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ENTRE FLAMENGO E POLÍTICA, HENFIL PREFERIA O ZICO

por André Felipe de Lima


Caramba. Como o cartunista Henfil (1944-1988) faz falta. O traço mais bem-humorado e mordaz do nosso jornalismo partiu faz tempo. Uma porcaria de Aids o matou. Doença danada, maldosa, que o levou e tantos outros tão legais da nossa cultura. Contraiu-a numa daquelas torturantes sessões de hemodiálise. Ele e os irmãos Herbert “Betinho” de Sousa e Chico Mário eram hemofílicos. Todos morreram dramaticamente assim. Mas hoje não é dia de lamúria. Henfil era avesso a esse tipo de postura, ou seja, de quem vive choramingando pelo mundo sem dar chance a uma gargalhada. No universo dele não havia tempo para chororô ou versos melífluos. A piada final era sempre hilariantemente amarga.

Henfil faria anos hoje. Daí bateu a saudade daquele cara que desenhava no Pasquim e irritava muita gente babaca que achava bonitinho o que os milicos faziam nos bastidores (e porões!) sombrios da ditadura. Vamos recordá-lo sempre pelo que pronunciou (e denunciou!) com o seu traço, que tanto inspirou, mais pelo humor que propriamente pelo desenho. Mas, inegavelmente, inspirou bastante.

Ainda menino, eu corria para frente da TV para assisti-lo no programa TV Mulher, da Rede Globo. Isso em 1980. Henfil apresentava um quadro, o “TV Homem”, quase que surrealista, e em P&B. Criticava abertamente o presidente Figueiredo e seus asseclas. Não é difícil imaginar o destino do “TV Homem”. A aventura no famoso edifício da rua Lopes Quintas durou pouco tempo. A chiadeira dos milicos e dos “biônicos” de Brasília com Roberto Marinho era frequente. Henfil pulou fora da Globo, mas continuou soltando o verbo contra a ditadura. Fez isso praticamente a vida toda. Fosse por meio de seus cartuns ou pelos livros que escrevia. Não perdoava nenhum suspiro que denotasse apoio aos milicos. Muita gente foi alvo do traço do Henfil.


No “Cemitério dos Mortos-Vivos”, que criou para espinafrar o governo do general Emílio Garrastazu Médici, ele “enterrou” Pelé, Zagalo, Gilberto Freyre, Nelson Rodrigues, Roberto Carlos e Wilson Simonal. Também levaram “porradas” verbais e em nanquim no “Cemitério” Clarice Lispector e Elis Regina, mas aí foram duas escorregadas feias do Henfil, que as reconheceu publicamente.

A primeira, ou seja, a Clarice, nada tinha a ver com a ditadura, sequer uma leve quedinha. Henfil foi muito criticado por “enterrá-la”. Defendia-se com o argumento de que a colocara no “Cemitério dos Mortos-Vivos” porque a escritora enfurnara-se em uma “redoma de Pequeno Príncipe” e recolhia-se em um “mundo de flores e de passarinhos”, enquanto Cristo estava “sendo pregado na cruz”. Henfil a definia como alienada por exercer a arte meramente pela arte em detrimento da crítica à repressão política.

A segunda “vítima” também foi a “sete palmos” injustamente. Elis foi ameaçada pelos militares para que realizasse um show durante a abertura da Olimpíada do Exército, em 72. Henfil soube disso depois e pediu perdão à genial cantora. Era fã dela, ora bolas. Quando a turma da Tropicália elogiou a “abertura lenta e gradual” do general Geisel, em 79, Henfil partiu para cima deles chamando-os de “Patrulha Odara”, o contraponto bem-humorado da “patrulha ideológica”, um termo que começou a pipocar naquele período.


Apesar dos poucos deslizes e “enterros” — afinal, todos nós somos humanos —, gostava do Henfil de graça. Mais crescido e espertinho fui entendendo quem era ele e a sua importância para a imprensa… e, caramba!, para o futebol também.

Se a política estava na sua pele, o futebol era a sua alma. Henfil tinha verdadeira paixão pela bola e, sobretudo, clubística. Era descaradamente Flamengo, e fora do normal, porém na sacrossanta loucura que nos acomete quando somos contaminados pelo brasão do clube do coração. O Flamengo e a personagem Urubru criada por ele derrotaram o ateísmo do Henfil , que fez do Zico seu “santo de devoção”. Amava-o tanto que chegou a desenhá-lo como o “Flautista da Gávea”, numa alusão à fábula do flautista de Hamellin. No cartum, Zico tocava seu instrumento musical e era seguido por bolas serelepes.

