OS SELECIONADOS E A REALIDADE DO SEU POVO
por Paulo Escobar
Quantas vezes nos dias atuais você já viu seu ídolo ou jogador da seleção nas ruas? Geralmente quando essas coisas acontecem, você não acredita ou então fica sem reação diante do fato. Entendo que isso não seja somente por se tratar do seu ídolo, mas talvez por ser tão raro nos dias de hoje você encontrar um deles nas ruas.
Neste maldito futebol moderno esse encontro já deve ser comemorado. E mais comemorado deve ser se você consegue um contato sem toda a burocracia que cerca essas figuras, que a cada dia que passa parecem ser mais metidos a deuses longe dos mortais.
Você ouve da boca de jogadores de futebol ultimamente aquilo que são assessorados a dizer, não o que eles realmente pensam e, quando aparece algo diferente daquilo que são orientados a falar, se tornam verdadeiros pontos fora da curva. Por isso, digo que sinto saudades do Loco Abreu e de alguns poucos iguais a ele.
Para uma criança pegar um autógrafo de uma dessas entidades distantes da realidade é um desafio. Até chegar na mão que assinará a camiseta ou o item que esse pequeno levar, primeiro terá que passar pela assessoria que fará uma análise prévia. São distantes de tudo aquilo da sociedade que os cerca, a maioria deles não vai te emitir algo que para você seja comum ou que seja parte do seu dia a dia, mas ele terá que ser informado antes pela sua assessoria no que diz respeito à realidade do país, por exemplo.
Não pense que muitos desses que vestem a camisa da CBF se manifestem ou digam algo a respeito das questões que envolvem as pilantragens da entidade que defendem, pois pra eles é indiferente ou não importa e o mais incrível é que justamente eles teriam o poder de talvez abalar a estrutura dessa coisa. Eles defendem os interesses dessa entidade e somente manifestam opiniões daqueles que os assessoram, eles não estão preocupados com você que torce e muito menos com a realidade que você vive.
Esses jogadores da seleção, por exemplo, não defendem um país ou a realidade crua que o povo mais pobre passa, eles não jogam por você, mesmo você os assistindo e torcendo. Os selecionados jogam pelos interesses deles mesmos e da realidade que eles vivem, que não é a sua de torcedor. Diferentemente de Sócrates, por exemplo, eles nem sabem como a realidade política da nação te atinge.
Veja só que de algumas décadas para cá, as eliminações da Seleção Brasileira não são tão doloridas para o povão. Se hoje Ghiggia fizesse o segundo gol do Uruguai no Maracanã nessa Seleção da CBF, ele não veria a mesma tristeza daquela época. O gol de Rossi nessa Seleção não te causaria a mesma dor que causou no povo em 82.
Não é o povo que se afastou da Seleção, é o time da CBF que não é popular e distante do povo e suas realidades. Esse time que defende interesses da entidade, do umbigo de cada um ou então dos seus empresários, não pensa em você torcedor e para eles não importa a realidade que você vive. Eles se separaram de você faz décadas e de 4 em 4 anos pedem para você se lembrar deles, mas infelizmente eles não jogam por você, então será que vale a pena torcer por eles?
Não se envergonhe nas derrotas que eles sofrem, pois neles não doem tanto, já que depois voltam às realidades europeias ou aos cercos e blindagens do dia a dia que os cerca e as realidades deles que não são as suas. Eles não se interessam pelas derrotas diárias do seu povo e com certeza sua indignação não será a deles. Quem sabe um dia o povo volte a ter uma seleção que seja povão mesmo, como já aconteceu no passado.
Me arrisco a dizer que dessa seleção nove de dez jogadores pensam ser Deus, um tem certeza. Eles vivem e respiram outra realidade, não se esqueça que antes de ir para Copa eles se despediram num jogo na Inglaterra e não diante de seu povo no Brasil.
O BONDE DE 200 CONTOS
por Israel Cayo Campos
200 contos de réis…Convertendo para valores atuais aproximados teríamos em torno de 200 mil reais. Um salário considerado baixo para contratações de clubes de grande porte atualmente. Mas em 1942 era uma verdadeira fortuna! A maior contratação da América do Sul até aquele ano. Assim chegava na estação do Brás em São Paulo, recepcionado nos ombros por mais de dez mil paulistanos, o maior jogador da história do futebol brasileiro até então. Leônidas da Silva.
Voltando um pouco no tempo, chegamos a um período em que ser jogador de futebol ainda era algo malvisto pela sociedade. Nessa cronologia, um jovem garoto negro, morador do bairro de São Cristóvão, enquanto ajudava seu padrasto nos afazeres de um bar, sonhava em reinar nos gramados do Rio de Janeiro.
Como todo garoto pobre, jogava suas peladas nas já inexistentes praias de uma cidade que se transformou por completo. Com o tempo, o garoto virou funcionário de uma fábrica de vidraças intitulada “Light”. Mas o verdadeiro sonho daquele rapaz de gênio forte estava longe do proletariado fabril. Leônidas logo deixaria o futebol com os companheiros de fábrica para atuar no São Cristóvão em 1929, e logo em seguida defender o Clube Sírio Libanês.
Desse período quase não existem informações da passagem daquele que viria a ser conhecido como “Diamante Negro”, a não ser que após o encerramento das atividades futebolísticas do Sírio, o então técnico do clube Gentil Cardoso foi contratado pelo Bonsucesso Futebol Clube e com ele levou Leônidas para atuar no time da região Leopoldina carioca. O futebol ainda era amador, mas ali, começava a aparecer no cenário mundial a figura de um gênio da bola.
No Bonsucesso, ao lado de seu maior parceiro de ataque, Gradin, Leônidas marcou 55 gols em 51 em jogos. Uma média de gols superior a um por partida! Mas o mesmo talento que tinha para balançar as redes, possuía para arranjar encrencas. Sendo até antes de Heleno de Freitas, considerado um craque problema! Sofrendo com acusações de roubos de joias e até de galinhas, além de suas supostas exigências “artísticas” para entrar em campo.
O ônus valia a pena! E jogando pelo modesto clube ainda em 1932, Leônidas já era convocado para defender a Seleção Brasileira contra a atual campeã do mundo, a seleção uruguaia! Em pleno Estádio Centenário em Montevidéu pela Copa Rio Branco. O resultado seria de pura euforia para os brasileiros! Uma vitória na casa do adversário por 2 a 1. Com os dois tentos brasileiros marcados por Leônidas da Silva, um ao estilo que lhe ficou marcado: De bicicleta!
