DE BRITO À MILAGRE
por Marcos Vinicius Cabral
– Ouvi sempre coisas boas sobre meu avô, que jogou até os 64 anos! – diz Rodrigo Santos Brito, de 34 anos, ao Museu da Pelada.
Mas se o filho de seu Newton e de dona Ivana não se cansa de elogiar o octogenário e craque da família, foi por causa de suas atuações na ponta-direita do Veterano Futebol Clube nas manhãs de sábado no Campo do Bairro Rosane, que ele decidiu que era aquilo que queria fazer na vida: jogar futebol profissional.
Coisa que seu avô não conseguiu em sua época, mesmo tendo jogado com Gérson, o Canhotinha de Ouro, um pouco antes do tricampeão mundial se profissionalizar no Flamengo.
– Era difícil. Jogador era taxado como vagabundo. Ou casava ou jogava – lamenta seu Waldir dos Santos, casado há 58 anos com dona Nicinha.
Mas taxações à parte no mundo cruento da bola, o neto não se arrepende de ter desfrutado da constância de seu Waldir na sua vida.
– Peguei gosto por estar sempre com ele, que me levava para o campo e ficava batendo bola comigo! – diz Brito como passou a ser conhecido no mundo do futebol.
E arremata:
– Foi com meu avô Waldir que aprendi o beabá do futebol, como dominar, tocar, driblar, lançar e chutar uma bola. Deveria ter uns 5 anos de idade – diz.
Aprendeu tanto que em 1995, aos 10 anos de idade, já era destaque jogando no meio campo no time do Bairro Rosane Futebol Clube, e dois anos depois ingressava na escolinha Toque de Bola Futebol de Base, comandada por seu Ruterley ou Telê Ventura como é até hoje chamado.
– Brito era um jogador muito técnico, organizador de jogadas, aplicado, com uma leitura de jogo impressionante, além é claro, de bater faltas como poucos – gaba-se o ex-treinador de 69 anos.
Com tantas qualidades foi levado ao Club de Regatas do Vasco da Gama, onde treinou no campo anexo de terra batida de São Januário que fica atrás das arquibancadas e agradou.
O talentoso garoto que confirmaria o DNA da família Santos Brito viu a alegria no brilho dos olhos de seu Santos Brito, viu a alegria no brilho dos olhos de seu Waldir ao ser aprovado.
Brilho efêmero convenhamos, pois alguns meses depois, viu o mesmo olhar de reprovação do avô para os empresários que administravam as carreiras de vários garotos.
Preterido por ser do mirim e integrar a escolinha do clube vascaíno, Brito foi desligado.
Mas não desligou da vida o sonho de vestir a camisa de um clube de futebol.
Passou na peneira do Nova Iguaçu Futebol Clube, fundado em 1990 por Crizam César de Oliveira Filho, mais conhecido como Zinho, tetracampeão mundial em 1994 :
– Eu não tinha dinheiro de passagem para treinar. Nem almoçar eu conseguia por causa do horário. Abri mão! – queixa-se sobre os quase 57 km de distância entre sua casa em São Gonçalo e a sede do Carossel da Baixada.
No Bonsucesso Futebol Clube, onde Leônidas da Silva, o inventor da bicicleta, se profissionalizou em 1934, a história foi diferente:
– O clube estava sem recursos para disputar o Campeonato Carioca – lamenta sobre o rubro-anil.
Depois dessas experiências, a primeira tristeza: a escolinha onde dera seus primeiros chutes numa bola de futebol observado pelos olhos atentos do avô encerrava suas atividades.
Recomeçou então no rubro-negro mais famoso do bairro: o Flamenguinho da Brasilândia, time que revelou o meio campista Diogo Oliveira, hoje no Brasil de Pelotas.
Nesse período, estudava no primeiro ano do segundo grau no Colégio Estadual Padre Manuel da Nóbrega e jogava os interestaduais pela tradicional escola do bairro, sob a batuta do treinador Mekerra, que lapidou a joia no começo de carreira.
Com um futebol encantador conquistou Carlos Roberto – ex-jogador do Botafogo nos anos 1960 e atualmente treinador do Al Tai Sport Club da Arábia Saudita -, e Silvinho – que jogou no Fluminense -, que o levaram ao Madureira Futebol Clube.
No infantil do Tricolor Suburbano, jogou ao lado de Maicon (atualmente no Grêmio de Porto Alegre), Muriqui (ex-Vasco) e André Lima (hoje no Austin Bold FC dos EUA).
