O CLÁSSICO DO DESCASO EM BH
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Atlético x Cruzeiro entrará para a história do futebol como o clássico do descaso. Na verdade, toda a rodada do Campeonato Mineiro aconteceu normalmente. Enquanto isso, em Brumadinho, ao lado, bombeiros tentavam localizar corpos soterrados pela lama tóxica em mais um crime ambiental, que provavelmente ficará impune.
Como os clubes toparam entrar em campo? Como a federação não se sensibilizou? Os próprios jogadores tiveram oportunidade para se posicionar, trocar seus videozinhos toscos e fúteis nas redes sociais por um manifesto contra a realização da partida. Não, preferiram brigar pelos três pontinhos, subir algumas casinhas na tabela.
Os cartolas devem ter corrido para contabilizar a renda e que se dane o mundo! Milhares de torcedores também compareceram, vibraram, gritaram! A tevê transmitiu, os locutores narraram, os comentaristas analisaram e os árbitros mostraram seus cartões, vida que segue.
A poucos quilômetros dali, pessoas clamando por ajuda, famílias destroçadas. As imagens na tevê são chocantes e destroçam nossos corações. O esforço e a dedicação dos bombeiros aliviam nossas almas. No estádio, muita polícia, bombeiros, ambulância. Vai que algum “craque” torce o dedinho ou as torcidas quebram o pau. O espetáculo deve ser impecável, um primor de organização! Como adiar esse jogo??? Para que adiar esse jogo??? E o nosso calendário ultra bem organizado como fica? Vem aí, a Libertadores, Brasileirão, Sul Americana e Copa do Brasil!!! Brumadinho já já se esquece. A tragédia de Mariana foi outro dia e ninguém se lembra mais.
Ouvi dizer que o Atlético não queria entrar em campo, mas foi vencido pelas argumentações do rival. Que não entrasse! Seria lindo, um gesto humano, sensível e ficaria para sempre na história do futebol. Porque o futebol é não entrar em campo quando necessário, o futebol deve ser exemplo, atitude, posicionamento.
Não basta os dirigentes pedirem doações aos torcedores, não basta o jogador fazer um gol, correr em direção ao cinegrafista e gritar “Brumadinho!”. Que gritasse “eu não queria estar aqui!”.
A bola deve ser um instrumento de paz, união, solidariedade e conscientização. Nunca de alienação! O grande problema é que perdemos a sensibilidade, os mendigos nas calçadas não nos incomodam mais, a pobreza é banalizada, favelas crescem, crimes ambientais são tratados como acidentes ambientais.
Os valores inverteram-se, os bandidos viraram heróis e a bagunça é generalizada. Vivemos o salve-se quem puder ou o último a sair que apague a luz! Em Brumadinho, as famílias estão acuadas e as sirenes continuam tocando. Tocam alto, mas não ouvimos porque estamos cegos, surdos, loucos e sós.
O FOSSO
por Claudio Lovato
Nos sonhos dele sempre há um fosso. O fosso tantas vezes visto no estádio em que vai desde pequeno.
Sempre há um fosso nos sonhos do menino. O mesmo fosso.
E depois, passada a noite e chegado o dia, aquela imagem do concreto opressivo, violento em sua intransigência pétrea, continua a acossá-lo pelo resto do dia.
Por que aquela imagem lhe ficara gravada na memória e na alma daquele jeito? Quando aquilo começara?
Ele não sabe.
O certo é que, em sonhos ou quando está desperto, aquele fosso é o que o separa do lugar sonhado, desejado, perseguido. O lugar de sua alegria completa, de sua satisfação mais absoluta – a única coisa capaz de lhe dar forças para lidar com os tumultos e os medos enfrentados diariamente em casa, no bairro, na vida.
Ele já sabe, apesar da pouca idade, que não existe, para si, outra opção a não ser cumprir aquilo que lhe foi determinado por poderes ancestrais que ele ainda não compreende (mas que ele sente): ser jogador de futebol.
O fosso.
Transpor o fosso.
Transformá-lo (e isto ele só entenderá daqui a algum tempo, quando amadurecer mais) num símbolo tangível de sua capacidade de estipular a medida do que é, para si próprio, realmente intransponível e do que não é.
E então não parar mais de vencer.
O PARAGUAIO QUE INCENDIAVA AS LARANJEIRAS
por Luis Filipe Chateaubriand
Julio Cesar Romero, o Romerito, começou a se destacar muito cedo no futebol. Aos 19 anos, o jogador do pequeno Sportivo Luqueño, da cidade de Luque, sua terra natal, já era titular da Seleção Paraguaia, tendo sido o astro da conquista da Copa América de 1979 por aquele país, inclusive eliminando a Seleção Brasileira.
No ano seguinte, 1980, transferia-se para o Cosmos de Nova York, onde ficou até o final de 1983.
Mas foi ao chegar ao Fluminense, em 1984, que veio a consagração: o paraguaio tornou-se ídolo da torcida tricolor, e fez o gol do título mais importante do “pó do arroz” até então, o Campeonato Brasileiro daquele mesmo ano, 1984.