A atuação brilhante diante da melhor seleção do mundo, associada a problemas financeiros vividos pelo futebol brasileiro decorrentes da grande crise mundial de 1929 e a briga entre cartolas cariocas para profissionalizar ou não o futebol, fizeram com que Leônidas fosse defender o Peñarol de Montevidéu em 1934. Onde teve uma rápida passagem marcada por lesões no joelho, que no mesmo ano o fizeram regressar ao Brasil para defender o Vasco da Gama.
A passagem pelo clube da colina também fora breve, se resumindo apenas a um campeonato carioca conquistado pelo time cruz-maltino novamente com Leônidas como protagonista. Logo ele rescindiu o contrato com o clube para defender a Seleção Brasileira na Copa do Mundo da Itália de 1934.
Tal atitude não poupou sua reputação ao ser chamado de mercenário pelos vascaínos, pois aceitou da extinta CBD um salário bem maior do que recebia no clube para defender a Seleção. Vale salientar que nesse período, a briga entre dirigentes impedia que jogadores profissionais defendessem a Seleção Brasileira.
No mundial, disputado de maneira eliminatória, a Seleção teve sua pior apresentação na história das Copas. Uma derrota por 3 a 1 para os espanhóis do goleiro Zamora, e a eliminação precoce do torneio! Porém para Leônidas não fora tão mal. Marcou o gol de honra brasileiro, criou boas jogadas, e nos demais amistosos feitos pela Seleção Brasileira na Europa para não “perder a viagem”, marcou 13 gols em 11 jogos!
Terminada a participação pelo Brasil, o contrato com a CBD previa que Leônidas deveria se integrar ao Botafogo. Porém, segundo o jornalista Roberto Assaf, a passagem do craque por General Severiano fora bastante conturbada. Mesmo campeão carioca de 1935, a não aceitação de jogadores negros vestindo camisa do clube fez com que ele logo buscasse sair do time da “Estrela Solitária”.
Após ter esperado seis meses para que seu passe se encerrasse com o Botafogo, Leônidas fora defender o Flamengo. Nos dois primeiros anos apesar de muitos gols pelo rubro-negro, duas percas de títulos para o Fluminense. Mas a falta de glórias não parecia atingir Leônidas. Em um concurso promovido por uma empresa de cigarros, Leônidas fora eleito o jogador mais popular do Brasil com o dobro de votos dos dois jogadores que vieram após ele na disputa.
Novamente segundo Assaf, Leônidas ao final dos anos 1930 era um dos três homens mais conhecidos do país, ao lado do cantor Orlando Silva e de Getúlio Vargas! Tal popularidade reverteu-se em torcedores para o time que defendia, o Flamengo, sendo Leônidas o primeiro jogador a contribuir para a formação da maior torcida do Brasil. Se o Clube de Regatas Flamengo se orgulha de ser a maior torcida do país, com toda certeza Leônidas é um dos jogadores que mais contribuiu para isso!
Chegava o ano de 1938, as brigas entre os dirigentes e as diferentes ligas cariocas foram deixadas para trás, e enfim, a Seleção Brasileira poderia disputar uma Copa do Mundo com sua força máxima. Obviamente, Leônidas estava convocado para o mundial da França.
No primeiro jogo contra a Polônia, uma vitória memorável por 6 a 5, com direito a três gols de Leônidas! Um deles, segundo narração própria, com o pé descalço! Escondido (ou disfarçado) pela lama do gramado de Strasbourg. Nas quartas de final, marcou o gol de empate contra a Tchecoslováquia, que obrigou o Brasil a uma nova partida contra a seleção do leste europeu, já que naquela época não havia disputa de pênaltis em jogos eliminatórios.
Dois dias depois, no jogo desempate, marcou mais uma vez na vitória por 2 a 1 sobre os tchecos. O Brasil pela primeira vez em sua história chegava a uma semifinal de Copa do Mundo. Contra a temível atual campeã mundial Itália.
Para esse jogo uma história até hoje pouco explicada. Leônidas fora sacado da partida contra os italianos. Alguns alegam que o próprio inventou uma contusão para evitar enfrentar o time de Vitório Pozzo, outros dizem que devido aos dois jogos contra a Tchecoslováquia em dois dias ele fora poupado para uma provável final já assoberbada pelo técnico brasileiro Ademar Pimenta. Seja qual foi o caso, Leônidas não jogou e o Brasil perdeu por 2 a 1. Restava a disputa de terceiro lugar contra a Suécia!
Nesse jogo, Leônidas já “recuperado’ marcava mais dois gols na goleada por 4 a 2 contra os escandinavos. O Brasil chegava a terceira posição do mundial (melhor colocação do Brasil até então) e Leônidas com 7 tentos em quatro jogos se tornava o artilheiro do torneio! Do mundial da França também veio um dos apelidos que o seguiu durante a carreira. Leônidas era o “Homem de Borracha”! Devido a sua elasticidade, velocidade e jogadas plásticas. Dentre elas a Bicicleta!
Leônidas nesse mundial saia com o título de melhor jogador do torneio. Consequentemente melhor jogador do mundo daquele ano se pudéssemos trazer para os prêmios atuais. Sem pessoas como ele a desbravar os continentes, muito provavelmente não existiriam tantos outros brasileiros a conquistarem o mundo nas décadas seguintes!
A partir de tamanha popularidade, o jogador que já era apelidado de Diamante Negro, virou símbolo midiático nacional. Se hoje todos os grandes jogadores do futebol brasileiro usam de seu prestígio no marketing de produtos e em comerciais, devem a abertura dessas portas a Leônidas.
Usando de seu nome ou de seus apelidos, várias marcas de diferentes produtos foram lançadas no mercado. De cigarros a chocolates, ter seu produto associado a figura do artilheiro e craque maior da Copa do Mundo de 1938 era sucesso em vendas garantido. No final dos anos 1930, Leônidas virava o primeiro jogador “popstar” do Brasil!
Devido a sua alta popularidade, a mídia da época voltava-se para noticiar tudo que fosse relacionado a Leônidas. Também se tornara lucrativa a indústria de notícias “pejorativas” sobre o craque. E a cada fracasso do Flamengo, Leônidas era colocado pela mídia como principal responsável pela fase do clube. Tal perseguição só veio a diminuir quando voltando de uma apendicite conseguiu o tão sonhado título carioca pelo time em 1939 (Seu único título importante pelo Flamengo), tirando o clube de um jejum de campeonatos cariocas que vinha desde 1927.
