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LEMBRANÇAS DE ROMÁRIO

por Rubens Lemos 

É passar em frente ao prédio e a angústia é instantânea. Volta como em reprise a agonia das caminhadas noturnas na calçada do Hospital Infantil Varela Santiago em Natal.

Chorava na rua para não assistir ao meu filho, com um ano e um mês de idade, ser picado por agulhas, amarrado ao berço em intenso tratamento contra uma pneumonia surgida do nada.

Descobri naqueles dias o que é ser pai. Eu, Isabel e Caio só tínhamos a nós mesmos. Quando o pediatra, Doutor Edmilson Freire – médico sereno e eficiente que se tornou amigo -, deu o diagnóstico e determinou a internação, caímos no pranto, pai e mãe inexperientes e abraçados. O meu filho estava naquela fase em que todo cuidado é pouco e tudo o que faz é encantador.

Dormíamos os três no pequeno apartamento do hospital. Ele teve que ser amarrado porque não agüentava de impaciência. E se doía nele, mais ainda em mim. Pai sofre em dose tripla. Caio já demonstrava a valentia sertaneja lá do Oeste potiguar. Soluçava baixinho. Quase 20 dias de tormenta. Quando o libertaram do soro, Caio quase voou do berço e foi pouco para os milhares de abraços chorões.


É, 1994 havia começado mal. Toda a família já tinha sido castigada por uma catapora. Como sempre ocorre desde que me entendo trabalhador, férias, só por doença. Fiquei lindo, todo pipocado. No esporte, golpe traiçoeiro. O moleque Dener, que eu tenho certeza faria história bem mais que os Neymares e Robinhos, morria enforcado pelo cinto de segurança do seu carro nas imediações da Lagoa Rodrigo de Freitas.

Dener, do Vasco, achava o drible mais belo que o gol. Demais eu chorei por Dener.

Desabafar também é arma de pobre. Lembro que usei uma tarjinha preta na camisa para ir trabalhar, igual ao luto estampado nos homens interioranos.

Eu nunca fui fã de Ayrton Senna, falecido também por aqueles dias. Talvez pela chatice de Galvão Bueno e depois pelo alpinismo de uma namorada galisteia, feminino de papa-defunto em ascensão social e fulanização.

Confesso que não me integrei à comoção pela morte de Ayrton Senna. Se vivo fosse, duvido que Schumacher ganhasse tanto depois. O problema, como nos sonhos delirantes, é um pequenino se.

Caio já estava robusto e nós, felizes em nossa vida simples e assim boa além da conta. Tínhamos o suficiente e ninguém ligava pra gente, o que era melhor, o melhor da história.


Veio a Copa do Mundo. E eu com 100% de fé naquele que jamais me decepcionou em minhas preces: Romário.

Eu gostava mais de Romário do que da própria seleção. Ele levava sem saber a revolta que eu precisava extravasar. Eu tinha de ganhar alguma coisa. Ele correspondeu.Ganhou o tetra pra mim.  

O jogo contra a Holanda pôs meu pulmão de tísico à prova. Na falta cobrada por Branco, a que decidiu a partida (3×2), berrei como um Pavarotti com 50 quilos. Caio assustou-se e chorou o que não pudera quando em seu leito de hospital.

Contra a Suécia, na semifinal, o goleiro deles era um chato, Ravelli, que ficava zombando a cada chute pra fora de Mazinho, Bebeto, Zinho, até Mauro Silva arriscou de longe. Aí Romário subiu como um senador romano à tribuna, mandando a empáfia do goleiro direto pra Estocolmo.


Contra a Itália, nos pênaltis, petrificado eu fiquei quando Baggio mandou a bola pelos ares. E, sem o vozeirão de Cauby, gritei, gritei até ter dó da garganta.

Editava o Bom Dia RN na afiliada Globo em Natal. Encerrei o telejornal com um clip com a música Brasileirinho na voz de Baby Consuelo. Aquele era o hino. De todos os nós desatados.

Faz 24 anos.Isabel me confessa até hoje ter pena do pobre Baggio e a sua solidão após o fracasso e a nossa vitória. E fica indignada quando eu digo que ele fuck!. Minha mulher esquece da tragédia de Zico em 1986.

Feliz 1994. Caio hoje, 25 anos, casado, é torcedor de Copa do Mundo. Nada é perfeito. E acha exagero quando eu digo que Romário foi tudo.Ele alcançou os meus milagres.Cometeu minhas vinganças.

BOÊMIOS DA VILA F.C.

por Marton Olympio


Hoje teve Boêmios, lá no campo do Sampaio e como sempre acontece, aquele sol glorioso abriu ali sobre o bairro, deixando todo mundo bem aquecidinho. Aquele preparo de sempre: tornozeleira, caneleira, tensor pro joelho (que hoje deu uma apitada bonita), o gel de silicone pra suportar o peso no calcanhar e tudo aquilo que ajuda a dor ser menor. Ainda sentia as dores da pelada de quinta, mas, mesmo com elas, fui pra lá tentar não atrapalhar a equipe.

Para a minha surpresa eu ia começar jogando. E lá fui eu. Dois zagueiros me esperavam. Um, visivelmente mais velho e mais lento e outro jovem, esguio e veloz. Lógico que escolhi jogar pelo lado do primeiro deixando para meu amigo Marquinho, companheiro no ataque, o desenrolo com o outro beque.

Os dois, anos mais novos, com certeza iriam se entender. O jogo estava ótimo. Daqueles jogos bacanas, limpos, gostoso de ver e jogar. Divertido. E com alternativas bacana de ataque, defesa, tudo aberto e como diz a gíria: jogo jogado. E foi durante um desses embates lá na frente, trocando tintas com a zaga, que uma frase me fez lembrar uma história que me contaram essa semana.


Um time de escritores peladeiros foi enfrentar o time do Chico Buarque, o famoso Politeama. E num dos momentos do jogo, alguém deu uma chegada no Chico. Note bem que chegada não tem a ver com agressão ou tampouco fere a ética da pelada. É só uma forma de testar a resistência do corpo do adversário. Se é falta ou não, vai do juiz, do campo ou do grito. Depende muito. E, após o choque, de um jogador mais novo e robusto, Chico foi ao chão.

Climão na hora. Alguns protestos e o rapaz sem graça, ajuda o Chico a levantar e pergunta:

– O senhor tá bem?

Ao que Chico, educadamente responde com “a frase”:

– Senhor é o caralho! – E seguiu o jogo.

Hoje, em um momento de troca de marcação, aguardava a bola cruzada dentro da área, naquele movimento de empurra empurra tipico de espera da batida da falta. Eis que ouço uma frase:

– Eu tô com o magrinho… Marca o coroa! – e o zagueiro colou em mim.


Eu era o coroa. Essa frase tá mais latejante em meu corpo que meu joelho inchado e coberto de gelo. Coroa. Queria ter reagido tão rápido quanto o Chico Buarque, um verdadeiro, sem trocadilhos, craque com as palavras.

Ps.: É maravilhoso jogar no Boêmios. Obrigado a todos os envolvidos. Ah sim, ganhamos de 2 x 0. Chupa, novinho

VIVA A DIVERSIDADE!

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


França campeã, impossível não me emocionar. Fui o primeiro brasileiro campeão mundial a jogar naquele país. Tinha algumas opções, mas escolhi o Olympique de Marselha por ter um clima parecido com o do Rio de Janeiro.

Quando jogava pelo Flamengo e fazia uma excursão na Alemanha, Daniel Stern, fundador do Paris Saint-Germain, e o lendário Just Fontaine, me visitaram na concentração e me convidaram para o PSG, que acabara de subir para a Primeira Divisão. Neguei porque o frio parisiense me assustava. Depois, acabei indo para o Olympique.