As piadas contra os rivais do Flamengo eram intermináveis e massacrantes. Cri-cri (Botafogo), Bacalhau (Vasco), Pó Pó (Fluminense) e Gato Pingado (América) viviam reclamando da verve sacana do Urubu. Morria-se de rir com as tiras futebolísticas do Henfil, mesmo torcendo para o time rival do dele. Mas sobrava também para cartolas suspeitos e jogadores dorminhocos. Henfil não os perdoava. Se um cartum publicado pelo Jornal dos Sports ou pela Placar denunciavam os caras, tenha certeza de que o inferno para eles estava instaurado. Henfil era visto, lido e cultuado. Incondicionalmente seguido.


Quem deseja entender a personalidade controversa do extraordinário Henfil, obrigatoriamente leia “O rebelde do traço: a vida de Henfil”, do bravo Dênis de Moraes. Mas também espie o próprio Henfil, sobretudo o derradeiro “Como se faz humor político”.

Os fradinhos Cumprido e Baixim; a Graúna; o Bode Orelana; o nordestino Zeferino; o Ubaldo, o paranoico, e, obviamente, o Urubu ficarão muito felizes se ressuscitarmos o grande Henfil. Essa piada certamente teria resposta dele no tradicional nanquim exposto no papel canson. Doa a quem doer.

SANTA CRUZ 1975

por Marcelo Mendez


O ano de 1975 era importante para o futebol brasileiro.

Dentro dos conceitos de então, a seleção brasileira, que em 12 anos havia vencido três mundiais, não poderia terminar 1974 com um quarto lugar na Copa da Alemanha no ano anterior. “Vergonha!”, foi o que bradaram.

Dessa forma, o campeonato nacional que aconteceria um ano depois era aguardado com grandes expectativas. Foi um bom campeonato. Mas ao contrário do que se esperava, dos 42 times, um outro, até então pouco conhecido do cenário nacional, foi quem chamou atenção. E é desse time que falaremos aqui hoje.

Esquadrões do Futebol Brasileiro vem essa semana para homenagear o Santa Cruz de 1975

A FORMAÇÃO

A história desse time não foi construída à toa. Não foi uma obra do acaso o que aconteceu no Brasil de 1975. O Santa Cruz há muito tempo vinha sendo trabalhado para brilhar em nível nacional.

A coisa começa em 1969 quando o tricolor do Arruda traz do Rio de Janeiro o técnico Ivan Gradim para montar um time de jogadores jovens, como Ramon, Luciano, Cuíca, Zito Peito de Pombo, Fumanchu, Volnei para quebrar a seca de títulos e a partir dali vencer tudo, formando um time que seria pentacampeão pernambucano de 1969 até 1973. E que ano mágico foi 1973!


O Santa teve naquele ano o craque Ramon voando baixo! Em partidas lendárias como o 3×2 em cima do Santos de Pelé, Ramon deitou o cabelo, jogou muito, arrebentou. O time que contava com a gerência da camisa 5 do ótimo Givanildo, a frente dos zagueiros Lula (Pereira) e Levir (Culpi), começava a chamar atenção do Brasil. Inevitavelmente, o futuro seria glorioso.

1975, O ANO INESQUECÍVEL

A campanha do Santa engrenou na segunda fase do Brasileirão. Daí pra frente não teve pra ninguém.

O Santa Cruz venceu Grêmio, Sport, Palmeiras de Ademir da Guia dentro do Parque Antártica por 3×2, bateu o Internacional, que viria a ser campeão, por 1×0 e foi buscar a vaga para semifinal dentro do Maracanã metendo um 3×1 no Flamengo, numa noite de sonhos para Ramon e para o meia Mazinho.

As coisas estavam ótimas para o Santa, o técnico Paulo Frossad começava a falar em título e nada disso era absurdo. O Santa fazia por merecer e decidiria a vaga contra o Cruzeiro dentro de um Arruda em festa. A recepção do time após a vitória contra o Flamengo foi uma ótima mostra disso.


Todavia, para uma pessoa não tinha festa. No meio daquela multidão de felizes no aeroporto dos Guararapes. Mazinho, o meia que acabou com o Flamengo no Maracanã, já sabia que não poderia jogar contra o Cruzeiro alguns dias depois. E essa ausência seria muito sentida.

NO MEIO DO CAMINHO, UM GOL IMPEDIDO

O Cruzeiro de 1975 era uma seleção.

