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SAUDADES DE UM MATADOR

por Zé Roberto Padilha


Jogava no Santa Cruz FC, em Recife, no final dos anos 70 e, fora cartas, telefones e telegramas, o único meio de me comunicar com a família era no domingo à noite. Durante os gols do Fantástico. Como não fazia gols, tratei de melhorar o pique e me especializei em ser o primeiro a abraçar o Nunes. João Danado, como era conhecido e temido pelas defesas do nordeste, fazia gol de tudo que era jeito. Daí corria para abraçá-lo e dava um adeusinho pro Léo Batista e para os meus: “E aí, dona Janet? Como estão?”. Era através de matadores, como Nunes, Volnei e Luiz Fumanchu, que matávamos as saudades de casa.

Recife era, de fato, antes das mídias sociais, muito longe do Rio de Janeiro. Como longe estão, hoje, nossos centroavantes da nobre função de marcar gols. Depois do Fred, uma sumidade, não teve mais ninguém a exercer com categoria e assiduidade este fundamento principal, sem os quais o futebol não sobreviveria. E a audiência, na ausência da subida da bolinha, acabaria. Que saco: com vocês, as assistências do Fantástico! Que falta anda fazendo o Fred, talvez o último grande artilheiro do nosso país a distrair as tardes da gente sacudindo as redes. E mantendo acesa a paixão pelo futebol.


Vamos analisar a rodada de ontem? O camisa 9 do Palmeiras ainda é pior do que Jesus. Se o que leva o nome do filho de Deus foi crucificado na Copa, este rapaz, magro e esforçado, com seus cabelos pintados de branco, é o próprio pecado escalado em campo. Não há milagres, a não ser contra um Bahia, um Paraná ou a Chapecoense, que o faça balançar as redes quanto mais o Palestra Itália precise para encostar nos líderes. Já o Santos, cansou de testar um nome no comando do seu ataque e acabou fixando seu meia Gabigol mais à frente. Que seria mais um e não menos o 9 em seu ataque. Caso do Internacional, que desistiu do Damião, e fixou o Nico Lopes, do Botafogo, que anda a perder a paciência com o Kieza, Breno, do Flamengo que se arrasta há algum tempo com um gatinho dourado vestindo a camisa que pertencia a um matador. Como o Silva, Claudio Adão, Vinícius Righi, Gaúcho e o próprio Nunes. E nem vou falar do Corinthians, que faz a fiel sofrer com um ataque que se tornou escravo da ausência do Jô.

Restou o Ricardo Oliveira, do Atlético-MG, mas este que anda sofrendo com a tinta do cabelo, que tem corrido por sua testa no exato momento das cabeçadas. E o Pedro. A coisa está tão feia pela grande área, que em menos de seis meses que o Abel lançou este menino, sem sequer ter tido tempo de amadurecer com as competições, já virou atração do brasileiro e convocado para a Seleção.


Em qualquer outra época teria que fazer gols no Fla-Flu, ser consagrado em uma decisão e não ser chamado por fazer apenas 10 míseros gols em duzentas rodadas. Mas diante da seca e da carência da safra, nem o mestre Juca Kfouri questionou o Tite.

Fico, então a pensar nos novos Zé Robertos, que deixaram a família aqui no Rio e foram jogar no Sport. Se não fosse o WhatsApp, o Facebook, estariam no portão de suas casas esperando as cartas. Um telefonema. Porque nem um Nunes eles terão, como eu tive, para correr, abraçar e as saudades da família matar pela telinha.

OS SELECIONADOS E A REALIDADE DO SEU POVO

por Paulo Escobar


Quantas vezes nos dias atuais você já viu seu ídolo ou jogador da seleção nas ruas? Geralmente quando essas coisas acontecem, você não acredita ou então fica sem reação diante do fato. Entendo que isso não seja somente por se tratar do seu ídolo, mas talvez por ser tão raro nos dias de hoje você encontrar um deles nas ruas.

Neste maldito futebol moderno esse encontro já deve ser comemorado. E mais comemorado deve ser se você consegue um contato sem toda a burocracia que cerca essas figuras, que a cada dia que passa parecem ser mais metidos a deuses longe dos mortais.