Não imaginei que pudesse voltar ao Brasil porque era tratado com muito carinho pelo torcedor, na verdade pelo povo francês em geral. Mas Francisco Horta me convenceu e voltei ao Flu. De qualquer forma me sinto um dos responsáveis por abrir essa porta ao mercado brasileiro. Indiquei Jairzinho, o Furacão, e jogamos juntos. O sucesso foi tanto que o estádio do Olympique precisou ser ampliado para receber mais torcedores.

Aprendi a língua, fiz amigos, como os atores Jean Paul Belmondo e Alain Delon, o tenista Yannick Noah, e o príncipe Albert de Monaco. Colecionei gravuras de Picasso, Monet, Salvador Dali e uma revista de arte fez uma capa com o título “De Paul Cezanne a Paulo César” exaltando a poesia do futebol brasileiro.

Era convidado para os grandes eventos e recentemente fui consagrado com a Legião de Honra, importante comenda do governo francês. Vi muitos imigrantes correndo nas ruas da França. Fugiam da polícia que os impedia de vender suas bolsas “Louis Vitton” nas áreas turísticas.


Guarda Negra

Nessa época, apenas dois negros atuavam da seleção, Tresór e Jean Pierre Adams, apelidados pela imprensa de “la garde noir”, a Guarda Negra. Muita coisa mudou de lá para cá, ocorreram avanços na política e a França, com certeza, deve ser a seleção mais miscigenada.

Sobre essa grande variedade de origens, Matuidi, descendente de angolanos e congoleses, disse que a diversidade é uma das belezas da seleção francesa e, por isso, sentia orgulho em representá-la. Matuidi, Griezmann e outros 17 jogadores são filhos de imigrantes ou nasceram em outros países e se naturalizaram. As raízes são as mais diversas: Filipinas, Haiti, Congo, Senegal, Mali, Angola, Guiné, Togo, Mauritânia, Argélia, Camarões, Ilha de Guadalupe, Martinica, Alemanha, Espanha e Portugal. Isso faz bem ao futebol? Para a França fez. E muito!

Não sou historiador e a Croácia também teria seus motivos extra futebol para ganhar o título, mas falo da França por minhas ligações sentimentais. Se pudesse escolher a campeã da Copa seria a Bélgica, que apresentou o futebol mais bonito, técnico e veloz. Entre França e Croácia, a França. Tem muito mais jogadores técnicos e Didier Deschamps se deu ao luxo de não precisar usar todos os seus reservas, alguns muito bons de bola, como Thomas Lemar e Dembelé.


Essa Copa foi uma vitória do futebol porque as três primeiras mereciam o título e mesmo Didier Deschamps, uma espécie de Dunga francês, curvou-se ao futebol ofensivo. Claro que não surgiu um novo Platini, nem um novo Zinedine Zidane, mas podemos dar mil vivas a essa escola maravilhosa, que encanta o mundo não é de hoje.

Viva, Just Fontaine, Lilian Thuram, Thiery Henry, Marcel Desailly, Cantona, Mbappé, Griezmann e Pogba! Viva o futebol! Viva a diversidade!   

“ETERNO 7X1”

por Émerson Gáspari


Gostaria de começar pelo fim. De um período sublime, de alegrias, vitórias, craques maravilhosos, futebol bonito. O qual durou 44 anos e cinco títulos mundiais, nos tornando conhecidos, temidos e admirados mundialmente.

Mas isso foi entre 1958 e 2002 e esse tempo agora parece existir apenas para os saudosistas. Alguns deles, feito eu, que não se conformam com a mediocridade futebolística exibida há tempos, pela Seleção Brasileira.

Analisar o que ocorre, exige um olhar mais profundo e abrangente.

Comecemos pela velha teimosia de “europeização” do futebol brasileiro.

Em Copas passadas, já tivemos de tudo: técnico apregoando futebol-força, copiando esquemas defensivos, usando três zagueiros, extinguindo pontas. Uma série de invencionices tidas como evolução e que por estarem em voga no Velho Continente, logo se tornavam “coqueluche” (para usar um termo da minha época) por aqui.

Mas depois do penta, a coisa ficou mais séria e nosso futebol só fez regredir.

Seleções formadas exclusivamente por brasileiros no exterior, atletas saindo de baciada, técnicos partindo para se aprimorar lá fora, mídia destacando futebol europeu, campeonato brasileiro por pontos corridos e muitos casos de corrupção.


Pior: a formação do atleta em escala industrial, tirando do jovem criatividade e irreverência, prendendo-o a modelos de fora, onde drible é recurso raro e obediência tática se sobrepõe a talento. Estatura e físico valendo mais que ginga e picardia. O progresso ceifando campinhos de várzea, substituindo-os por escolinhas de futebol que ensinam o “evoluído” modelo europeu. O maldito modelo europeu.

Estão matando a essência do futebol brasileiro. Seria como tirar um índio de seu habitat natural e impingir-lhe a usar sapatos, terno, celular, óculos, como se isso fosse o correto. Ao perpetrar na cabeça do brasileiro que deva se comportar em campo como o europeu; tolhemos seu talento nato, engessando nossos times e selecionados.

Não foi diferente nessa Copa. Estava na cara que seria assim!

Em 2010, após o fracasso da Seleção de Dunga, me perguntaram em qual lugar eu achava que o Brasil iria terminar no Mundial seguinte. Cravei: “Terceiro”.

Após a “Família Scolari” apanhar em casa de 7×1 dos alemães e de 3×0 dos holandeses, nem isso. Acabamos em quarto lugar, mesmo.

A desculpa esfarrapada na época para isso foi a contusão de Neymar.

Pois me repetiram a pergunta, questionando-me sobre 2018. Cravei: “não passa do quinto jogo!”. E não é que acertei em cheio, dessa vez?

Agora, já me questionaram novamente, em relação a 2022 e sabem o que respondi?

“Prefiro nem dizer!”. Porque sinto que não vem coisa boa por aí.

E olhem que fazer previsão quatro anos antes envolve uma série de coisas a serem analisadas e ninguém – muito menos eu – tem bola de cristal, por mais que entenda de futebol. Só que a experiência nos dá conhecimento e certa segurança ao afirmar isso.

Não se trata de pessimismo: gostaria de estar aqui, afirmando que jogamos bem, ganhamos o hexa merecidamente e que nosso futuro é muito promissor. Mas não é.

E quando vejo torcedores “nutelinhas” (para usar uma gíria deles, agora) pedindo continuidade nesse trabalho, respaldados por uma mídia que defende Tite como se fosse nosso salvador, aí sinto que estamos realmente perdidos.

Essa mídia que a partir de 1980, quando os craques começaram a deixar o país, passou a transmitir futebol italiano, espanhol, inglês, francês, alemão, javanês e virou as costas para os times do interior, para os estaduais que foram minguando, desde então. 

E o torcedor? Preferiu assistir jogos na poltrona, abandonou a arquibancada e deixou os filhos serem induzidos a torcerem por clubes estrangeiros. O torcedor está cego!

Tanto, que não percebe que seus programas de futebol foram invadidos por uma leva de outros esportes e até por games! E quando a mídia fala de futebol, então…

Muitas matérias rasas, sem profundidade, até mesmo na imprensa escrita.

Ao invés de cobrirem uma partida, agora elegem um “personagem” alheio e gastam tempo com ele. Ou soltam pérolas do tipo: …“em Oeste, Oeste 0 x 2 São Caetano”.

Durante as Copas, só piora: é repórter que não domina o assunto futebol e erra três vezes um mesmo termo ou é flagrado ao celular, quando chamado no “link”. É repórter que fica nervosinho, quando questionado pelo nível fraco das perguntas em coletivas. Ou comentarista “médico” afirmando, enquanto Neymar saía de maca sem mexer as pernas após uma joelhada nas costas, que não era grave, que ele treinaria normalmente e iria enfrentar a Alemanha sem problemas. Locutor que desconhece impedimento e até aquele que precisa transmitir jogo quase afônico. 