Entretanto, após a tão esperada conquista, o joelho voltou a prejudica-lo, o obrigando a fazer cirurgias que lhe retiraram a forma física ideal, atraindo novamente as “fofocas” da mídia. Curiosamente ou não, uma fraude comprovada sobre seu alistamento militar, o ajudou a sair do foco por algum tempo. Ao falsificar seu certificado de reservista, recebeu uma pena de oito meses de detenção no Batalhão de Infantaria Regimento Sampaio no Rio de Janeiro, podendo assim se recuperar fisicamente para voltar ao futebol.
Após voltar ao clube rubro-negro, a relação com os dirigentes não era mais a mesma. Melancolicamente, Leônidas deixava o Flamengo com destino ao São Paulo Futebol Clube. Mesmo em baixa, foi vendido por uma quantia alta para os padrões da época: 200 Contos de Réis, a maior transação da América do Sul até aquele período! O “Diamante Negro” seguia rumo ao futebol paulista em 1942, aos 29 anos de vida.
Em São Paulo, o “Homem de Borracha” recuperava seu prestígio já desgastado no Rio de Janeiro. Recebido por mais de dez mil paulistanos em sua chegada a cidade, também quebrou o recorde de público do estádio do Pacaembu até os dias atuais, com mais de setenta mil espectadores na sua estreia contra o Corinthians, em um jogo que terminou empatado em 3 a 3, onde Leônidas teve atuação discreta.
A má atuação de sua estreia atraiu as críticas dessa vez da imprensa paulista. Os sábios jornalistas diziam que o tricolor havia gasto uma fortuna de 200 Contos em um Bonde. Jogador velho na gíria da época. Mas logo os críticos de plantão iriam perceber que o Bonde de 200 Contos valia cada centavo investido.
No mês seguinte a sua estreia, o “Diamante Negro” enfrentou o Palestra Itália. Mesmo com a derrota São Paulina por 2 a 1, Leônidas foi o destaque da partida marcando um gol espetacular de bicicleta. Das cabines de rádio o famoso narrador José Geraldo de Almeida gritava: “O bonde, o bonde de 200 contos fez um gol de bicicleta!!!”. A torcida ia a loucura! Mas era só o começo!
Sobre o lance de bicicleta que o caracterizou em toda sua carreira, com toda humildade o mesmo dizia não ser o inventor. No máximo o popularizador do lance. Se de fato essa jogada também chamada de “Chilena” nos países do cone sul não foi de sua criação, quem o fez com mais capacidade, frequência e beleza plástica foi Leônidas da Silva.
Poderíamos hoje mudar o nome do lance para “Diamante Negro” ou “Leônidas”, ou dar o prêmio “Leônidas da Silva” para o mais belo gol de bicicleta do ano… São apenas conjecturas, mas creio que em um período em que o rádio ainda era o principal veículo de comunicação do planeta, ter a projeção que Leônidas conseguiu não é algo pueril no tempo.
Voltando ao São Paulo, o clube da capital só tinha 13 anos de vida e apenas um título paulista em 1931 (Estou me referindo o São Paulo Futebol Clube, e não aos seus predecessores!). Em comparação a seus rivais mais velhos, clubes fundados ainda nas primeiras décadas do Século XX, como o Corinthians e o Palestra Itália, o tricolor ainda era considerado um time pequeno. Até 1943, O Palestra (atual Palmeiras) já possuía nove títulos estaduais, enquanto o Corinthians já havia conquistado onze canecos! Em uma época em que o Campeonato Paulista era o principal torneio para esses clubes, o São Paulo ainda era um time sem estofo rivalizar com os dois grandes. Era, pois Leônidas da Silva, que já havia erguido o Flamengo, que viera para mudar as estatísticas!
Já com um ano de clube, “a moeda caiu em pé”, para todos que esperavam Palestra ou Corinthians como campeão de 1943, Leônidas garantiu o seu primeiro título paulista com a camisa tricolor. Em 1945 mais um título para o São Paulo com Leônidas marcando 16 gols. Em 1946, o bi invicto, terceiro titulo de Leônidas com a camisa do São Paulo. Em 1948 e 1949 mais um bicampeonato paulista! No total, cinco títulos paulistas em oito anos de clube. Sendo eleito o melhor jogador do campeonato nos cinco campeonatos vitoriosos! No total, foram 140 gols em 212 jogos pelo São Paulo!
Da mesma forma que o Flamengo deve parte de sua popularidade iniciada nos anos 1930 a Leônidas, o São Paulo deve grande parte de sua história ao “Homem de Borracha”. Hoje, duas das três maiores torcidas do país têm algo em comum, foram formadas pela popularidade de um homem que superou o tempo! Nem Pelé no Santos e Garrincha no Botafogo (os dois maiores jogadores de todos os tempos para mim!) conseguiram tal façanha!
Há quem possa alegar que a torcida do Flamengo é fruto da era Zico, e a do São Paulo da era Telê, mas para que essas gerações pudessem surgir, foi necessário que antes viesse Leônidas da Silva.
No caso do São Paulo, uma associação de futebol que sequer chegou ao centenário no dia que escrevo esse texto, a existência de Leônidas foi essencial para que o clube se equiparasse aos mais importantes e antigos do país. Isso sendo possível, graças aos títulos dados por Leônidas ao clube logo nos seus primórdios! O “Bonde de 200 Contos” pagou cada centavo investido e ainda deixou o clube em dívida com o mesmo por toda eternidade!
Em 1950, Leônidas tinha 36 anos. Já não era mais o rápido e elástico atacante que fez sucesso no Rio e em São Paulo, mas ainda era o principal nome do futebol brasileiro no mundo! Infelizmente, desavenças com o temperamental técnico da Seleção Flávio Costa, ainda nos tempos em que o “Diamante Negro” atuava no Rio de Janeiro tiraram suas chances de disputar o Mundial do Brasil. No lugar do Diamante Negro, Flávio Costa preferiu Otávio do Botafogo, e deu no que deu!
No mesmo ano, Leônidas se aposentou dos gramados e a partir daí seguiu para novas profissões. Tentou ser técnico, ator, mas a profissão que de fato ele mais se destacou fora exatamente aquela que antes tanto pegava no seu pé por atitudes fora do campo. A imprensa!
