SETEMBRO AMARELO
Robert Enke deixou uma lição: vamos ouvir, vamos falar, vamos fazer a diferença!
por Mateus Ribeiro
Vivemos em uma era onde somos obrigados a vencer. Em todas as esferas. Sem pudor algum, cobramos as pessoas dos nossos círculos por resultados a todo instante. No esporte isso não é nem um pouco diferente.
Seja através dos treinadores, dos investidores, ou dos próprios atletas, a pressão por vitórias é imensa. O problema é que somos obrigados, pressionados, a vencer a todo instante. Porém, apesar da nossa evolução (em alguns pontos) ainda somos humanos. Estamos sujeitos ao erro. Não estamos preparados para lidar com a derrota. Tampouco treinados. Nem para a derrota, nem para a pressão. Muito menos a pressão interna.
Partindo desse ponto, vamos falar um pouco sobre o caso do goleiro alemão Robert Enke.
Enke iniciou sua carreira muito jovem. Não queria ser um ídolo. Tinha apenas o desejo de ser um bom goleiro e defender as cores de seu País. Jogou na Alemanha, mais precisamente no Borussia M’gladbach, e depois andou por alguns times na Europa. Benfica, Barcelona e Fenerbahce, para ser mais exato.
No Benfica, pegou um período ruim: jejum de títulos, atrasos de salário, e o fato de ter ser o primeiro goleiro do clube depois de Michel Preud’homme. Tudo isso somado com a dificuldade de adaptação fez com que a passagem do jovem arqueiro por Portugal não fosse das melhores.
Depois do período ruim em Portugal, foi para o Barelona. Sua primeira partida foi um desastre: o time catalão (que estava longe dos atuais dias gloriosos) foi eliminado da Copa do Rei por um time de terceira divisão, e o holandês Frank de Boer achincalhou publicamente o goleiro. A confiança de Enke, que já não era das maiores, ficou mais abalada do que nunca. Obviamente, já não havia mais espaço para ele ali.
Após uma saída conturbada do Barcelona, foi jogar no Fenerbahce, onde atuou em apenas uma partida, que novamente, não foi das melhores: derrota em casa, por 3 a 0, para o inexpressivo Istambulspor. Enke sentiu o golpe. Qualquer um sentiria. Mas ele sentiu de maneira mais pesada. Não era à primeira vez que suas falhas custariam caro.
Poucas semanas depois, voltou para a Espanha, defender o Tenerife, onde atuou bem nas partidas que fez pelo clube espanhol. Parecia que a vida estava sorrindo novamente para Robert.
Quis o destino que Enke voltasse para a Alemanha, onde foi defender o Hannover 96. Ali viveu seus melhores momentos. Seria o goleiro titular dos germânicos na Copa de 2010. Seria…
Triste fim
No dia 10/11/2009, Robert Enke resolveu acabar com tudo. Resolveu jogar na frente de um trem todos os seus problemas e sonhos. Todas as alegrias e frustrações. Todo o sofrimento e todo o silêncio.
Robert Enke sofria de depressão. Passou mais de meia década convivendo com esse drama. Poucos sabiam disso, e o atleta não queria revelar seu drama para o mundo, com medo de perder a privacidade. E talvez pouco tentaram o ouvir. Na verdade, não ouviram porque Enke não comentava nada disso. Disfarçava tudo o que passava quando estava reunido com pessoas próximas. Provavelmente, você deve ter alguém no seu círculo social com o mesmo comportamento. Vale a pena abrir os olhos.
Perdeu sua filha em 2006, ainda bebê. O que agravou sua situação, óbvio.
Sua carreira alternava altos e baixos, e sempre que estava perto de se consolidar como uma realidade, alguma coisa acontecia para atrapalhar o êxito de Enke. Ou uma contusão, ou alguma falha. Agora, imagine tudo isso misturado ao pesadelo que ele viveu em Portugal, na Espanha e na Turquia. Como se não bastasse a cobrança extrema, já citada no início do texto. A vida de Enke estava longe de ser fácil.
Ninguém sabia do que ele passava. Mas será mesmo que nunca ele deu mostras de que precisava de um pouco mais do carinho, da atenção e do respeito de quem estava junto dele?