Uma característica marcante de Romerito era o chute forte e preciso. Diversas vezes fez belíssimos gols de voleio, alguns chutados de longa distância, habilidade rara entre jogadores de futebol.
Outra característica significativa de Don Romero era a bravura em campo, sua reconhecida raça. Jogador valente, não dava um jogo como perdido com facilidade, era obstinado na busca pela vitória.
Mas o que realmente marcava o paraguaio era a dinamicidade. Com um fôlego invejável e sempre com exuberante preparo físico, se movimentava por todos os lados do campo, parecia se multiplicar pelo relvado, e, assim, sempre dava opções aos companheiros, seja para receber a bola, seja para passá-la.
Estas características, aliadas a uma técnica nada desprezível, fizeram do paraguaio um dos maiores ídolos da nação tricolor. Foi, assim, importante artífice não só do título brasileiro de 1984, mas também do bi e do tricampeonato carioca, em 1984 e 1985.
Ao sair do tricolor em 1988, rumo ao Barcelona, muitos quiseram taxar ao craque a pecha de mercenário, repetindo o bordão “yo quiero mi diñero” – como se não fosse direito do profissional receber os valores que o clube lhe deve.
A verdade é que jogadores que se dedicam ao time em campo como Romerito são raros, muito raros. Técnica e garra a serviço de um clube de futebol são bens preciosos, e quem é de um clube tantas vezes campeão sabe ser grato a quem foi decisivo para importantes títulos do clube verde, branco e grená.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
FLUMINENSE 1983/1985
por Marcelo Mendez
O ano de 1984 na minha vida foi bem diferente daquele que o Orwell pintou em seu homônimo livro.
Ele até viria acertar depois, mas em 1984 as coisas ainda eram legais.
Eu tinha 14 anos, era o camisa 10 do Nacional do Parque Novo Oratório, que na nossa categoria, já havia vencido três títulos no ABC e no Estadual Infantil a gente estava passando por cima de todo mundo. No mundo dos amores, minha primeira paixão (ou algo parecido) já rolava e ela me ensinou a sacar que não era só o The Clash que era legal ouvir.
A Blitz com seus hits “Geme, Geme” e “A Dois Passos do Paraíso” embalavam a nossa vida de namorinhos de portão. No futebol, a coisa fervia em Santo André.
O time da cidade surpreendia e ia muito bem no Campeonato Brasileiro. Iria mais a frente talvez, se não encontrasse o time homenageado hoje aqui em Esquadrões do Futebol Brasileiro:
Nossa coluna rende, portanto, homenagem ao Fluminense de 1983/1985.
O CASAL 20 DE LARANJEIRAS E UM PUNHADO DE MENINOS
Nossa história poderia começar pela ultima glória do time tricolor quando desbancou o Flamengo na disputa do titulo carioca daquele ano. Seria legal até, porém, aquela foi a última conquista do Fluminense, antes dos anos de ouro do Flamengo de Zico.
A partir daí houve uma reformulação em Laranjeiras, o time manteve Delei, como remanescente de 1980, trouxe para o time de cima nomes como Jandir, Branco, Duílio, Aldo, o Paraguaio craque de bola Romerito e a grande atração daqueles anos:
Assis e Washington, o Casal 20.
Sim meus caros, antes de existir Netflix também existia seriados de televisão.
Nos EUA, uma série escrita pelo autor de Best Sellers Sidney Sheldon, estrelada por Robert Wagner e Stefanie Powers falava da vida perfeita de um casal que se dava muito bem em tudo. A alcunha caiu como uma luva para a dupla de atacantes que havia levado o Atlético Paranaense ao terceiro lugar em 1982 e que agora brilharia no tricolor.
Pronto:
Já havia a base sólida que viria a tomar conta do futebol no Brasil nos anos que se seguiriam…
UM CAMPEÃO BRASILEIRO EM SANTO ANDRÉ
Na noite em que meu pai estava preocupadíssimo com a votação das Diretas Já, eu só pensava em ir ao Brunão para ver o Santo André jogar.
O time da Cidade estava fazendo uma beleza de campeonato nacional, já havia vencido o Grêmio, então campeão mundial, em casa, e agora, na fase de grupos, precisava de uma combinação de resultados para se classificar para as quartas de final do Brasileirão. Dito e feito:
Um revés do Vasco e o outro da Portuguesa, associado ao gol de Esquerdinha para o Santo André, estava levando o Ramalhão para semifinal do campeonato e assim foi até os 37 do segundo tempo.
Após o escanteio batido, Delei pega o rebote da entrada da área e empata a partida para o já classificado Fluminense impedindo assim a primeira aventura do Santo André e marcando sua presença na minha vida de menino que amava futebol.
Surgia ali para mim, um timaço de bola…
O BRASIL É TRICOLOR
Depois de um baile de bola no Corinthians de Sócrates, o Fluminense foi à decisão contra o Vasco.
