A BASE DE TUDO É A … BASE
por Brenno Carnevale
O futebol não existe à toa, nem se contenta em fazer papel de tio divertido nos almoços de domingo, dando um pouco de sentido (ou falta dele) ao final do final de semana.
O futebol é profético, simbólico, assertivo. É contundente.
Não fosse o futebol, muitas lágrimas ainda seriam secas, inúmeros abraços amarrados nos antebraços e diversos gritos retraídos nas goelas.
Mas ele existe. Ele nos serve. Ele nos sinaliza.
Porém, todavia, contudo, no que se sustenta nosso futebol ? Ou melhor: qual sua base?
Silêncio mortal, literalmente.
A base do futebol é sucateada, trancafiada em contêineres, espremida em uma Copa São Paulo em plena primeira semana de janeiro (alguém sabe a escalação do time campeão?), escondida em escritórios de empresários gulosos e enlameada nas centenas de milhares de favelas Brasil afora e adentro.
Curiosamente, nem só de futebol vive (ou morre) a base.
Aqui se tem base de lama (quanto Vale uma vida?).
Aqui se tem base de corrupção, que intoxica as relações humanas.
Aqui se tem base de encostas e lixos, sem o nosso saneamento, adivinhem…básico!
Não nos esqueçamos!
Aqui sobra base de cálculo…imposto, taxa, contribuição, multa!
Basicamente, nossa sociedade é sem base.
Quisera eu que minhas palavras fossem meros devaneios, sem base alguma para existirem no mundo real, tal como aquele gol de virada de nosso time de coração que sempre imaginamos, mas que nem sempre é baseada em fatos reais…
Pelas categorias de base, por saneamento básico e pela humanidade básica de cada dia!
Luto, mas nunca sem luta!
O VASCAÍNO PINGA ‘AMAVA’ OS GOLEIROS DO BOTAFOGO
“Sinceramente, eu mesmo não consigo explicar como tudo dá certo comigo quando jogo contra o Botafogo”. Um dos maiores artilheiros da história da Portuguesa de Desportos e do Vasco, o centroavante faria anos hoje.
por André Felipe de Lima
Se houve um centroavante vascaíno que gostava muito do Botafogo, este foi o Pinga (José Lázaro Robles), cidadão paulistano que nasceu em uma casa modesta da rua Visconde de Parnaíba, no Braz, no dia 11 de fevereiro de 1924. Mas foi na Mooca — bairro em que também residiu este dublê de repórter — onde Pinga cresceu ao lado dos cinco irmãos. Todos verdadeiramente apaixonados por uma boa, porém “arriscada” pelada. Vamos explicar o porquê de tão inofensiva peleja na rua representava risco para Pinga e seus irmãos.
O rude pai dele, o espanhol José Robles, era operário de uma fábrica de fundição no Ipiranga. Criava os filhos com carinho, mas impondo-lhes disciplina e mostrando que mentira não leva a lugar algum. Qualquer ato de desobediência significava que uma coça estava a caminho. Dona Philomena Moreno, igualmente espanhola e mãe dos meninos, é quem fazia o papel de advogada dos filhos.
Muitas vezes Philomena evitou que o velho Robles empunhasse o cinto para “educar” os filhos amantes das peladas. Mas o velho pai tinha ojeriza. Abominava futebol. Philomena é quem acobertava os garotos, que saíam de fininho para rolar uma peleja no quintal do vizinho ou mesmo na rua. Coitados. Se o pai descobrisse, o chinelo ou cinto “cantaria” sonoramente na casa. Mas Pinga driblou o pai e foi ser feliz na vida com a sua pelota embaixo dos braços e rolando macia pelos pés. Era o que desejava. E foi o que fez. O pai conformou-se.