Matérias dantescas como das cocadas ou das coxinhas com nomes de jogadores, a do cabelereiro do ídolo, a da precária higiene nos banheiros dos trailers dos turistas na Copa ou ainda, sobre quantos assovios o treinador deu no Mundial.

Nunca vi tanta gente deslocada, despreparada e diria até, excessiva numa cobertura. 

A cobertura virou circo. Dos horrores. E o torcedor não enxerga isso.

Prefere ver batida de tambor nos intervalos ou comentários de “experts” em futebol, como cantoras, atores, dançarinas, modelos…


Saudades das crônicas de Nelson Rodrigues e João Saldanha. Das narrações de Geraldo José de Almeida ou Luciano do Valle. De uma mesa-redonda com Armando Nogueira e Orlando Duarte. Quem viveu essa época sabe bem do que estou falando.

Mas voltemos ao cerne da questão: essa geração “7×1” e a filosofia que insistem em querer manter, levando nosso futebol à ruína.

E não é só o nosso: o futebol sul americano de uma maneira geral, está assim.

A Argentina não ganha uma Copa desde 1986 e nenhum torneio importante desde 1993. O Uruguai não vence o Mundial desde 1950, aqui no Brasil.

Já se foi o tempo em que a Copa mostrava alternância de campeões, entre Europa e América do Sul. Nesse século, o trio exportador de “pé-de-obra barata” só obteve um título com o Brasil (2002), um vice com a Argentina (2014) e um quarto lugar com o Uruguai (2010). Em 2018, ninguém beliscou nada. Estamos em processo de “corrosão”.

Os três precisam de medidas para proteger seu futebol, diante do poder financeiro que impulsiona o europeu. Talvez reivindicarem à FIFA, a proibição de transferência de atletas antes dos 21, 23 anos. Fere princípios do cidadão? Estudemos alternativas que possam legalmente chegar perto disso. O que não podemos é ter casos como o de Messi, desde os 14 anos na Europa e que jamais atuou pelo campeonato argentino.  

Precisamos criar fórmulas que nos possibilitem ter um campeonato como o mexicano, rico, com média de 40 mil pessoas por jogo, com seus principais jogadores atuando lá. Não dá mais pra permanecer como está!


É feito a Seleção Brasileira, meus queridos: não dá mais para usarmos o modelo que está aí. Não deu certo. Não comecemos em cima do que fracassou, até para que isso não se torne um “eterno 7×1” para nós. Se profeta eu fosse, diria ao torcedor: “não vos iludis com falsas promessas, lembra-te dos que entregaram regiamente seu suor e sua alma para nossa glória e desse modo, nosso campo não se fará terra devastada”.

Primeiro tivemos a invasão dos “professores de educação física”, como sempre cita o PC Caju. Depois, veio a “escola gaúcha”, que está aí. Nada contra, ela até nos deu o penta e somos gratos por isso. Mas não dá mais. Precisamos recuperar a essência do futebol brasileiro, resgatar nossas origens, jogar como sabíamos.

Não adianta o “coach” afirmar que não irá tirar o drible e a criatividade de um jogador, se todos os outros jogam engessados, no padrão europeu. Onde já se viu prender o centroavante feito pivô, apenas para abrir espaços para quem vem de trás, gente?

“Ah! Mas o Tostão fez isso em 70”, dizem imprensa e a torcida, ensaiadas. Tá! Serginho fez o mesmo em 82 e lembram no que deu? Querem comparar os dois com Tostão?

“Mas o Tite tem crédito, a Seleção evoluiu, só perdeu dois jogos!”. Tá! Dunga também e vocês acham que com ele o time evoluiu? Além do mais, evoluir em relação aos 7×1 é quase que uma obrigação. Pior ou igual a aquilo, não seria possível.

“Mas ganhamos as Eliminatórias com um pé nas costas!”, cheguei a ouvir por aí.

E ela lá serve de parâmetro para Copa do Mundo? Por acaso a das Confederações, na qual goleamos a Espanha na final em 2013, serviu de parâmetro para a Copa, no ano seguinte? Ou mesmo a conquista da medalha de ouro em 2016, nas Olimpíadas?

Um monte de torcedores faz coro com a imprensa esportiva, pedindo que o Tite fique porque sabe montar um grupo, e é um bom “gestor de pessoas”, usando para isso, sua costumeira verborragia. Oras, precisamos é de um treinador, não de um gestor!

Sabem o que ocorre? É que depois dos tais 7×1, ninguém queria segurar a “batata quente”. E o Dunga e depois o Tite seguraram. Tiveram méritos, mas já tiveram suas oportunidades. Passou! Repetir Tite dará frutos parecidos com a repetição de Dunga.


No caso do Tite, ele chegou respaldado pelos bons resultados à frente do Corinthians, não há dúvidas. Porém, nem assim impediu o vexame dessa Copa, já que o selecionado foi mal convocado e acabou ficando mal escalado.

Mas como não apanhamos de goleada, muita gente diz “tudo bem”. Tudo bem?

Pois é aí que está: o que mata é também essa visão tacanha de que a Copa é antes de tudo um evento e que não dá pra ficar ganhando sempre; há concorrentes diretos que às vezes merecem mais, além do que o futebol mudou, não podemos comparar com o de antigamente e blá, blá, blá…

Você ouve esse tipo de comentário o tempo todo. O torcedor-comum mudou.

Hoje, nos jogos de Copa, é o tal de ficar na arquibancada olhando não para o campo, mas para o telão, esperando os 90 minutos, para ser focalizado por três segundos e aparecer para o mundo todo. Dane-se a Seleção!

Na saída dos estádios, não tem um que esboce para a reportagem, um mínimo de conhecimento e noção do que foi a partida. É só fantasia, gritaria, histeria.

Então virou evento bonitinho, colorido, com abertura e encerramento impecáveis, elitizado, preços de ingressos nas nuvens e cuja maior atração do Mundial não é um craque ou seleção: é o VAR (árbitro de vídeo), cuja participação foi crucial na decisão.

Perdeu? “Tomemos uma cerveja, porque daqui a quatro anos tem mais… são 32 seleções e uma taça só!” É muito conformismo ou pura cegueira mesmo, minha gente!

Em 2006 deu Itália; em 2010, Espanha; em 2014, Alemanha e em 2018, França.        

Ou seja: todas, seleções europeias. Se fosse mesmo só um simples evento, porque seleções asiáticas ou africanas, por exemplo, não conseguem vencê-lo, também?

Entenderam o discurso pronto e sem noção, que está na cabeça de muito torcedor?

Estamos aceitando entrar no “segundo escalão” do futebol mundial, naturalmente.

Se antes sucumbíamos perante seleções que chegavam à final ou eram campeãs, agora aceitamos derrotas para seleções sem tanta tradição e ainda pedimos a continuidade desse trabalho. À que ponto nós chegamos!

Hoje, perdermos por 2×1 para a Bélgica é evoluir em relação aos 7×1 da Alemanha, bem como ver a Argentina ir embora do Mundial antes de nós já parece ser suficiente. 

Será que não sabem que se por um lado o fato de nos tornarmos pentacampeões foi devido ao nosso talento nato para o futebol, por outro lado, isso também se deveu a nossa intensa cobrança, essa vigilância feroz que o torcedor costumava exercer?

Escolher um técnico para a Seleção era quase tão importante quanto eleger um presidente. Hoje, isso mudou. Tanto, que explodiu o número de chatos jogando a culpa da alienação política brasileira em cima do futebol. Se soubessem que o próprio futebol está repleto de torcedores alienados…


Aliás, aumenta cada vez mais o número de pessoas que não gostam de futebol, no país. Por uma série de razões. E essa indiferença, essa falta de “vigilância”, também levou a Seleção a ficar mais distante do torcedor. Parece mais um produto.

Como não se cobra, não se chega a treinadores melhores, a jogadores melhores, a resultados melhores, a dias melhores. Não se respira mais futebol por aqui, como antigamente, compreendem? Estamos deixando de ser o “país do futebol”.

