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Magrão

MAGRÃO ABSOLUTO

texto e entrevista: Evandro Sousa | fotos: Adriana Soares | edição de vídeo: Daniel Planel 

 

Há uma década fechando o gol do Sport Club Recife, Magrão completa hoje 600 jogos com a camisa rubro-negra, contra o Santos, na Ilha do Retiro, às 18h30. Maior ídolo em atividade do clube pernambucano, o goleirão de 39 anos bateu um papo divertidíssimo com a equipe do Museu da Pelada! No caminho até a casa do jogador, quase chegando ao destino, na Praia do Recife, obra do acaso, o rádio abre espaço para Alceu Valença arrepiar em “Madeira Que Cupim Não Rói”, frevo do lendário Capiba, torcedor do Santa Cruz. A divertida analogia entre o camisa 1 e a canção foi imediata. Magrão é exatamente isso!!!

Mas antes de tornar-se ídolo no Sport, o paulista Magrão percorreu um loooongo caminho, recheado de incertezas. Iniciou a carreira no Nacional-SP, em 1997, e acumulou passagens por Portuguesa-SP, Botafogo-SP, Rio Branco-SP, Ceará e Fortaleza. O desembarque em Recife só ocorreu em 2005, quando foi contratado pelo Sport para a disputa da Série B. Após um início complicado, de forte concorrência, Magrão se firmou como titular um ano depois, em 2006, e até hoje permanece intocável. Embora tenha levado o milésimo gol de Romário em 2007, emplacou seis títulos estaduais na equipe pernambucana, uma Copa do Brasil e uma Copa do Nordeste. Além disso, foi eleito o melhor goleiro do Campeonato Pernambucano em 2007, 2008, 2009, 2010, 2012 e 2014. Madeira de lei!!!!  

Durante o papo, Magrão reconheceu que a vida de goleiro não é fácil e nos contou um pouco sobre o perfil destes atletas que escolheram levar boladas, conviver com a eterna sombra do frango e ser os guardiões, ou os guarda-redes, como dizem nossos compatriotas portugueses, daquele espação de aproximadamente 17 m².

– Todo goleiro começa na linha, geralmente quer ser centroavante, depois vai recuando, recuando, e aí descobre que pode ser goleiro. Assim, todo goleiro bom foi um jogador de linha ruim – resumiu.

Na infância, quando não largava as peladas próximas à sua casa, Magrão tinha como referência o goleiro Ronaldo, ex Corinthians, atualmente comentarista esportivo na tevê. As defesas espalhafatosas que o camisa 1 fazia em bolas simples chamaram a atenção daquele garoto que ia com o pai assistir aos treinos e jogos do São Paulo e do Corinthians. À medida que foi crescendo e amadurecendo começou observar Taffarel. O comportamento e a forma fria e concentrada do ex-goleiro da seleção, sem chamar muita atenção, talvez tivessem mais a ver com Magrão.

– O goleiro não precisa ser pavão, basta fazer o que tem que ser feito, com simplicidade – aconselha.

Segundo ele, a dedicação tem quer ser uma das características principais de um goleiro, pois o nível de exigência é cada vez maior. Treinos exaustivos e concentração redobrada, afinal uma falha ou um frango põe tudo a perder.

– O goleiro preguiçoso fica pelo caminho, não vinga! – dispara.

Apesar de fazerem parte de uma equipe, os goleiros vivem quase 80% do tempo entre eles. Geralmente, cada clube conta com quatro e os treinos, viagens e concentrações acabam gerando um relacionamento de amizade e cooperação. Apesar de competirem pelo mesmo espaço, eles quase sempre são solidários uns com os outros, embora haja exceções.

– O espaço é só para um, logo quem entra não quer largar o osso. Em meio a essa competitividade, às vezes surge ciúme, inveja, que faz parte da natureza humana.

Magrão também comentou sobre a pressão sofrida pelos goleiros, segundo ele a posição mais difícil de jogar, pois a falha costuma ser fatal.

– A pressão tem que fazer parte da vida de um goleiro, pois todos podem falhar menos nós! Quando o time não vence e a equipe está sofrendo muitos gols, às vezes a gente nem dorme.

Mas o bom desempenho dos goleiros brasileiros tem chamado a atenção dos europeus e, consequentemente, deixado uma lacuna nessa posição, no futebol nacional. No passado, no entanto, Taffarel, Júlio César, Dida, Rogério Ceni e Ronaldo foram alguns dos muitos goleiros que foram titulares e se firmaram ainda jovens em seus clubes.