– O treinador me valorizava tanto que eu pedi para ser dispensado e me emprestaram. Queriam que eu fosse dispensado e me emprestaram. Queriam que eu voltasse, mas não quis mais – revela.
Poderia continuar mas os malditos contratos “de gaveta” (que viriam a ser proibidos pela CBF apenas em 2015) o desanimaram.
A vida continuou seu curso e Brito acabou indo parar no Centro Esportivo Arraial do Cabo mas foi no Angra dos Reis Esporte Clube que disputaria sua única Copa São Paulo como profissional em 2005.
Ainda jogaria profissionalmente na Associação Atlética Ranchariense e na Associação Esportiva Araçatuba, um pouco depois de vestir as camisas do América/RJ e o Canto do Rio de Niterói.
Enquanto buscava um lugar ao sol em equipes profissionais, nos campos de várzeas de São Gonçalo assinaria súmulas pelas equipes do Duro na Queda e Aranha (ambos do Coroado), Xeque-Mate de São Gonçalo, Jovem Fla do Boa Vista, Santos do Porto Velho, Renascença de Itaboraí, além de no F7, pelas equipes do Atlantic e Al Ain.
Ganhando títulos e jogando o fino da bola, surgiu a oportunidade de ir para Portugal.
Certo dia, tomando banho, sentiu uma forte dor na nuca e desmaiou.
Levado às pressas para o HEAT (Hospital Estadual Alberto Torres), no Colubandê, ficou em observação numa maca em um corredor lotado.
– Ouvi o médico dizendo ao enfermeiro pra ficar de olho no meu irmão, pois ele não estava bem – recorda o irmão Felipe.
Numa ala de isolamento, seu estado ia agravando e para visitá-lo era preciso colocar uma roupa específica.
A situação era grave, muito grave.
O craque que aprendera futebol com seu Waldir, agora lutava contra um adversário que queria a qualquer custo vencê-lo: a morte!
Brito então entra em coma induzido e o chefe da equipe médica responsável está pessimista.
– Se ele não reagir se preparem para o pior, mas se sobreviver, viverá numa cama para sempre – enfatiza após medicá-lo.
E completa:
– Mas tudo indica sua morte! – sentenciou.
– Nunca! Eu sei em quem tenho crido. O senhor vai ver o agir de Deus na vida do meu filho – diz o padrasto Rogério segurando uma bíblia e com lágrimas nos olhos.
Deus começa a operar na vida daquele rapaz cheio de sonhos e com uma vida inteira pela frente.
Depois de doze dias internado, Brito sai do coma, porém, uma inflamação no cérebro é diagnosticada.
Era necessário uma drenagem e uma cirurgia.
Após ser operado é transferido para o HEPJBC (Hospital Estadual Prefeito Jõao Batista Caffaro), em Manilha.
– Ele foi evoluindo mas um médico queria fazer traqueostomia nele e queriam que eu assinasse para liberar – conta dona Ivana, mãe do craque.
Nesse instante, Deus opera outro milagre.
– Ei, Ro! Lembra de mim? – sopra no seu ouvido a fisioterapeuta.
– Claro que sim, Lu! -, diz lembrando da colega de academia Smartfit, onde malhavam.
Aquela “anja” que atendia pelo nome de Luciana, faz alguns testes ali e diz que o jovem não precisa ser traqueostomizado.
Em seguida uma junta médica o examina e fica comprovado que não é necessário a cirurgia.
Alguns dias depois, a evolução começou a ocorrer com ganho de massa corporal e a tão sonhada alta.
Hoje, quem o vê cantarolar “Deus é Deus” de Delino Marçal, não entende o milagre ocorrido na vida deste jovem de 34 anos que se divide nos treinos em alto rendimento, em palestras motivacionais, trabalhos sociais e na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, no Porto da Pedra, onde é Missionário.
Mas confessa:
– Duas das maiores alegrias que a bola me deu foi poder jogar ao lado do meu avô. Eu com 14 anos e ele com seus 64, em 1999 – lembra.
E finaliza:
– A outra foi marcar um gol de falta para ele um ano após ter vencido a meningite no qual fui acometido – diz sorrindo o camisa 30 do Boleiros FC.
