GARRINCHA, CANTO VAZIO
por Rubens Lemos
Manoel dos Santos Garrincha foi o mais brasileiro de todos os brasileiros do futebol. Representou a molecagem, a irreverência, a habilidade, a coragem e assumiu a paternidade do drible, a prova da superioridade de um homem sobre o outro no quadrilátero de um campo. Morreu há 35 anos, num 20 de janeiro de 1983.
Garrincha seria barrado para a Copa de 1958 por não passar num teste psicológico. Teria de fazer um desenho e explicar com coerência o que havia desenhado. Errou, pois caneta ele dava nos outros, não segurava com as mãos.
Garrincha era um passarinho em forma de gente. Garrincha nasceu para jogar bola, não para entender de ciências.
Na volta olímpica do Estádio Rasunda, em Estocolmo, Brasil campeão do mundo pela primeira vez, o psicólogo João Carvalhaes berrava para Nilton Santos, compadre do deus das pernas tortas:
– Ele é muito mais do que aquilo que você disse Nilton. O homem é um monstro.
– Agora é fácil falar né, Doutor Carvalhaes? – devolveu Nilton Santos, que intercedeu para Garrincha ficar mesmo reprovado no psicoteste.
Garrincha driblava com ternura. Era amado pelos meninos.
Em seu livro Histórias do Futebol, João Saldanha conta que o Botafogo foi excursionar em 1957 (ele de técnico) em Fortaleza.
Concentrada num hotel à beira-mar, a delegação era acordada antes das 7h com a algazarra de meninos magros e pobres. Procurando o comparsa. Que saía correndo, driblava cinco de uma vez, brincava de mocinho e bandido, se deixava prender, mergulhava em grupo nas ondas, sentava e puxava assunto.
– Vem cá, com essas cabeçonas, vocês são “tudo filho” do Dutra?
O Dutra era o Marechal Eurico Gaspar Dutra, dono de uma cabeça enorme e que presidira o Brasil entre 1946 e 1951. Garrincha foi tratado por muitos como um tolo, mas quem sai com uma sacada assim é tudo, menos burro.
Dois anos antes do episódio com a molecada em Fortaleza, Garrincha era convocado pela primeira vez, pelo conservador técnico Zezé Moreira. O bairrismo era pior do que discurso de xiita em rede social e formaram-se duas seleções para o Torneio Bernanrdo O’Higgins, disputadO contra o Chile. Zezé treinava o escrete formado pelos cariocas e Vicente Feola o time só de paulistas.
A atuação não sinaliza para um grande currículo. O Brasil empatou por 1×1 diante de 70 mil pessoas no Maracanã graças a um gol de pênalti marcado pelo vigoroso zagueiro Pinheiro, do Fluminense. Atuava-se com cinco na frente a a linha atacante escalada: Garrincha, Válter Marciano, Evaristo de Macedo, Didi e Escurinho. O potiguar Dequinha, de Mossoró, foi o volante.
Garrincha explodiria mesmo em 1957, sempre fintando preconceitos e tratados de gorduchos que jamais dominariam uma bola. Em amistoso antes da Copa, driblou a defesa inteira da Fiorentina e voltou para espezinhar o goleiro Sarti.
Fintou-o de novo e caminhou com bola até o fundo das redes. Quase é linchado, por cartolas e companheiros. A genialidade de Chaplin lhe custou dois jogos na reserva e talvez tivesse evitado a Copa do Mundo. Garrincha jogou contra os russos e assombrou o mundo.
Garrincha deu outra Copa do Mundo ao Brasil jogando por ele, Elza Soares, sua Diva e por Pelé. Aliás, com Pelé e Garrincha, a seleção nunca perdeu para ninguém. Foi em 1962, no Chile, quando o Negão se machucou e Garrincha foi ponta-direita, meia-esquerda, centroavante, quarto-zagueiro e, se Gilmar precisasse, iria para debaixo das traves.
O Garrincha que me sobrou está nos filmes, nos livros. Nos depoimentos de amigos mais velhos. O Garrincha que é morto cada vez que se elege um segundo melhor do mundo.Garrincha, na verdade foi o primeiro.