Em meio às dificuldades de estrutura do futebol brasileiro, Magrão acredita que o treinador hoje precisa ser cada vez mais capacitado, não conhecer apenas a parte técnica, mas dominar a tática e outras áreas. Ou seja, um líder que trabalha com uma equipe multidisciplinar. Segundo o goleiro, esse tem sido o motivo de os clubes buscarem, cada vez mais, treinadores estrangeiros.

–  É hora de o futebol brasileiro se abrir para novas escolas, começando pela base!

Perto dos 600 jogos com a camisa do Sport, Magrão não esconde o segredo para o sucesso. De acordo com ele, a família tem sido a base desta carreira vitoriosa. Durante a final da Copa do Nordeste, contra o Ceará, o goleiro passava por um dos momentos mais complicados de sua vida, mas fechou o gol e foi um dos heróis da conquista do título regional. Enquanto disputava a decisão, Mary, sua mulher, passava por uma cirurgia delicada devido a um processo de câncer de mama. Por conta disso, revelou que pensou em desistir da final para acompanhá-la, mas foi demovido pela própria: “Faça sua parte em campo que eu seguro aqui!”.

Pai de três filhos, Gaby, Lucas e Rafael, este goleiro do sub-15 do São Paulo, o camisa 1 do Sport já se prepara para passar o bastão. Uma nova geração já está no forno.

Vida de goleiro não é fácil, mas uma escolha de risco. Dizem que goleiro é doido, com um parafuso a menos, que onde pisa não nasce grama, enfim, a palavra superação tem que fazer parte da história de um bom camisa 1, e Magrão é um excelente exemplo disso. O tempo passa, faça chuva, faça sol e o goleiro do Sport continua firme, resistindo ao tempo, maduro, respeitado pela torcida do Leão e pelos adversários. Enquanto houver disposição, Magrão seguirá em frente, intacto, como uma madeira que cupim não rói.

 

Ernani + Buchecha

SÓ LOVE, SÓ LOVE

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | vídeo, edição e fotos: Daniel Planel

Já elogiamos algumas vezes, mas sempre somos muito bem recebidos na pelada de Carlinhos Cortázio e é um prazer inenarrável encontrar ídolos, do futebol ou da música, e peladeiros que dão um show na resenha. Dessa vez, em mais um encontro musical, juntamos o habilidoso Ernani e o cantor Buchecha, uma dupla cheia de histórias para contar.

De início, quando Carlinhos Cortazio sugeriu uma resenha com a dupla, não imaginávamos o que viria pela frente, até porque Buchecha é flamenguista roxo e Ernani despontou como grande promessa do Vasco da Gama. 

Embora tivesse uma grande admiração pelo craque do rival, o músico revelou que a afinidade da dupla vai muito além das quatro linhas:

– Ele exerceu um papel fundamental no início da nossa carreira (Claudinho e Buchecha). Ele ajudou a colocar os integrantes da banda, ajudou nos nossos primeiros shows e sempre nos passou muita segurança! – lembrou Buchecha.

Tudo começou quando Ernani, exausto do mundo do futebol, decidiu pendurar as chuteiras e trilhar outro rumo. Por coincidência, na mesma época, conheceu Leninha Brandão e recebeu um convite para trabalhar ao lado da empresária de grandes músicos.

– Eu acho até que ela falou brincando, mas eu acreditei. Comecei como assistente de produção no Cidade Negra. (…) Quando recebi o convite para trabalhar com o Claudinho e Buchecha, percebi muitas coisas em comum e não pensei duas vezes.

Naquele tempo, os dois amigos de uma comunidade de São Gonçalo tinham apenas um CD lançado, mas o talento saltava aos olhos e o sucesso era questão de tempo, ou oportunidade. Como um grande comandante, Ernani vestiu a camisa e acumulou diversas funções com maestria para elevar o cenário da dupla. Por consequência da rigidez necessária para deixar tudo alinhado nos shows, ganhou o apelido de estressado.

– Na música só tem maluco e brincalhão, e a gente não perdoava, né? – brincou Buchecha.

Durante a resenha, o músico e o boleiro relembraram grandes histórias da carreira e, obviamente, muitas delas envolviam o saudoso Claudinho. Apaixonado por futebol, chegou a perguntar para Buchecha quanto ele cobraria pela rescisão se o amigo viesse a abandonar a carreira musical para se dedicar ao futebol.