Como comentarista, Leônidas se mostrou um autodidata. Aos poucos foi corrigindo seus próprios erros de língua portuguesa e se adaptando a nova função com uma velocidade assustadora. Virou sucesso nas rádios paulistanas. Ganhou vários prêmios, entre eles sete troféus Roquette Pinto, principal prêmio dado aos profissionais de imprensa do estado de São Paulo.
Seu perfil como comentarista era muito duro e incisivo. Uma de suas maiores polêmicas era a implicância com Pelé, que muitos atribuem a ciúmes desse ter tomado seu trono de maior jogador brasileiro de todos os tempos. Infelizmente, veio a se aposentar em 1974, quando fora diagnosticado com Mal de Alzheimer, doença a qual poucas pessoas conheciam naquele período.
Ao lado da fiel esposa Albertina Pereira dos Santos, que não o abandonou sequer um dia durante os cinquenta anos que estiveram juntos, Leônidas aos poucos ia perdendo sua memória. Definhando numa triste doença ainda sem cura que atinge silenciosamente cerca de 1,2 milhões de idosos atualmente! Em uma das últimas reportagens com ele em vida no Esporte Espetacular da Rede Globo, dona Albertina relata que num raro rompante de recuperação de memória, o craque gritou para ela: “EU SOU LEÔNIDAS DA SILVA”!
A essa senhora que mais parece um anjo, todos os amantes do futebol e principalmente São Paulinos e flamenguistas devem toda gratidão. Pois ela cuidou até o fim de uma das maiores preciosidades que um clube de futebol possui. Maior até que seus títulos! Um ídolo atemporal! A dona Albertina, hoje com 89 anos, dedico essa singela homenagem como forma de agradecimento por tudo que ela fez a história desse país tão sem memória.
Leônidas nos deixou no dia 24 de janeiro de 2004 aos 90 anos devido a complicações decorrentes do Mal de Alzheimer (Após conviver com a doença por cerca de 30 anos!). O agradecimento ao documentário “Leônidas da Silva, o homem que venceu o tempo”, exibido pela TV Cultura em 2004 no programa semanal “Grandes Momentos do Esporte”, de onde vieram a maioria das fontes para a construção desse texto. E deixo um questionamento o qual não sei ou não posso responder… No futebol de hoje, quantos “Contos” valeria o “Bonde Leônidas”?
basilio
TALISMÃ DO CORINGÃO
entrevista: Paulo Escobar | vídeo: Jhonny Jamaica | edição de vídeo: Daniel Planel
O dia 13 de outubro de 1977 não sai da cabeça da torcida do Corinthians, afinal de contas, um longo jejum era quebrado com a conquista do Campeonato Paulista daquele ano. Autor do heroico gol na decisão, Basílio recebeu a equipe do Museu no Parque São Jorge e relembrou sua trajetória nos gramados em uma resenha de alto nível.
Formado na Portuguesa de Desportos, o ídolo corintiano se orgulha por ter sido treinado pelo saudoso craque Ipojucan, ex-Vasco. Foi ele, inclusive, que descobriu o talento de Basílio, aos 13 anos, em uma peneira.
– Devo muita coisa a ele! Me ensinou muitos fundamentos e, se você notar, o gol que eu faço em 77 é justamente um ensinamento dele. Como você pega uma bola de bate-pronto, o posicionamento do corpo.. – lembrou o Pé de Anjo.
Sua passagem pela Portuguesa durou 10 anos, com altos e baixos, e um dos momentos mais inusitados ocorreu em um duelo contra o Santos de Pelé, em 73! Após um belo primeiro tempo da Lusa, o artilheiro Enéas aproveitou o intervalo para tirar fotos com os torcedores e incomodou Pelé.
O Rei havia mandado dizer que havia todo o segundo tempo pela frente e alertou para o “rapaz” não ficar com aquele entusiasmo. Resultado: o Santos virou para 3×2 e Pelé deu show em campo.
– Cutucamos a onça com vara curta. Vi o Pelé fazer um dos gols mais lindos do Pacaembu!
Antes de deixar a Portuguesa para vestir a camisa do Corinthians, no entanto, Basílio foi sondado duas vezes a pedido do craque Rivellino, mas as negociações travaram. Em 75, finalmente se transferiu para o Parque São Jorge para substituir, por ironia do destino, o Reizinho do Parque.
No novo clube, sofreu duas lesões graves que por pouco não interromperam sua carreira. A primeira foi logo nos primeiros jogos com a camisa alvinegra, quando sofreu uma pancada na cabeça e teve uma convulsão. Alguns meses depois, levou uma entrada violenta e fraturou a perna.
– Tive esses acidentes de percurso antes daquele momento de alegria!
Naquela altura, o Corinthians amargava um jejum de títulos que durava mais de 20 anos e parecia amaldiçoar o Parque São Jorge. Em 76, após eliminar o Fluminense com direito a invasão corintiana no Maracanã, o alvinegro perdeu a decisão do Brasileiro para o Internacional.
O ano seguinte estava cercado de expectativas e o Campeonato Paulista passou a ser o foco do Timão. Após um início ruim no torneio, o Corinthians arrancou, venceu os adversários diretos e contou com tropeços dos rivais para chegar à decisão contra a poderosa Ponte Preta.
Aos 37 do segundo tempo daquela final, após cruzamento de Zé Maria e bate rebate na área, Basílio pegou a sobra e estudou a rede para explodir os 86.677 torcedores que enfeitaram o Morumbi de preto e branco.
– De lá para cá foi só alegria! – comemorou!
CLAUDIOMIRO, QUANDO O FUTEBOL NOS BRINDA COM UM SORRISO
por André Felipe de Lima
Claudiomiro chegou a ser apontado pelo escritor Luis Fernando Verissimo como craque superior a Zico. O voto do magistral escritor e cronista em uma enquete impediu que ídolo rubro-negro ingressasse na lista da hipotética seleção dos sonhos. “Até hoje tem flamenguista que quer me matar”. Mas o atacante baixinho e atarracado ficou famoso mesmo pela célebre declaração sobre Jesus Cristo que rende, até hoje, comentários hilariantes. Não foi nenhum agradecimento por vitória alcançada, foi uma entrevista quando chegava à Belém do Pará, para o duelo entre o seu Internacional e o Paysandu, em jogo válido pelo campeonato brasileiro de 1972. “Tenho o maior orgulho de jogar na terra onde Cristo nasceu”, disse Claudiomiro a um repórter. Mas merece que falemos do futebol que tinha: era centroavante polivalente do Inter entre o fim dos anos de 1960 e a década de 1970. Batia na bola com as duas pernas e era muito veloz. Ganhou o apelido de Bigorna, pois, baixinho e atarracado, apanhava muitos adversários e saía ileso. Só perdeu três dos 34 clássicos que disputou contra o Grêmio.