Ainda tinha por lá jogadores do porte de um Zé Carlos, de um Piazza, Palhinha, Eduardo, Nelinho e a novidade, um espetacular ponta esquerda de nome Joãozinho. Um time de respeito, mas o Santa vinha embalado. O povo de Pernambuco entendeu.

No dia do jogo, no Arruda lotado, havia bandeiras do Santa sim, mas também tinha bandeiras de Sport, Náutico, América e de todo Pernambuco a torcer pela Coral. Nesse clima ótimo, o Santa abriu o placar.

Fumanchu cobrando pênalti põe o Santa na frente. Poucos minutos depois, Zé Carlos em posição de impedimento, empata a partida. O Santa Cruz faz a festa, mas o time do outro lado era fortíssimo. Com mais um gol de Palhinha, a Raposa passa à frente e sua para conseguir manter esse resultado, até que Fumanchu, novamente de pênalti põe o placar igual


Nessa hora, percebe-se nitidamente que mesmo podendo ter a velocidade de um atacante como Nunes, o Cruzeiro amarra o jogo para suportar o desgaste físico, mas no final, de maneira surpreendente, meio a toda pressão, uma bola sobra para Palhinha meter o pé na bola pra finalmente conseguir derrotar o Santa.

Foi triste. Aquelas pessoas mereciam mais, mas a gente entende; O futebol é o esporte que mais se aproxima da vida real humana. Nessa ocasião, vitimou um dos maiores times de futebol já formados. Só que para essa coluna, pouco importa se tem o tal do título. Vale a arte, vale o tesão de fazer bem feito. Portanto vamos à homenagem:

Esquadrões do Futebol Brasileiro tem a honra de apresentar, o Santa Cruz de 1975

CONVOCADO POR ENGANO

por Victor Kingma


A mais desorganizada seleção brasileira de todos os tempos foi, seguramente, aquela que disputou o mundial da Inglaterra, em 1966.

Durante  os quase quatro meses de preparação para a Copa, foram formadas nada menos que quatro seleções para os treinamentos. Astros consagrados como Pelé e Garrincha disputavam espaço com outros, muitas vezes desconhecidos do público, selecionados por questões políticas.

Alguns jogadores famosos, mas já em final de carreira, eram convocados apenas para agradar ao público por onde a seleção passava.

O técnico Vicente Feola, com tanta interferência em seu trabalho, passou o tempo todo tentando armar um time base e, apesar do longo tempo de preparação, chegou à Inglaterra sem saber qual era a melhor escalação.

O fato mais marcante da desorganização daquela seleção foi o incrível episódio em que um jogador foi convocado por engano.


Numa das listas divulgada pela CBD, saiu o nome de Gilberto Freitas Nascimento, o Ditão, vigoroso zagueiro do Flamengo. Na verdade, o selecionado deveria ser o outro Ditão, seu irmão mais velho, Geraldo Freitas Nascimento, que após se destacar na Portuguesa de Desportos havia sido contratado pelo Corinthians, time pelo qual brilhou por muitos anos.

Surpreso com a convocação, o Ditão caçula se apresentou à seleção e foi incorporado ao grupo para os treinamentos.

Constrangidos, os cartolas acabaram mantendo a convocação. O raçudo zagueiro rubro-negro, posteriormente, acabou sendo cortado.

Apesar de tantos desacertos, o Brasil ainda foi para a Copa com um grupo muito forte, uma mescla de craques consagrados com jovens promessas.

Mas, como não poderia resistir a tanta bagunça, a seleção acabou desclassificada ainda na primeira fase do mundial. Estreou vencendo a Bulgária por 2 x 0, com gols de Pelé e Garrincha, ambos de falta, na última partida em que os dois gênios da bola jogaram juntos. Entretanto, nos dois jogos seguintes, o Brasil foi derrotado pela Hungria e por Portugal, do grande astro Eusébio, pelo mesmo placar de 3 x 1.  O então garoto Tostão, contra os húngaros, e o lateral esquerdo Rildo, contra os portugueses, assinalaram os gols brasileiros.

Nas três partidas que disputou, o Brasil atuou com escalações diferentes e nada menos que 20 jogadores foram utilizados. Apenas o volante Zito, contundido,  e o ponteiro Edu, que era muito jovem, pois foi convocado com apenas dezesseis anos, não atuaram. O meia Lima e o ponteiro Jairzinho foram os únicos que participaram dos três jogos.