Qual o mal de querer ganhar sempre? O basquete americano é assim e alguém reclama dos títulos que eles ganham, por acaso? Pelo contrário!

“Ah, mas estávamos mal acostumados” disseram, dia desses, numa dessas análises bestas, querendo nos conformar diante da derrota. Pois eu respondo: estamos é nos acostumando mal, agora.

Acostumamo-nos com a corrupção no futebol, com o êxodo dos jogadores, com a falta de estrutura e administração melhores, com uma seleção que não representa de fato, o legítimo futebol brasileiro e que não levanta mais uma Copa, sequer.

Se não vencermos a próxima, igualaremos o recorde de tempo sem conquistarmos um Mundial, sabiam? Não, a maioria não sabe. Nem quer saber. Estão todos conformados.

E o “eterno 7×1” continuará se repetindo pelos anos que virão a continuarmos assim, podem ter certeza.  Essa Seleção nada mais é, que uma releitura da de 2014, com um discurso mais bem ensaiado, apenas.  Senão, vejamos:

Daniel Alves, Thiago Silva, Marcelo, Paulinho, Fernandinho, William, Neymar…

O Dani Alves foi cortado por contusão, ok. Mas qual desses aí, veteranos da Copa anterior, realmente desequilibrou a favor do Brasil, na hora “H”?

Não lhes parece que a Seleção de Felipão chorava demais e que a de Tite também não passava segurança emocional? Muitos defenderam o choro de Neymar, nosso principal ídolo, bem no meio-de-campo, ao apito final de uma partida ganha e de primeira fase. “Ah, mas foi porque ele voltou de contusão”.


Lembro que Pelé também chorou assim, mas não no meio-de-campo e sim no peito de Gylmar, junto dos companheiros. E tinha apenas dezessete anos. Mesmo assim, só depois de derrotar os donos-da-casa, em plena final da Copa da Suécia, algo inédito até então, para nós. Também vinha de uma contusão (quase foi cortado), entrando só no terceiro jogo, precisando classificar o Brasil.

E quanto a aquelas quedas todas em campo? Ou mesmo a reação, quando foi pisado por um mexicano, ao lado do gramado? As próprias redes sociais que achincalharam tanto Neymar, também relembraram Pelé em 70, quando revidou uma pisada dessas, com uma cotovelada na cara de um uruguaio, sem que o juiz percebesse.

Hoje tem “árbitro de vídeo”, eu sei, mas aquela reação dele não iria ajudar em nada. Como não ajudou. A imagem do jogador que cai e simula só se amplificou e pior: acaba ficando visada pela arbitragem. Neymar saiu menor dessa Copa, do que entrou.

Entendo que o atleta queira se proteger da violência em campo. Mas para isso já existe arbitragem. E também, não custa tocar mais a bola, ao invés de prendê-la. Lembro que Rivaldo, por exemplo, padecia desse mesmo mal, mas se corrigiu, com o tempo.

Só que a Seleção cometia erros absurdos, também. Corria, mas ao chegar ao ataque, parava, aguardando o adversário se recompor, pelo menos com duas linhas de quatro, atrás da bola. Daí começava aquela lenta inversão de jogadas, que não redundava em nada, pois os espaços já estavam blocados.

Onde estavam as jogadas ensaiadas para surpreender o adversário? E os exímios cobradores de falta que sempre tivemos? Aquelas jogadas rápidas pelas pontas?

“Ah, mas hoje o futebol mudou”. O futebol não mudou: piorou!

Diminuíram o campo, tiraram peso da bola, melhoraram o gramado e a condição física do atleta, para que o jogo ganhasse mais intensidade. Ok! E daí, qualquer cabeça-de-bagre joga, basta ter físico para isso. É basicamente fechar espaço, destruir e correr.

Queria só ver se com gramados enormes como o antigo Maracanã e talvez até, dez de cada lado (como já cansou de sugerir Beckenbauer), não voltariam as boas jogadas, os lançamentos, o drible.

Hoje, aqui no Brasil, o goleiro dá um chutão e a bola vai cair no círculo central, onde o zagueiro adversário a “chifra”. Ela viaja uns dez metros e é novamente golpeada de cabeça pelo volante da outra equipe. Daí então, perdendo altura, é disputada por dois ou três ao mesmo tempo e o juiz vai logo parando o jogo, arrumando uma falta, porque senão, ninguém põe a bola no chão, minha gente!


Gentil Cardoso era um treinador que brincava sempre com os jogadores perguntando-lhes do que era feita a bola. Respondiam-lhe que era de couro. Daí ele questionava de onde vinha o couro. “Da vaca”, diziam os atletas. “E do que é que a vaca gosta?”

“De grama”, era a resposta. E por fim, vinha o ensinamento: “Então minha gente, vamos colocá-la onde ela gosta de ficar: na grama, rasteirinha, rasteirinha…”.

Outra coisa que me deixa indignado: hoje, jogar pelos lados do gramado e cruzar, significa o lateral descer para o ataque e dez passos depois da linha do meio-campo, mandar aquela bola abaulada e lenta, na direção da meia lua, onde dois, três zagueiros já a esperam de frente, para rebatê-la de cabeça. Ora, isso é jogo de europeu!

No meu tempo, o ponta chegava ao fundo, olhava para a área e centrava geralmente para trás, pegando o atacante melhor posicionado chegando de frente para o arremate e os beques tendo que girar o corpo e ficando em situação de inferioridade. Depois inventaram que o ponta deveria trabalhar com o lateral ou o meia, pra facilitar a tarefa, num “overlapping” ou triangulação.  Até que hoje, virou isso!

Na partida contra a Bélgica, teve comentarista falando no intervalo – quando a vaca, aliás, já havia ido para o brejo – que “tinham que entrar pelo meio, de qualquer jeito”.

Meu Deus! Perdoai-os ó Pai, porque eles não sabem o que dizem!

Como vamos tentar abrir um time blocado lá atrás, com oito, nove atletas, entrando pelo meio? Pior é que foi o que se viu! Aquela confusão danada, bola estourando na zaga por todo lado. “Ah, mas era um paredão vermelho!”. Tá! E você vai ficar batendo contra a tal parede – como ficaram mesmo – até o fim do jogo? Façam-me o favor!


Daí, a cada chance de gol desperdiçada, era aquele velho gesto de mãos na cabeça, cara de desespero, palavrão sendo pronunciado, jogador se atirando em campo após errar um chute cara-a-cara. Isso é equilíbrio emocional?

A Bélgica jogou a partida seguinte contra a França, foi derrotada e não se viu isso, ao menos não com a mesma intensidade.  Seria porque os europeus são mais frios?

Não, é porque esse tipo de atitude não impacta positivamente o grupo no decorrer de uma partida difícil. Só aumenta o desespero coletivo, todos já sabem disso. Fica até parecendo que cada jogador brasileiro tenta se livrar da culpa, agindo assim, como que se dissesse ao público: “Olha, eu tentei tudo, fiz meu máximo, mas não deu, não tenho culpa!”. Querem saber a verdade? Todos tem parcela de culpa no time, a começar pelo nosso treinador.

Desde o final do ano passado, já convivíamos com algumas convocações erradas, que destoavam das primeiras que o Tite fez, quando assumiu o cargo.

Com uma equipe montada tão boa para checar jogadores em qualquer parte do planeta, deveria ter se lembrado de olhar os daqui do Brasil, também.

Alisson foi bom goleiro, mas não conseguiu produzir um único milagre em campo, no Mundial. O belga Courtois produziu o seu, no final do jogo, naquela bola do Neymar.

Aqui no Brasil, cansei de ver Marcelo Grohe e Vanderlei operando milagres. Custava testá-los? Que tal se levássemos os três e fizéssemos um revezamento nos primeiros confrontos da primeira fase, com a promessa do treinador de efetivar o titular apenas a partir das oitavas-de-final?

