WALDO, O MAIOR ARTILHEIRO TRICOLOR
por André Felipe de Lima
Certa vez o poeta Victor Hugo deparou-se com estupenda interpretação da atriz Sarah Bernhardt, em A Dama das Camélias. A cada ato, bradava: “É a maior! É a maior”. Ao final da épica e insofismável apresentação da diva entre as divas da história do teatro, Victor Hugo em seu, digamos, périplo até o camarim empurra a todos que vê pela frente. Nos bastidores, berra: “Divina! Divina!”. Pois bem, aconteceu algo parecido após um Vasco e Fluminense. A pertinaz analogia não é deste cronista, mas de outro, anos luz superior: Nelson Rodrigues. “Anteontem, eu me lembrei de Vitor Hugo pelo seguinte: — no vestiário, depois do jogo, estava lá um pó-de-arroz desvairado. Ele varara as vagas sucessivas de funcionários da ADEM [Administração dos Estádios Municipais]. Com essa eficácia do penetra nato e hereditário, conseguira descer aos subterrâneos do Maracanã. E, enfim, entrara no vestiário tricolor. Aconteceu então o seguinte: — diante de Valdo, que ainda pingava de suor épico, o torcedor abriu os braços e soluçou: — ‘Divino!’. E tornou, convulsivamente: — ‘Divino!”.
Waldo — cuja grafia correta é com w e não v, como escreviam os jornais dos anos de 1950 e 60 — foi exultante, aos olhos de Nelson Rodrigues , diante do Vasco. Marcou gols aos montes no goleiro Barbosa. “Jamais Valdo foi tão Valdo, tão ele mesmo […] nem a falecida Sarah Bernhardt faria melhor […] E quando soou o apito final, cada um de nós era um Victor Hugo diante de Sarah Bernhardt. O torcedor anônimo e ignaro não falou por si, falou por todos. Ele resumia um Juízo Final e unânime. Todos nós achamos Valdo ‘divino’ da cabeça aos sapatos”.
E o placar resoluto apontava: Waldo 3, Vasco 2, com gols de Pinga e Delém, diante de um Maracanã apinhado de Sarahs Bernhardt no dia 31 de março de 1960.
Waldo Machado da Silva é até hoje o maior artilheiro da história do Fluminense. Figuraria facilmente em listas que apontam o maior esquadrão tricolor em todos os tempos. Mas, apesar dos 319 gols [em 403 jogos] que marcou com a camisa do Fluminense, a memória social turva vem fazendo dele personagem rara nas rodas de conversa entre torcedores do Tricolor.
De 1954 até 1961, ninguém brilhou mais que Waldo nas Laranjeiras. Nem mesmo Telê Santana. Talvez Castilho… é verdade. Para quem Waldo perderia, talvez, no photochart. Foi daqueles centroavantes trombadores capazes de fazer gols em profusão e de qualquer maneira. Waldo cabia perfeitamente na brilhante frase de Dadá Maravilha: “Não existe gol feio. Feio é não fazer gol”. E tantos gols com a camisa Tricolor devem-se, sobretudo, aos passes de Didi, Maurinho e Telê Santana, que jogavam mais bola que Waldo. Outra verdade inquestionável. Mas isso não vem ao caso. O que importava era Waldo entrar nos gramados e fazer gols de cabeça, de pé direito, de pé esquerdo, de peito, de carrinho, de bico, de peito de pé, de sola, de canela, de joelho… só não fazia perder gols. Até hoje, ao lado de Heleno de Freitas, é quem mais gols marcou em clássicos entre Fluminense e Botafogo. Por dezesseis vezes balançou as redes alvinegras.
Waldo foi artilheiro do campeonato estadual de 1956, com 22 gols, e campeão em 1959. Foi também campeão do Torneio Rio-São Paulo nos anos de 1957 e 60, e artilheiro com 13 e 11 gols, respectivamente. Em 1960, seu passe acabou negociado com o Valência, da Espanha.
Na terra das touradas e do flamenco, seu faro de gol continuou apurado. Os 160 tentos com a camisa do Valência, a artilharia do campeonato espanhol na temporada de 1966/ 67, com 24 gols, e o bicampeonato da Copa da Uefa [1962 e 63] não deixam margem para dúvidas.