Será que não somos culpados?
Nós, que caímos no jogo da imprensa suja, que cria heróis e vilões a todo instante. Sempre pensando em vender notícias. Sem se importar se o herói salva e se o vilão é maldoso. Veja bem o que fazemos com Muralha. Ele pode ter todas as deficiências técnicas do mundo. Pode estar longe de ser um goleiro confiável. Mas ele é humano. E garanto que ele e seus familiares não gostam nem um pouco de ver um de seus entes queridos, que luta para ganhar seu pão de cada dia virar motivo de piada por ter falhado, como eu e você costumamos falhar. Isso pra não falar de Barbosa, que passou o resto da sua vida na amargura, por conta da nossa eterna caça às bruxas. Então, pense bem antes de compartilhar “os melhores memes das falhas de Muralha” (ou de qualquer outro). Amanhã pode ser você no lugar dele. Empatia nunca fez, não faz, e nunca fará mal algum.
Nós, que crucificamos a todos. Sem perdão. Nós que não nos importamos se o próximo está passando por dificuldades ou não. Nós que somos egoístas. Nós que só queremos falar. Nós que não sabemos ouvir.
Será realmente que não temos culpa em casos como esse?
Será que somos realmente tão inocentes?
Nós, que vamos ao estádio, xingamos, ofendemos, humilhamos quem está no gramado. Nós, que colaboramos com a destruição de tantos Enkes, semana pós semana. E não adianta tentar justificar o papo furado de que “…o jogador ganha milhões, viaja pra onde quer…”. A depressão não escolhe quem vai atingir. E nem todo jogador vive em uma bolha, como uns e outros.
Nós, que nos achamos tão inocentes. Nós, que somos tão negligentes.
Portanto, vamos tentar tirar algo de bom disso tudo. Vamos começar a prestar um pouco mais de atenção nas pessoas que nos cercam. Vamos tentar ouvir (mais), falar (menos) e tentar fazer a diferença (sempre) na vida de quem sofre com o mal do Século.
Que o grande Enke esteja batendo uma bola com sua querida Lara, em algum outro gramado. Descanse em paz, Enke. E obrigado por deixar uma mensagem tão forte para todos nós.
Robert Enke – 24/08/1977 – 10/11/2009
UBIRAJARA MOTTA, O MAIOR GOLEIRO DA HISTÓRIA DO BANGU
por André Felipe de Lima
Em novembro de 2014, eu e minha esposa Suellen Napoleão conversamos com o ex-goleiro Ubirajara Gonçalves Motta, o maior de toda a história do Bangu e o jogador que mais vezes vestiu a camisa do clube alvirrubro do subúrbio carioca. Foram 538 jogos com a camisa dos mulatinhos rosados, entre 1956 e 1969. É coisa à beça, meus caros. A entrevista foi concedida para o documentário “Simplesmente passarinho”, que narra a vida de Garrincha. A produção do filme está lamentavelmente parada por falta de apoio cultural (coisas do Brasil, conformo-me…), mas o nosso Bira está aí, firme e forte, morando na Tijuca, onde às vezes nos esbarramos, ora caminhando pela rua, ora no supermercado do Largo da Segunda-Feira. Um ídolo simples e inesquecível, que passa pelos mortais sem que estes o vejam. Sem que percebam que estão diante do Ubirajara, um gigante da história do futebol carioca. Mas não é o momento para essa digressão.
Naquela tarde em que batemos um longo papo, Ubirajara falou bastante sobre Garrincha, mas também contou muitos detalhes sobre a sua vida e carreira. Informações muito bacanas que estão na biografia que escrevi sobre ele e constará do volume com a letra “U”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que um dia, quem sabe, lançarei.
Ubirajara viveu a infância e a juventude em Marechal Hermes, bairro próximo a Bangu. Ele recordou os tempos em que estudou no colégio Souza Marques, o momento em que conheceu a esposa e as primeiras conquistas com o time juvenil do Bangu, um elenco com cobras sensacionais, que levaria o clube a disputar quatro finais consecutivas (de 1964 a 1967) do Campeonato Carioca, conquistando em uma delas o título, em 1966, após a conturbada vitória sobre o Flamengo, um jogo que Almir Pernambuquinho bateu (e apanhou também!) para valer naquela que é até hoje considerada a maior pancadaria da história no gramado do Maracanã.