Você ouve da boca de jogadores de futebol ultimamente aquilo que são assessorados a dizer, não o que eles realmente pensam e, quando aparece algo diferente daquilo que são orientados a falar, se tornam verdadeiros pontos fora da curva. Por isso, digo que sinto saudades do Loco Abreu e de alguns poucos iguais a ele.

Para uma criança pegar um autógrafo de uma dessas entidades distantes da realidade é um desafio. Até chegar na mão que assinará a camiseta ou o item que esse pequeno levar, primeiro terá que passar pela assessoria que fará uma análise prévia. São distantes de tudo aquilo da sociedade que os cerca, a maioria deles não vai te emitir algo que para você seja comum ou que seja parte do seu dia a dia, mas ele terá que ser informado antes pela sua assessoria no que diz respeito à realidade do país, por exemplo.

Não pense que muitos desses que vestem a camisa da CBF se manifestem ou digam algo a respeito das questões que envolvem as pilantragens da entidade que defendem, pois pra eles é indiferente ou não importa e o mais incrível é que justamente eles teriam o poder de talvez abalar a estrutura dessa coisa. Eles defendem os interesses dessa entidade e somente manifestam opiniões daqueles que os assessoram, eles não estão preocupados com você que torce e muito menos com a realidade que você vive.


Esses jogadores da seleção, por exemplo, não defendem um país ou a realidade crua que o povo mais pobre passa, eles não jogam por você, mesmo você os assistindo e torcendo. Os selecionados jogam pelos interesses deles mesmos e da realidade que eles vivem, que não é a sua de torcedor. Diferentemente de Sócrates, por exemplo, eles nem sabem como a realidade política da nação te atinge.

Veja só que de algumas décadas para cá, as eliminações da Seleção Brasileira não são tão doloridas para o povão. Se hoje Ghiggia fizesse o segundo gol do Uruguai no Maracanã nessa Seleção da CBF, ele não veria a mesma tristeza daquela época. O gol de Rossi nessa Seleção não te causaria a mesma dor que causou no povo em 82.

Não é o povo que se afastou da Seleção, é o time da CBF que não é popular e distante do povo e suas realidades. Esse time que defende interesses da entidade, do umbigo de cada um ou então dos seus empresários, não pensa em você torcedor e para eles não importa a realidade que você vive. Eles se separaram de você faz décadas e de 4 em 4 anos pedem para você se lembrar deles, mas infelizmente eles não jogam por você, então será que vale a pena torcer por eles?


Não se envergonhe nas derrotas que eles sofrem, pois neles não doem tanto, já que depois voltam às realidades europeias ou aos cercos e blindagens do dia a dia que os cerca e as realidades deles que não são as suas. Eles não se interessam pelas derrotas diárias do seu povo e com certeza sua indignação não será a deles. Quem sabe um dia o povo volte a ter uma seleção que seja povão mesmo, como já aconteceu no passado.

Me arrisco a dizer que dessa seleção nove de dez jogadores pensam ser Deus, um tem certeza. Eles vivem e respiram outra realidade, não se esqueça que antes de ir para Copa eles se despediram num jogo na Inglaterra e não diante de seu povo no Brasil.

 

O BONDE DE 200 CONTOS

por Israel Cayo Campos


200 contos de réis…Convertendo para valores atuais aproximados teríamos em torno de 200 mil reais. Um salário considerado baixo para contratações de clubes de grande porte atualmente. Mas em 1942 era uma verdadeira fortuna! A maior contratação da América do Sul até aquele ano. Assim chegava na estação do Brás em São Paulo, recepcionado nos ombros por mais de dez mil paulistanos, o maior jogador da história do futebol brasileiro até então. Leônidas da Silva.

Voltando um pouco no tempo, chegamos a um período em que ser jogador de futebol ainda era algo malvisto pela sociedade. Nessa cronologia, um jovem garoto negro, morador do bairro de São Cristóvão, enquanto ajudava seu padrasto nos afazeres de um bar, sonhava em reinar nos gramados do Rio de Janeiro.

