisfeito com a pelada, com a resenha e, principalmente, por ter conscientizado a rapaziada do Caldeirão!

FUTEBOL: UMA METÁFORA DA VIDA

por Leandro Ginane


Historicamente as finais do Flamengo no Maracanã sempre atraíram muito mais gente do que o suportado pelo estádio. Em todas em que estive presente, houve invasão de torcedores e o número de pessoas dentro do estádio superava em muito o que era suportado e divulgado na mídia. Foi assim em 1992 numa final de campeonato, quando uma grade que sustentava a torcida cedeu vitimando centenas de pessoas.

Quem é Flamenguista e frequenta o estádio há pelo menos quinze anos sabe do que estou falando e anteontem não foi diferente. O que mudou é que a exclusão social proporcionada pelas novas arenas “hightech”, ingressos a preços exorbitantes e a segurança falida do estado do Rio de Janeiro foram o cenário ideal para as cenas terríveis de brutalidade que estão sendo exibidas por todos os lados.

Uma frase que li me marcou bastante e reforça o senso de exclusão dessas pessoas que saíram de casa para invadir o estádio: “Maracanã vai virar baile de favela, tropa vai invadir TJF”. Tudo isso atrelado a um contingente de policiais truculentos de apenas 650 pessoas.


Esse ambiente de medo se espalhou pelas ruas em torno do estádio e uma multidão de novos frequentadores que não estão acostumados com isso se desesperou em um corre corre frenético para fugir das balas de borracha e do gás de pimenta da polícia. A fumaça e o barulho das bombas estourando também contribuíram para o cenário de guerra.

Por trás dessa tragédia anunciada, porém, há uma questão muito mais complexa sobre exclusão social e o fim de uma de uma das mais prazerosas diversões do pobre: ir ao estádio ver seu time ser campeão. Isto precisa ser discutido com atenção por clubes de futebol, pela grande mídia que investe nos campeonatos e os Estados, para que um novo caminho de inclusão social seja criado no futebol sob pena de novas tragédias acontecerem nos próximos anos.

A força e a energia do povo precisa ser direcionada e não contida, como estão tentando fazer.

O DIA EM QUE ELANO EXORCIZOU TODOS OS DEMÔNIOS

por Ivan Gomes


O dia 15 de dezembro de 2002 pode ser considerado por nós, santistas, como o dia que fomos libertados de todas as pragas e mazelas, o dia em que o gigante adormecido acordou novamente. O Dia da Independência do Peixe, o dia em que Elano, com um toque na bola, transformou toda dor, angústia e medo em risos, lágrimas, êxtase, o dia que ele tirou um grito de campeão que estava entalado há 18 anos em nossas gargantas. Esse dia 15 foi nossa remissão dos pecados, o dia que ateus viraram crentes, que meninos viraram homens e heróis. O dia que as interrogações caíram e deram lugar às exclamações.

O dia 15 de dezembro de 2002 poderia ser mais um na vida de qualquer pessoa, menos na vida de um torcedor do Santos Futebol Clube, pois neste dia, um domingo, nós teríamos um último e grande desafio pela frente em busca do inédito título brasileiro. Mas muito mais do que a conquista de um título, o jogo representava demais para todos nós, pois foi em um longínquo dezembro de 1984, contra o Corinthians, em um Morumbi lotado e dividido entre as duas torcidas, que Serginho nos dava um título paulista de presente. Entre aquele gol de Chulapa e o 15 de dezembro de 2002, nós santistas passamos por humilhações e provações.

O fim dos anos 80 e início dos 90 foram nada generosos para nós. Mas em 1995 surgiu uma chama, um time guiado pelo “messias” Giovanni, que chegou à final do Brasileiro daquele ano, após um jogo que, para mim, foi uma das maiores apresentações do Santos em todos os tempos. Perdemos de 4 a 1 para o Fluminense na primeira semifinal, mas viramos para 5 a 2 no jogo da volta. Fomos à decisão contra o Botafogo e aí encontramos um tal de Marcio Rezende de Freitas que nos condenou para mais alguns anos de purgatório.