– O Claudinho não queria ser jogador, ele achava que era jogador! – revelou Ernani, para a gargalhada de todos.


Claudinho e Buchecha (Foto: Reprodução)

Quis o destino, no entanto, que no dia 13 de julho de 2002, Claudinho sofresse um acidente fatal de carro quando voltava de um show. De acordo com Buchecha, o amigo quis viajar no próprio carro porque estava com pressa para jogar uma pelada na Ilha do Governador.

– Quando abriram o porta-mola viram bola, chuteira… O Claudinho era a prova de que todo artista quer ser jogador de futebol!

Para encerrar o encontro com chave de ouro, como de costume, Ernani e Buchecha cantaram “Só Love” e deram um longo e verdadeiro abraço.

ALZHEIMER NA MEDIOCRIDADE

por Rubens Lemos


Acordei de uma soneca no segundo tempo de Vasco 3×2 Botafogo, primeira partida da final do Campeonato Carioca. Estava empate e vi o gol da vitória do meu time no finalzinho. Dos 20, 25 minutos acompanhando chutões, carrinhos e caneladas na bola, esforcei-me para identificar algum jogador além do goleiro Martin Silva, do jovem Paulinho e do – vamos lá -, atrevido Pikachu.

Complicado. O futebol brasileiro anda numa mediocridade tão imensa e sideral que o último time do Vasco a ser escalado sem risco por mim é o do ano 2000, o da virada sobre o Palmeiras na Mercosul e do título brasileiro: Hélton; Clébson, Odvan, Júnior Baiano e Jorginho Paulista; Nasa( Nossa Senhora dos Passes Bizarros!), Jorginho, Juninho Pernambucano e Juninho Paulista; Euller e Romário.


Um vascaíno com 40 anos de amor e alguma memória não consegue desfiar 11 cabeças de bagre do último fim de semana. Um vascaíno que olhava, embevecido, o pai recitar o time de 1956: Carlos Alberto; Paulinho e Bellini; Laerte, Orlando e Coronel; Sabará, Livinho, Vavá, Walter Marciano e Pinga.

Um vascaíno que não esquece Mazarópi; Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto e Ramón de 1977. Ou Acácio; Galvão, Ivan, Celso e Pedrinho; Serginho, Dudu e Ernâni; Pedrinho Gaúcho, Roberto e Jérson, os esforçados de 1982 que tiraram a banca do Flamengo campeão do mundo. Ou os maravilhosos bicampeões de
1987/88: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho;  Dunga (Zé do Carmo), Geovani e Tita (Bismarck); Mauricinho, Roberto e Romário.

Eram os cânticos  dos dribles, lançamentos, gols de placa, que transpunhamos para o futebol de botão como numa incorporação mágica dos heróis em campo de madeira. Escalações duravam anos, decorávamos os reservas, hoje exuberâncias diante da falta de fundamentos básicos dos titulares mais apropriados a Olarias e Madureiras.

A minha amnésia é causada pela rotatividade medonha promovida por sanguessugas oficialmente chamados de empresários. Outro dia, o Vasco demitiu um cara cuja função era de gerente científico. Hilário imaginar o indigitado explicando em fórmulas, átomos e partículas,
como o baixinho Romário fazer sentar em elástico descadeirante, qualquer zagueiro transformado em molécula morta.

Perdeu-se a graça, a boa sacanagem, o migué, a molecagem, criaram-se gerações de robôs bem-comportados e inimigos do futebolisticamente liberto. Outro dia, o colega de trabalho, circunspecto como um Churchill em plena Segunda Guerra, bate no meu ombro e pergunta: “Como é chato o tal Carille!”. Perguntei quem era, ele explicou ser o técnico do Corinthians e respondi que do Corinthians conhecia Rivelino, Sócrates, Zenon e Edílson. “Você está ultrapassado!”, ele zombou.

Calei no meu Alzheimer precoce e fui ao Google, rever imagens de um timaço do Brasil nos anos 1970, com Zico, Rivelino, Paulo Cézar Black Power, Marinho Chagas e Nelinho. Nenhum risco de esquecê-los.

PARABÉNS, SAPO!

fotos: Guilherme Careca | vídeo e edição: Daniel Planel

Um dos nossos grandes parceiros, o craque Sergio Sapo comemorou seus 60 anos no Bar Dom Manuel, no Grajaú, e a equipe do Museu da Pelada se sentiu muito bem acolhida no meio de tantos craques.