Como todo garoto pobre, jogava suas peladas nas já inexistentes praias de uma cidade que se transformou por completo. Com o tempo, o garoto virou funcionário de uma fábrica de vidraças intitulada “Light”. Mas o verdadeiro sonho daquele rapaz de gênio forte estava longe do proletariado fabril. Leônidas logo deixaria o futebol com os companheiros de fábrica para atuar no São Cristóvão em 1929, e logo em seguida defender o Clube Sírio Libanês.

Desse período quase não existem informações da passagem daquele que viria a ser conhecido como “Diamante Negro”, a não ser que após o encerramento das atividades futebolísticas do Sírio, o então técnico do clube Gentil Cardoso foi contratado pelo Bonsucesso Futebol Clube e com ele levou Leônidas para atuar no time da região Leopoldina carioca. O futebol ainda era amador, mas ali, começava a aparecer no cenário mundial a figura de um gênio da bola.


No Bonsucesso, ao lado de seu maior parceiro de ataque, Gradin, Leônidas marcou 55 gols em 51 em jogos. Uma média de gols superior a um por partida! Mas o mesmo talento que tinha para balançar as redes, possuía para arranjar encrencas. Sendo até antes de Heleno de Freitas, considerado um craque problema! Sofrendo com acusações de roubos de joias e até de galinhas, além de suas supostas exigências “artísticas” para entrar em campo.

O ônus valia a pena! E jogando pelo modesto clube ainda em 1932, Leônidas já era convocado para defender a Seleção Brasileira contra a atual campeã do mundo, a seleção uruguaia! Em pleno Estádio Centenário em Montevidéu pela Copa Rio Branco. O resultado seria de pura euforia para os brasileiros! Uma vitória na casa do adversário por 2 a 1. Com os dois tentos brasileiros marcados por Leônidas da Silva, um ao estilo que lhe ficou marcado: De bicicleta!

A atuação brilhante diante da melhor seleção do mundo, associada a problemas financeiros vividos pelo futebol brasileiro decorrentes da grande crise mundial de 1929 e a briga entre cartolas cariocas para profissionalizar ou não o futebol, fizeram com que Leônidas fosse defender o Peñarol de Montevidéu em 1934. Onde teve uma rápida passagem marcada por lesões no joelho, que no mesmo ano o fizeram regressar ao Brasil para defender o Vasco da Gama.

A passagem pelo clube da colina também fora breve, se resumindo apenas a um campeonato carioca conquistado pelo time cruz-maltino novamente com Leônidas como protagonista. Logo ele rescindiu o contrato com o clube para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Itália de 1934.

Tal atitude não poupou sua reputação ao ser chamado de mercenário pelos vascaínos, pois aceitou da extinta CBD um salário bem maior do que recebia no clube para defender a Seleção. Vale salientar que nesse período, a briga entre dirigentes impedia que jogadores profissionais defendessem a Seleção Brasileira.

No mundial, disputado de maneira eliminatória, a Seleção teve sua pior apresentação na história das Copas. Uma derrota por 3 a 1 para os espanhóis do goleiro Zamora, e a eliminação precoce do torneio! Porém para Leônidas não fora tão mal. Marcou o gol de honra brasileiro, criou boas jogadas, e nos demais amistosos feitos pela Seleção Brasileira na Europa para não “perder a viagem”, marcou 13 gols em 11 jogos!

Terminada a participação pelo Brasil, o contrato com a CBD previa que Leônidas deveria se integrar ao Botafogo. Porém, segundo o jornalista Roberto Assaf, a passagem do craque por General Severiano fora bastante conturbada. Mesmo campeão carioca de 1935, a não aceitação de jogadores negros vestindo camisa do clube fez com que ele logo buscasse sair do time da “Estrela Solitária”.


Após ter esperado seis meses para que seu passe se encerrasse com o Botafogo, Leônidas fora defender o Flamengo. Nos dois primeiros anos apesar de muitos gols pelo rubro-negro, duas percas de títulos para o Fluminense. Mas a falta de glórias não parecia atingir Leônidas. Em um concurso promovido por uma empresa de cigarros, Leônidas fora eleito o jogador mais popular do Brasil com o dobro de votos dos dois jogadores que vieram após ele na disputa.