Em 1997, o Santos conquistou o Rio-São Paulo, após heroico empate em 2 a 2 contra o Flamengo no Maracanã, com Romário e tudo, mas nossos adversários, os amigos, os tios, os primos, vizinhos, colegas de trabalho e escola não consideravam essa conquista como título importante.

Aí veio 1998, fomos eliminados pelo Corinthians na semifinal do Brasileiro após 3 jogos. Mas conquistamos um título internacional, o Santos venceu a Copa Conmebol daquele ano após um jogo duríssimo e muito violento contra o Rosário Central, na Argentina. Mas os amigos, os tios, primos e colegas não reconheciam nossas proezas, à época nem a mídia, pois eles insistiam em dizer que estávamos na fila.

No ano 2000 batemos na trave. Após classificação histórica contra o Palmeiras na semifinal, fomos superados pelo São Paulo de França e Rogério Ceni.

Em 2001 chegamos novamente à semifinal do Paulista, em dois jogos contra o Corinthians, e nós jogávamos por dois empates. A primeira partida terminou em igualdade. No segundo jogo, saímos na frente, cedemos o empate… mas aos 48 do segundo tempo, um chute de Ricardinho nos empurrava inferno abaixo novamente, deixamos de ir à decisão no último lance.


Aí veio 2002, após começo de ano muito difícil com muitas gozações dos adversários e o Corinthians com dois títulos, um Rio-São Paulo e uma Copa do Brasil, nós nos preparávamos para o Brasileiro com time quase todo formado na base e alguns jogadores medianos que permaneceram na equipe.

Com oscilações naturais, o Santos foi indo… até que em outubro bateríamos de frente contra o Corinthians em um Pacaembu lotado. O mesmo Corinthians que havia perdido dois jogos para nós naquele ano, mas havia conquistado dois títulos.

E como por milagre, os meninos jogaram muito, vencemos por 4 a 2, após abrir 4 a 0, e o primeiro gol foi de Alberto, um golaço de bicicleta. Esse jogo nos permitiu sonhar por alguns instantes com um futuro melhor. Mas aí conseguimos perder alguns jogos e ficamos na dependência de um time rebaixado para segundona. Na última rodada, o Gama fez 4 a 0 no Coritiba e o Santos classificou-se em oitavo, para enfrentar o São Paulo nas quartas de final, São Paulo que vinha de dez vitórias consecutivas.

Campeonato de pontos corridos é uma coisa, de fases é outro. E como foi. Os meninos da Vila transformaram-se e sem piedade eliminaram o São Paulo com duas vitórias, passaram pelo Grêmio na semifinal e na primeira partida da decisão, foram senhores do jogo contra o Corinthians e abriram 2 a 0, vantagem considerável para grande decisão.

O domingo aguardado há décadas por nós havia chegado. Quem conseguiu ir ao estádio estava empolgado e tenso, mas nós que teríamos que acompanhar pelo rádio ou pela TV deveríamos estar mais tensos ainda. No trabalho, o tempo não passava, chegaria o Natal, mas não chegaria 17h para iniciar a disputa.

O jogo começou, nos primeiros segundos Diego sente a coxa e Fábio Costa opera um milagre no Morumbi: o teste para cardíacos havia começado. Após susto inicial, o Santos equilibrou o jogo. O tempo passou e até aquele momento, ao menos uma vez na vida, ele era favorável a nós.


Quando passávamos de 35 minutos, a bola é lançada na ponta esquerda, para o moleque de canelas finas, que não temeu e foi para cima de Rogério, lateral adversário, e após 8 pedaladas sofreu pênalti. Ele mesmo pegou a bola e fez 1 a 0. Com os dois da primeira partida, o Corinthians teria que fazer 3. Parecia que, enfim, os deuses do futebol estavam a nosso favor e nos libertariam de todas as maldições.

