Jantar da Fla Nação
ENCONTRO COM ÍDOLOS
entrevista: Alf e Rafinha | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Perpetuo
Nos 122 anos de existência do Flamengo, milhares de jogadores passaram pelo clube, mas só alguns honraram a camisa de forma suficiente para ganhar o status de ídolo de uma das maiores e mais exigentes torcidas do mundo.
Os felizardos, no entanto, estarão para sempre no coração dos rubro-negros e é por isso que volta e meia a torcida Fla Nação se desdobra para manter em evidência quem merece, com homenagens de todos os tipos.
A última iniciativa do grupo foi um jantar no Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, com distribuição de camisas personalizadas e exibição de grandes lances de cada jogador no telão, reunindo uma lista de respeito: Zagallo, Júnior, Rondinelli, Fillol, Gamarra, Evaristo de Macedo, Silva Batuta, Fernandinho, Alcindo, Nélio, Sávio, Zinho, Andrade e Renato Abreu.
A convite do parceirão Sandro Rilho, um dos integrantes da Fla Nação, marcamos presença e ainda levamos os colaboradores Alf e Rafinha, flamenguistas de carteirinha, que não esconderam a felicidade:
– São gerações e gerações vencedoras do Flamengo. Acho que a homenagem é mais do que justa e todos os clubes deveriam reverenciar os ídolos dessa forma! – disse Alf.
Ao ser perguntado quantas vezes foi ao Maracanã aplaudir os ídolos presentes no evento, Rafinha disparou:
– Desde criança! É um orgulho grande estar aqui vendo essas feras.
Além das tradicionais selfies e autógrafos, os flamenguistas foram nossos repórteres por um dia e trocaram aquela resenha com os craques, perguntando tudo que sempre sonharam.
Vale ressaltar que os ex-jogadores também estavam lisonjeados com a homenagem da Fla Nação e se mostraram orgulhosos por estarem na história do clube.
O ponto alto do evento foi a chegada de Zagallo, que foi recepcionado com uma salva de palmas por todos os presentes. Mesmo com a saúde debilitada, após um tombo na semana que antecedeu o jantar, o ex-ponta fez questão de marcar presença e foi reverenciado no palco pelo lendário repórter Deni Menezes.
– Os aplausos que você recebeu, com todas as pessoas se levantando desde que você entrou no salão, dizem tudo. Você é o nome, você é a história. Você é como os diamantes, porque os diamantes são eternos! – disparou um Deni emocionado.
A festa estava tão bonita que a equipe do Museu da Pelada não teve outra opção a não ser se atrasar para o próximo compromisso.
SEUS PÉS E A BOLA: UMA COMBINAÇÃO MORTAL
por Marcos Vinicius Cabral
Naquele olhar frágil e na ausência do sorriso, haviam motivos para qualquer coisa, menos desistir do sonho.
Ser jogador de futebol é o que todo garoto de subúrbio espera ser.
E com o pequeno Calu (como era chamado no bairro de São Bento) não seria diferente.
Mas com um grave tumor na perna no qual ficou entrevado numa cama por três meses, o menino sofria pela distância da sua grande paixão: a bola!
As dores só eram amenizadas com a presença de sua mãe, dona Neusa, que ao lado de sua cama permanecia por todo tempo enxugando suas lágrimas.
— Não chore meu filho, tudo vai acabar bem — dizia a matriarca dos Oliveiras enquanto alisava os cabelos encaracolados do filho caçula.
Se o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) dizia no poema “Definitivo” que “a dor é inevitável mas o sofrimento opcional”, por amor à bola o menino Calu não teve opção: era necessário passar por aquilo!
Se naquele ano de 1962, o menino então com 8 anos enfrentava um adversário implacável, a vida lhe reservaria bons motivos para ir adiante.
– Foi um milagre. Milagre porque eu, com sete para oito anos, fiquei praticamente três meses de cama, tive que fazer uma cirurgia de um tumor na coxa e coloquei gesso na perna esquerda toda, na cintura e na outra perna, e aquele tradicional cabo de vassoura no meio. Fiquei três meses na cama sendo assistido pela minha mãe e era muito magrinho. Uma criança que até os sete teve muitos problemas, aos sete tive um problema sério na perna esquerda, com 12 anos um problema também na perna esquerda. Acredito que a gente vem nesse mundo com uma missão, nós podemos melhorar ou não, e acho que fui um privilegiado – contou Roberto Dinamite, em entrevista ao SporTV em 12 de abril de 2014.