Ubirajara conta que o cartola Flávio Soares de Moura, do Flamengo, foi quem abordou Almir — devidamente expulso de campo — na boca do túnel e teria dito para o raivoso atacante: “Vai lá e tira o Ubirajara!”. Bira diz que Almir, que se preparava para descer as escadas rumo ao vestiário, voltou a campo intempestivamente, que nem um touro enlouquecido, dirigindo-se ao goleiro banguense: “Meu negócio é com você, para você ser expulso também. Se você não se defender, vou bater em você”. Teria dito ao goleiro. Bira recordou o diálogo: “Que isso, rapaz? Tá maluco?!… aí, o pau comeu”.
Bira contou que esteve com Almir dias após o jogo na TV Tupi. A emissora prestava uma homenagem ao Bangu pelo título de 66. Havia o temor de que Almir aprontasse no evento o mesmo que aprontou no dia da final, no gramado. Cabreiros, os banguenses assistiram ao irascível craque do Flamengo discursar. Almir elogiou o Bangu e começou a acusar os dirigentes do Flamengo de “safados”. Imediatamente cortaram o áudio de Almir, lembrou Ubirajara. Tentaram continuar o evento, mas Ubirajara disse que não dava mais. Almir tentara melar, pela segunda vez, a festa do Bangu.
Para quem não lembra ou jamais procurou conhecer detalhes, a final do Campeonato Carioca de 1966 foi uma das mais sensacionais da história do futebol carioca. O Bangu deu um verdadeiro passeio em campo. O placar estampava um insofismável 3 a 0 naquela inesquecível tarde de 18 de dezembro de 1966, com um Maracanã apinhado de gente, com mais de 140 mil. Mas, se dependesse de Almir Pernambuquinho, não haveria volta olímpica. Almir brigou com todos os jogadores do Bangu. Ubirajara, como dissemos, foi a principal “vítima” do Almir. O jogo não terminou aos 45 minutos da segunda etapa. Acabou bem antes disso, com o apito de um atônito juiz diante de alguns gatos pingados do Bangu e do Flamengo que “sobreviveram” em campo. Almir e Ubirajara, obviamente, integraram a numerosa lista de jogadores expulsos.
Ubirajara chegou à Seleção Brasileira. Disputou apenas um jogo, contra o Peru. Levou apenas um gol, que os atacantes brasileiros recompensaram com outros três. O jogo valeu como preparação para a Copa do Mundo, na Inglaterra, em 1966. Ubirajara fazia parte do grupo de 44 jogadores experimentados para embarcar para Londres, uma das maiores barbeiragens administrativas de cartolas antes de um Mundial. Acabaram indo apenas 22 e o goleirão do Bangu ficou de fora. Jamais se conformou com o corte.
Manga, que foi o goleiro titular naquela Copa de 66, dizia sempre para o Ubirajara que o Feola deveria levá-lo para a Inglaterra. “Ele tem de levar eu e você. Gilmar não dá mais e o Valdir [de Morais, do Palmeiras] está com problema na clavícula”, reconheceu o arqueiro do Botafogo. Na véspera do embarque para a Copa, Manga se dirigiu ao Ubirajara e, consolando-o, disse o seguinte: “Pô, Bira, que treinador safado”. Pelé fez o mesmo e confessou ao Bira que os jogadores da seleção estavam “entrando numa fria” para a Copa de 66.
Ubirajara disse durante a entrevista que Feola ficava o tempo todo sentado durante os treinos e dormia quase que o tempo todo. “Todos os dias víamos um filme na concentração. Olhávamos para o Feola e ele estava sempre dormindo. Saía todo mundo e deixávamos ele sozinho”. Em seguida, Ubirajara conta da liberação da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) – a pedido do Bangu – para que ele não permanecesse na Seleção para disputar o campeonato sul-americano, em 1963, na Bolívia. O “manager” do Bangu, o notório banqueiro do jogo do bicho Castor de Andrade, não abria mão do goleiro para uma excursão pela Europa. “Com Castor, a gente fazia qualquer negócio”, confessou Ubirajara.