O grande Waldo nasceu em São Gonçalo, no dia 9 de setembro de 1934 e terminou a carreira no futebol espanhol. Após defender o Valência — até 1969 — e se consagrar como um dos maiores jogadores da história do clube defendeu o Hércules, de Alicante, e o Torrente, onde encerrou a carreira em 1976. Waldo mora até hoje na Espanha e dirige escolas de futebol.
Apesar da notoriedade, o centroavante só atuou pela seleção brasileira em quatro oportunidades. Pouco para muitos, mas não para o oportunista Waldo, que marcou dois gols.
Ao longo da carreira, Waldo marcou cerca de 500 gols. Pelo Flu, 319 [54 a 61]; pelo Valência, 160 [61 a 69]; pela seleção carioca, 6, e pela nacional, [1960], dois gols . Outra estatística incomensurável do maior artilheiro da história do Fluminense é o título de maior goleador brasileiro na história do futebol espanhol até 2006, façanha que foi superada por Ronaldo, o “Fenômeno”, quando este defendia o Barcelona e o Real Madrid.
Waldo esteve há alguns anos no Rio de Janeiro. Quem o trouxe foi o amigo e tricolor inconteste Valterson Botelho, autor da imperdível biografia do artilheiro, cujo título é “Waldo, o artilheiro”. Justa e merecida homenagem ao maior de todos os centroavantes que pisaram a grama da histórica Laranjeiras.
Ataliba
JUVENTUS NA VEIA
entrevista: Paulo Escobar | vídeo: Johnny Jamaica | edição de vídeo: Daniel Planel
Nas resenhas da vida muito se discute sobre o tal “futebol moderno” e suas transformações. O que é inquestionável é a extinção dos pontas, aqueles que entortavam os zagueiros e faziam a alegria da galera. Por isso, adoramos entrevistas com craques que exerceram muito bem a função e o personagem da vez é Ataliba, que bateu um papo divertidíssimo com Paulo Escobar.
O início no futebol foi na extinta categoria Dente de Leite, vestindo a camisa do Corinthians. No sub-15 se transferiu para o Juventus-SP e por lá se destacou de tal forma que passou a ser desejado por grandes clubes do Brasil.
– Cheguei a fazer 28 gols em um ano. Mas o time era muito bom! – lembrou.
O boato que rola por aí é que um dos principais motivos de Ataliba ter retornado para o Corinthians foi a sua fome de gols quando enfrentava o time do Parque São Jorge.
– Eu não sabia, mas me disseram que foram 10 gols em 12 jogos!
No alvinegro paulista, chegou na época da Democracia Corinthiana e teve a felicidade de jogar naquele timaço de Sócrates, Casagrande e cia.. De acordo com ele, aquele grupo era fantástico não só dentro de campo, mas também fora dele, quando os craques atuavam nas noites paulistas.
– A gente gostava de sair, mas ali dentro só dava a gente! A gente se garantia jogando com muita objetividade!
Um jogo que não sai da cabeça do ex-ponta é a final do Campeonato Paulista de 1982. Embora não tenha marcado, Ataliba fez uma jogada espetacular, deixando dois marcadores para trás antes de rolar para o novato Casagrande balançar as redes.
Em 83, foi novamente campeão estadual e no ano seguinte se transferiu para o Santos para levantar pela terceira vez seguida o caneco. Antes de pendurar as chuteiras, jogou ainda por Santa Cruz e Santo André. Mas ao ser perguntado por qual time jogaria novamente se pudesse voltar no tempo, Ataliba não teve dúvidas:
– Com certeza o Juventus! Aquele time de 78 era maravilhoso! – finalizou.
SETEMBRO AMARELO
Robert Enke deixou uma lição: vamos ouvir, vamos falar, vamos fazer a diferença!
por Mateus Ribeiro
Vivemos em uma era onde somos obrigados a vencer. Em todas as esferas. Sem pudor algum, cobramos as pessoas dos nossos círculos por resultados a todo instante. No esporte isso não é nem um pouco diferente.