Aposto que o rendimento seria melhor e todos achariam justo, poder participar. Do modo como foi o Cássio não pôde fazer nada e o Éderson só pôde empurrar o Tite, derrubando-o, naquela comemoração de gol estapafúrdia, que virou piada mundial.

Já passou da hora dos goleiros reservas terem a oportunidade de jogar ao menos uma partida de primeira fase. Ou se confia neles, ou não se convoca. Ninguém na equipe deve se sentir tranquilo e absoluto na condição de titular. Mesmo o craque do time. 

A marcação por zona da defesa sempre foi outra coisa errada. Dos seis gols tomados pela Seleção, com Tite, cinco haviam sido de bolas aéreas. Foi um defeito que não se corrigiu no Mundial.


Sabendo que iria enfrentar uma Bélgica com grandalhões no ataque, porque não escalou Marquinhos, que era titular, ficando – que seja – momentaneamente com três zagueiros na área? Se ele confiava em Geromel, porque não o testou como titular, aproveitando assim, seu zagueiro mais alto para o jogo aéreo do adversário?

São perguntas que ficarão sem resposta, até porque não vi ninguém questionando Tite quanto a isso.

“Ah, mas o Thiago Silva não comprometeu”. Claro! E nem deveria, já que foi sua terceira Copa do Mundo, sabiam disso? Não, né?

Também ninguém lembrou que Fernandinho (ao lado de David Luiz) foi considerado culpado pela derrota de 7×1 diante da Alemanha, em2014. Não se deve crucifica-lo, mas entregar-lhe a responsabilidade de substituir Casemiro me pareceu demais. 

Na virada, o rapaz ficou marcado. Falhou nos dois gols, marcando o primeiro contra e não parando a jogada, no segundo. Fez lembrar Felipe Melo em 2010: ele e Júlio César se atrapalhando no primeiro gol dos holandeses, numa falha dupla: um errou a bola, enquanto o outro a cabeceava, marcando contra.

Pois foi numa falha dupla que se deu no primeiro gol belga: a bola veio na área, num ponto onde Gabriel Jesus e Fernandinho subiram sozinhos, numa tola disputa de bola.

“Ah, mas foi uma fatalidade”. Foi? Então me respondam como é o fundamento de um cabeceio: o correto não é subir de frente para a bola, com os olhos bem abertos e golpeá-la com a testa, direcionando-a para onde se deseja? Foi o que se viu no lance? Não, né? Mas, apesar disso, não se justificam os ataques – sobretudo os racistas – que Fernandinho recebeu. Porque, apesar das falhas, não foi o principal culpado.

Todos deveriam saber quem foi o maior responsável por isso. E não querer perpetuá-lo no cargo, como estão querendo fazer, agora.

A própria Seleção me pareceu uma simbiose das anteriores, unindo a insegurança na bola aérea de 2010, com a falta de combatividade pelo meio, de 2014.

E muitas vezes, as coisas não mudaram dada a teimosia de seu treinador.

Senão, como explicar sua resistência em escalar Douglas Costa, precisando abrir a zaga adversária? Não deveria ter começado jogando? Notaram como a equipe agrediu mais, com ele em campo? Faltou tempo para que ele pudesse ajudar a decidir. Ou o dedo do técnico, dizendo pra Neymar cair pelo setor, para dois habilidosos juntos fazerem o “um-dois” em cima do marcador. Sim, porque ao contrário do que sugeriu o tal comentarista, entrar pelas pontas é mais fácil do que pelo meio, todo congestionado.

Mas a teimosia tinha que chegar aos limites. E Gabriel Jesus foi a maior delas, sem dúvida. O atacante era uma opção válida para os jogos das Eliminatórias, quando saía em velocidade no contra-ataque, tabelando com Neymar. Não parado ali na frente.

No final das contas, não marcou gol algum, nem prendeu a dupla de zaga belga atrás. Quando Firmino entrou em campo, ao menos o time adversário se preocupou mais.


Tínhamos que ter entrado com Firmino e Douglas Costa desde o início. Ou assim que levamos o segundo gol, aos trinta minutos, pelo menos. A Bélgica podia ter ampliado, no primeiro tempo. Esteve mais próxima disso, do que nós, de diminuirmos o placar. Mas cadê treinador que tenha peito para fazer duas alterações antes do intervalo, reconhecendo que errou; gente? Tá pra nascer no futebol brasileiro! Sempre foi assim.

Se nem o Felipão fez isso, quando levamos “um saco” dos alemães, com cinco tentos em menos de vinte minutos, porque o Tite iria fazer, não é mesmo?

Oras, façam-me o favor! Se Paulinho não estava bem, porque insistir com ele, obrigando William a jogar aberto pela ponta? O tal “foguetinho” não teria sido mais útil pelo meio, em sua posição original?  Lutou muito, mas produziu pouco, por ali.

Perdido na ponta me fez lembrar o Bernard “alegria nas pernas” de Felipão, em 2014.

Se o esquema privilegiava Neymar, porque deixa-lo centralizado, fazendo com que trombasse com Philippe Coutinho? O Neymar que queríamos era aquele aberto pela ponta, veloz e insinuante, abrindo as defesas adversárias com apetite, do passado.

Não esse parado, diante de uma zaga já postada, sem ter cacoete de camisa 10 para resolver. No frigir dos ovos, um acabava atrapalhando o outro.

Notem que Coutinho jogou melhor nas duas primeiras partidas e depois sumiu nas duas seguintes, enquanto Neymar justamente melhorou nas duas últimas, após estar sumido nas duas primeiras. A imprensa creditou isso exclusivamente a ele estar voltando de contusão. Mas para mim, além disso, contou muito o fato de ambos estarem mal posicionados, quase que sobrepostos em campo, num mesmo espaço.

Será que ninguém enxergava isso, que os dois estavam se espremendo por ali e que a marcação adversária ficava facilitada, além do jogo não fluir, porque se concentrava muito ali, ainda mais quando Marcelo descia?

Agora, convocar Fred, Taison e mais uma meia dúzia, era dar ao time, a certeza de que faltariam opções no banco, quando fosse necessário. O próprio Renato Augusto só se salvou, por acertar uma cabeçada de rara felicidade. Por mim, não teria ido, também.

E pensar que tanta gente boa ficou por aqui, no Brasil!

Vanderlei, Marcelo Grohe, Marcos Rocha, Rodriguinho, Luan…


Dava para ter testado os meninos Arthur, Pedrinho e Paquetá. Ou até ver como seria com um jogador mais experiente no meio, pra melhorar a qualidade do passe, como o Hernanes, que salvou o São Paulo do rebaixamento, recentemente.

Notem que não há nenhum craque, entre os que eu citei. Até porque, eles estão desaparecendo do futebol brasileiro. E do mundial. Senão, Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar já teriam decidido ao menos alguma das Copas que disputaram. Agora surgiu o menino Mbappé e tome compará-lo a Pelé. Hoje é muito marketing, gente!

Enfim: precisamos urgentemente, retomar nossa vocação de jogarmos no ataque, pelas pontas, com um camisa dez raiz, com bola no chão.  Temos que retornar às nossas antigas características: do drible, da ginga, da malícia, do futebol atrevido, moleque, ofensivo. Dos gols.

Voltar a fazer os gringos se preocuparem em como é que irão conseguir parar os nossos dribles e não ficarmos nos preocupando tanto com a bola aérea deles.

Deixar esquemas rígidos e invencionices europeias de lado e recuperarmos nossa identidade futebolística, tão descaracterizada nessa década medonha.

O Brasil possui uma nova leva de jovens treinadores, cheios de vontade e talento.

Por que não se pensa em uma comissão de três, quatro treinadores, como na NBA, por exemplo? Ilusão? Ilusão é o Tite dizer que olhava para o banco e só via “feras”.

Estivesse vivo e o sábio João Saldanha estaria rindo, porque quando ele chamou seus jogadores assim, estava se referindo a Pelé, Gérson, Riva, Jairzinho, Tostão…

Mas conduzir a Seleção Brasileira é algo que envolve muita responsabilidade, eu sei.