Depois do time de Moça Bonita, o maior goleiro da história do Bangu defendeu Botafogo e Flamengo. Com o Alvinegro, foi novamente campeão estadual, em 1968, brigando pela posição com o então jovem Cao. Vestindo rubro-negro, levantou os canecos de 1972 e 74, disputando a posição com Renato e o xará Ubirajara Alcântara. Poderia ter conquistado mais um título estadual não fosse a miopia do árbitro José Marçal Filho, que, na finalíssima entre Bota e Fluminense, em partida realizada no dia 27 de junho de 1971, validou um gol para o time da rua Álvaro Chaves. Na jogada, o lateral-esquerdo tricolor, Marco Antônio, fez falta em Ubirajara, impedindo-o de defender a bola, que sobrou para o ponta Lula, autor do gol da vitória Tricolor. “Vamos todos para cima do juiz dar uma surra naquele safado”, lembrou Ubirajara. Alguém do Fluminense ouviu a queixa dos banguenses e teria avisado ao juiz. “Acabando o jogo, os tricolores disseram para o juiz: ‘Foge que eles vão te pegar’. Ele terminou o jogo na boca do túnel e desceu… safado, já não estava mais em campo. Já tinha fugido. Futebol tem essas coisas.”
Ubirajara “entregou” Marco Antônio. O lateral do Fluminense teria confirmado, no bastidor ter feito a falta nele. “Na reportagem, ele dizia que só esbarrou em mim, mas fora dela, confessava ter me empurrado. ‘Dei uma gravatinha nele por isso saiu o gol”. Ubirajara jamais perdoou o juiz. Nem poderia.
Carioca, Ubirajara nasceu no dia 4 de setembro de 1936 e vive até hoje na cidade do Rio de Janeiro, como aposentado da bola e da profissão de contador. Foi, inclusive, presidente da Fundação de Garantia do Atleta Profissional [Fugap] e investiu na carreira de treinador. Ainda tem muita história boa para contar sobre o mundo do futebol.
E O VENTO LEVOU
por Zé Roberto Padilha
E o vento levou…
Era assim que os grandes clássicos do cinema se perpetuaram na história: um grande ator, Clark Gable, e uma grande atriz, Vivian Leigh, tinham seus nomes exibidos logo abaixo do título. E se destacavam nas imponentes fachadas do Cine Roxy, do Odeon e do Condor Largo do Machado. Era barbada, algum tempo depois o apresentador do Oscar anunciar: “And the winner goes to…todos que amavam a sétima arte”. E nem o vento, nem o tempo, levaram estas lembranças de mim.
No futebol não era diferente: clássicos como Santos e Botafogo, nos anos 60, revelavam seus grandes atores na capa do Jornal dos Sports: Mané Garrincha de um lado, Pelé, do outro. E a trilha sonora era do Canal 100: “Que bonito é…..”. Já nos anos 70, o Fla x Flu anunciava para o domingo, na sessão das 16h00, Zico x Roberto Rivelino. E vários deles disputavam o Oscar do Futebol, a Bola de Prata da Revista Placar, que era entrega na TV Record por Ayrton e Lolita Rodrigues. Em 1975, eles anunciavam: “E o vencedor é …Falcão!
Agora, tal categoria, a de melhor jogador, desapareceu do Campeonato Brasileiro. Seus maiores astros, das grandes bilheterias, estão filmando fora do seu país. Temos apenas a disputa pelo melhor jogador coadjuvante. Eles sempre foram importantes, mas não tinham o brilho necessário para atrair multidões ao pisar aquele tapete verde. Podiam até levantar a Copa do Mundo, e posar para a história, como Cafu, em 2002, mas os atores à sua frente tinham o talento de Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Rivaldo. Em 1994, Dunga levantou o troféu, à frente das câmeras. A manter o público encantado nas poltronas, Bebeto e Romário.