Novamente segundo Assaf, Leônidas ao final dos anos 1930 era um dos três homens mais conhecidos do país, ao lado do cantor Orlando Silva e de Getúlio Vargas! Tal popularidade reverteu-se em torcedores para o time que defendia, o Flamengo, sendo Leônidas o primeiro jogador a contribuir para a formação da maior torcida do Brasil. Se o Clube de Regatas Flamengo se orgulha de ser a maior torcida do país, com toda certeza Leônidas é um dos jogadores que mais contribuiu para isso!

Chegava o ano de 1938, as brigas entre os dirigentes e as diferentes ligas cariocas foram deixadas para trás, e enfim, a Seleção Brasileira poderia disputar uma Copa do Mundo com sua força máxima. Obviamente, Leônidas estava convocado para o mundial da França.

No primeiro jogo contra a Polônia, uma vitória memorável por 6 a 5, com direito a três gols de Leônidas! Um deles, segundo narração própria, com o pé descalço! Escondido (ou disfarçado) pela lama do gramado de Strasbourg. Nas quartas de final, marcou o gol de empate contra a Tchecoslováquia, que obrigou o Brasil a uma nova partida contra a seleção do leste europeu, já que naquela época não havia disputa de pênaltis em jogos eliminatórios.

Dois dias depois, no jogo desempate, marcou mais uma vez na vitória por 2 a 1 sobre os tchecos. O Brasil pela primeira vez em sua história chegava a uma semifinal de Copa do Mundo. Contra a temível atual campeã mundial Itália.

  Para esse jogo uma história até hoje pouco explicada. Leônidas fora sacado da partida contra os italianos. Alguns alegam que o próprio inventou uma contusão para evitar enfrentar o time de Vitório Pozzo, outros dizem que devido aos dois jogos contra a Tchecoslováquia em dois dias ele fora poupado para uma provável final já assoberbada pelo técnico brasileiro Ademar Pimenta. Seja qual foi o caso, Leônidas não jogou e o Brasil perdeu por 2 a 1. Restava a disputa de terceiro lugar contra a Suécia!


 Nesse jogo, Leônidas já “recuperado’ marcava mais dois gols na goleada por 4 a 2 contra os escandinavos. O Brasil chegava a terceira posição do mundial (melhor colocação do Brasil até então) e Leônidas com 7 tentos em quatro jogos se tornava o artilheiro do torneio! Do mundial da França também veio um dos apelidos que o seguiu durante a carreira. Leônidas era o “Homem de Borracha”! Devido a sua elasticidade, velocidade e jogadas plásticas. Dentre elas a Bicicleta!

Leônidas nesse mundial saia com o título de melhor jogador do torneio. Consequentemente melhor jogador do mundo daquele ano se pudéssemos trazer para os prêmios atuais. Sem pessoas como ele a desbravar os continentes, muito provavelmente não existiriam tantos outros brasileiros a conquistarem o mundo nas décadas seguintes!

A partir de tamanha popularidade, o jogador que já era apelidado de Diamante Negro, virou símbolo midiático nacional. Se hoje todos os grandes jogadores do futebol brasileiro usam de seu prestígio no marketing de produtos e em comerciais, devem a abertura dessas portas a Leônidas.

Usando de seu nome ou de seus apelidos, várias marcas de diferentes produtos foram lançadas no mercado. De cigarros a chocolates, ter seu produto associado a figura do artilheiro e craque maior da Copa do Mundo de 1938 era sucesso em vendas garantido. No final dos anos 1930, Leônidas virava o primeiro jogador “popstar” do Brasil!

Devido a sua alta popularidade, a mídia da época voltava-se para noticiar tudo que fosse relacionado a Leônidas. Também se tornara lucrativa a indústria de notícias “pejorativas” sobre o craque. E a cada fracasso do Flamengo, Leônidas era colocado pela mídia como principal responsável pela fase do clube. Tal perseguição só veio a diminuir quando voltando de uma apendicite conseguiu o tão sonhado título carioca pelo time em 1939 (Seu único título importante pelo Flamengo), tirando o clube de um jejum de campeonatos cariocas que vinha desde 1927.