Depois de ter ficado engessado por alguns meses, foi proibido por sua mãe de jogar futebol e via pela janela de sua casa, situada à rua José Pinto, a tristeza contrastar com a alegria dos seus colegas de infância que jogavam.
O tempo passou e as feridas do passado ficaram para trás.
O menino triste deu lugar a um habilidoso e notável jogador do São Bento, clube tradicional de Duque de Caxias, onde seu pai, seu José Maia, havia sido goleiro.
Já a mãe, dona Neusa, era torcedora do Parque Lafayette, seu arquirrival.
Muito querido no bairro – nascer em Duque de Caxias tem lá suas vantagens – Carlos Roberto de Oliveira foi o terceiro e último a nascer.
Porém, dentro das quatro linhas ia fazendo seus gols e inspirado por Jairzinho, Furacão da Copa de 1970, aos poucos mostrava que bola na rede era o seu forte.
Se o destino havia lhe tirado o sorriso quando ficou de cama por alguns meses, dessa vez o destino lhe compensou e colocou no seu caminho Francisco de Souza Ferreira, seu Gradim, olheiro do Vasco da Gama, que se encantou com o moleque.
Com 16 anos, aprovado na peneira no campo do São Bento em 1969, o apelido Calu era esquecido e em São Januário passou a ser chamado apenas por Roberto.
Se desenvolveu, ganhou cerca de 15kg de massa muscular e fama com seus 46 gols marcados logo em seu primeiro ano de juvenil.
Sendo destaque nos treinos, era questão de tempo que uma oportunidade aparecesse.
E foi no Campeonato Brasileiro de 1971, que o técnico Admildo Chirol colocou a jovem promessa em campo, contra o Bahia.
Não fez gol e passou em branco.
Depois disso, contra o Atlético-MG foi titular pela primeira vez e diante de tanta expectativa criada em torno dele, o menino de sorriso marcante não foi bem na derrota por 2 a 1, fora de casa.
Com isso, acabou substituído.
Mas o destinou tratou de entrar em ação mais uma vez e aquele começo difícil seria brevemente esquecido.
Contudo, se o sueco Alfred Nobel – falecido em dezembro de 1896 – por algum milagre, pudesse voltar à vida e, na sua qualidade de químico e inventor da dinamite, fosse indicado para receber o prêmio que leva o seu nome, ficaria, na certa, profundamente lisonjeado.
Motivos não lhe faltariam para colher os resultados de sua invenção.
Pois ela atravessou séculos, irrompeu mares, explodiu como bolas de fogo nos céus existentes do universo e foi, anos mais tarde, visto como grande feito naquele 25 de novembro de 1971, na estreia do “garoto dinamite” contra o Internacional, em pleno Maracanã.
Surgia enfim, um artefato à base de nitroglicerina dos pés daquele jovem de apenas 17 anos, que destruía defesas e fazia com que seus marcadores entrassem em conflito numa guerra declarada por cada gol explodido, como o seu primeiro na carreira contra a equipe Colorada.
A palavra dinamite nunca havia sido tão bem aplicada para descrever a ação de um ser humano de carne e osso, que aplicava força nos chutes.
E foi graça aos repórteres Aparício Pires e Eliomário Valente do Jornal dos Sports – que cobriam os treinos dos juvenis do Vasco na época – que o apelido pegou.
Enquanto vestiu a camisa do Club de Regatas Vasco da Gama – foi sem demérito algum para os outros ídolos de São Januário – o maior explosivo utilizado pelo clube.
Assim era esse simples Roberto.
Não, não um Roberto tão simples assim.
Era Roberto Dinamite!
Esse mesmo Roberto que devemos incluir o “Dinamite” sempre e torná-lo um nome composto.
Esse sobrenatural centroavante que conquistou as Bolas de Prata da revista Placar, em 1979, 1981 e 1984.
Esse desbravador de marcadores que foi artilheiro dos Campeonatos Brasileiros de 1974 e de 1984, ambos com 16 gols.
Esse extraordinário atacante que foi artilheiro do Campeonato Carioca de 1978 com 19 gols, de 1981 com 31 gols e de 1985 com 12 gols.