TEMPO PERDIDO
por Eliezer Cunha
“Sonhei que estava sonhando um sonho sonhado”. Uma frase a princípio desconexa e que me veio hoje à cabeça, mas de alguma forma me transcende aos tempos áureos do nosso futebol pelos quatro cantos do país.
Era o ano de 1980 quando em um belo samba de Martinho da Vila esta frase foi desferida. Tempos em que sonhávamos e o sonho se tornava realidade. 1980, ano em que o Flamengo se tornou campeão brasileiro em um belo jogo marcado por cinco gols não oriundos do acaso. Estádio lotado, torcidas amistosas se contorcendo para conseguir uma pequena brecha entre centenas de cabeças presentes, onde nem a alma do saudoso Mário Filho conseguia habitar, e assim, enfim, presenciar “O grande momento do futebol”. Eram verdadeiros clássicos degustados pelos torcedores de cada time. Craques de primeira linha desfilavam pelos gramados, largando a poesia que tinham em seus pés comandados pelo cérebro.
Batalhões…Somente de torcedores, amparo policial, somente para organizar filas. O trem superlotado de torcedores que ligava às estações de Santa Cruz à Central do Brasil era a demonstração clara e absoluta da democracia de convivência social. Os objetivos eram claros e únicos, ver seu time jogar e vencer.
Hoje o sonho sonhado virou pesadelo também pelos quatro cantos do país e, com isso conduziu minha paixão pelo futebol e esta se foi desmoronando frente às ocorrências, a ponto de me impulsionar a comentar sobre o que ocorreu no último no jogo entre Vasco X Fluminense.
O espelho desta situação foi clara, técnica ausente, violência dentro e fora do campo, arquibancadas vazias e um somente gol concebido simplesmente pelo acaso. Todos se esqueceram dos valores principais do esporte “Emoção e arte”. Deveríamos aprender com o passado, corrigir o presente e planejar o futuro. Gostaria de voltar a sonhar novamente.
O CARIOCA ESTÁ SENDO DESRESPEITADO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Quem me conhece sabe o quanto odeio retranqueiros. Diego Simeone é um deles. Por isso, adorei os três gols de Cristiano Ronaldo e a classificação da Juve. Cristiano não tem swing e sabe disso, por isso é dedicado e de uma eficiência impressionante.
Retranca é vencida com técnica, a mesma que o saudoso Coutinho usava para furar defesas. No Maraca, vi um gol dele contra o Benfica espetacular. Balãozinho no zagueiro e rede estufada!
O futebol me deu muitas alegrias! Me orgulho de ter vestido as camisas dos quatro grandes clubes cariocas, assim como fui um privilegiado por assistir Bráulio, Ivo e Eduzinho esbanjando categoria no América. Foram áureos tempos! Fui xingado e endeusado, ganhei, perdi e aprontei muito nesse Maraca! O goleiro Andrada que o diga, Kkkkk!!! As bandeiras desfraldadas, os geraldinos, os tradicionais chefes de torcida, Jorge Curi, Waldir Amaral, Mário Vianna, os pontas endiabrados, o cachorro-quente da Geneal, as camisas sem patrocínio e os torcedores chegando de trem, a pé, para prestigiar seus ídolos.
Não posso admitir que o CAMPEONATO CARIOCA, em letras maiúsculas como deve ser, venha sendo tratado com tanto desrespeito pelos “profissionais” da área. É preciso que entendam que Botafogo x Fluminense é uma marca, assim como Flamengo x Vasco. Marcas fortes, construídas há anos.
Fiquei chocado com a postura de meu amigo Abel com essa história de poupar jogadores por conta de terem jogado na altitude dias antes. Peraí, antigamente dormíamos no aeroporto e estamos vivos até hoje.
Não se poupam jogadores em um Flamengo x Vasco. É desrespeito com a história do futebol, com a torcida e com tudo mais! E não e venha com essa lenga-lenga de time B só para se preservar diante uma possível derrota. Agora os jogadores deverão desfilar pelo clube com crachás “jogador A”, “B”, “C”. Vestiu a camisa do Flamengo é Flamengo. E além do mais o Flamengo entrou com Arrascaeta e Vitinho, os dois “cracaços” mais caros da história do clube.
Na coletiva, Abel teve uma postura ginasial, disse que estava ali para rir do que fizeram com o Flamengo. E os jornalistas ficaram lá, o acompanhando nas risadas, sem questioná-lo de nada. Tem que rir é do Rodinei que perdeu aquele gol feito e não dos dois pênaltis que existiram.