Entretanto, após a tão esperada conquista, o joelho voltou a prejudica-lo, o obrigando a fazer cirurgias que lhe retiraram a forma física ideal, atraindo novamente as “fofocas” da mídia. Curiosamente ou não, uma fraude comprovada sobre seu alistamento militar, o ajudou a sair do foco por algum tempo. Ao falsificar seu certificado de reservista, recebeu uma pena de oito meses de detenção no Batalhão de Infantaria Regimento Sampaio no Rio de Janeiro, podendo assim se recuperar fisicamente para voltar ao futebol.

Após voltar ao clube rubro-negro, a relação com os dirigentes não era mais a mesma. Melancolicamente, Leônidas deixava o Flamengo com destino ao São Paulo Futebol Clube. Mesmo em baixa, foi vendido por uma quantia alta para os padrões da época: 200 Contos de Réis, a maior transação da América do Sul até aquele período! O “Diamante Negro” seguia rumo ao futebol paulista em 1942, aos 29 anos de vida. 

Em São Paulo, o “Homem de Borracha” recuperava seu prestígio já desgastado no Rio de Janeiro. Recebido por mais de dez mil paulistanos em sua chegada a cidade, também quebrou o recorde de público do estádio do Pacaembu até os dias atuais, com mais de setenta mil espectadores na sua estreia contra o Corinthians, em um jogo que terminou empatado em 3 a 3, onde Leônidas teve atuação discreta.

A má atuação de sua estreia atraiu as críticas dessa vez da imprensa paulista. Os sábios jornalistas diziam que o tricolor havia gasto uma fortuna de 200 Contos em um Bonde. Jogador velho na gíria da época. Mas logo os críticos de plantão iriam perceber que o Bonde de 200 Contos valia cada centavo investido.

No mês seguinte a sua estreia, o “Diamante Negro” enfrentou o Palestra Itália. Mesmo com a derrota São Paulina por 2 a 1, Leônidas foi o destaque da partida marcando um gol espetacular de bicicleta. Das cabines de rádio o famoso narrador José Geraldo de Almeida gritava: “O bonde, o bonde de 200 contos fez um gol de bicicleta!!!”. A torcida ia a loucura! Mas era só o começo!

Sobre o lance de bicicleta que o caracterizou em toda sua carreira, com toda humildade o mesmo dizia não ser o inventor. No máximo o popularizador do lance. Se de fato essa jogada também chamada de “Chilena” nos países do cone sul não foi de sua criação, quem o fez com mais capacidade, frequência e beleza plástica foi Leônidas da Silva.

Poderíamos hoje mudar o nome do lance para “Diamante Negro” ou “Leônidas”, ou dar o prêmio “Leônidas da Silva” para o mais belo gol de bicicleta do ano… São apenas conjecturas, mas creio que em um período em que o rádio ainda era o principal veículo de comunicação do planeta, ter a projeção que Leônidas conseguiu não é algo pueril no tempo.

Voltando ao São Paulo, o clube da capital só tinha 13 anos de vida e apenas um título paulista em 1931 (Estou me referindo o São Paulo Futebol Clube, e não aos seus predecessores!). Em comparação a seus rivais mais velhos, clubes fundados ainda nas primeiras décadas do Século XX, como o Corinthians e o Palestra Itália, o tricolor ainda era considerado um time pequeno. Até 1943, O Palestra (atual Palmeiras) já possuía nove títulos estaduais, enquanto o Corinthians já havia conquistado onze canecos! Em uma época em que o Campeonato Paulista era o principal torneio para esses clubes, o São Paulo ainda era um time sem estofo rivalizar com os dois grandes. Era, pois Leônidas da Silva, que já havia erguido o Flamengo, que viera para mudar as estatísticas!

Já com um ano de clube, “a moeda caiu em pé”, para todos que esperavam Palestra ou Corinthians como campeão de 1943, Leônidas garantiu o seu primeiro título paulista com a camisa tricolor. Em 1945 mais um título para o São Paulo com Leônidas marcando 16 gols. Em 1946, o bi invicto, terceiro titulo de Leônidas com a camisa do São Paulo. Em 1948 e 1949 mais um bicampeonato paulista! No total, cinco títulos paulistas em oito anos de clube. Sendo eleito o melhor jogador do campeonato nos cinco campeonatos vitoriosos! No total, foram 140 gols em 212 jogos pelo São Paulo!