Esse destruidor de esquemas táticos que foi artilheiro da Copa América de 1983 com 3 gols.
Esse jogador diferenciado que foi artilheiro do Vasco em todas as temporadas de 1973 até 1985.
Esse exuberante profissional que continua sendo o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro nos 328 jogos disputados e nas 190 explosões de gols.
Esse Deus vascaíno que é o maior artilheiro da história do Campeonato Carioca com 284 gols.
Esse magnânimo atleta que é o maior artilheiro da história do Vasco da Gama com 702 gols.
Esse jogador de talento esporádico que é considerado o maior artilheiro da história do estádio de São Januário com 184 gols.
Esse gênio da bola que é o atleta que mais vestiu a camisa do Vasco da Gama em sua rica história com 1110 jogos.
Esse artilheiro dos artilheiros que é ao lado de Pelé e Rogério Ceni, os três jogadores brasileiros com mais de 1000 jogos por um único clube.
Esse exímio cobrador de faltas que foi eleito para o time dos sonhos do Vasco da Gama pela revista Placar em 2006.
Enfim, o camisa 10 de São Januário era um explosivo diferente, que não causava dano material algum mas fazia vítimas por onde passava.
Para o clube da Cruz de Malta essa explosão suscitava em seus torcedores uma enorme alegria e a certeza que com ele em campo, não havia placar em branco.
Já para os adversários nem tanto, pois causava uma tristeza nem sempre efêmera que machucava o peito, causava um mal-estar e afetava o coração.
Mas o gênio Roberto Dinamite era assim… ele explodia gols!
De todos os jeitos, de diversas formas e de diferentes tipos.
Muitos, centenas, milhares… e por mais de duas décadas, ecoou em estádios de vários cantos do Brasil e até do mundo, o barulho retumbante de gols, muitos gols.
De tanto ter seus gols amplificados pelos estádios de futebol mundo afora acabou chegando na Espanha e aos ouvidos do técnico espanhol Joaquim Rifé que pediu sua contratação.
Com 26 anos, nove temporadas no cruzmaltino e sendo assediado por clubes europeus o Vasco não pôde evitar a transferência de seu melhor atleta para o Barcelona, que desembolsou 56 milhões de pesetas – moeda utilizada na Espanha entre 1869 a 2002 – e o tirou da Cidade Maravilhosa.
— Eu voltarei — diria sem imaginar que 5 anos depois a frase se tornaria famosa mundialmente no cinema na voz do então desconhecido ator austríaco Arnold Schwarzenegger, no filme “O Exterminador do Futuro.
Em sua estreia no clube catalão, marcou logo dois gols e alçou voos maiores.
Entretanto, o técnico que havia pedido sua contratação foi demitido três rodadas depois, sendo substituído pelo argentino Helenio Herrera, que cortou suas asas ao não utilizá -lo.
Nos três meses em que esteve vestindo as cores do Barça, o desejo de voltar a jogar era grande.
Com o pensamento em voltar ao Brasil, recebeu Márcio Braga – então presidente do Flamengo – e Eurico Miranda – a mando do presidente Alberto Pires – que queriam a qualquer custo trazê-lo de volta ao Rio de Janeiro.
Nessa queda de braço a paixão falou mais alto e sobretudo quando se ama o clube: Roberto Dinamite estava de volta a São Januário!
Em 5 de maio de 1980, a reestreia era contra o Corinthians, no Maracanã.
O resultado foi uma goleada acachapante de 5 a 2, no qual o camisa 10 fez todos os gols da equipe vascaína.
Foi a volta triunfal do maior ídolo do clube, acompanhada inclusive por um repórter de Barcelona, que relataria o jogo para um jornal local com os dizeres: “Esto, sí, es lo verdadero Dinamita”, (os espanhóis nunca souberam pronunciar Di-na-mi-te)!
Mas ele havia voltado!
E como o ex-governador da Califórnia, a missão de Roberto Dinamite era exterminar seja quem fosse.
E nessa sua volta, havia o desejo de resgatar a ovação de uma torcida infinita em êxtase.
Ou ainda, quem sabe, torcedores regozijavam como dois jovens apaixonados que descobrem no sexo a forma plural do prazer.
Carlos Roberto de Oliveira foi “Dinamite” em estado puro na magia de um futebol aprazível.
Foi titular na Copa do Mundo de 1978, na Argentina e faltou pouco para ser campeão com a camisa 20 amarelinha.
