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MESTRE ÊNIO

por Claudio Lovato


Era um cara simples, como geralmente são simples os caras realmente inteligentes.

Comunicava-se com os jogadores sem demagogia, sem condescendência, papo direto e reto entre uma baforada e outra do inseparável cigarro, sempre com respeito e com um humor que desarmava espíritos até na hora do esporro.

– Ô, negão, da próxima vez que tu fores tomar cerveja, me chama! – disse certa vez, quando era treinador do Cruzeiro, ao centroavante Dinei, depois de uma reprimenda histórica no jogador, que havia chegado para treinar em condições, digamos, precárias, e de um “castigo físico” que envolveu “cabeceios” numa medicine ball (mais detalhes em depoimento do próprio Dinei disponível no youtube).

Era camarada, compreensivo, solidário, mas também sabia ser mais malandro que o mais malandro dos malandros. Demonstrava seu apreço pelos que estavam com ele, mas ninguém o fazia de bobo.

Transportou com sabedoria a vivência e os aprendizados obtidos nos tempos de jogador para a atividade de treinador, iniciada em 1961, no Náutico. Genial dentro de campo e na casamata. Craque da meia-esquerda, campeão gaúcho pelo Renner em 1954, jogador da seleção brasileira campeã pan-americana no México em 56, e, depois, um estrategista capaz de mudar em instantes o jeito de um time jogar.

Gostava do futebol completo: imposição física, disciplina tática e valorização da habilidade individual.


Ênio Vargas de Andrade, nascido em Porto Alegre, completaria 90 anos de idade neste 31 de janeiro de 2019.

Ele está presente na minha memória de futebol desde sempre. Em 1975, na sua primeira passagem pelo meu Grêmio, eu tinha 10 anos, e então, no dia 23 de julho, aconteceu o Gre-Nal dos três gols do Zequinha, no Beira-Rio. Aquele jogo não foi importante para mim apenas na dimensão futebolística. Foi uma experiência de vida, para a vida toda.

Mas foi em 1981 que ele quase me matou do coração, e eu tinha só 16 anos. Foi quando o Grêmio conquistou seu primeiro Campeonato Brasileiro.

Bastava um empate com o São Paulo, no Morumbi. Havíamos vencido o primeiro jogo, no Olímpico, por dois a um. O segundo jogo avançava num zero a zero perigoso. Seu Ênio resolveu tirar o ponta-esquerda Odair e mandar para campo o meia-ponta-esquerda Renato Sá, aos 15 minutos do segundo tempo.

Esta quem me contou foi o próprio Renato numa resenha para o Museu da Pelada, em 2016, em Floripa:

– O Seu Ênio me chamou e disse: ‘Renato, vamos fazer uma correria ali no meio. É o único jeito’.


Cinco minutos depois de entrar em campo, vestindo a camisa 14, Renato Sá viu o lateral Paulo Roberto dominar a bola lá na direita, perto da linha divisória, e se posicionou para recebê-la dentro da grande área do São Paulo. Paulo Roberto lançou a bola daquele jeito que mais gostava: com altura e força. A bola viajou, com Renato Sá acompanhando sua trajetória, muito atento, muito ligado no lance, muito a fim de aprontar alguma coisa, e ela veio, aterrissando na entrada da grande área, e Renato Sá subiu no tempo certinho e cabeceou para trás, mandou a bola no peito de Baltazar, o Artilheiro de Deus, que sem deixá-la tocar o chão mandou um balaço no ângulo esquerdo de Waldir Peres, e isto foi quando eu, na casa de um mano velho, na Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, achei que fosse ter um treco e deixar este mundo na escassa idade de 16 anos.

Um outro Renato, de sobrenome Portaluppi, foi integrado aos profissionais do Grêmio por Ênio Andrade, em 1982. E quantas coisas aprendidas com Seu Ênio ele coloca em prática hoje no comando do Grêmio. É ou não é, Renato?


Ênio Andrade nos deixou em 22 de janeiro de 1997. Faleceu em Porto Alegre.  