Da mesma forma que o Flamengo deve parte de sua popularidade iniciada nos anos 1930 a Leônidas, o São Paulo deve grande parte de sua história ao “Homem de Borracha”. Hoje, duas das três maiores torcidas do país têm algo em comum, foram formadas pela popularidade de um homem que superou o tempo! Nem Pelé no Santos e Garrincha no Botafogo (os dois maiores jogadores de todos os tempos para mim!) conseguiram tal façanha!

Há quem possa alegar que a torcida do Flamengo é fruto da era Zico, e a do São Paulo da era Telê, mas para que essas gerações pudessem surgir, foi necessário que antes viesse Leônidas da Silva.

No caso do São Paulo, uma associação de futebol que sequer chegou ao centenário no dia que escrevo esse texto, a existência de Leônidas foi essencial para que o clube se equiparasse aos mais importantes e antigos do país. Isso sendo possível, graças aos títulos dados por Leônidas ao clube logo nos seus primórdios! O “Bonde de 200 Contos” pagou cada centavo investido e ainda deixou o clube em dívida com o mesmo por toda eternidade!

Em 1950, Leônidas tinha 36 anos. Já não era mais o rápido e elástico atacante que fez sucesso no Rio e em São Paulo, mas ainda era o principal nome do futebol brasileiro no mundo! Infelizmente, desavenças com o temperamental técnico da Seleção Flávio Costa, ainda nos tempos em que o “Diamante Negro” atuava no Rio de Janeiro tiraram suas chances de disputar o Mundial do Brasil. No lugar do Diamante Negro, Flávio Costa preferiu Otávio do Botafogo, e deu no que deu!

No mesmo ano, Leônidas se aposentou dos gramados e a partir daí seguiu para novas profissões. Tentou ser técnico, ator, mas a profissão que de fato ele mais se destacou fora exatamente aquela que antes tanto pegava no seu pé por atitudes fora do campo. A imprensa!

Como comentarista, Leônidas se mostrou um autodidata. Aos poucos foi corrigindo seus próprios erros de língua portuguesa e se adaptando a nova função com uma velocidade assustadora. Virou sucesso nas rádios paulistanas. Ganhou vários prêmios, entre eles sete troféus Roquette Pinto, principal prêmio dado aos profissionais de imprensa do estado de São Paulo.


Seu perfil como comentarista era muito duro e incisivo. Uma de suas maiores polêmicas era a implicância com Pelé, que muitos atribuem a ciúmes desse ter tomado seu trono de maior jogador brasileiro de todos os tempos. Infelizmente, veio a se aposentar em 1974, quando fora diagnosticado com Mal de Alzheimer, doença a qual poucas pessoas conheciam naquele período.

Ao lado da fiel esposa Albertina Pereira dos Santos, que não o abandonou sequer um dia durante os cinquenta anos que estiveram juntos, Leônidas aos poucos ia perdendo sua memória. Definhando numa triste doença ainda sem cura que atinge silenciosamente cerca de 1,2 milhões de idosos atualmente! Em uma das últimas reportagens com ele em vida no Esporte Espetacular da Rede Globo, dona Albertina relata que num raro rompante de recuperação de memória, o craque gritou para ela: “EU SOU LEÔNIDAS DA SILVA”!

A essa senhora que mais parece um anjo, todos os amantes do futebol e principalmente São Paulinos e flamenguistas devem toda gratidão. Pois ela cuidou até o fim de uma das maiores preciosidades que um clube de futebol possui. Maior até que seus títulos! Um ídolo atemporal! A dona Albertina, hoje com 89 anos, dedico essa singela homenagem como forma de agradecimento por tudo que ela fez a história desse país tão sem memória.