O grande fracasso acabou valendo como lição. Quatro anos mais tarde, na Copa do México, agora com uma organização ímpar, vários destes jogadores, como Brito, Gerson, Jairzinho, Tostão e Pelé, além do reserva Edu, deram a volta por cima e encantaram o mundo na conquista do tricampeonato, fazendo parte daquela seleção mágica.

Jogadores   brasileiros que foram à Copa da Inglaterra:

Goleiros: Gilmar (Santos) e Manga (Botafogo).

Laterais: Djalma Santos (Palmeiras, Fidelis (Bangu), Rildo (Santos) e Paulo Henrique (Flamengo).

Zagueiros: Brito (Vasco), Belini (São Paulo), Orlando (Santos) e Altair (Fluminense).

Meio Campo: Denílson (Fluminense), Zito (Santos) Lima (Santos) e Gerson (Botafogo).

Atacantes: Jairzinho (Botafogo), Garrincha (Corinthians), Alcindo (Gremio), Tostão (Cruzeiro), Silva (Flamengo), Pelé (Santos) Edu (Santos) e Paraná (São Paulo).

Victor Kingma – www.historiasdofutebol.com.br

Afonsinho e Gil

MEIO DE CAMPO

entrevista: Sergio Pugliese e Mauro Sta. Cecília | texto: Mauro Sta. Cecília | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: Daniel Planel e Guillermo Planel

Dois mestres da música e da bola. Dois craques. Dois poetas. Foi com a maior alegria que recebi o convite para entrevistá-los para o Museu da Pelada.

Um faz parte da trilha musical da minha vida. Lembro que ouvi o disco “Refavela”, aos 15 anos, até furar (na época a mídia era o bom e velho LP). Um artista que se reinventa sempre. Torce pelo Fluminense e pelo Bahia, em sua terra natal.

O outro é um ídolo do meu Botafogo. Foi um meio-campo talentoso, criativo, desses que a gente não costuma mais ver tanto jogando no Brasil… E contestador. Foi no próprio Botafogo que ele se notabilizou não só pela técnica como também por ter se recusado, nos anos 70, em plena ditadura,  a cortar barba e cabelo por “ordens” do então treinador Zagallo. Tornou-se um pioneiro na luta pela extinção da Lei do Passe, que modificou a relação abusiva entre clubes e atletas.

Enfim, mesmo eu não sendo um repórter de ofício, e sim um letrista e poeta louco por futebol, não tinha como recusar um convite desses.

A entrevista foi um emocionante reencontro de dois amigos.

Com vocês, Gilberto Gil e Afonsinho.

 

João Paulo

O PONTA ENSABOADO DO BUGRE

por Marcelo Soares

João Paulo nasceu Sérgio Luis Donizetti. Em Campinas, interior de SP, vindo de família humilde, ajudava na colheita do café na fazenda.

Chegou no Guarani aos 16 anos de idade, apelidado de João Paulo por um colega das categorias de base, acabou adotando o nome e fazendo-o conhecido no mundo todo pelo que fazia na ponta esquerda.

As pontas, hoje em extinção, em outros tempos ostentavam uma lista de craques que por elas desfilavam seu futebol. João Paulo era um deles. Logo criaram uma história de amor.


Vice-campeão paulista e brasileiro pelo Bugre na década de 80 chamando atenção dos grandes clubes, convocado para seleção participando da Copa América em 87 e dos jogos olímpicos de Seul em 88, não demorou muito para viajar rumo ao velho continente. Na época em que os craques atuavam na terra da bota, foi defender o Bari da Itália e se juntou a Maradona e outros craques no Calcio.

A história de amor entre João Paulo e a ponta esquerda ia muito bem. Boas partidas, prêmios individuais e convocações para seleção iam se acumulando. Foi eleito o melhor jogador estrangeiro do campeonato italiano, entrou na seleção da competição e disputou a Copa América de 91. Salvou o Bari do rebaixamento marcando dois gols contra o Milan e levou a torcida ao delírio, se tornando ídolo do time. Até que num confronto contra a Sampdoria, o zagueiro Marco Lanna colocou um ponto final na linda história de amor que João Paulo vivia. Uma fratura na perna o afastou da ponta esquerda e um erro médico em apressar a cirurgia acabou fazendo com que ele nunca mais pudesse reatar essa relação da maneira como era antes. João Paulo em pouco tempo encantou as pontas dos gramados do Brasil e do mundo. Poderia ter sido tetracampeão do mundo em 1994 com a seleção e ter conquistados muitos títulos pelos clubes que passou. A ponta esquerda poderia ter sido feliz por muito mais tempo com ele desfilando por ela. Confira agora essa resenha no Museu da Pelada.