Claudiomiro Estrais [ou Streis, como muitos alegam ser a grafia correta] Ferreira nasceu em Porto Alegre, em 3 de abril de 1950. Dona Adelaide, mãe de Claudiomiro, foi criada por um casal de alemães. Por isso o sobrenome germânico do craque. O pai, Elpídio Ferreira, tinha muitas dificuldades para sustentar a família. Além de Claudiomiro, havia mais três filhos, Flávio e Ivan. Todos ajudavam no parco orçamento da família, fazendo carretos em Canoas, com uma carrocinha.
Foi Dona Adelaide quem o levou para um teste no Inter quando ainda tinha apenas 13 anos. Na primeira tentativa, o menino foi dispensado. Ambos retornaram muito decepcionados à Canoas, onde moravam, mas sem perder a esperança. Um dia surgiu um convite do Grêmio. O menino recusou-o. Afinal, toda a família era colorada. E o Inter foi mesmo o seu primeiro clube, onde chegou aos 14 anos de idade para submeter-se aos teste de Daltro Menezes, no time infantil . Uma oportunidade que surgiu graças ao comerciante José Ghilosso, amigo do pai de Claudiomiro e conselheiro do Inter . Todo o dinheiro que ganhava nos juvenis do Inter, enviava para a os pais, em Canoas.
Foi artilheiro do campeonato brasileiro de Juvenis, em 1967, e, tempos depois, subiu para os profissionais, quando contava 18 anos, por intermédio do técnico Sérgio Moacir Torres, ex-goleiro do Grêmio. Seria o começo da glória de Claudiomiro no Inter, que disputaria seu primeiro campeonato nacional, o Torneio Roberto Gomes de Pedrosa, competição em que o Inter, no dia 28 de maio, derrotaria o Corinthians dentro do Pacaembu. Foi a primeira vitória de um time gaúcho contra um paulista dentro de São Paulo. Um feito histórico, que mobilizou a torcida em Porto Alegre.
O atacante conquistou seis campeonatos gaúchos seguidos, de 1969 a 74. Na final de 72, fez o gol único sobre o Grêmio.
Aos 22 anos, defendeu a seleção brasileira na Argentina, na disputa pela Copa Rocca. Estava no elenco nos dois jogos de despedida de Pelé da seleção, o do Morumbi e o do Maracanã. Claudiomiro vestiu apenas cinco vezes a blusa canarinho e marcou um gol. Dentre os feitos mais significativos em toda a carreira, o de ter marcado o primeiro gol no estádio Beira-Rio, na vitória por 2 a 1 sobre o Benfica, de Portugal, em 6 de abril de 1969 .
Enfrentando problemas de peso e no joelho, Claudiomiro só deixou o clube em 1975, para defender o Botafogo. Em 1976 e 77, jogou por Flamengo e, em 78, pelo gaúcho Caxias. Visivelmente fora de forma e “brigando” com a balança, o centroavante ainda encontrou forças para jogar pelo Novo Hamburgo, em 1979. Mas não por muito tempo porque o Inter resgatou-o. E, após várias infiltrações no joelho direito, concluiu que tinha de pendurar as chuteiras, com apenas 29 anos.
Em Canoas, interior gaúcho, Claudiomiro candidatou-se a vereador, mas não se saiu bem nas urnas. Repetiu a tentativa para deputado estadual e federal. Micou novamente. Como funcionário da área de comunicação social do clube, divulgou a marca “Internacional” pelo interior dos estados do Sul para conquistar novos torcedores do Colorado. E o “garoto propaganda” convencia. Afinal, foram 205 gols em 424 jogos com a camisa vermelha.
REMINISCÊNCIAS DE UM TORCEDOR
por Émerson Gáspari
Um dia me disseram que as lembranças afetivas que nos acompanham pela vida, nada mais são do que o desejo velado de que as coisas continuassem a ser como outrora.
Nada mais verdadeiro do que isso.
Meu coração atua como um autêntico “relicário de lembranças” sempre que minha mente descortina fatos que o tempo tolamente insiste em tentar apagar, revelando-me um incorrigível saudosista, especialmente no futebol.
Foi meu saudoso pai, o responsável por incutir em mim o “vírus futebolísticus”, há meio século.
Eu sequer havia completado oito meses de vida e já estava – levado por meus pais – misturado à massa torcedora que recepcionava os heróis jundiaienses chegando de São Paulo, campeões invictos da “Divisão de Acesso”, pelo Paulista de Jundiaí.
Estávamos então, no inesquecível ano de 1968: aquele que “não terminou”.
Todavia, minhas primeiras reminiscências datam do início dos anos 70.
Lá estava eu – então com quatro, cinco anos – nos vestiários do estádio Jayme Cintra, vendo o altar a Nossa Senhora num cantinho, percorrendo o túnel e pouco depois, já correndo pelo gramado à noite, com os refletores ligados e as arquibancadas vazias, enquanto meus pais conversavam com o ex-presidente do clube, Wanderley Pires.
Daquela mesma época, recordo-me vagamente de uma partida com placar final de 0x0. Eu estava nas sociais, junto de meu pai, meu avô e um tio.
Meu pai nasceu em Jundiaí em 1931 e desde garoto, adorava futebol. Jogava nos campinhos do Vianelo, frequentados também por seu amigo Dalmo Gaspar, lendário lateral do Santos de Pelé.
Na juventude, atuou por diversos clubes amadores; sempre como central. Dizia que, por ser canhoto, achava mais fácil desarmar os atacantes, geralmente destros. Tinha um chute potente de esquerda e batia de três dedos na bola, com precisão.
Corintiano roxo, apesar do pai palestrino, adorava me contar histórias sobre quando apanhava um trenzinho e ia ver na capital, o Timão do IV Centenário no Pacaembu da “Concha Acústica”, o Palmeiras da Academia, o São Paulo levantando o Morumbi, o Santos de Pelé, a Lusinha, o Juventus e tantos times de um período romântico do nosso futebol que o progresso e sua silenciosa estupidez conseguiram enterrar.