Passou tudo isto na cabeça de um cinéfilo apaixonado pelo futebol, como eu, assistindo Yago Pikachu todo jogo dando entrevistas. Sendo considerado há algum tempo, com toda a justiça e carência, o melhor jogador do Vasco. Mas sem ninguém à sua frente, o tempo, impiedoso por lá, levou Ademir, Roberto Dinamite, Bianchini, Romário, Bebeto, Zanata, Geovani e Philippe Coutinho para atuarem apenas em suas lembranças. No Baú do Esporte e no Youtube também.
No último fim de semana, Santos 3 x 0 Vasco, não passou de uma fita daquelas exibida no escurinho das salas da Cinelândia da nossa adolescência. A elas, escondidos dos pais e responsáveis, assistíamos atrizes de segunda tirar a roupa de primeira. Foi a vez de torcedores de primeira retirarem suas bandeiras mais cedo e irem embora pra casa com medo da segunda. E assistir o vento levar, do alto de sua gloriosa colina, o imenso prestígio de um dos mais respeitados clubes do nosso país.
OBRIGADO, CORINTHIANS!
por Marcelo Soares
Escanteio, todos se calam. Não foi a primeira vez que ficamos acuados durante o jogo. Em alguns lances de perigo tememos sofrer o gol. Mas ao chegar no fim da partida, sabendo que ali havia uma oportunidade de virarmos aquela situação a nosso favor, todos se uniram.
Alguns preferem não olhar, outros erguem seus braços em forma de prece. A bola sobe e…
Antes de tudo isso acontecer diante de mais de 40 mil torcedores, quero contar algo pra você.
No ano de 2003, fui ver o time de coração do meu pai. Não entendia muito bem o que acontecia mas sabia que após Liedson balançar a rede quatro vezes e ouvir a explosão da torcida, aquele time se tornaria o meu também.
Há 35 anos, o meu avô levava seus filhos pela primeira vez para ver o seu time do coração, com eles a história foi diferente. O time não venceu e a tristeza tomou conta de parte daquele momento.
Porém por trás de tudo isso se passa uma aventura que você não faz ideia. As dificuldades da época para se conseguir chegar até o estádio eram grandes. Tombos, arranhões, chuva e o cansaço eram na maioria das vezes presença confirmada.
Foram tantas as histórias vividas entre pais e filhos e o que mais encanta é ver que filhos se tornaram pais e pais se tornaram avôs. Dizem que só se aprende a ser filho quando se é pai é só se aprende a ser pai quando se torna avô.
E todos esses aprenderam uns com os outros a ser Corinthians.
Aprenderam a apoiar uns caras completamentes desconhecidos que chegam para defender seu time, passam confiança para eles e dão força total, até mesmo nos momentos de raiva não largam quem está vestindo a camisa do seu time.
Muleta se torna mastro de bandeira, andador vira apoio pra ter força pra empurrar o time e cadeira de rodas um simples assento na arquibancada.
Dentro da Arena Corinthians em Itaquera, tende aparecer muitas pessoas querendo estragar a festa, geralmente estão de verde e branco ou vermelho, branco e preto. A força da torcida faz com que isso se torne praticamente impossível.
Depois de tantos jogos e tantas histórias, viver esse clássico era importantíssimo.
Muitas mudanças acontecem em cada uma das três gerações presentes no estádio porém os percalços até chegar ao jogo naquele dia pareciam muito com os de 35 anos atrás.
Chegar em cima da hora e subir o barranco foram alguns dos problemas.
O mais velho, que já foi o de mais vigor, hoje precisa de ajuda. O mais novo se encanta com a ajuda dos filhos devolvendo o favor que o avô fez inúmeras vezes para eles.
A sensação ao chegar na arquibancada e ver aqueles caras que mal conhecemos mas que nos representam como ninguém é inexplicável.
Como se fosse o Paolo Guerrero no Japão, Romarinho na Argentina ou até mesmo Tupãzinho em 1990, Rodriguinho nesse momento de êxtase aproxima-se desses momentos, proporcionando algo maravilhoso.