Atravessou a década de 80 sendo mortal como sempre, foi injustiçado na Copa da Espanha em 1982 (foi reserva de Serginho Chulapa), jogou na Associação Portuguesa de Desportos e disputou grandes jogos contra o Flamengo.
— Enfrentei o Roberto em muitos e muitos jogos, um cracaço, um exemplo de profissional, muita dedicação, era ele no Vasco e o Zico no Flamengo, símbolos de seus clubes. Nós tínhamos muito respeito por ele e quando nos enfrentrávamos, eu falava para o Mozer: Não bate no velhinho não, pô! Na verdade ele não estava velho mas a gente inventava essas coisas para irritá-lo (risos). Mas o Roberto era um perigo e se a gente não ficasse de olho… ainda mais quando depois que ele recuou e com a entrada do Romário foi uma confusão danada para a gente — conta o ex-lateral rubro-negro Leandro, que jogando na zaga teve que marcar o camisa 10 vascaíno.
E completa: — O Roberto era um centroavante perigossíssimo, artilheiro nato, bom de cabeceio, pênalti, falta, cortava bem tanto para dentro quanto para fora e batia com qualquer perna, era um perigo constante. Mas era bom enfrentá-lo, porque se eu fui um grande zagueiro foi exatamente por ter enfrentado um jogador como ele.
Entretanto, Roberto é assim no meio futebolístico onde poucos merecem tamanha deferência, e sem sombra de dúvidas, o “Dinamite” é um deles.
Ainda deu tempo de jogar no Campo Grande Atlético Clube em 1993, um pouco antes de se aposentar.
Enveredou na política em 1992 elegendo-se vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSDB e dois anos depois, elegeu-se deputado estadual, cargo este onde se reelegeria em 1998, 2002, 2006 e 2010.
Foi presidente do clube que tanto ama mas não teve o sucesso que teve nos gramados.
Logo em seu primeiro ano de mandato, levou o clube ao seu primeiro rebaixamento na história, subindo com o título da segunda divisão no ano seguinte.
Em 2010, o Vasco seria apenas décimo primeiro na tabela do Brasileirão, enquanto 2011 foi um ano sublime de “Dinamite” à frente do clube, onde foi Campeão da Copa do Brasil e vice brasileiro, com vaga garantida para a Libertadores de 2012.
Na competição, foi eliminado nas quartas de final para o Corinthians (quem não se lembra do gol perdido por Diego Souza?), e, no mesmo ano, foi quinto colocado na tabela do Campeonato Brasileiro.
Era o ensaio de uma volta do clube aos seus bons tempos, porém, em 2013, uma tragédia: o Vasco fez um ano terrível e caiu novamente para a Série B, acabando de vez com a possibilidade de reeleição para um terceiro mandato, nas eleições do ano seguinte – que foram vencidas por Eurico Miranda, que voltaria ao clube.
No ano de 2013, a VascoTV produziu um documentário de 30 minutos, chamado “Dinamite 40 anos – A História de um Ídolo”, sobre a carreira do maior jogador do clube.
Saiu de cena do cenário político e dos bastidores do futebol e hoje participa do programa esportivo Os Donos da Bola na TV Bandeirantes.
Portanto, hoje, 13 de abril o Rei de São Januário completa mais um ano de vida com o sentimento de dever cumprido.
E muitos de seus séquitos, como Bismarck, William, Bebeto, Geovani, Sorato, Mauricinho, Edmundo, Felipe, Juninho e Romário, foram rasos (com todo respeito às suas histórias) diante da profundidade que o eterno camisa 10 do Vasco representa nesses quase 120 anos.
Viva “Dinamite” e muitas explosões de coisas boas para você.