Seja através dos treinadores, dos investidores, ou dos próprios atletas, a pressão por vitórias é imensa. O problema é que somos obrigados, pressionados, a vencer a todo instante. Porém, apesar da nossa evolução (em alguns pontos) ainda somos humanos. Estamos sujeitos ao erro. Não estamos preparados para lidar com a derrota. Tampouco treinados. Nem para a derrota, nem para a pressão. Muito menos a pressão interna.
Partindo desse ponto, vamos falar um pouco sobre o caso do goleiro alemão Robert Enke.
Enke iniciou sua carreira muito jovem. Não queria ser um ídolo. Tinha apenas o desejo de ser um bom goleiro e defender as cores de seu País. Jogou na Alemanha, mais precisamente no Borussia M’gladbach, e depois andou por alguns times na Europa. Benfica, Barcelona e Fenerbahce, para ser mais exato.
No Benfica, pegou um período ruim: jejum de títulos, atrasos de salário, e o fato de ter ser o primeiro goleiro do clube depois de Michel Preud’homme. Tudo isso somado com a dificuldade de adaptação fez com que a passagem do jovem arqueiro por Portugal não fosse das melhores.
Depois do período ruim em Portugal, foi para o Barelona. Sua primeira partida foi um desastre: o time catalão (que estava longe dos atuais dias gloriosos) foi eliminado da Copa do Rei por um time de terceira divisão, e o holandês Frank de Boer achincalhou publicamente o goleiro. A confiança de Enke, que já não era das maiores, ficou mais abalada do que nunca. Obviamente, já não havia mais espaço para ele ali.
Após uma saída conturbada do Barcelona, foi jogar no Fenerbahce, onde atuou em apenas uma partida, que novamente, não foi das melhores: derrota em casa, por 3 a 0, para o inexpressivo Istambulspor. Enke sentiu o golpe. Qualquer um sentiria. Mas ele sentiu de maneira mais pesada. Não era à primeira vez que suas falhas custariam caro.
Poucas semanas depois, voltou para a Espanha, defender o Tenerife, onde atuou bem nas partidas que fez pelo clube espanhol. Parecia que a vida estava sorrindo novamente para Robert.
Quis o destino que Enke voltasse para a Alemanha, onde foi defender o Hannover 96. Ali viveu seus melhores momentos. Seria o goleiro titular dos germânicos na Copa de 2010. Seria…
Triste fim
No dia 10/11/2009, Robert Enke resolveu acabar com tudo. Resolveu jogar na frente de um trem todos os seus problemas e sonhos. Todas as alegrias e frustrações. Todo o sofrimento e todo o silêncio.
Robert Enke sofria de depressão. Passou mais de meia década convivendo com esse drama. Poucos sabiam disso, e o atleta não queria revelar seu drama para o mundo, com medo de perder a privacidade. E talvez pouco tentaram o ouvir. Na verdade, não ouviram porque Enke não comentava nada disso. Disfarçava tudo o que passava quando estava reunido com pessoas próximas. Provavelmente, você deve ter alguém no seu círculo social com o mesmo comportamento. Vale a pena abrir os olhos.
Perdeu sua filha em 2006, ainda bebê. O que agravou sua situação, óbvio.
Sua carreira alternava altos e baixos, e sempre que estava perto de se consolidar como uma realidade, alguma coisa acontecia para atrapalhar o êxito de Enke. Ou uma contusão, ou alguma falha. Agora, imagine tudo isso misturado ao pesadelo que ele viveu em Portugal, na Espanha e na Turquia. Como se não bastasse a cobrança extrema, já citada no início do texto. A vida de Enke estava longe de ser fácil.
Ninguém sabia do que ele passava. Mas será mesmo que nunca ele deu mostras de que precisava de um pouco mais do carinho, da atenção e do respeito de quem estava junto dele?
Será que não somos culpados?
Nós, que caímos no jogo da imprensa suja, que cria heróis e vilões a todo instante. Sempre pensando em vender notícias. Sem se importar se o herói salva e se o vilão é maldoso. Veja bem o que fazemos com Muralha. Ele pode ter todas as deficiências técnicas do mundo. Pode estar longe de ser um goleiro confiável. Mas ele é humano. E garanto que ele e seus familiares não gostam nem um pouco de ver um de seus entes queridos, que luta para ganhar seu pão de cada dia virar motivo de piada por ter falhado, como eu e você costumamos falhar. Isso pra não falar de Barbosa, que passou o resto da sua vida na amargura, por conta da nossa eterna caça às bruxas. Então, pense bem antes de compartilhar “os melhores memes das falhas de Muralha” (ou de qualquer outro). Amanhã pode ser você no lugar dele. Empatia nunca fez, não faz, e nunca fará mal algum.