O grande craque herdou o apelido “Pinga” do irmão mais velho Arnaldo, que também jogou profissionalmente. O impiedoso centroavante figura na lista dos maiores goleadores da história do Vasco, mas brilhou antes na Portuguesa de Desportos, onde jogou ao lado de cobras como Julinho Botelho, Djalma Santos e Simão. Igualmente ao que fez no cruz-maltino — ou seja, gols — executava com maestria na Lusa. Foram centenas deles assinalados por um artilheiro implacável e um dos poucos craques de sua época a não beber ou fumar. Fato bastante incomum.
Pinga tinha uma vítima predileta de seus intermináveis gols: o Botafogo: “Nunca vi um atacante para dar tanta sorte contra os arqueiros botafoguenses como eu. Sinceramente, eu mesmo não consigo explicar como tudo dá certo comigo quando jogo contra o Botafogo. Até mesmo as jogadas mais complicadas e os tiros menos precisos resultam em gols. E o mais curioso é que minha sorte não se afirma contra um arqueiro isoladamente. Não. Todos os goleiros alvinegros passam maus pedaços comigo. Quem inaugurou a série foi o Osvaldo Baliza. Ele não dava sorte comigo, coitado. Certa vez, numa só partida, em São Januário, em disputa do Torneio Rio-São Paulo, ele engoliu três bolas minhas. Também Ernani, Adalberto, Amauri e Manga já deixaram passar, num só jogo, dois ou três chutes meus.”
O Botafogo realmente não tinha vida fácil com ele. Na reta final do épico Supersupercampeonato carioca de 1958, Pinga fez os dois gols da vitória de 2 a 1 sobre os alvinegros. O caminho para o título vascaíno estava mais que consolidado.
Pinga marcou mais de 250 gols pelo Vasco. Seu filho, o excelente ponta-esquerda Ziza, vi jogar (mas que ironia…) no Botafogo. Era arisco e com bom drible, mas jamais teve o faro de gol do pai.
Pinga foi único e herói de um passado de ídolos da bola e dos centroavantes de ofício, que dificilmente se repetirá no futebol brasileiro. Fica a pensata.
TODOS SÃO UM SÓ
por Marcos Vinicius Cabral
Uma chama aqueceu o coração de vários meninos de diferentes lugares do país e os ascendeu para a possibilidade.
Possibilidade esta que é um substantivo feminino que expressa a propriedade ou condição de alguma coisa que é possível ou que pode acontecer.
Segundo o filósofo grego Aristóteles (322 a.C), aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, o conceito de dynamis (poder, força, energia constante), revela uma nova possibilidade que a matéria tem de se transformar em algo diferente do que é e ser a fonte de realização.
Portanto, a possibilidade é equivalente à racionalidade, e se refere ao que acontece nos processos de pensamento e corresponde ao não contraditório.
E foi crendo nisso que Arthur, Athila, Bernardo, Cauan, Christian, Francisco, Jhonatan, Jorge, Pablo, Samuel e Vitor, deixaram seus lares e foram em busca.
Em busca da possibilidade.
Possibilidade de ser um jogador de futebol, onde todos nós, quando jovens, indubitavelmente, vivemos isso.
Na vida, tudo é regido pela possibilidade e no campo esportivo, futebolisticamente falando, não seria exceção, mas sim regra.
Quem nunca treinou em clubes nas “peneiras” da vida?
Quem nunca deu dois nós nas chuteiras para não ter um passe comprometido com o cadarço desamarrado?
Quem nunca rivalizou com alguém para ser melhor e conquistar a posição de titular?
Quem nunca prometeu aos pais que se tornaria atleta profissional e daria uma vida melhor no futuro?
Quem nunca fez planos com a namorada de um serem três num horizonte rabiscado: ele, ela e o futebol?
Quem nunca chupou laranjas antes, durante e depois dos treinos para ganhar vitamina C e resistir à maneira bruta como são submetidos à cobaias de craques da bola?
Quem nunca se viu entrando em um Maracanã e ter seu nome gritado pela torcida ou xingado pela adversária?