Mas aí veio o segundo tempo… e o jogo mudou completamente. O Corinthians pressionou, queria a tríplice coroa. Fábio Costa agigantou-se no gol e virou uma muralha. Nossa torcida se calou no estádio e nossos olhos não piscavam diante da TV. As unhas iam embora a toda velocidade a cada grito no radinho de pilha.

O tempo demorou a passar e aos 30 minutos o Corinthians empatou a partida. Naquele momento nos enchemos de interrogações, e agora? Aos 39 minutos o zagueiro Anderson subiu mais que nossa zaga e virou o jogo para 2 a 1. O medo, a dor, a aflição vinham à tona, o filme de Ricardinho com gol aos 48 do segundo tempo passou em minha cabeça.


Para mim, estávamos condenados a passar o resto de nossas vidas futebolísticas no inferno, cercados por demônios. O zero porcento de fé virou saldo negativo, até que em uma tabelinha entre Elano e Robinho, o nosso ponta de canelas finas, foi pela lateral, passou pelo algoz Anderson e dentro da área rolou para Elano, que só deu um toque para vencer Doni e somente assim, aos 43 do segundo tempo, ele nos tirou do lodo e nos fez soltar o grito de campeão, chorar, correr pelado pela rua, dar cambalhotas, abraçar os amigos, beijar o cachorro e nos trazer de volta à terra, nos exorcizou de todo mal feito por Ricardinho e Márcio Rezende de Freitas. Com aquele gol, nada mais importava, aquele foi o gol do título. Ainda com os olhos marejados, conseguimos ver meio embaçado o terceiro gol, da virada, para fechar com chave de ouro, além do título, vencíamos o quinto jogo consecutivo contra o Corinthians, 3 a 2.


Após a explosão de alegria, de sentimento de ser livre, o êxtase e o orgulho voltaram como nunca havia sentido antes. Depois disso, o Santos foi novamente campeão brasileiro em 2004, em pontos corridos, ganhou sete títulos paulistas, Copa do Brasil, Recopa Sul-Americana, Libertadores da América, revelou vários jogadores. Mas confesso, todos os títulos são importantes, mas nenhum destes teve o sabor deste 15 de dezembro de 2002, para mim, este jogo nunca acabou. Sempre que posso acesso o Youtube para verificar se realmente a partida terminou, pois o medo de que tudo seja um sonho é grande. Nunca sabemos o que os fantasmas do passado podem aprontar.

VITÓRIA DO TERRORISMO

por Washington Fazolato


Apavorado, encolhido na plataforma da estação do metrô, o pequeno José de Hollanda, de 7 anos, clama aos céus por sua vida.

Reproduzido na imprensa, esse é um dos milhares de relatos das barbáries ocorridas na quarta‎, antes, durante e após o segundo jogo da final entre Flamengo x Independiente (ARG).

O absurdo da situação dispensa análises grandiloquentes sobre a violência urbana, que quase que naturalmente é replicada nos estádios de futebol.

Gostaria de ponderar sobre os efeitos que experiências como a do pequeno José de Hollanda produzem ‎na futura geração de torcedores.

Para uma criança, uma ida ao Maracanã tem o aspecto de algo grandioso, quase mágico.

Ao menos era assim na minha época.

Não sou ingênuo a ponto de ignorar que ocorriam situações de tensão.

Na decisão do estadual de 1974, lembro-me da multidão se acotovelando na entrada das antigas bilheterias.


Aterrorizado, lembro que percorri uns dez metros sem pôr os pés no chão.

Dentro do estádio, sentados nas arquibancadas, rimos lembrando o ‎episódio.

‎Ontem não houve, por parte de ninguém – exceto os argentinos – motivo para risadas.

Violência num nível de assustar alguns amigos “ratos de estádio”, gente acostumada a cenários tensos.

Considero um autêntico milagre que ninguém tenha perdido a vida.

Mas com certeza, muitas crianças perderam totalmente o encanto com a ida ‎a um estádio.

O terrorismo venceu mais uma vez.