Mais de 40 mil pessoas e milhares de histórias ímpares, mas sem dúvida a melhor história a ser relatada foi do encontro entre três gerações unidos por uma só causa.
Escanteio, todos se calam. Alguns preferem não olhar, outros erguem seus braços em força de prece. A bola sobe e…
Muito obrigado, Corinthians!
Joãozinho
O BAILARINO DA TOCA
entrevista: Matheus Rocha e Omar Franco | texto: Matheus Rocha | vídeo: Léo Souza
Em um mundo cada vez mais politicamente correto – para não dizer: “mais chato” – há certas malandragens de anos atrás que ainda seriam válidas. Não digo a malandragem que burla a regra ou que tenta desestabilizar emocionalmente o adversário. Me refiro à malandragem que leva em conta a atenção do adversário. Aquele lateral cobrado para o atacante esquecido pela defesa, aquela cobrança de falta ensaiada cheia de criatividade ou ainda aquela falta batida de forma mais rápida enquanto o adversário discute com outrem do jogo… Sempre alguém se lembra desse tipo de lance. Mas raros são os casos em que este tipo de lance decidiram campeonatos. Digo mais, decidiram campeonatos internacionais.
Nenhum outro exemplo é tão marcante quanto daquela noite de 1976, em Santiago no Chile, onde dois times estrangeiros decidiam a Copa Libertadores daquele ano. Um time argentino e um time brasileiro. Um time brasileiro com atacantes jovens e brilhantes, como Palhinha e Joãozinho contra um time argentino com uma zaga experiente formada por Passarela e Perfumo, este último considerado por muitos cruzeirenses um dos maiores zagueiros que já passaram pela Toca da Raposa (entre os anos de 1971 e 1974).
Mas poucos se lembram dos dois gols marcados por Nelinho e Eduardo, muito menos dos gols sofridos pelo Cruzeiro. O que todos se lembram é daquele gol antológico, irresponsável, que trouxe a única Taça Libertadores durante a década de 70 para o Brasil. Antes disso, somente o Santos, 13 anos antes, havia ganhado o bi campeonato do troféu mais importante das Américas.
Sabe aquele jogador que merece fazer o gol do título? Devemos voltar meses antes para entender. O maior jogo que o Mineirão já viu em toda sua existência desde 1965, ocorreu naquela Libertadores de 1976 em um confronto histórico entre os finalistas do último Campeonato Brasileiro disputado (1975) Cruzeiro e Internacional pela primeira fase (só classificava um time por grupo), no qual o Cruzeiro ganhou por 5 a 4. Nas palavras de meu pai: “Joãozinho destruiu, foi o melhor em campo. Eu vi ele deixando dois no chão com um só drible!”.
Se pudéssemos dizer que havia alguém que merecesse fazer o gol do título, por que não o melhor jogador do melhor jogo daquela Copa Libertadores? Aos 43′ do segundo tempo, enquanto Nelinho se virava para soltar aquela bomba e o juiz saía de próximo a barreira, Joãozinho colocou – como se fosse com a mão – lá no ângulo. Ouvindo a narração original no rádio do saudoso Vilibaldo Alves gritando seu famoso “Adivinhe!”, seguido da evocação sobre a alma de Roberto Batata – companheiro de ataque de Joãozinho, vítima fatal de acidente de carro pouco mais de um mês antes daquele jogo – realmente é uma narração de arrepiar, de fazer os olhos suarem…
Ali o bailarino azul entrou de vez para a história, com a sua malandragem, avaliando a atenção do goleiro reserva Landaburu (assumiu o posto de titular, após o titular Fillol machucar em dividida com Palhinha no primeiro jogo da final). Joãozinho aprendeu aquilo na base da observação, já que o time do River Plate o ensinou ao empatar com um gol minutos antes com uma cobrança de falta rápida de Alonso e chute cruzado de Urquiza. Ele havia ficado incomodado com aquele empate, daquela forma.
O drible, o zagueiro no chão, agilidade nas pernas e a rapidez no raciocínio. A cobrança daquela falta decisiva resume a história e a cultura do futebol brasileiro. Sim, irresponsável! Mas inesquecível! O resto é história…