Quem nunca se imaginou tendo um regozijo indescritível ao marcar um gol?
Quem nunca?
E foi essa possibilidade que os motivou a irem além.
Possibilidade que fizeram chegar aos montes e percorrer o mesmo trajeto, como formigas ensaístas que deixam por onde passam o feromônio – química que permite que se reconheçam e se interajam.
Vindo dos quatro cantos do Brasil afora, tais jovens haviam vivido catorze, quinze, dezesseis, dezessete primaveras, talvez inverno, outono e verão também.
Sonhavam com a possibilidade de serem jogadores de futebol, driblando a pobreza, a saudade do família, o convívio dos amigos, das namoradas e de uma infância que foi interrompida e trocada por treinos exaustivos.
Havia entre eles e a bola uma química tão harmônica que nem o cientista inglês Robert Boyle, considerado o pai dessa ciência no século XVII e o francês Antoine Lavoisier, maior estudioso no século seguinte, saberiam mensurar a razão do porquê.
Se deitaram no dia sete e não levantaram no dia oito.
Dormiam no alojamento do Centro de Treinamento George Helal, conhecido como Ninho do Urubu, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e tiveram – todos eles – seus corpos consumidos pelas chamas de um incêndio ainda não explicado.
A bola que nos dá tantas alegrias, hoje, nos faz chorar tamanha tristeza pelas perdas.
Talvez surgissem dessa garotada outros “Leandros”, “Mozeres”, “Juniores”, “Adílios”, “Andrades”, “Titas”, “Rondinellis”, “Zicos”, “Uri Gelleris”, “Bebetos”, “Zinhos”, “Adrianos” e “Petckovics”… nunca saberemos e nem o tempo nos dirá.
Enquanto há dois anos o futebol brasileiro se solidarizava com o “Somos Chape”, no acidente aéreo que vitimou 71 pessoas, entre jornalistas, jogadores e dirigentes, naquele 29 de novembro, hoje, todos são FLAMENGO!
Zetti
ZETTI, O PAREDÃO
entrevista e texto: Paulo Escobar
Como não lembrar daquele que debaixo das traves trazia segurança para sua zaga?
Sem dúvidas, debaixo do gol Zetti foi um dos maiores goleiros da história do São Paulo e porque não do futebol nacional. Com partidas memoráveis naquele São Paulo de Telê Santana que ganhou tudo nos anos 90.
Mas uma das curiosidades na vida do goleiro é seu começo no vôlei, somente depois por conta da influência do seu irmão mais velho é que Zetti viria a ser goleiro. Devido a seu tamanho desde muito cedo era motivo de desconfiança, o que viria fazer com que andasse com a certidão de nascimento para poder provar sua idade.
Do infantil do Capivariano, Zetti iria para o Guarani. De idas e vindas pelo Palmeiras, foi somente no ano de 1986 que voltaria ao Parque Antártica para disputar a posição. Viria a se firmar no Verdão em tempos de crise, clube em que quebrou um recorde de 13 partidas sem levar gols.
Mas nem tudo seria fácil, foi numa divida com Bebeto que trouxe graves consequências ao goleiro, que ficou contundido por oito meses. Na volta, Veloso era o titular do time. Zetti não se conformou com a reserva viria a conseguir a compra de seu passe, e a partir disso vai parar no São Paulo.
No São Paulo, seria talvez o auge de Zetti: foi campeão brasileiro, paulista, Libertadores, Mundiais, inclusive jogando naquela mítica final de Libertadores contra o Newells do Loco Bielsa. Em 1993, viria a ser convocado para a seleção brasileira e fez parte do grupo que seria tetra no ano seguinte.
Zetti é daquela escola clássica de goleiros, daqueles que transmitiam segurança debaixo das traves, entre suas marcas as calças compridas que no começo eram para o frio, depois viriam a se transformar num equipamento importante nos seus pulos, evitando que ficasse com as pernas esfoladas, dando mais segurança.