E eu adorava ouvi-las.
Viciado nos jornais “Gazeta Esportiva”, “Jornal da Tarde” e na revista “Placar”, eu curtia também, confeccionar meus próprios times de botão, com a carinha dos jogadores para depois brincar, irradiando as partidas – em imitações fidedignas – dos maiores locutores do rádio paulista: Fiori Giglioti, Osmar Santos e José Silvério.
Tempos também, do “Show de Rádio” e as intermináveis “Jornadas Esportivas”.
Na minha Jundiaí, a melhor estação sempre foi a Rádio Difusora, comandada na época, pelo saudoso locutor Hélio Luiz. O então repórter de campo, Adilson Freddo, continua lá até hoje, chefiando o esporte daquela emissora tão cativante, que já passou dos 70 anos de fundação.
Já o redator-chefe do Jornal da Cidade, o jornalista Sidney Mazzoni – de quem inclusive herdei o estilo de escrita – e que produzia a coluna diária de futebol mais badalada da cidade, a “Tirando de Letra” – partiu desse mundo já há algum tempo.
Eu e meu pai não perdíamos um programa futebolístico sequer.
Às vezes o velho exagerava.
Como quando resolveu levar o radinho de pilhas para ouvir uma partida durante uma festa de aniversário, para desgosto de minha mãe.
Seu papo era rico e variado. Versava facilmente sobre assuntos como atualidades, política, educação, realidade social, economia, história, astronomia e – é claro – esportes. No futebol então, ninguém o superava.
Lembro-me com desmedida saudade, das inúmeras vezes em que o acompanhei em seu trabalho pelas cidades e estradinhas que circundam Jundiaí, a bordo da Variant 70, bege (SL 8580) e dos nossos intermináveis e entusiasmados papos sobre futebol.
Nunca mais tive um parceiro futebolístico assim. Nunca mais.
Nos sábados bem cedo, batíamos uma bolinha no gramado de um clube social, antes que a rapaziada chegasse e tomasse conta do campo, para disputar uma pelada.
Eu no gol, meu pai chutando enviesado, colocado, rasteiro.
O velho botava fé que eu no futuro fosse goleiro do Paulista, porque realmente levava jeito, mas eu – tolamente – nunca quis tentar. Perdi talvez a chance de fazer parte da história do clube pelo qual torço.
Aos doze anos, comecei a pressioná-lo para que me levasse ao estádio. Eu ia equipado com um baita cornetão para azucrinar os adversários e trajando a camisa do Galo.
Bons tempos do inesquecível Joseph Pfulg à frente do clube.
O Paulista teve alguns presidentes que se destacaram ao longo de sua centenária história: Wanderley Pires, Eduardo Palhares… mas só um “pai”: o suíço Pfulg, presidente da Vulcabrás e que de futebol nunca entendeu, mas foi um ser admirável que sabia lidar com pessoas e fez tudo o que fez, desprovido de vaidade ou qualquer interesse pessoal que não fosse apenas o de retribuir à sociedade, tudo o que conquistara na cidade que o acolheu.
Todavia, houve um período em que o acesso para a Primeirona teimava em não vir e um torcedor “sem noção” pichou no muro do estádio: “FORA PFULG”.
Para desespero geral, ele ameaçou sair e então, lhe enviei uma carta comovente, lançando um apelo em nome da torcida, o qual – soube depois – o emocionou muito. Não sei até que ponto isso influenciou, mas o fato é que Pfulg acabou ficando.
Torcedor tem que fazer a diferença.
Não me esqueço do primeiro jogo “noturno” ao qual assisti – vencido nos acréscimos e de virada – em cima do Santo André, graças à “arma secreta” do treinador Adailton Ladeira: o folclórico Marco Antônio “Telefone”, verdadeiro talismã do time.
Um crioulo simpático, sorridente e brincalhão, nada clássico ou hábil com a bola.
Mas que “incendiava” o jogo e arrebatava a torcida com suas arrancadas empolgantes e uma raça inigualável. Se a peleja apertava, a torcida logo começava a gritar, exigindo:
– Põe o Telefone! – e costumava ser prontamente atendida.
Mesmo depois que ele deixou o clube, a torcida – por pura farra – continuava a pedir sua entrada e todos caíam sempre na gargalhada.
Agora, inacreditável para mim, foi – vinte e cinco anos depois – voltar ao Jayme Cintra (quando eu já morava aqui em Ribeirão Preto e fui ver meu time treinado pelo meu amigo e vizinho, o técnico Vagner Mancini) e, ao longo de uma dura partida diante do Coritiba pelo Brasileiro, ouvir a torcida ainda pedindo: “Põe o Telefone!”.
Disse para dois velhinhos com quem fizera amizade naquele dia, que não acreditava no que ouvia tantos anos depois, perguntando-lhes então, pelo paradeiro do jogador.
Rindo, eles responderam que se eu não acreditava no que ouvia o que iria dizer então, a respeito do que eles apontavam na curva das arquibancadas, mais abaixo.
Olhei e confesso que não pude crer no que vi: um senhor negro, cinquentão, usando abrigo e tênis esportivo, barba toda grisalha, braços cruzados e sorriso inconfundível, balançava a cabeça, enquanto ria dos gritos da torcida.
Era ele mesmo, o “Telefone”, em carne e osso, divertindo a galera. Incrível!
Como não amar uma torcida dessas?
Pena que meu pai já não estivesse mais entre nós, nesse dia. Iria se divertir a valer.
As lembranças são muitas. Dariam um livro. E um rio de saudosas lágrimas.
Por isso, vou encerrar por aqui, contando a vocês, duas historinhas apenas, ocorridas em jogos nos quais tive o prazer de poder acompanhar, das arquibancadas.
Um deles, o mais emocionante que já presenciei no estádio Jayme Cintra, ao lado de meu pai. Já o outro, sozinho em São Carlos, onde eu passava sempre as férias escolares e acabei – acreditem – ajudando a decidir a partida.
São histórias inesquecíveis para mim. E quero dedica-las a todos os queridos torcedores que sempre me honram com sua leitura e comentários elogiosos no Museu da Pelada. Em especial, a Abílio Macedo, Carlos Vianna, Walter Duarte e Jorge Vitório (que inclusive batiza minhas crônicas de “texto Gáspari”).