Nós, que crucificamos a todos. Sem perdão. Nós que não nos importamos se o próximo está passando por dificuldades ou não. Nós que somos egoístas. Nós que só queremos falar. Nós que não sabemos ouvir.
Será realmente que não temos culpa em casos como esse?
Será que somos realmente tão inocentes?
Nós, que vamos ao estádio, xingamos, ofendemos, humilhamos quem está no gramado. Nós, que colaboramos com a destruição de tantos Enkes, semana pós semana. E não adianta tentar justificar o papo furado de que “…o jogador ganha milhões, viaja pra onde quer…”. A depressão não escolhe quem vai atingir. E nem todo jogador vive em uma bolha, como uns e outros.
Nós, que nos achamos tão inocentes. Nós, que somos tão negligentes.
Portanto, vamos tentar tirar algo de bom disso tudo. Vamos começar a prestar um pouco mais de atenção nas pessoas que nos cercam. Vamos tentar ouvir (mais), falar (menos) e tentar fazer a diferença (sempre) na vida de quem sofre com o mal do Século.
Que o grande Enke esteja batendo uma bola com sua querida Lara, em algum outro gramado. Descanse em paz, Enke. E obrigado por deixar uma mensagem tão forte para todos nós.
Robert Enke – 24/08/1977 – 10/11/2009
UBIRAJARA MOTTA, O MAIOR GOLEIRO DA HISTÓRIA DO BANGU
por André Felipe de Lima
Em novembro de 2014, eu e minha esposa Suellen Napoleão conversamos com o ex-goleiro Ubirajara Gonçalves Motta, o maior de toda a história do Bangu e o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube alvirrubro do subúrbio carioca. Foram 538 jogos com a camisa dos mulatinhos rosados, entre 1956 e 1969. É coisa à beça, meus caros. A entrevista foi concedida para o documentário “Simplesmente passarinho”, que narra a vida de Garrincha. A produção do filme está lamentavelmente parada por falta de apoio cultural (coisas do Brasil, conformo-me…), mas o nosso Bira está aí, firme e forte, morando na Tijuca, onde às vezes nos esbarramos, ora caminhando pela rua, ora no supermercado do Largo da Segunda-Feira. Um ídolo simples e inesquecível, que passa pelos mortais sem que estes o vejam. Sem que percebam que estão diante do Ubirajara, um gigante da história do futebol carioca. Mas não é o momento para essa digressão.
Naquela tarde em que batemos um longo papo, Ubirajara falou bastante sobre Garrincha, mas também contou muitos detalhes sobre a sua vida e carreira. Informações muito bacanas que estão na biografia que escrevi sobre ele e constará do volume com a letra “U”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que um dia, quem sabe, lançarei.
Ubirajara viveu a infância e a juventude em Marechal Hermes, bairro próximo a Bangu. Ele recordou os tempos em que estudou no colégio Souza Marques, o momento em que conheceu a esposa e as primeiras conquistas com o time juvenil do Bangu, um elenco com cobras sensacionais, que levaria o clube a disputar quatro finais consecutivas (de 1964 a 1967) do Campeonato Carioca, conquistando em uma delas o título, em 1966, após a conturbada vitória sobre o Flamengo, um jogo que Almir Pernambuquinho bateu (e apanhou também!) para valer naquela que é até hoje considerada a maior pancadaria da história no gramado do Maracanã.
Ubirajara conta que o cartola Flávio Soares de Moura, do Flamengo, foi quem abordou Almir — devidamente expulso de campo — na boca do túnel e teria dito para o raivoso atacante: “Vai lá e tira o Ubirajara!”. Bira diz que Almir, que se preparava para descer as escadas rumo ao vestiário, voltou a campo intempestivamente, que nem um touro enlouquecido, dirigindo-se ao goleiro banguense: “Meu negócio é com você, para você ser expulso também. Se você não se defender, vou bater em você”. Teria dito ao goleiro. Bira recordou o diálogo: “Que isso, rapaz? Tá maluco?!… aí, o pau comeu”.