Na tarde da resenha fomos até Santo Amaro, São Paulo, onde na sua academia de goleiros observamos a molecada tendo seus primeiros passos e princípios básicos debaixo do gol. Muitos sendo observados e pegando dicas fundamentais deste grande goleiro, inclusive muitos dizem que debaixo do gol Zetti foi maior que Rogerio Ceni.
O que mais me surpreendeu foi a humildade e gentileza, o papo descontraído e uma resenha cheia de histórias míticas daquele que sem dúvida foi um dos maiores goleiros deste país. Bom, sem mais, deixamos vocês com esta bela pessoa que é o Zetti.
DEPOIS DE BRUMADINHO, O PUXADINHO
O jornalista esportivo, diante de uma tragédia esportiva, precisa se portar como um legista. Não procurar sair a encontrar culpados, esta tarefa cabe a Defesa Civil, ao Ministério Público e ao Corpo de Bombeiros. Mas diante das suas responsabilidades, calçar luvas, pegar uma caneta fria e buscar a fundo as causas do ocorrido. Seu relatório servirá de base para que as causas do ocorrido sejam conhecidas. Analisadas a fundo, poderão no futuro evitar outras tragédias. O que não podemos, como ex-atleta e jornalista, é nos calar diante desse triste episódio.
No nosso caso, que saímos aos 16 anos para morar numa concentração no bairro da Urca, e percorrer todas as divisões de base do Fluminense, bastaram as primeiras imagens, do helicóptero da Rede Globo, no Bom Dia Brasil, sobrevoando o Ninho do Urubu, para perceber que a fumaça não saía do Complexo Esportivo destinado à administração e ao alojamento dos profissionais. Todos eram protegidos por coberturas de lajes. Pegou fogo nos dormitórios das categorias de base, visto lá do alto um puxadinho, módulos improvisados protegidos por telhados discutíveis.
De cima, seus alojamentos destoavam da harmonia e beleza da obra. Por dentro, deixaram expostos o descaso com que a maioria dos clubes de futebol, por todo o país, ainda tratam as suas divisões de base. Para os Henriques Dourados, Vitinhos, que já não dão mais lucros, pagam os maiores salários e servem do bom e do melhor. Para os futuros Vinícius Jrs, Lucas Paquetás, verdadeiros diamantes a serem lapidados e vendidos a peso de ouro, reservam e acomodam no espaço em que for possível.
As notícias divulgadas pelo G1 não nos deixam mentir para que lado são direcionados os privilégios num CT: “Em 2018 foi inaugurada a nova ala reservada aos profissionais, com novos alojamentos, um parque aquático, academias e a estrutura pré-existente foi deixada para as categorias de base”. Estrutura pré-existente é coisa do passado destinado aos que garantirão o futuro do clube. Até quando?
O segundo laudo traz as responsabilidades indiretas da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro no ocorrido. Ao abandonar o futebol do interior, ajudar com seu descaso o fechamento das ligas desportivas que organizavam os campeonatos, cerceou o crescimento e o amadurecimento dos craques em seu próprio berço.
Se antes um atleta se revelava nos infantis, ele defendia seu clube nos juvenis e disputava os campeonatos amadores municipais e regionais. Somente alguns eram convidados a treinar em clubes grandes. Hoje, todos procuram Xerém desde os 8 anos e muitos se dirigem ao Ninho do Urubu sem alcançar sequer o ensino médio. Todos perdem com isto: os pais, precocemente a companhia dos filhos, a cidade, um dos seus maiores atrativos, e o filtro estreito que acaba fechando o caminho de muitas promessas.
Poucos no universo esportivo, suas vítimas , seus pais e familiares, legistas ou jornalistas percebiam que havia, além do sonho de jogar no Real Madrid ou no Barcelona, ter sua história contada no Globo Esporte, abutres sobrevoando o legítimo sonho treinado em cada ninho por centenas de meninos”.