Leônidas nos deixou no dia 24 de janeiro de 2004 aos 90 anos devido a complicações decorrentes do Mal de Alzheimer (Após conviver com a doença por cerca de 30 anos!). O agradecimento ao documentário “Leônidas da Silva, o homem que venceu o tempo”, exibido pela TV Cultura em 2004 no programa semanal “Grandes Momentos do Esporte”, de onde vieram a maioria das fontes para a construção desse texto. E deixo um questionamento o qual não sei ou não posso responder… No futebol de hoje, quantos “Contos” valeria o “Bonde Leônidas”?

basilio

TALISMÃ DO CORINGÃO

entrevista: Paulo Escobar | vídeo: Jhonny Jamaica | edição de vídeo: Daniel Planel 

O dia 13 de outubro de 1977 não sai da cabeça da torcida do Corinthians, afinal de contas, um longo jejum era quebrado com a conquista do Campeonato Paulista daquele ano. Autor do heroico gol na decisão, Basílio recebeu a equipe do Museu no Parque São Jorge e relembrou sua trajetória nos gramados em uma resenha de alto nível.

Formado na Portuguesa de Desportos, o ídolo corintiano se orgulha por ter sido treinado pelo saudoso craque Ipojucan, ex-Vasco. Foi ele, inclusive, que descobriu o talento de Basílio, aos 13 anos, em uma peneira.


– Devo muita coisa a ele! Me ensinou muitos fundamentos e, se você notar, o gol que eu faço em 77 é justamente um ensinamento dele. Como você pega uma bola de bate-pronto, o posicionamento do corpo.. – lembrou o Pé de Anjo.

Sua passagem pela Portuguesa durou 10 anos, com altos e baixos, e um dos momentos mais inusitados ocorreu em um duelo contra o Santos de Pelé, em 73! Após um belo primeiro tempo da Lusa, o artilheiro Enéas aproveitou o intervalo para tirar fotos com os torcedores e incomodou Pelé.

O Rei havia mandado dizer que havia todo o segundo tempo pela frente e alertou para o “rapaz” não ficar com aquele entusiasmo. Resultado: o Santos virou para 3×2 e Pelé deu show em campo.

– Cutucamos a onça com vara curta. Vi o Pelé fazer um dos gols mais lindos do Pacaembu!

Antes de deixar a Portuguesa para vestir a camisa do Corinthians, no entanto, Basílio foi sondado duas vezes a pedido do craque Rivellino, mas as negociações travaram. Em 75, finalmente se transferiu para o Parque São Jorge para substituir, por ironia do destino, o Reizinho do Parque.

No novo clube, sofreu duas lesões graves que por pouco não interromperam sua carreira. A primeira foi logo nos primeiros jogos com a camisa alvinegra, quando sofreu uma pancada na cabeça e teve uma convulsão. Alguns meses depois, levou uma entrada violenta e fraturou a perna.


– Tive esses acidentes de percurso antes daquele momento de alegria!

Naquela altura, o Corinthians amargava um jejum de títulos que durava mais de 20 anos e parecia amaldiçoar o Parque São Jorge. Em 76, após eliminar o Fluminense com direito a invasão corintiana no Maracanã, o alvinegro perdeu a decisão do Brasileiro para o Internacional.

O ano seguinte estava cercado de expectativas e o Campeonato Paulista passou a ser o foco do Timão. Após um início ruim no torneio, o Corinthians arrancou, venceu os adversários diretos e contou com tropeços dos rivais para chegar à decisão contra a poderosa Ponte Preta.

Aos 37 do segundo tempo daquela final, após cruzamento de Zé Maria e bate rebate na área, Basílio pegou a sobra e estudou a rede para explodir os 86.677 torcedores que enfeitaram o Morumbi de preto e branco.

– De lá para cá foi só alegria! – comemorou!

 

 

CLAUDIOMIRO, QUANDO O FUTEBOL NOS BRINDA COM UM SORRISO

por André Felipe de Lima


Claudiomiro chegou a ser apontado pelo escritor Luis Fernando Verissimo como craque superior a Zico. O voto do magistral escritor e cronista em uma enquete impediu que ídolo rubro-negro ingressasse na lista da hipotética seleção dos sonhos. “Até hoje tem flamenguista que quer me matar”. Mas o atacante baixinho e atarracado ficou famoso mesmo pela célebre declaração sobre Jesus Cristo que rende, até hoje, comentários hilariantes. Não foi nenhum agradecimento por vitória alcançada, foi uma entrevista quando chegava à Belém do Pará, para o duelo entre o seu Internacional e o Paysandu, em jogo válido pelo campeonato brasileiro de 1972. “Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu”, disse Claudiomiro a um repórter. Mas merece que falemos do futebol que tinha: era centroavante polivalente do Inter entre o fim dos anos de 1960 e a década de 1970. Batia na bola com as duas pernas e era muito veloz. Ganhou o apelido de Bigorna, pois, baixinho e atarracado, apanhava muitos adversários e saía ileso. Só perdeu três dos 34 clássicos que disputou contra o Grêmio.