DE ‘CALU’ A DINAMITE, CONSTRUIU-SE A VOCAÇÃO DO GOL
No dia 13 de abril, Roberto Dinamite faz anos. O menino tímido superou duas complicadas cirurgias na infância e fez, na década de 1970, muitos meninos (como este pequenino jornalista) a se apaixonarem pelo Clube de Regatas Vasco da Gama… para sempre.
por André Felipe de Lima
“Apresenta uma morfologia ideal para ser o que é: ponta-de-lança nato. Forte e resistente, chega a parecer tão leve por causa da altura. DE qualquer maneira, é um jogador que se equilibra muito bem sobre as duas pernas e para derrubá-lo é preciso que o marcador ganhe impulso ou dificulte seu pé de apoio. Se desvantagem às vezes leva, é quando perde a noção do lugar favorito (direito). A sua força assenta na soma da massa física com velocidade (grandes passadas para atingir o gol), mas o melhor proveito vem do trabalho constante, do permanente castigo que representa para os zagueiros adversários, com aquele empenho infatigável e constante, nas boas e nas más, nas limpas e nas divididas. Golpeando sempre o mesmo ponto, Roberto é capaz de minar a resistência de qualquer um”. Jamais li, vi ou ouvi definição tão perfeita como essa escrita pelo incomparável repórter Geraldo Romualdo da Silva para o que representou nos gramados o cidadão Carlos Roberto de Oliveira, o inesquecível Roberto Dinamite, o maior artilheiro da história do Clube de Regatas Vasco da Gama.
“Vim do infantil de Caxias, gosto de música pop, soltar pipa, ler e garanto que o que aprendi não foi nada na escola, mas na luta pela sobrevivência, sofrendo e esperando: a pelada é que ensina o melhor e o pior”, disse o então garoto “Dinamite” ao repórter Geraldo Romualdo, em 1975, um ano após da primeira grande conquista nacional do Vasco.
Roberto era ainda menino. A infância e adolescência vividas no humilde bairro de São Bento, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde nasceu na madrugada de 13 de abril de 1954, não foi fácil. De família pobre, com mais um irmão (José Antônio) e uma irmã (Ana Lúcia), o caçula Dinamite foi galgando degrau por degrau até chegar ao topo. E esse topo tem marca: Vasco.
O menino Calu, apelido que guarda desde a meninice, foi a alegria do batalhador Maia, seu pai, que tanto duro dava em uma repartição pública para sustentar a casa, mas que realizou no filho pródigo o sonho de um dia ser jogador de futebol. Sonho deste cronista e de muitos leitores dessas despretensiosas linhas biográficas. Maia disputava peladas como goleiro nas peladas empoeiradas e lamacentas de Caxias. Foi num daqueles campinhos de trave sem rede que Roberto começou a nascer.
Maia distraía-se sempre que uma moça bonita pintasse na linha lateral. Foi uma delas que o fez daquela pelada do Maia a mais memorável de todas. Foi, talvez, o pior desempenho dele em um jogo de futebol, mas certamente o mais sensacional gol que marcou com o seu coração. Do olhar maroto para a beira do campo, veio a carinhosa conversa fiada com moça Neuza. O romance começou, e como escreveu Paulo César Pinto, biógrafo de Dinamite, “tinha Calu outro caminho que não o futebol?”.
O garoto logo na infância começou a compreender o que uma bola de futebol poderia fazer na vida de um menino humilde. Sonhava acordado com arquibancadas, bandeiras e o grito eloquente da torcida entoando seu nome: “Calu! Calu! Calu!”. O pequeno Roberto mal sabia que uma explosão de felicidade e amor o aguardaria anos depois, num campo mágico, histórico e mítico de São Cristóvão.
Nem mesmo as preocupantes cirurgias que fez aos oito (tumor na coxa esquerda) e aos 12 anos (princípio de osteomielite decorrente de uma pelada na rua) impediram que o jovem Calu consumasse o seu destino: o futebol transformaria o rapaz tímido e de poucas palavras no maior goleador que os cruz-maltinos conheceram.
Quem foi buscá-lo no modesto São Bento, time de peladas do bairro em que morava, foi o célebre treinador Gradim, olheiro da melhor estirpe e sabedor como poucos das coisas da bola. Gradim perambulava de pelada em pelada para pescar futuros craques. Pescou um graúdo. Em novembro de 1969, o magrelo Calu, com 15 anos, chegou à São Januário. Foi aprovado no teste e em um mês deixou a escolinha do clube para integrar o time juvenil sob o comando do velho Célio de Souza. Dali em diante só mesmo a definição do saudoso locutor Waldir Amaral para resumir o que representaria Roberto para a história do futebol: “A vocação do gol”.
Assim, nós, vascaínos, fomos aprendendo a gostar de futebol. A amar o Vasco. Graças às centenas de vezes que gritamos gol. Gol do nosso Calu. Gol do nosso menino explosão, amado e tão bem protegido pela querida Jurema. Gol de um gigante chamado Roberto Dinamite.