O fardo é pesado para apenas um. Por isso, apenas responsabilizo Tite, mas não o condeno, apesar das minhas críticas. Condeno sim, é esse discurso de continuidade, esse “status quo” que se instalou na Seleção Brasileira.


Enquanto isso, a França se sagra bi em 2018, com gol de bola parada, gol contra e até ajuda do VAR. O goleirinho francês quis driblar o croata dentro da área e deu vexame. Quanta emoção! Alguém me acorde na hora de começar o desenho, por favor.

O predomínio europeu aumenta cada vez mais no torneio e as coisas ficarão mais difíceis, com 48 seleções. A Copa se torna, a cada edição, mais desinteressante para o torcedor brasileiro, que hoje anda preferindo até o Mundial de Clubes.

Falta perceber que o futebol não deveria ser “show business”, muito menos jogador se tornar “astro pop”. Que o futebol nacional vive um momento quase lúgubre, isso sim!

Enquanto a massa torcedora admira a beleza que foi o evento na Rússia e discute por aí a importância do “VAR”, os gringos nos passam cada vez mais para trás, garantidos também, pelo discurso de continuidade desse futebol brasileiro, que está aí.

Quanto a mim, só me resta continuar como um solitário torcedor gritando no meio do deserto contra esse tipo de coisa, enquanto o coração saudosista não se esquece das gerações de craques que um dia, nos deram as glórias do pentacampeonato mundial: Gylmar, Djalma Santos, Bellini, Nilton Santos, Didi, Garrincha, Pelé, Gérson, Carlos Alberto, Jairzinho, Tostão, Rivellino, Romário, Bebeto, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e outros; num tempo em que o Brasil dominava o mundo com a magia de seu futebol, a qual o Museu da Pelada não se cansa de relembrar.

Charles

do acarajé ao pão de queijo

por Paulo Oliveira 

No dia 27 de novembro de 1988, diante de 15.045 torcedores, um ser celestial apareceu na Fonte Nova. Até então o time do Bahia fazia campanha irregular no Campeonato Brasileiro. A derrota de 1 a 0 para o Botafogo na partida anterior fizera o centroavante Renato pedir demissão. E seu substituto, Osmar, não ia bem.

Naquele 17º jogo do campeonato, o técnico Evaristo Macedo resolveu substituir Sandro no último terço do jogo contra o Corinthians por um rapazote de 20 anos, nascido em Itapetinga, cidade a 570 km de Salvador, conhecida por ser a “terra do boi gordo” e por ser bicampeã (1995/1996) do intermunicipal baiano de seleções.


Aos 45 minutos do segundo tempo, Zé Carlos cruza, Marquinhos passa a bola de cabeça para trás e Charles Fabian Figueiredo Santos de costas abre as asas, domina, gira o corpo e bate de primeira. Golaço. Surgia ali o Anjo 45, que ajudaria o Bahia a ganhar o título mais importante de sua história, mas cairia em desgraça 28 anos depois.

Charles mora hoje em sua cidade natal, na Avenida Palmeiras, bairro Morumbi. Até as coisas mais simples em torno dele têm o futebol como referência.

Aos 50 anos, está em forma. Depois de ser demitido do cargo do Bahia, em 2016, voltou a frequentar a academia, perdeu peso – não diz quanto – e aguarda proposta para retornar ao futebol como treinador, “algo que está fazendo falta”.

Não demonstra muito interesse pelas atividades da fazenda, adquirida quando se transferiu para o Cruzeiro, em 1991, no vizinho município de Maiquinique. O pai, Nelson, cuida dos negócios provenientes da criação de gado leiteiro e de corte.

Na casa do ex-centroavante, cujas portas foram abertas para o Museu da Pelada, não faltam fotos e lembranças da vitoriosa carreira, detalhada em uma hora e trinta e dois minutos de conversa. Voltemos ao passado.

DA VÁRZEA AO TÍTULO BRASILEIRO

Charles começou a jogar bola na escola, nos campos de várzea e no Coroas Country Clube. Embora torcesse pelo Bahia, o primeiro time que defendeu foi o Vitória, de Itapetinga, equipe do bairro onde morava. De um rubro-negro para outro, foi para o Flamengo, que disputava o campeonato municipal.


A habilidade no meio de campo, fez Joaquim Ortélio e José Luna Filho, diretores do Bahia, convencerem seu Nelson a deixar o filho fazer um teste no Tricolor. O pai impôs uma condição, mesmo que Charles fosse aprovado no clube, deveria terminar o primeiro ano do segundo grau em Itapetinga. Por isso, a transferência para o clube e para uma escola em Salvador só se concretizou em 1985, cinco meses depois da avaliação.

Ao contrário de que muita gente pensa, não foi Evaristo quem subiu Charles para o elenco profissional. Quem descobriu seu valor no meio da garotada foi “Titio” Fantoni, ex-jogador do Vasco, Lazio e Cruzeiro e técnico vitorioso. 

Fantoni transformou Charles em centroavante, argumentando que se ele era artilheiro como meia, faria muito mais gols no comando do ataque. Charles treinou com o elenco principal entre 1986 e 1987. Às vezes, descia para reforçar os juniores. Sem jogar partidas oficiais, viu o Bahia conquistar o tricampeonato estadual, em 1988.

No mesmo ano, surgiu a oportunidade na Copa União, nome oficial do Campeonato Brasileiro à época. E Charles aproveitou. Além do gol contra o Corinthians, o centroavante marcou gols na contra o Criciúma (0x1 – 1/12/88), contra o Santos (5×1 – 7/12/88), foi fundamental na vitória contra o Grêmio (3×1 – 11/12/88) e fez o gol de empate contra o Sport (1×1 – 29/01/1989), na Ilha do Retiro, nas quartas de final, em partidas consideradas decisivas para arrancada ao título.

– Rapaz, foi um jogo difícil. O Sport colocou um a zero e eu empatei o jogo. Ali a gente começou a acreditar que poderia ser campeão. Na Fonte Nova, outra partida parelha. Do final do tempo normal até acabar a prorrogação, eles tiveram duas chances de ganhar o jogo. Ronaldo (goleiro) foi muito feliz, fez duas grandes defesas. A gente passou um “sufocozinho”, mas conseguiu ir adiante porque tínhamos a vantagem do empate! – lembra o 19º maior artilheiro (68 gols) da história do Bahia.

O Fluminense foi o adversário da semifinal. Após o empate sem gols no Maracanã, a Fonte Nova recebeu público recorde de 110.438 pagantes no dia 12 de fevereiro de 1989. Cerca de trinta mil pessoas não conseguiram entrar no estádio.

Washington abriu o placar para o Flu. Bobô e Gil Sergipano viraram o jogo. Torcedores invadiram o campo. O jogo foi paralisado. Quando a partida recomeçou, o Bahia estava ainda mais ofensivo e garantiu a vaga na final.

– Eles fizeram 1 a 0, mas foi aquela situação da gente tomar o gol e ter confiança de que poderia virar. Se você pegar os melhores momentos verá que a gente perdeu muitas oportunidades! – comenta Charles.

SURPRESA

No primeiro jogo da final contra o Internacional, na Fonte Nova, doze dias depois do Carnaval, o pai de santo Lourinho amarrou bonecos com o nome dos jogadores gaúchos em fieira para que os gaúchos não andassem em campo. A mandinga não impediu Leomir de abrir o placar para o Colorado. Trabalho mais eficiente fez Bobô, que marcou dois gols e colocou o Tricolor em vantagem.

O Bahia foi para Porto Alegre para jogar pelo empate. No estádio, Charles e os demais jogadores foram surpreendidos com o que encontraram no vestiário 5:

– A única coisa que me lembro é que tinha um negócio lá de macumba. Ninguém entrou. A diretoria deu ordem para esperarmos. Só depois que o Alemão (José Lourival dos Santos), massagista desfez o trabalho e limpou tudo é que o time entrou para vestir o uniforme. Foi meio corrido, mas a partida não atrasou. – recorda o craque.