Obrigado, Seu Ênio.

Todos nós, e não apenas os torcedores do meu Grêmio, ou do meu arquirrival colorado, ou do Coxa, clubes que conduziste em campanhas nacionais vitoriosas, mas todos nós, que fazemos do futebol algo tão importante em nossas vidas, algo tão essencial, vamos celebrar para sempre os teus feitos, o teu legado.

O CLÁSSICO DO DESCASO EM BH

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Atlético x Cruzeiro entrará para a história do futebol como o clássico do descaso. Na verdade, toda a rodada do Campeonato Mineiro aconteceu normalmente. Enquanto isso, em Brumadinho, ao lado, bombeiros tentavam localizar corpos soterrados pela lama tóxica em mais um crime ambiental, que provavelmente ficará impune.

Como os clubes toparam entrar em campo? Como a federação não se sensibilizou? Os próprios jogadores tiveram oportunidade para se posicionar, trocar seus videozinhos toscos e fúteis nas redes sociais por um manifesto contra a realização da partida. Não, preferiram brigar pelos três pontinhos, subir algumas casinhas na tabela.

Os cartolas devem ter corrido para contabilizar a renda e que se dane o mundo! Milhares de torcedores também compareceram, vibraram, gritaram! A tevê transmitiu, os locutores narraram, os comentaristas analisaram e os árbitros mostraram seus cartões, vida que segue.

A poucos quilômetros dali, pessoas clamando por ajuda, famílias destroçadas. As imagens na tevê são chocantes e destroçam nossos corações. O esforço e a dedicação dos bombeiros aliviam nossas almas. No estádio, muita polícia, bombeiros, ambulância. Vai que algum “craque” torce o dedinho ou as torcidas quebram o pau. O espetáculo deve ser impecável, um primor de organização! Como adiar esse jogo??? Para que adiar esse jogo??? E o nosso calendário ultra bem organizado como fica? Vem aí, a Libertadores, Brasileirão, Sul Americana e Copa do Brasil!!! Brumadinho já já se esquece. A tragédia de Mariana foi outro dia e ninguém se lembra mais.


Ouvi dizer que o Atlético não queria entrar em campo, mas foi vencido pelas argumentações do rival. Que não entrasse! Seria lindo, um gesto humano, sensível e ficaria para sempre na história do futebol. Porque o futebol é não entrar em campo quando necessário, o futebol deve ser exemplo, atitude, posicionamento.

Não basta os dirigentes pedirem doações aos torcedores, não basta o jogador fazer um gol, correr em direção ao cinegrafista e gritar “Brumadinho!”. Que gritasse “eu não queria estar aqui!”.

A bola deve ser um instrumento de paz, união, solidariedade e conscientização. Nunca de alienação! O grande problema é que perdemos a sensibilidade, os mendigos nas calçadas não nos incomodam mais, a pobreza é banalizada, favelas crescem, crimes ambientais são tratados como acidentes ambientais.

Os valores inverteram-se, os bandidos viraram heróis e a bagunça é generalizada. Vivemos o salve-se quem puder ou o último a sair que apague a luz! Em Brumadinho, as famílias estão acuadas e as sirenes continuam tocando. Tocam alto, mas não ouvimos porque estamos cegos, surdos, loucos e sós.

O FOSSO

por Claudio Lovato


Nos sonhos dele sempre há um fosso. O fosso tantas vezes visto no estádio em que vai desde pequeno.

Sempre há um fosso nos sonhos do menino. O mesmo fosso.

E depois, passada a noite e chegado o dia, aquela imagem do concreto opressivo, violento em sua intransigência pétrea, continua a acossá-lo pelo resto do dia.

Por que aquela imagem lhe ficara gravada na memória e na alma daquele jeito? Quando aquilo começara?

Ele não sabe.

O certo é que, em sonhos ou quando está desperto, aquele fosso é o que o separa do lugar sonhado, desejado, perseguido. O lugar de sua alegria completa, de sua satisfação mais absoluta – a única coisa capaz de lhe dar forças para lidar com os tumultos e os medos enfrentados diariamente em casa, no bairro, na vida.