Em duas partidaças, primeiro venceu o Vasco por 1×0 no jogo de ida e na volta, com um volume de jogo impressionante, o time treinado pelo jovem Carlos Alberto Parreira amassou o time de São Januário que contou com grande atuação do goleiro Roberto Costa para evitar que algo pior acontece-se. Final de jogo 0x0 e festa tricolor no Maraca:
O time formado por Paulo Vítor, Aldo, Ricardo Gomes, Duílio Branco, Jandir, Delei, Romerito, Assis, Washington e Tato, sagrava-se campeão Brasileiro pela segunda vez e a torcida fez a festa naquele primeiro semestre de 1983. No segundo semestre, viria mais festa.
Como seria comum em todos os segundos semestres entre 1983 e 1985…
TRÊS VEZES FLU
Foram anos de glória!
O Fluminense que havia começado a década vendo o seu rival Flamengo conquistar o Brasil e o mundo resolveu mudar a sorte das coisas a partir de 1983.
Treinado primeiro pelo técnico Carbone, o Flu quebrou a hegemonia do Rubro-Negro em 1983 e repetiu a dose em 1984 e 1985 com festas de gala no Maracanã. Títulos que mudaram a cara do Fluminense em âmbito nacional. O time mandou para seleção metade de seus titulares e o lateral-esquerdo Branco foi para a Copa do Mundo do México em 1986 tendo por lá grande destaque.
Uma máquina de jogar bola.
Essa semana, ESQUADRÕES DO FUTEBOL BRASILEIRO vem para saudar essa camisa poderosa.
Fluminense de 1983/1985, um timaço de bola.
TAFFAREL: VAI QUE É TUA…
por Serginho 5Bocas
Me desculpe quem quiser discordar, mas Taffarel foi o melhor de todos. Melhor goleiro sempre é o cara que é o melhor porque é bom e ainda pode contar muito com a sorte, pois goleiro sem sorte, um abraço!
Surgiu para nós no Mundial sub-20 de 1985 conquistando o título (o bi mundial) e logo em seguida tornou-se titular do Internacional, de Porto Alegre.
Muito jovem e com uma qualidade impressionante, chegou à seleção principal e não saiu mais de lá, só que antes teve que arrebentar nas Olimpíadas de 1988, quando junto de Romário, Bebeto, Geovani e outros craques, conquistou a medalha de prata. Destes jogos olímpicos, lembro bem da disputa de pênaltis contra a Alemanha na semifinal em que pegou uma cobrança e começou a trilhar sua trajetória vitoriosa. Aliás, pênaltis tornou-se a especialidade da casa. Em vários momentos demonstrou frieza e qualidade para defendê-los.
Lembro-me da despedida do Zico em março de 1990, quando ele foi o grande destaque. Neste dia, ele não deixou Zico marcar em seu último jogo, foi uma atuação histórica com defesas espetaculares, os flamenguistas xingaram muito este rapaz, mas eu aumentava minha idolatria por ele, quanta categoria!
Outro momento marcante foi na Copa do Mundo de 1990 quando ele estava sem sofrer gols e foi vazado apenas uma vez contra a Argentina sendo eliminado, foi a sua primeira grande frustração.
Em outra ocasião, nas eliminatórias da Copa de 1994 contra a Bolívia lá na altitude, já no final da partida, ele defendeu um pênalti e parecia que seria um herói. O que ele não podia imaginar é que nos últimos 6 minutos da partida, ele levaria 2 gols, falhando, talvez, em um deles junto com Válber e sendo considerado pela Imprensa um dos grandes culpados de nossa primeira derrota em eliminatórias.
Teve que dar a volta por cima e deu. Tinha muita perseverança, talento e paciência para provar novamente seu valor. Parreira apostou nele e não se arrependeu de levá-lo a Copa dos Estados Unidos em 1994. Taffarel junto a Jorginho, Aldair, Bebeto e Romário, foram os grandes destaques do Brasil naquele mundial e na final pegou o pênalti de Massaro e viu Baresi e Baggio isolar sua última cobrança, tornando-se um dos grandes responsáveis pelo título.
Taffarel voltou a fazer das suas com pênaltis contra Holanda na Copa de 1998, classificando o Brasil para a Final, após pegar as cobranças de Cocu e Frank de Boer. Infelizmente não foram campeões, pois perderam para a França na final, mas ai já é uma outra história.
Ele tinha a frieza necessária para intimidar os atacantes, a excelente colocação que o permitia gastar menos energia para fazer as defesas, era elástico sem ser espalhafatoso, econômico nos saltos, sem palhaçadas e ainda possuía uma liderança nata, passava tranquilidade ao time, um monstro na posição.
Taffarel ainda teve fôlego e categoria para vencer na Itália e na Turquia, consagrando-se internacionalmente e quebrando um tabu de que nossos goleiros não eram tão bons na ótica dos europeus. Estava a frente de seu tempo e abriu caminhos para os outros goleiros brasileiros. Após ele, vários goleiros brasileiros passaram a interessar ao mercado europeu, ele foi um divisor de águas na posição.
Gostaria muito que ele tivesse jogado no meu clube, mas apesar de não ter tido esta felicidade, ele conseguiu me fazer ser seu fã mesmo sem ter o gostinho de vê-lo jogar tão de perto. Pra mim o melhor do Brasil de todos os tempos.