A macumba gaúcha, feita com pata de vaca, galinha preta, camarão e erva mate não deu certo.

Charles teve o pressentimento que sua vida iria mudar ao entrar em campo. Nervoso no início, mas relaxado quando a bola rolou, o atacante recebeu o incentivo de Bobô, Paulo Rodrigues e outros veteranos.

– A gente sabia da força do Inter e que ia tomar sufoco em alguns momentos do jogo. Perdi um gol e fiquei abatido. Cheguei a tirar a bola do Taffarel, mas perdi o ângulo. Podia ter consolidado o título bem antes do término do jogo. Se eu marcasse, o Inter teria que fazer dois gols para ir para a prorrogação. Ronaldo foi o principal jogador naquele dia.

Terminado o jogo, o elenco e a diretores do Bahia foram comemorar o título em uma churrascaria. O dia 19 de fevereiro tinha entrado para história

OUTRO CARNAVAL


Time campeão da Copa União

O elenco do Bahia retornou a Salvador no dia seguinte. Tinham passado doze dias da Quarta-feira de Cinzas, mas os baianos fizeram um novo Carnaval. Dois trios elétricos esperavam a equipe na pista de pouso. Milhares de torcedores se espalharam nos cerca de 30 quilômetros que separam o aeroporto internacional do Farol da Barra.

Charles lembra que embarcou no trio de Dodô e Osmar, onde estavam diversos artistas, entre eles Moraes Moreira. No trajeto, percorrido em oito horas e que lembrou a comemoração do tricampeonato mundial da Seleção Brasileira, o povo cantava o hino do clube. As pessoas jogavam camisas e outros objetos para os jogadores autografarem. O episódio marcou para sempre o centroavante.

Em 1989, apesar do início alvissareiro – dois gols contra o Grêmio na segunda rodada (Bahia 3×2), e dois contra o Vasco na quarta rodada (2×2) -, Charles teve um problema muscular e ficou quase dois meses parado. O Bahia disputou o “Torneio da Morte”. Por pouco não foi rebaixado.

O Bahia também fez boa campanha no Brasileiro de 1990. Chegou à semifinal, mas foi eliminado pelo Corinthians, que viria a ser campeão.

Charles foi o artilheiro do campeonato e durante muitos anos o único jogador de uma equipe do Norte/Nordeste a conquistar a Bola de Prata, da revista Placar. Em 2016, Diego Souza, do Sport (PE), igualou a façanha.

REVOLTA CONTRA A SELEÇÃO

O título da Copa União levou Charles à Seleção Brasileira, convocado pelo técnico Sebastião Lazaroni. A falta de jogo de cintura da comissão técnica, na visão do jogador, provocou uma revolta popular na Fonte Nova. Charles estreou em um amistoso contra o Peru, em Fortaleza, e fez dois dos quatro gols da seleção. Teve desempenho acima da média em outras três partidas preparatórias para a Copa América. No entanto, foi cortado da competição.


Lazaroni optou por Baltazar, ex-jogador do Grêmio que atuava no Atlético de Madri. Decepcionados, os torcedores baianos que queriam vê-lo contra o Peru, na Fonte Nova, se revoltaram: atiraram ovos nos jogadores e atingiram Renato Gaúcho, vaiaram o Hino Nacional e rasgaram bandeiras. Renato disse que a Bahia “era terra de índio” e Bebeto declarou que tinha vergonha de ser baiano, segundo o noticiário da época.

– Na época, fiquei chateado, sabia que estava em iguais condições diante dos outros. Ele deu preferência a Baltazar. Nos primeiros jogos da Copa América só podia inscrever 20 jogadores, ele tinha 23 no elenco. Fui cortado e houve a revolta. Ele me inscreveu para a segunda fase, mas não cheguei a jogar! – lembra Charles.

O craque baiano também foi convocado pelo técnico Paulo Roberto Falcão. Em sua conta, foram 12 convocações e oito amistosos pela seleção. Apesar de não ter participado de jogos oficiais, Charles disse que o fato de ter sido chamado para o escrete valorizou o seu passe.

Se não atrapalhou o jogador, a revolta fez a CBF retaliar. A seleção brasileira só voltou a disputar um jogo, mesmo assim amistoso, na Fonte Nova, seis anos e três meses depois.

CRUZEIRO E MARADONA


Em 1991, o jogador de Itapetinga conquistou o Campeonato Baiano e foi vendido para o Cruzeiro. De acordo com Charles, o clube mineiro pagou um milhão de dólares por seu passe. Com o dinheiro que recebeu, comprou uma fazenda de gado, que mantém até hoje.

Em Minas, o atleta baiano foi campeão da Supercopa Libertadores, recolocando o Cruzeiro na rota de títulos internacionais 15 anos após a conquista da primeira Libertadores. Lá, também ganhou um novo apelido da torcida: Príncipe Charles

A equipe mineira, depois do título, foi convidada a participar de um torneio na Argentina, com o Racing, Olímpia e Boca Juniors. Na final, contra o Boca, o cultuado Diego Armando Maradona estava assistindo o jogo e se entusiasmou com o desempenho de Charles. Os argentinos venceram por 2 a 1. Mas Dieguito manteve seus planos.

Ainda no hotel portenho, o brasileiro foi contatado pelo empresário e por um advogado de Maradona. Eles disseram que o Cruzeiro tinha aceitado a proposta de um milhão e 250 mil dólares e negociaram o salário com Charles, cujo passe passou a pertencer ao craque argentino. Em seguida, foi cedido ao Boca Juniors.

Foram apenas três jogos no Boca. O baiano não se adaptou ao jogo aéreo nem às botinadas dos hermanos. O frio e nova contusão foram os outros adversários. Ao se recuperar após três meses no “estaleiro”, Charles foi emprestado ao Grêmio.

– Convivi muito pouco com Maradona. Ele tinha a vida dele! – resume

Na equipe porto-alegrense, Charles ficou um ano. Não foi bem, mas o tricolor comemorou o título gaúcho de 1993.

PASSAGEM PELO FLAMENGO


No ano seguinte, Maradona emprestou seu jogador para o Flamengo. Lá, ele ganhou o apelido de Charles Baiano para diferenciá-lo de Charles Guerreiro. Acrescentar o gentílico ao nome dos atletas da Bahia que passam pela Gávea é uma espécie de tradição rubro-negra: Júnior Baiano, Toninho Baiano, Fábio Baiano…

Apesar de ter sido o artilheiro do Campeonato Carioca, ao lado de Túlio, do Botafogo, Charles ficou só no cheirinho. O Vasco foi tricampeão.

Para receber os salários atrasados, Charles Baiano entrou com ação na Justiça. Fez acordo e o pagamento foi feito em parcelas.

Outro episódio marcante em sua passagem pela equipe carioca foi a disputa do torneio da Malásia, no qual o Flamengo empatou com a seleção da Austrália, derrotou Leeds United, venceu o Bayer de Munique e foi campeão.

No jogo contra a equipe alemã, a carreira de Charles começou a entrar em declínio. O título da competição ficou em segundo plano, o ex-jogador lembra apenas da contusão no joelho direito:

– Eu me machuquei em um lance isolado. A cirurgia que eu fiz me deixou quase dois anos sem jogar. Quando voltei, não fui mais o mesmo jogador, não conseguia mais render. Tive um monte de contusões musculares, uma atrás da outra! – relata.

FIM DE CARREIRA

Em 1996, Charles voltou ao Bahia. Disputou poucos jogos pelo Brasileirão. Jogava duas, três partidas, machucava. Não suportava mais a sequência de jogos.

Foi parar na Matonense, em São Paulo, contratado pela Federação Paulista de Futebol, que cedeu jogadores com passagem pela seleção brasileira para times do interior paulista. Contusões seguidas nos músculos da coxa fizeram ficar apenas três meses no interior de São Paulo.