Pelé não pertenceu a espécie humana. Era um extraterrestre de tão monstruosamente espetacular. Olhe bem para o lado direito de um campo de futebol. Para o canto extremo. Está quase sempre vazio. Um lugar feito para Garrincha e a sua ausência parece ser uma homenagem. Bem torta, a gravura de sua vida.
Pelada da Barra
pelada da barra
vídeo e edição: Daniel Planel
Há muito tempo a equipe do Museu estava para visitar a famosa pelada do parceiro Carlinhos Cortazio e não havia data melhor do que a festa de fim de ano. O que nos impressionou, logo de cara, foi o carisma do anfitrião e a quantidade de craques que estavam presentes.
Basta entrar no Facebook de Carlinhos para entender o que a pelada representa na sua vida. Além das dezenas de fotos ao lado de ídolos do futebol brasileiro, seu nome no Facebook é “Carlos Cortazio Pelada da Barra”, praticamente um sobrenome. Antes de chegar ao aconchegante Clube da Barra do BNDES, no entanto, o racha rodou por vários campos.
– A pelada começou em 1966 na PUC. Depois jogamos na Superintendência de Transportes Oficiais, Ilha da Fantasia, num campo onde hoje é o Windsor, sítio em Vargem Grande, Santa Mônica, Riviera e estamos aqui há seis anos.
Nesse tempo, craques como Adílio, Zico, Nei Conceição, Jair Pereira, Dé Aranha, Silva Batuta, Arturzinho, Mendonça, Afonsinho, Andrade e muitos outros deram aquele tapa ao lado de Carlinhos Cortazio. Mais do que companheiros de peladas, os craques se tornaram grandes amigos do anfitrião, que serviu um delicioso churrasco regado à cervejas geladíssimas. Se alguém duvida dessas amizades, é só ver a “declaração” do craque Nélio ao amigo boleiro em uma postagem no Facebook:
“Não é o seu aniversário, mas toda reverência a esse velhinho que amo de paixão e que tem por mais de 40 anos sua pelada na Barra da Tijuca!!! Carlos Cortazio, queria agradecer a solidez da sua amizade e a ternura das suas palavras quando estamos juntos todas as segundas. Um grande beijo no seu coração e obrigado por fazer parte do seu ciclo de amizade”.
Podemos dizer que o grupo de pelada montado por Carlinhos Cortazio é o sonho de todos aqueles que têm uma paixão pelo futebol. Afinal de contas, quem nunca teve vontade de bater uma bolinha com o ídolo?
QUERO MEUS FONES!
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
“Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro, estou morrendo de saudade, Rio teu mar, praias sem fim, Rio você foi feito pra mim, Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara, este samba é só porque Rio eu gosto de você….”.
Sempre que o Botafogo voltava ao Rio, após suas longas excursões pela Europa, os comandantes dos voos costumavam colocar “Samba do Avião” quando estávamos próximos ao pouso. Muitos jogadores choravam. Saudade de casa, da família, das namoradas, da praia e do Maracanã, nosso palco principal.
Hoje, moro em Florianópolis e sempre que retorno ao Rio essa canção embala meus pensamentos. Vocês entendem por que é tão difícil não comparar futuro e passado? Manga, Gerson, Jairzinho, Roberto Miranda, Carlos Roberto….hoje, não sei escalar o Botafogo.
Passei alguns dias aqui na Cidade Maravilhosa e preparo minha volta para Santa Catarina. A cidade está sem brilho, reclamação geral das administrações de governo e prefeitura. No táxi, o programa esportivo exalta Tite, nosso novo herói.
Olho para o lado e vejo os campos do Aterro, agora com grama sintética, vazios. Vários mendigos dormem no parque. “Essa cidade está abandonada”, reclama o taxista.
Estou indo almoçar com Francisco Horta, o homem que me convenceu a trocar a França pelo Fluminense. Aceitei muito por causa do calor e da magia dessa cidade. Na estreia, 1 x 0 contra o poderoso Bayern, no Maracanã. Só o Horta conseguia essas proezas.O Rio é outro, o futebol é outro. “Aceita, PC!!!!”, grito comigo mesmo em meus atormentados pensamentos.