Espero que gostem.
– o –
Estávamos na primavera de 1982.
No ano anterior, o Paulista estivera próximo do acesso à Divisão Especial, perdendo a vaga na semifinal. Mas agora, apesar do elenco reforçado, as dificuldades começariam mais cedo. O “Galo da Japy” precisava vencer o Palmeiras de São João da Boa Vista e se classificar para a fase seguinte do campeonato da Intermediária.
O adversário não era lá essas coisas, mas havia um obstáculo a ser vencido: o goleiro Cláudio, verdadeiro “paredão” – o melhor do torneio – mais até, do que Eli, do Aliança Clube, famoso por permanecer mais de seiscentos minutos sem tomar gols.
Cláudio era verdadeiramente um goleiro completo, geralmente o menos vazado no campeonato e contra o Paulista, desdobrava-se, saindo sempre com todos os prêmios de melhor em campo, além de sustentar (quase sozinho!) um tabu diante do Galo, que começava a incomodar.
Naquele domingo de sol, nem precisei pedir ao meu pai: ele mesmo já foi confirmando que deveríamos ir bem cedo, pois o estádio iria lotar. Na verdade, já fazíamos isso, pois ir ao Jayme Cintra naquele tempo era um evento para a tarde toda. Você chegava cedo e havia sempre uma partida interessante na preliminar, fosse de mulheres, de veteranos ou aquela que a torcida mais gostava: com o badalado time de juniores do Paulista.
Essa equipe de jovens disputava os jogos do antigo “Desafio ao Galo”, transmitido aos domingos de manhã, pela TV Record, direto do campo da CMTC, na capital.
Nessas ocasiões, o time envergava outra camisa: a do “Passarin” de Jundiaí e fez realmente muito sucesso, sendo inclusive campeão na temporada 80/81.
Certa vez, permaneceram tanto tempo “cantando de galo” no torneio, que para tirá-los de lá, foi preciso formar uma “Seleção de Campinas” com direito a Carlos, Polozzi e outros profissionais com nível de Seleção Brasileira, para que fossem derrotados por 2×1 e terem sua longa invencibilidade quebrada.
A maior revelação daquela equipe acabaria sendo o centroavante Ricardo, que logo subiu para o time de cima do Paulista e depois de alguns anos como artilheiro no tricolor, acabou contratado por Castor de Andrade e sua pasta cheia de dinheiro vivo em 1986, indo jogar no Bangu e depois em Portugal.
Pois naquela tarde não aconteceu preliminar alguma. Aliás, nem mesmo a equipe da RTC – Rádio e Televisão Cultura estava lá, para filmar o jogo e mostrar os melhores lances no programa “É Hora de Esporte”, na segunda-feira, ao meio-dia.
No lugar de tudo isso, tivemos a visita mais indesejada que poderíamos receber: uma chuva repentina, torrencial e gelada (fato comum, em Jundiaí), que começou meia hora antes do espetáculo.
Foi realmente terrível!
A certa altura, quando já nos encontrávamos encharcados “até os ossos” (para que vocês me entendam bem) por aquele verdadeiro “dilúvio”, meu pai teve a ideia de começar a pular para aquecer o corpo gelado, sendo prontamente acompanhado por mim e pela torcida, que já não aguentava mais e entoava o grito de “Gaaaaloooo, Gaaaalooooo…) por todos os cantos do estádio, o qual a esta altura, já apresentava dois terços de sua capacidade, ocupada.
Atendendo aos pedidos, o time saiu dos vestiários mais cedo, enquanto o temporal amainava. O Palmeiras veio em seguida.
Tudo pronto começou a verdadeira “batalha épica” em busca do gol salvador, já que o adversário era realmente um time limitado, que pouco atravessava o meio de campo.
Agora, havia mais um problema que surgia para atrapalhar o tricolor, uma equipe de maior envergadura técnica e toque de bola: o estado prejudicado do campo.
O Jayme Cintra tinha um belo gramado e sistema de drenagem, mas o volume de água que caiu foi realmente absurdo, a ponto de fazer o campo começar a “enlamear” em alguns lugares, atrapalhando (e muito) o toque de bola.
Disso se valia o adversário, que estourava qualquer bola para fora, assim que um ataque mais eminente se desenhava.
E tome cobrança de falta que o goleirão “se virava” para pôr a escanteio. Ou cabeçada que Cláudio salvava, de ponta de dedos. Foram várias chances perdidas. Até que o primeiro tempo terminou mesmo num 0x0, apesar daquele bombardeio todo.
No segundo, já com o sol querendo retornar, a roupa que secou no corpo e a garganta ficando completamente rouca de tanto tocar meu cornetão e puxar o grito de “Galo, Galo, Galo” (que meu pai apoiava e sempre acabava dando certo, pois contagiava a torcida que se inflamava e passava a gritar e empurrar o time também) o Paulista veio atacar bem no gol onde nos encontrávamos mais próximos.
Virou definitivamente um jogo de um lado apenas do gramado, o qual parecia ficar, a cada minuto que passava, mais e mais impraticável, dificultando por demais, o equilíbrio dos jogadores e o domínio de bola.
A dramaticidade foi chegando ao extremo: quando não era Cláudio que defendia, era o pezinho salvador de algum zagueiro do Palmeiras ou mesmo a trave e até, em certos lances, o próprio nervosismo ou o puro azar, que atrapalhavam tudo.
A menos de dez minutos do fim, o treinador colocou o atacante reserva Mosca em campo. Mais um, para tentar furar aquela barreira aparentemente intransponível. Jogador rodado, veterano já, que na primeira bola na qual partiu atrás, demonstrou toda sua vivência futebolística: pressionado por dois zagueiros, “mergulhou” na grande área em meio às poças de lama. Pênalti! Eram 39 minutos.
Mas o medo bateu logo: e se o gol não viesse? Muitos torcedores, me recordo, viraram de costas para o gramado.
A tensão era imensa. O capitão Pedro Omar apanhou a bola e caminhou até a marca de pênalti, mas teve dificuldade em colocá-la (o pior lugar de todo o campo, pois estava alagado, bem ali). Por várias vezes tentou ajeitá-la e nada.
Cláudio usou de muita catimba, reclamando bastante com o juiz de que a bola estava adiantada em relação à marca penal (a qual nem podia ser vista, sob a água barrenta).