Os últimos clubes foram a Desportiva Ferroviária (ES) e o Camaçari (BA). Encerrou a carreira profissional após 12 anos, os três últimos “tentando jogar”.

Charles considera que os dois melhores técnicos que teve foram Evaristo Macedo, no Bahia, e Ênio Andrade, no Cruzeiro. Os maiores elogios, porém, vão para o técnico que o lançou no Brasileirão:

– Seu Evaristo foi fundamental para mim. O jeito dele falar era muito duro. No fundo, a gente sabia que ele gostava da gente, queria nosso bem. A princípio, a gente ficava chateado, mas depois via que ele sempre tinha razão. Ele passava toda experiência que teve no futebol. Cobrava muito. Pela cobrança dele, a gente sempre estava querendo chegar no limite, dar o máximo. Não podia se poupar nem em treinamento.

A descrição revela quem inspirou Charles no momento em que ele resolveu ser treinador.

SURGE O TÉCNICO

Os cinco primeiros anos a partir do convite feito por Bobô, amigo e superintendente tricolor, para seu companheiro assumir como técnico da categoria de base foram tranquilos. A situação começou a mudar quando Charles aceitou a ser interino da equipe principal após rebaixamento para a terceira divisão nacional.

Com o centroavante campeão de 88 no comando, o Bahia foi eliminado na primeira fase da Copa Brasil pelo Ceilândia (DF). Em oito jogos no Baianão, Charles acumulou três vitórias, cinco empates e uma derrota. O arquirrival Vitória foi campeão.

Na oportunidade seguinte, nova interinidade a partir da quarta rodada da primeira fase da Série C. Após 15 jogos e a classificação para o octogonal final, duas derrotas e um empate derrubaram Charles. Ele foi substituído por Lula Pereira, que não conseguiu tirar o Tricolor da vala.

Charles tentou se firmar como técnico no Votoraty (SP) e no Icasa (CE). Em 2009, acertou com o Camaçari (BA), mas o convite para assumir a secretaria municipal de esporte de Itapetinga o fez se afastar do futebol profissional.

O maior problema enfrentado como gestor foi administrar o orçamento reduzido da secretaria. Mesmo com parcos recursos, Charles diz que revitalizou o campeonato municipal, suspenso há quatro anos; montou a seleção do município e voltou a disputar o Intermunicipal; e organizou os campeonatos de bairros e de escolinhas.

CORINGA EM MOMENTOS DE CRISE


Em 2013, o jogador que tinha dado muitas alegrias à torcida tricolor foi chamado para ser treinador da equipe sub-20. Campeão baiano no ano seguinte, voltou a ser cogitado como solução em momentos difíceis.

O primeiro deles ocorreu em 28 de julho de 2014. Marquinhos Santos foi demitido e a negociação com Gilson Kleina foi por água abaixo. Transformado em treinador apenas com a experiência que tinha nos gramados – o curso de técnico da CBF e o estágio no Bayern de Munique só ocorreram mais tarde – Charles nunca teve medo de desafios.

Na nova interinidade, contabilizou vitória contra o Goiás e empate com Palmeiras na Série A. Venceu também o Corinthians (1×0) pela Copa Brasil, mas foi eliminado porque o time paulista ganhou a partida de ida por 3 a 0, quando Marquinhos Santos ainda era o treinador.

Os bons resultados, não impediram seu afastamento 17 dias depois. Kleina tinha se entendido com o Bahia.

O cartel do curitibano acumulava seis vitórias, sete empates e dez derrotas, quando ele pediu demissão. Kleina foi embora, deixando o Bahia na 19ª posição e com 92% de probabilidade de rebaixamento.

Adivinha o que aconteceu? Charles reassumiu a cinco rodadas do final do campeonato. As vitórias sobre o Criciúma e o Grêmio não foram suficientes. As derrotas para o Corinthians, Atlético-PR e Coritiba empurram o Tricolor para a segunda divisão.

Após o último jogo, em Curitiba (PR), Charles desabafou:

– Eu posso relacionar 23 jogadores, mas sabe porque só vieram 18? Porque teve jogador que se encostou no departamento médico e resolveu não sair mais. Tem jogador que falou que não ia mais (jogar) porque o time ia cair. Então esses 18 que vieram são homens. Os que ficaram, que fizeram isso com o Bahia, são covardes. O Bahia não merece esses caras.

Nos bastidores do clube, a declaração não agradou. Os dirigentes pretendiam esconder o fato para não desvalorizar os “covardes” em futuras negociações – os irmãos argentinos Maxie Emanuel Bianchucci, primos de Messi, estariam entre eles. O clima não estava bom, mas Charles foi mantido como assistente técnico.

O presidente Marcelo Sant’Anna contratou Sérgio Soares, ex-treinador do Avaí e do Ceará, para tentar voltar à série A. Soares ficou no cargo dez meses e 16 dias. Uma sequência de cinco jogos sem vitórias causou a demissão dele.

Charles Fabian, auxiliar de Sérgio, concordou em ser técnico mais uma vez. Não recebeu reajuste salarial, não assinou contrato, não tinha cláusula de rescisão. Além dos problemas em campo, enfrentou a insatisfação de alguns jogadores.

Ávine, promovido dos juniores por Charles, chegou a declarar que o campeão de 88 teve o nome rejeitado em uma reunião com os atletas. Houve desmentido, mas o mal-estar permaneceu.

– Jogador de futebol só está satisfeito quando está jogando. Quando está na reserva, sempre arruma um defeito. Arruma defeito no treinador, na diretoria, no preparador físico, arruma defeito em todo mundo, menos nele. Sempre foi assim. Eu também fui assim. –  avalia Charles atualmente.

ANJO DECAÍDO


Com tantas dificuldades, o Tricolor terminou a temporada em nono lugar. Mais um ano na segunda divisão. Ao se reapresentar, em janeiro de 2016, o Anjo 45 decaiu. Foi demitido com a alegação de maus resultados.

Foram três meses de silêncio, longe das peladas, sem ver jogos do Bahia, refugiado com a família. O craque precisava curar as feridas. Deu entrevista para Globo, apresentando sua versão – não havia desentendimento com os jogadores, desacreditou Ávine e falou que se houve complô os jogadores foram burros.

Também disse que estava magoado, que pensaria duas vezes antes de voltar para o clube e assumiu a culpa por sempre ter agido com o coração em defesa do time. Emocionado, chorou durante a entrevista.

Na entrevista para o Museu da Pelada, o ídolo da torcida tricolor afirmou que o motivo de sua demissão foi a declaração dada após o jogo contra o Coritiba, em 2014, e que o resultado de 2015 foi só pretexto.

– Muitas pessoas não imaginam o que eu passei. Recebi agressões verbais e as pessoas mandaram mensagens para o seu celular me xingando. O clube não teve um pingo de consideração. Simplesmente por não conseguir um resultado, você é jogado na lata do lixo. Infelizmente, não há reconhecimento pelo que você fez. Infelizmente é assim no futebol! – declarou.

Em outubro, ensaiou o retorno ao futebol. Contratado como técnico do Anápolis (GO), da Série D, fez um acordo e deixou a equipe após dois jogos.

TRINTA ANOS DEPOIS DO TÍTULO

Os amigos que fez no futebol, principalmente os jogadores da equipe de 1988, lhe ajudam a esquecer os maus momentos. Atualmente, se comunica diariamente com os companheiros em um grupo de WhatsApp chamado “Campeões de 88”.

Charles, Bobô e companhia estão as voltas com a preparação da celebração dos 30 anos do título Brasileiro, a ser comemorado ano que vem, já que a final com o Inter ocorreu em fevereiro de 1989. A programação ainda não está definida. No entanto, segundo Charles, existem muitas ideias. Este ano, alegando contratempo, ele não compareceu ao evento anual que reúne jogadores e diretoria.

– No ano que vem estarei lá! – promete.