Claudiomiro Estrais [ou Streis, como muitos alegam ser a grafia correta] Ferreira nasceu em Porto Alegre, em 3 de abril de 1950. Dona Adelaide, mãe de Claudiomiro, foi criada por um casal de alemães. Por isso o sobrenome germânico do craque. O pai, Elpídio Ferreira, tinha muitas dificuldades para sustentar a família. Além de Claudiomiro, havia mais três filhos, Flávio e Ivan. Todos ajudavam no parco orçamento da família, fazendo carretos em Canoas, com uma carrocinha. 


Foi Dona Adelaide quem o levou para um teste no Inter quando ainda tinha apenas 13 anos. Na primeira tentativa, o menino foi dispensado. Ambos retornaram muito decepcionados à Canoas, onde moravam, mas sem perder a esperança. Um dia surgiu um convite do Grêmio. O menino recusou-o. Afinal, toda a família era colorada. E o Inter foi mesmo o seu primeiro clube, onde chegou aos 14 anos de idade para submeter-se aos teste de Daltro Menezes, no time infantil . Uma oportunidade que surgiu graças ao comerciante José Ghilosso, amigo do pai de Claudiomiro e conselheiro do Inter . Todo o dinheiro que ganhava nos juvenis do Inter, enviava para a os pais, em Canoas.

Foi artilheiro do campeonato brasileiro de Juvenis, em 1967, e, tempos depois, subiu para os profissionais, quando contava 18 anos, por intermédio do técnico Sérgio Moacir Torres, ex-goleiro do Grêmio. Seria o começo da glória de Claudiomiro no Inter, que disputaria seu primeiro campeonato nacional, o Torneio Roberto Gomes de Pedrosa, competição em que o Inter, no dia 28 de maio, derrotaria o Corinthians dentro do Pacaembu. Foi a primeira vitória de um time gaúcho contra um paulista dentro de São Paulo. Um feito histórico, que mobilizou a torcida em Porto Alegre.

O atacante conquistou seis campeonatos gaúchos seguidos, de 1969 a 74. Na final de 72, fez o gol único sobre o Grêmio. 

Aos 22 anos, defendeu a seleção brasileira na Argentina, na disputa pela Copa Rocca. Estava no elenco nos dois jogos de despedida de Pelé da seleção, o do Morumbi e o do Maracanã. Claudiomiro vestiu apenas cinco vezes a blusa canarinho e marcou um gol. Dentre os feitos mais significativos em toda a carreira, o de ter marcado o primeiro gol no estádio Beira-Rio, na vitória por 2 a 1 sobre o Benfica, de Portugal, em 6 de abril de 1969 .


Enfrentando problemas de peso e no joelho, Claudiomiro só deixou o clube em 1975, para defender o Botafogo. Em 1976 e 77, jogou por Flamengo e, em 78, pelo gaúcho Caxias. Visivelmente fora de forma e “brigando” com a balança, o centroavante ainda encontrou forças para jogar pelo Novo Hamburgo, em 1979. Mas não por muito tempo porque o Inter resgatou-o. E, após várias infiltrações no joelho direito, concluiu que tinha de pendurar as chuteiras, com apenas 29 anos.

Em Canoas, interior gaúcho, Claudiomiro candidatou-se a vereador, mas não se saiu bem nas urnas. Repetiu a tentativa para deputado estadual e federal. Micou novamente. Como funcionário da área de comunicação social do clube, divulgou a marca “Internacional” pelo interior dos estados do Sul para conquistar novos torcedores do Colorado. E o “garoto propaganda” convencia. Afinal, foram 205 gols em 424 jogos com a camisa vermelha.