Ele já sabe, apesar da pouca idade, que não existe, para si, outra opção a não ser cumprir aquilo que lhe foi determinado por poderes ancestrais que ele ainda não compreende (mas que ele sente): ser jogador de futebol.

O fosso.

Transpor o fosso.

Transformá-lo (e isto ele só entenderá daqui a algum tempo, quando amadurecer mais) num símbolo tangível de sua capacidade de estipular a medida do que é, para si próprio, realmente intransponível e do que não é.

E então não parar mais de vencer.

O PARAGUAIO QUE INCENDIAVA AS LARANJEIRAS

por Luis Filipe Chateaubriand


Julio Cesar Romero, o Romerito, começou a se destacar muito cedo no futebol. Aos 19 anos, o jogador do pequeno Sportivo Luqueño, da cidade de Luque, sua terra natal, já era titular da Seleção Paraguaia, tendo sido o astro da conquista da Copa América de 1979 por aquele país, inclusive eliminando a Seleção Brasileira.

No ano seguinte, 1980, transferia-se para o Cosmos de Nova York, onde ficou até o final de 1983.

Mas foi ao chegar ao Fluminense, em 1984, que veio a consagração: o paraguaio tornou-se ídolo da torcida tricolor, e fez o gol do título mais importante do “pó do arroz” até então, o Campeonato Brasileiro daquele mesmo ano, 1984.

Uma característica marcante de Romerito era o chute forte e preciso. Diversas vezes fez belíssimos gols de voleio, alguns chutados de longa distância, habilidade rara entre jogadores de futebol.

Outra característica significativa de Don Romero era a bravura em campo, sua reconhecida raça. Jogador valente, não dava um jogo como perdido com facilidade, era obstinado na busca pela vitória.


Mas o que realmente marcava o paraguaio era a dinamicidade. Com um fôlego invejável e sempre com exuberante preparo físico, se movimentava por todos os lados do campo, parecia se multiplicar pelo relvado, e, assim, sempre dava opções aos companheiros, seja para receber a bola, seja para passá-la.

Estas características, aliadas a uma técnica nada desprezível, fizeram do paraguaio um dos maiores ídolos da nação tricolor. Foi, assim, importante artífice não só do título brasileiro de 1984, mas também do bi e do tricampeonato carioca, em 1984 e 1985.

Ao sair do tricolor em 1988, rumo ao Barcelona, muitos quiseram taxar ao craque a pecha de mercenário, repetindo o bordão “yo quiero mi diñero” – como se não fosse direito do profissional receber os valores que o clube lhe deve.

A verdade é que jogadores que se dedicam ao time em campo como Romerito são raros, muito raros. Técnica e garra a serviço de um clube de futebol são bens preciosos, e quem é de um clube tantas vezes campeão sabe ser grato a quem foi decisivo para importantes títulos do clube verde, branco e grená.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.

FLUMINENSE 1983/1985

por Marcelo Mendez

O ano de 1984 na minha vida foi bem diferente daquele que o Orwell pintou em seu homônimo livro.

Ele até viria acertar depois, mas em 1984 as coisas ainda eram legais.

Eu tinha 14 anos, era o camisa 10 do Nacional do Parque Novo Oratório, que na nossa categoria, já havia vencido três títulos no ABC e no Estadual Infantil a gente estava passando por cima de todo mundo. No mundo dos amores, minha primeira paixão (ou algo parecido) já rolava e ela me ensinou a sacar que não era só o The Clash que era legal ouvir.

A Blitz com seus hits “Geme, Geme” e “A Dois Passos do Paraíso” embalavam a nossa vida de namorinhos de portão. No futebol, a coisa fervia em Santo André.

O time da cidade surpreendia e ia muito bem no Campeonato Brasileiro. Iria mais a frente talvez, se não encontrasse o time homenageado hoje aqui em Esquadrões do Futebol Brasileiro:

Nossa coluna rende, portanto, homenagem ao Fluminense de 1983/1985.