Encontro Horta e nos abraçamos longamente. Na sala, alguém lembra que os estaduais começam em alguns dias. Nos entreolhamos e mudamos o rumo da prosa. O Horta revolucionou o Campeonato Carioca! Qual jogador não queria disputar o nosso estadual? Hoje eles fazem o sinal da cruz, só querem saber de seus fones de ouvido. Investiram pesado para o Pelé ser o garoto-propaganda do Carioca, prometem mudar as regras.
Chega a ser constrangedor.Preços caríssimos para assistir quem? Qual é o craque do Carioca? Luiz Fabiano novamente machucado? GuM? Diego? Pimpão? O Flamengo promete jogar com os reservas. Será que a torcida vai notar a diferença?
Federação, presidentes, conselheiros deveriam se mobilizar para montar bons times. Ah, estão com dificuldades em encontrar craques? Basta assistir a Copinha e confirmarão que as bases estão estraçalhadas.
Virem-se, vocês estragaram, vocês consertem!!!! Fim do almoço, entro no táxi e peço “aeroporto”. O motorista me reconhece e logo pergunta: “E aí, PC, e o nosso Fogão?”. Ah, como eu queria ter esses fones de ouvido.
O MENINO E AS COPAS
por Marcelo Mendez
São boas as lembranças que tenho de 1978.
Eu já morava na Rua Tanger, no Parque novo Oratório, mas a minha vida ainda estava toda atrelada à velha casa da Avenida das Nações, onde nasci e onde moravam meus tios e primos. Era ainda a época do loteamento do 2º sub-distrito de Santo André, quando muita gente chegava para o lado de cá do rio que divide a cidade.
Um tempo diferente, com muito terreno vazio, ruas de terra e a vida sem pressa. Eram os anos em que as árvores do bairro ainda venciam a necessidade de se ter garagens para carros. Os carros, aliás, eram bem poucos no Parque Novo Oratório. Assim como os telefones…
Na rua em que morávamos, havia apenas um, o da Angélica. As pessoas davam uma graninha para ela e, então, recebiam recados, avisos de entrevistas de empregos e com um pouquinho de moedas a mais, dava até para ligar para o parente distante, maioria no Nordeste. Um dia daqueles, meu pai fez uso do serviço e depois voltou para nos contar:
– Liguei la para Tia Dete, vamos assistir a abertura da Copa na casa dela, em cores!
Copa?!
Aos 8 anos de idade eu não sabia bem ao certo o que era tal de “Copa do Mundo”, mas ouvindo as conversas dos primos mais velhos descobri que seria jogada num lugar chamado Argentina e que era uma coisa de futebol, então gostei muito. E por um tempo da minha vida, gostei demais.
Para contar dessa minha viagem pelo mundo das Copas, começa aqui essa série no Museu da Pelada. Semanalmente, sempre as quartas, contarei de um episódio ligado a essa competição que tanta gente move. Venham conosco e fiquem ligados que amanhã a primeira publicação sai do forno!
AQUI NÃO PRECISA DE TÍTULO
por Julio Alencar
Muitos torcedores, quando querendo falar que tal time é grande, que tal time é pequeno, acabam por muitas vezes querer medir o futebol. Ora, eu te pergunto, quem pode medir o futebol? Quais são as medidas? Títulos, vice-campeonatos, número de derrotas, tempo sem fazer gol, bolas de ouro, etc e os escambau?
Para mim, a medida do futebol é tão limitada quanto a do campo de jogo, 64m x 100m. Não estou querendo dizer que todo time é igual, seria leviandade da minha parte, pois o meu time é maior que muitos tantos que não ouso nem falar os nomes.
Muitos dirão: fato é que a história é o registro dos campeões. Realmente, pode ser, mas acontece que a história não é feita só de vencedores, dentro dos números dos artilheiros existem a história dos defensores. Quando registra-se um drible, é sempre um ato entre um marcador e um atacante, e subitamente… o Garrincha transforma Telê em João.
As histórias existem e estamos aí para reverenciá-las. Se observarmos atento aos detalhes, verão que não existem hierarquias no futebol, além do goleiro que pode usar as mãos e juiz que apita, o jogo são onze contra onze.
E para aqueles que insistem em classificar o melhor no futebol em números, é melhor ficar de olho no placar, pois são os números que valem. Título é só um nome escrito num papel ao lado do ano, e o futebol é muito maior que isso.
Texto publicado originalmente no blog VIVA LA RESENHA.