Bira contou que esteve com Almir dias após o jogo na TV Tupi. A emissora prestava uma homenagem ao Bangu pelo título de 66. Havia o temor de que Almir aprontasse no evento o mesmo que aprontou no dia da final, no gramado. Cabreiros, os banguenses assistiram ao irascível craque do Flamengo discursar. Almir elogiou o Bangu e começou a acusar os dirigentes do Flamengo de “safados”. Imediatamente cortaram o áudio de Almir, lembrou Ubirajara. Tentaram continuar o evento, mas Ubirajara disse que não dava mais. Almir tentara melar, pela segunda vez, a festa do Bangu.
Para quem não lembra ou jamais procurou conhecer detalhes, a final do Campeonato Carioca de 1966 foi uma das mais sensacionais da história do futebol carioca. O Bangu deu um verdadeiro passeio em campo. O placar estampava um insofismável 3 a 0 naquela inesquecível tarde de 18 de dezembro de 1966, com um Maracanã apinhado de gente, com mais de 140 mil. Mas, se dependesse de Almir Pernambuquinho, não haveria volta olímpica. Almir brigou com todos os jogadores do Bangu. Ubirajara, como dissemos, foi a principal “vítima” do Almir. O jogo não terminou aos 45 minutos da segunda etapa. Acabou bem antes disso, com o apito de um atônito juiz diante de alguns gatos pingados do Bangu e do Flamengo que “sobreviveram” em campo. Almir e Ubirajara, obviamente, integraram a numerosa lista de jogadores expulsos.
Ubirajara chegou à Seleção Brasileira. Disputou apenas um jogo, contra o Peru. Levou apenas um gol, que os atacantes brasileiros recompensaram com outros três. O jogo valeu como preparação para a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966. Ubirajara fazia parte do grupo de 44 jogadores experimentados para embarcar para Londres, uma das maiores barbeiragens administrativas de cartolas antes de um Mundial. Acabaram indo apenas 22 e o goleirão do Bangu ficou de fora. Jamais se conformou com o corte.
Manga, que foi o goleiro titular naquela Copa de 66, dizia sempre para o Ubirajara que o Feola deveria levá-lo para a Inglaterra. “Ele tem de levar eu e você. Gilmar não dá mais e o Valdir [de Morais, do Palmeiras] está com problema na clavícula”, reconheceu o arqueiro do Botafogo. Na véspera do embarque para a Copa, Manga se dirigiu ao Ubirajara e, consolando-o, disse o seguinte: “Pô, Bira, que treinador safado”. Pelé fez o mesmo e confessou ao Bira que os jogadores da seleção estavam “entrando numa fria” para a Copa de 66.
Ubirajara disse durante a entrevista que Feola ficava o tempo todo sentado durante os treinos e dormia quase que o tempo todo. “Todos os dias víamos um filme na concentração. Olhávamos para o Feola e ele estava sempre dormindo. Saía todo mundo e deixávamos ele sozinho”. Em seguida, Ubirajara conta da liberação da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) – a pedido do Bangu – para que ele não permanecesse na Seleção para disputar o campeonato sul-americano, em 1963, na Bolívia. O “manager” do Bangu, o notório banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade, não abria mão do goleiro para uma excursão pela Europa. “Com Castor, a gente fazia qualquer negócio”, confessou Ubirajara.
Depois do time de Moça Bonita, o maior goleiro da história do Bangu defendeu Botafogo e Flamengo. Com o Alvinegro, foi novamente campeão estadual, em 1968, brigando pela posição com o então jovem Cao. Vestindo rubro-negro, levantou os canecos de 1972 e 74, disputando a posição com Renato e o xará Ubirajara Alcântara. Poderia ter conquistado mais um título estadual não fosse a miopia do árbitro José Marçal Filho, que, na finalíssima entre Bota e Fluminense, em partida realizada no dia 27 de junho de 1971, validou um gol para o time da rua Álvaro Chaves. Na jogada, o lateral-esquerdo tricolor, Marco Antônio, fez falta em Ubirajara, impedindo-o de defender a bola, que sobrou para o ponta Lula, autor do gol da vitória Tricolor. “Vamos todos para cima do juiz dar uma surra naquele safado”, lembrou Ubirajara. Alguém do Fluminense ouviu a queixa dos banguenses e teria avisado ao juiz. “Acabando o jogo, os tricolores disseram para o juiz: ‘Foge que eles vão te pegar’. Ele terminou o jogo na boca do túnel e desceu… safado, já não estava mais em campo. Já tinha fugido. Futebol tem essas coisas.”