O CASAL 20 DE LARANJEIRAS E UM PUNHADO DE MENINOS

Nossa história poderia começar pela ultima glória do time tricolor quando desbancou o Flamengo na disputa do titulo carioca daquele ano. Seria legal até, porém, aquela foi a última conquista do Fluminense, antes dos anos de ouro do Flamengo de Zico.


A partir daí houve uma reformulação em Laranjeiras, o time manteve Delei, como remanescente de 1980, trouxe para o time de cima nomes como Jandir, Branco, Duílio, Aldo, o Paraguaio craque de bola Romerito e a grande atração daqueles anos:

Assis e Washington, o Casal 20.

Sim meus caros, antes de existir Netflix também existia seriados de televisão.

Nos EUA, uma série escrita pelo autor de Best Sellers Sidney Sheldon, estrelada por Robert Wagner e Stefanie Powers falava da vida perfeita de um casal que se dava muito bem em tudo. A alcunha caiu como uma luva para a dupla de atacantes que havia levado o Atlético Paranaense ao terceiro lugar em 1982 e que agora brilharia no tricolor.

Pronto:

Já havia a base sólida que viria a tomar conta do futebol no Brasil nos anos que se seguiriam…

UM CAMPEÃO BRASILEIRO EM SANTO ANDRÉ

Na noite em que meu pai estava preocupadíssimo com a votação das Diretas Já, eu só pensava em ir ao Brunão para ver o Santo André jogar.


O time da Cidade estava fazendo uma beleza de campeonato nacional, já havia vencido o Grêmio, então campeão mundial, em casa, e agora, na fase de grupos, precisava de uma combinação de resultados para se classificar para as quartas de final do Brasileirão. Dito e feito:

Um revés do Vasco e o outro da Portuguesa, associado ao gol de Esquerdinha para o Santo André, estava levando o Ramalhão para semifinal do campeonato e assim foi até os 37 do segundo tempo.

Após o escanteio batido, Delei pega o rebote da entrada da área e empata a partida para o já classificado Fluminense impedindo assim a primeira aventura do Santo André e marcando sua presença na minha vida de menino que amava futebol.

Surgia ali para mim, um timaço de bola…

O BRASIL É TRICOLOR

Depois de um baile de bola no Corinthians de Sócrates, o Fluminense foi à decisão contra o Vasco.


Em duas partidaças, primeiro venceu o Vasco por 1×0 no jogo de ida e na volta, com um volume de jogo impressionante, o time treinado pelo jovem Carlos Alberto Parreira amassou o time de São Januário que contou com grande atuação do goleiro Roberto Costa para evitar que algo pior acontece-se. Final de jogo 0x0 e festa tricolor no Maraca:

O time formado por Paulo Vítor, Aldo, Ricardo Gomes, Duílio Branco, Jandir, Delei, Romerito, Assis, Washington e Tato, sagrava-se campeão Brasileiro pela segunda vez e a torcida fez a festa naquele primeiro semestre de 1983. No segundo semestre, viria mais festa.

Como seria comum em todos os segundos semestres entre 1983 e 1985…

TRÊS VEZES FLU

Foram anos de glória!

O Fluminense que havia começado a década vendo o seu rival Flamengo conquistar o Brasil e o mundo resolveu mudar a sorte das coisas a partir de 1983.


Treinado primeiro pelo técnico Carbone, o Flu quebrou a hegemonia do Rubro-Negro em 1983 e repetiu a dose em 1984 e 1985 com festas de gala no Maracanã. Títulos que mudaram a cara do Fluminense em âmbito nacional. O time mandou para seleção metade de seus titulares e o lateral-esquerdo Branco foi para a Copa do Mundo do México em 1986 tendo por lá grande destaque.

Uma máquina de jogar bola.

Essa semana, ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO vem para saudar essa camisa poderosa.

Fluminense de 1983/1985, um timaço de bola.