DINAMITE SEMPRE GOL
por Rubens Lemos
Saía no tapa algumas vezes quando o flamenguista xingava Roberto Dinamite na escola. Brigas bestas, de menino em intervalo discutindo a rodada de domingo na chatice de uma segunda-feira. Flamenguista não fica satisfeito apenas em torcer pelo seu time. Gosta de tripudiar, humilhar, debochar do derrotado e nos anos 1980 o Vasco apanhava muito mais do que batia.
O Vasco era Roberto Dinamite, meu ídolo, o cara que ilustrava meu caderno socando o ar em vitórias sofridas. Quando o conheci, no antigo Hotel Ducal, onde ficou hospedada a seleção brasileira na primeira vez em que jogou em Natal, 26 de janeiro de 1982 (3×1 na Alemanha Oriental), tremi da cabeça ao dedão do pé ao receber seu autógrafo e um sorriso comovente pelo cinzento de um olhar simplório e cativante.
Fiquei abalado quando o técnico Telê Santana excluiu Roberto Dinamite da lista dos 22 convocados para a Copa do Mundo de 1982. Uma tremenda perseguição. Roberto Dinamite – que salvara o escrete quatro anos antes marcando o gol da classificação contra a Áustria, fez gol e jogou muito bem, afinado com Zico ao ser convocado pela primeira vez por Telê para um amistoso contra os búlgaros em Porto Alegre: 3×0. Zico e Roberto Dinamite, juntos, nunca perderam uma partida pela seleção.
Na partida de Natal, isolado, o artilheiro do Vasco pouco rendeu. Ninguém jogou absolutamente nada, mesmo com a vitória. Sócrates fez falta, Falcão também não veio e não fosse pela ruindade dos alemães do caduco lado comunista, o Brasil, no máximo teria empatado. Como empatou contra a Tchecoslováquia em 1×1 no Morumbi.
Vaias no Morumbi provocaram ranhuras em gloriosas reputações. Roberto Dinamite não teve paz , como não tiveram, várias vezes, Paulo César Caju, Zico, Bebeto. Tocava na bola e era xingado pela multidão pedindo Serginho Chulapa.
Barrado pelo pavoroso grandalhão Chulapa, à época no São Paulo, perdeu a vaga de reserva para o jovem Careca, do Guarani, habilidoso, ágil e adequado ao estilo de toque de bola da constelação que brincava com a bola.
Careca se machucou já nos primeiros treinos em Cascais, Portugal, onde o Brasil se preparava, e Telê foi obrigado a convocar Roberto Dinamite sem sequer colocá-lo no banco de reservas em nenhuma das cinco partidas.
Enquanto Zico, Sócrates, Falcão, Leandro e Júnior encantavam o planeta bailando em variação de ritmos, do samba ao jazz, Chulapa, destoando da sinfônica, ganhava uma reputação infame: o melhor zagueiro-central da Copa perdida para a Itália. Telê Santana conseguia ser maravilhoso e teimoso.
Roberto Dinamite segurou o Vasco sozinho no tempo de cartolas avarentos. De timecos. Aos 20 anos, comandou o improvável título brasileiro de 1974 superando o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Dirceu Lopes e o Internacional de Figueroa e Falcão.
Em 1976, o gol mais bonito do ex-Maracanã, o lençol em Osmar Guarnelli e a patada de voleio vencendo Wendell na virada de 2×1 sobre o Botafogo, no limite do tempo das almas aflitas.
Em 1977, massacrou Flamengo, Botafogo e Fluminense na épica jornada do primeiro título que assisti pela TV. O Carioca de um timaço com
Mazarópi; Orlando, Abel, Geraldo e Marco Antônio; Zé Mário, Zanata e Dirceu; Wilsinho, Roberto Dinamite e Ramon. Ele batendo o pênalti
final jogando o goleiro Cantarelli para um lado e a bola entrando rasteira no canto direito.
Bem mais do que admiração, Roberto Dinamite transpirava ternura, uma singeleza quixotesca. Formou duplas sensacionais com Ramon, Jorge Mendonça, César, Cláudio Adão, Elói, Arthurzinho e Romário, seu sucessor e melhor atacante de todos os tempos.