Mauro Bandit, Eduzinho, Marinho Picorelli, Guilherme Careca, Nei Pereira, Guido Ferreira, Bebêzinho e muitos outros boleiros prestigiaram e brindaram com o bicampeão mundial de clubes no salão pelo Bradesco.

–  Eu decidi os dois mundiais. Em 86, com a perna esquerda, e em 87, com a perna direita, faltando 40 segundos para acabar! – tirou onda o aniversariante.

Eleito o melhor jogador de Fut 7 do mundo e líder do Projeto Facão, Guido revelou toda a sua idolatria pelo amigo:

– Eu com 8 anos de idade, fraldinha, eu ficava vendo o Sapo jogar, já em final de carreira. Hoje eu tenho o prazer de conviver com ele!

A resenha evoluia a cada minuto que passava e a panela só ia ficando mais forte com a chegada de lendas do futebol. Cada um foi contando um pouco da sua história de forma bem resumida, até porque cada currículo era mais extenso que o outro e uma tarde era muito pouco para ouvir tantas glórias.

Com aquele gostinho de quero mais, nos despedimos e partimos para o nosso outro compromisso.

Valeu, Sapinho!

PRÍNCIPE DA BOLA, GUERREIRO NA VIDA

por Rubens Lemos 


Geovani é o meu maior ídolo no Vasco. Representa para mim o que foi o uruguaio Danilo Menezes jogando bola com a camisa 10 preta e branca do ABC no estádio Machadão, posto abaixo em Natal. Danilo também foi do Vasco, na década de 1960. Sou do tempo de um Vasco freguês caloteiro do Flamengo, início da década de 1980, Zico liderando a tropa que ganhava campeonatos com a naturalidade de um casal de adolescentes tomando sorvete ao primeiro dos namoros. O Vasco tinha Roberto Dinamite de Dom Quixote. E um monte de esforçados e brutamontes. 

Até 1982 chegar e aparecer um baixinho de qualidade absoluta, ritmo acadêmico de veterano, visão periférica de uma partida, imperador do meio-campo em dribles de minifúndio e lançamentos longos como se houvesse um novo Gerson, ambidestro. Geovani foi o melhor meia-armador de minha geração de torcedores. Ele e Adílio, do Flamengo, travaram grandes duelos de inteligência. Geovani, mais refinado, Adílio, sambista de chuteiras. Geovani tinha mais classe, mais elegância, aquele porte diferenciado e consagrado por Didi, na Copa do Mundo 1958, ereto, marcial, monarca. Didi que escalou Geovani no time do seu tempo. E Geovani tomou de Roberto Dinamite, no meu peito vascaíno, o topo das admirações.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols. Geovani nasceu em 1964. Nasceu tarde demais. Para os retranqueiros que passaram a tomar as rédeas do futebol, à base de carrinhos, chutões e pontapés, bola sem receber carícia, sem ser tratada como uma mulher dominada e cega de volúpia. Foi chamado de lento e ultrapassado. Sem ele na seleção brasileira, perderam-se duas Copa do Mundo sintomáticas pela falta de um cérebro na criação da meia-cancha: em 1986, viajaram Elzo e Alemão. 


Em 1990, Dunga e o tal Alemão, bom maratonista, obscuro criativo. Sebastião Lazaroni, especialmente, o técnico medíocre do Mundial da Itália, será praguejado pela memória nacional por não ter convocado Geovani e levado seu compadre Tita. Ou cinco zagueiros. 

A história, exemplar em seus castigos, mostra em seus replays que faltou Geovani para o Brasil estilizar beleza e improvisação. Geovani é o jogador (ele e Dinamite) com mais títulos cariocas conquistados pelo Vasco. Foram cinco, três deles sobre o Flamengo de Zico. 

A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino. Tenho que dizer aos meninos de hoje: se vocês tivessem visto Geovani, glorificar Renato Augusto, Kaká e Lucas Lima seria castigo implacável da proibição do videogame ou da exaltação do aplicativo novíssimo do Iphone. 

Aos 54 anos, completados neste 6 de abril, Geovani, guerreiro suave, vai conquistando o maior campeonato da vida: superou um câncer. Com a força extraordinária da fé e a luz radiosa dos homens escolhidos  para gerar felicidade em milhões. Pelo tempo que foi e nunca passará.