O árbitro corrigiu Pedro Omar que, com nervosismo, chutou insistentemente com a lateral do pé, parte do acúmulo de água sob a redonda. Eram decorridos 43 minutos. Se ele falhasse, não haveria tempo praticamente para mais nada.
Estranhamente, não se distanciou muito. Correu e bateu – não com a pancada costumeira – muito menos no canto. Foi de uma frieza absurda, até.
Então, o tempo pareceu congelar nesse instante e o próprio mundo por um momento, parou de girar, talvez!
A lama. O chute seco. O corpo do goleiro tombando timidamente para o lado esquerdo. A pelota em câmera lenta se encaminhando, baixa, para o centro da meta. Cláudio percebendo que ia passar da bola e retorcendo o corpo, para tentar voltar a tempo. Um filete de suor a me escorrer pela têmpora. A engolida em seco de muitos torcedores. O desespero estampado no rosto de meu pai.
O suspense, na garbosa voz de Hélio Luiz, entrincheirado na cabine da Difusora, enfartando quem estivesse ouvindo aquele drama todo, pelo rádio:
– Prepara-se Pedro Omar para a cobrança… não tomou muita distância… autorizado… partiu para a bola, pé direito, bateu: gooooooooltricolooooooorrrrr!!!
Bandeiras tremulando, rojões, palmas, gritos, risos: a agonia que tomara conta do estádio se transformava agora no delírio de uma torcida sofrida, apaixonada e linda.
– o –
Minhas férias escolares eram invariavelmente desfrutadas em São Carlos, na casa de meus queridos avós. Naquele mês de julho de 1981, não seria diferente.
Aos 13 anos, atleta do judô e praticante de vários esportes, eu já entrava no cinema tranquilamente em filmes de censura 18 anos.
Então, não tive dificuldades para comprar meu ingresso no estádio Luís Augusto de Oliveira, o “Luisão” e acompanhar sozinho, a uma partida do Grêmio Esportivo São-carlense, o qual curtia ouvir os jogos sempre pela Rádio São Carlos, bem como, ler as matérias a seu respeito, nos três jornais da cidade: a Folha, o Diário e a Tribuna, todos ainda impressos em placas de chumbo.
Tive até um time de botões com uma das formações do clube: Luiz Sérgio, Paulo Felisberto, Bussolan, Hamilton, Ederaldo e Carlinhos; Silvano, Horácio, Elias, João
Carlos Traina e Serginho. Mas voltemos ao jogo.
Na semana anterior, pela primeira rodada do segundo turno, o “Lobão Sorriso” havia arrancado um belo empate fora de casa (1×1) frente o Corinthians de Presidente Prudente e direito a golaço com chapéu aplicado no goleiro e tudo o mais.
A partida em casa, diante da Votuporanguense, era fundamental para confirmar a reação da equipe, a qual no primeiro turno não havia ido nada bem, sofrendo três goleadas e rondando a perigosa zona de rebaixamento.
Não sei se já disse a vocês, mas meu coração de torcedor é tão grande, que consegue abrigar, com intensa paixão, vários clubes ao mesmo tempo.
No interior, além do meu Paulista de Jundiaí – terra onde nasci – ainda há espaço suficiente para o Grêmio São-carlense e para o Comercial, pois moro em Ribeirão Preto faz trinta e cinco anos.
Sempre soube, desde muito cedo, da minha importância como torcedor e da dimensão que isso pode tomar. Por isso, de certa forma me orgulho em ter ajudado diretamente o Grêmio a vencer a partida, naquele dia.
O time da casa começou melhor a partida e em dois ataques pontuais, abriu uma vantagem de dois gols logo nos primeiros minutos, para a nossa felicidade.
Imediatamente, entretanto, resolveu recuar e passou a sofrer um sufoco “daqueles” por parte dos visitantes, até o fim do primeiro tempo. Foi um recuo calculado, porém preocupante, pois a cidadela são-carlense esteveprestes a cair, várias vezes.
Na segunda etapa, o drama prosseguiu: a equipe acovardada, o goleio gremista trabalhando demais, os zagueiros estourando a bola para qualquer lado, até que o time de Votuporanga enfim descontou (quando na verdade, merecia era estar ganhando de virada!).
Com o gol, baixou um silêncio momentaneamente sepulcral no estádio. O treinador permaneceu calado no banco, desanimado. A torcida – cerca de mil pessoas – muda.
Os atletas retornavam cabisbaixos para nova saída, no círculo central, lentamente.
Foi quando, aproveitando-me por estar posicionado bem no meio das acanhadas arquibancadas, ali pelo sexto ou sétimo degrau, logo acima do alambrado, berrei – a plenos pulmões – com toda fúria, para que os jogadores mais próximos ouvissem:
– Satisfeitos agora ou só quando eles empatarem? E a torcida que veio apoiar, vai passar vergonha? Cadê a raça?
Com o sangue fervendo, percebi que vários torcedores me olharam, espantados.
O juiz me observou enquanto mexia em seu cronômetro e vários atletas dos dois times, também, em silêncio.
Então, um jogador gremista, solidário à minha cobrança, de súbito bateu palmas para chamar a atenção dos companheiros, dizendo:
– Ele tá certo! Vamos dar o sangue!
Ato contínuo, três ou quatro companheiros mais próximos concordaram com a cabeça.
Incrível: instantaneamente, acabou a apatia. Passaram a dividir todas as bolas, jogando com mais ânimo e principalmente, voltaram a atacar.
Estávamos quase na metade do segundo tempo e dali por diante, o Grêmio ainda desperdiçou duas ou três oportunidades para ampliar, não passando mais sustos até o final da partida, quando então os atletas receberam nossos merecidos aplausos.
Confesso que fiquei satisfeito. Para mim, um clube só existe em razão de sua coletividade e o torcedor tem que fazer a diferença.
Ao me levantar para ir embora, alguns gremistas mais próximos, nas arquibancadas, vieram me congratular pela bronca que dei nos atletas, perguntando se eu não apreciaria fazer parte de sua torcida organizada, também.
Agradeci, explicando que por ser de fora eu não poderia, mas que eles não deixassem nunca de apoiar o time, mesmo quando tudo parecesse perdido, pois ele, mais do que qualquer um, precisava.
E fui embora, solitário e feliz, com a certeza de ter cumprido com a minha missão de torcedor do Grêmio, de alguma forma, naquele dia.