Na transição do adolescente para adulto, quando se assume o mundo sem que se combine com quem quer que seja, passei a ver o Vasco na classe superior do maestro Geovani, companheiro de Roberto Dinamite nos títulos de 1982, 1987, 1988 e 1992.
É a grande área o seu memorial. É a zona do agrião, seu pedaço a merecer gratidão. Foi um mal cartola? E daí? . Roberto Dinamite faz 64 anos e no sentimento vascaíno de granadeiro bigodudo, ele será sempre o artilheiro, o herói solitário a nos salvar no minuto final, na esperança renascida em gol de desabafo explosivo.
A LUA DE MEL
por Sergio Pugliese
Leo e Carla cantarolavam no carro em direção a Ilhabela. Enquanto ele dirigia ela alisava seus cabelos e massageava sua nuca com a ponta dos dedos. Leo era um arrepio só! A estrada era o esquenta para os seis dias de lua de mel. Três anos de namoro, casamento na Igreja Santa Margarida Maria, na Lagoa, e no dia seguinte pousada em Ilhabela, um sonho dourado de Carla.
– Enfim, sós! – suspirou ela enquanto admirava a paisagem.
Leo estava realizado. Mas achava que três dias em Ilhabela resolveriam a questão. Tudo bem, quem era ele para contrariar sua amada. E foi entrar no quarto para Carla mostrar que lua de mel é lua de mel, nada de perder tempo. Mas Leozão estava relaxado, feliz da vida, e foram horas de intenso amor. Para o cartão de visitas estava ótimo! Mas assim que saiu do banho, certo de ter cumprido sua missão com louvor, lá estava ela, linda, provocante, pronta para começar tudo de novo. Leo vivia um grande momento, jogou a toalha para o alto e não decepcionou.
No segundo dia à noite Leo havia emagrecido mais do que 20 dias num spa. No almoço do dia seguinte, com as olheiras fundas, se abastecia de proteínas e carboidratos enquanto Carla acariciava sua perna por baixo da mesa. Nesse momento, ouviu um som familiar, música para seus ouvidos: uma bola quicando. De antena ligada captou o grupo da mesa ao lado combinando uma pelada entre os funcionários da pousada e o time da região vizinha. Leo aguou….e foi para o quarto sonhando com a bola rolando num gramado verdinho.
No quarto, mais amor! E Leo, garoto bom, Kama Sutra Futebol Clube, foi arrasador e deixou sua amada desmaiada em berço esplêndido. Se arrastando conseguiu alcançar a janela. Buscava fôlego e apreciava a natureza exuberante do jardim da pousada quando foi despertado por um rapaz, o mesmo do grupo do restaurante.
– Joga bola, amigo?
Que pergunta!!! Leo era sempre o primeiro a ser escolhido em qualquer pelada do planeta! Quando trabalhava no Bradesco, da Saens Pena, foi promovido a gerente às pressas só para poder participar do campeonato entre agências. Não foi profissional por opção e sua resposta não poderia ser outra.
– Lógico!!! – respondeu baixo para não acordar Carla.
– Está faltando um no time da pousada.
Em cinco minutos Leo estava lá. Deixou um bilhete para a mulher dizendo que resolveria um problema na recepção, vestiu short, camiseta e se mandou. Leo mostrou um vigor impressionante e acabou com o jogo. Fez os quatro gols da vitória de 4×3 e saiu aplaudido. Na volta, tomou uma ducha, guardou a roupa suja na mala do carro e entrou novinho em folha pela janela. Carla tomava banho. Preferiu omitir porque ela sempre foi contra suas peladas. Carla nem desconfiou. Mas à noite precisou lançar a manjada desculpa da dor de cabeça para manter Carla menos fogosa.
No fim da estadia, os dois foram pagar a conta.
– Sai a dolorosa! – brincou Leo.
Foi quando surgiu o dono da pousada, seu parceiro de ataque na pelada.
– A conta total seria três mil, mas pelos quatro gols que fez sai pela metade.
Leo ainda tentou sinalizar para evitar o assunto, mas Carla foi mais rápida.
– Que quatro gols foram esses?
– Calma que eu explico….
Carla se divertiu com a história, afinal a atuação de Leozinho fora das quatro linhas também havia sido impecável. Na volta de viagem, o mesmo cafuné na nuca enquanto Leo dirigia. Ele, em silêncio, pensava: “Leozinho, você é o cara!!!”.