Ubirajara “entregou” Marco Antônio. O lateral do Fluminense teria confirmado, no bastidor ter feito a falta nele. “Na reportagem, ele dizia que só esbarrou em mim, mas fora dela, confessava ter me empurrado. ‘Dei uma gravatinha nele por isso saiu o gol”. Ubirajara jamais perdoou o juiz. Nem poderia.
Carioca, Ubirajara nasceu no dia 4 de setembro de 1936 e vive até hoje na cidade do Rio de Janeiro, como aposentado da bola e da profissão de contador. Foi, inclusive, presidente da Fundação de Garantia do Atleta Profissional [Fugap] e investiu na carreira de treinador. Ainda tem muita história boa para contar sobre o mundo do futebol.
E O VENTO LEVOU
por Zé Roberto Padilha
E o vento levou…
Era assim que os grandes clássicos do cinema se perpetuaram na história: um grande ator, Clark Gable, e uma grande atriz, Vivian Leigh, tinham seus nomes exibidos logo abaixo do título. E se destacavam nas imponentes fachadas do Cine Roxy, do Odeon e do Condor Largo do Machado. Era barbada, algum tempo depois o apresentador do Oscar anunciar: “And the winner goes to…todos que amavam a sétima arte”. E nem o vento, nem o tempo, levaram estas lembranças de mim.
No futebol não era diferente: clássicos como Santos e Botafogo, nos anos 60, revelavam seus grandes atores na capa do Jornal dos Sports: Mané Garrincha de um lado, Pelé, do outro. E a trilha sonora era do Canal 100: “Que bonito é…..”. Já nos anos 70, o Fla x Flu anunciava para o domingo, na sessão das 16h00, Zico x Roberto Rivelino. E vários deles disputavam o Oscar do Futebol, a Bola de Prata da Revista Placar, que era entrega na TV Record por Ayrton e Lolita Rodrigues. Em 1975, eles anunciavam: “E o vencedor é …Falcão!
Agora, tal categoria, a de melhor jogador, desapareceu do Campeonato Brasileiro. Seus maiores astros, das grandes bilheterias, estão filmando fora do seu país. Temos apenas a disputa pelo melhor jogador coadjuvante. Eles sempre foram importantes, mas não tinham o brilho necessário para atrair multidões ao pisar aquele tapete verde. Podiam até levantar a Copa do Mundo, e posar para a história, como Cafu, em 2002, mas os atores à sua frente tinham o talento de Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Rivaldo. Em 1994, Dunga levantou o troféu, à frente das câmeras. A manter o público encantado nas poltronas, Bebeto e Romário.
Passou tudo isto na cabeça de um cinéfilo apaixonado pelo futebol, como eu, assistindo Yago Pikachu todo jogo dando entrevistas. Sendo considerado há algum tempo, com toda a justiça e carência, o melhor jogador do Vasco. Mas sem ninguém à sua frente, o tempo, impiedoso por lá, levou Ademir, Roberto Dinamite, Bianchini, Romário, Bebeto, Zanata, Geovani e Philippe Coutinho para atuarem apenas em suas lembranças. No Baú do Esporte e no Youtube também.
No último fim de semana, Santos 3 x 0 Vasco, não passou de uma fita daquelas exibida no escurinho das salas da Cinelândia da nossa adolescência. A elas, escondidos dos pais e responsáveis, assistíamos atrizes de segunda tirar a roupa de primeira. Foi a vez de torcedores de primeira retirarem suas bandeiras mais cedo e irem embora pra casa com medo da segunda. E assistir o vento levar, do alto de sua gloriosa colina, o imenso prestígio de um dos mais respeitados clubes do nosso país.