É bom deixar claro que o Flamengo não tem nem um time A pronto, redondo, entrosado, que dirá um B. Abel disse que na Libertadores “os árbitros não apitam qualquer faltinha”. Fez da coletiva o seu palco. Para Abel, a Libertadores, da Conmebol, é a competição mais correta do planeta.
A Libertadores virou competição para machos, futebol esquece. Viram a falta de Felipe Melo no jogo de ontem? Enquanto isso, o CAMPEONATO CARIOCA vai perdendo espaço para as Sul-Americanas da vida.
Na mesa ao lado, um jovem com a camisa rubro-negra, me aconselhou: “PC, esquece, estão todos de bolsos cheios”. Dei uma bufada, fechei os olhos e lembrei de Paulo Borges, Cabralzinho, Ladeira, Ocimar e Aladim, Bangu de 66. Eles sempre me salvam nessas horas.
UM DIA NO FUTEBOL PAULISTA PROFISSIONAL DA SEGUNDA DIVISÃO
por Luca Nieri
Semana que vem tem jogo da Briosa, vamos? Quando é, no final de semana? Sim, é domingo. contra quem é, você sabe? Sim, contra o Água Santa. Nossa, o time que botou 4 no Palmeiras. Vamos muito. Mas que horas é o jogo? 10h da manhã. Cedo, ein? Nossa senhora. É, realmente. Mas vai ser daora, pô. Vamo lá. Tá bom, vamos então.
E assim começa um aventura na segunda divisão do Campeonato Paulista. Excelente segunda divisão, aliás. Não necessariamente pela técnica, mas por tudo que envolve estar em um estádio às 10 horas da manhã de um domingo, debaixo de um sol de 40º para assistir a um time que, claramente, não dará o ar de sua graça.
A aventura se sucede à escolha do lugar. Vamos ao pacote completo, com arquibancada, sol na nuca e muito suor? Ou podemos dar o luxo de assistir na arquibancada coberta? Ah, vamos na coberta, melhor, né?
E fomos na coberta. Só não avisaram que não era coberta apenas do sol, mas sim daqueles personagens portugueses de dicionário. Bigodes, amendoins e palavrões eram maioria por lá. Desde torcedores fanáticos, passando por famílias mais tranquilas, até crianças brincando de pega-pega se viam presentes. Tudo faz parte do show. Uniformes de todos os tipos, tamanhos e épocas. Amarelados pelo tempo e pelo estresse do cotidiano de se torcer. Gastos pelas horas em arquibancadas e pelo excesso de lavagens, com lágrimas de choro e lágrimas de chuva. Cabelos brancos, cabelos pretos, longos, curtos, cacheados ou cortados na régua. Tem de tudo. Tem para todos. Camisas do Palmeiras, camisas do Santos, camisas do São Paulo e camisas da seleção. A série A2 do Paulista não veio para brincar: ela realmente é para quem quiser.
Por enquanto está tudo lindo, está tudo poético. Mas e quando o juizão autoriza o início da partida? Acho que era melhor ter continuado no plano do encanto. Culpado de tudo mesmo é o senhor árbitro, que deixou um jogo como aquele acontecer. O que falta na habilidade, sobra no absurdo. Jogo lento, linhas postadas parecendo colunas, e jogadores, digamos, medianos. Era realmente uma batalha de gladiadores. Havia muita garra! Isso não se pode negar. Mas futebol, às vezes, também é sobre técnica, não? Infelizmente sim. Fortunados seríamos se apenas precisasse de força de vontade para jogar bola. Seríamos, ainda com mais certeza, o país do futebol. Mas futebol é feito de gols. E gols são feitos de chutes, tabelas, cruzamentos e cabeçadas. E, pode-se dizer que a série A2 do Paulista deixa a desejar em alguns desses quesitos. Mas só alguns, eu prometo. As cabeçadas, caneladas e cruzamentos há de montão. Fiquem tranquilos!
Por isso, não ousem falar mal da minha segundona. Da nossa segundona! Time grande cai sim, lógico que cai. O que a Briosa está fazendo lá? E Juventus da Mooca, Nacional e Jabaquara? Não são times gigantes? É claro que são. Basta fazer um tour pelos estádios do interior. Vá a um jogo no Javari para entender o que é amor. Venha ao Ulrico Mursa, assistir à nossa gloriosa Briosa, para entender o que é paixão.
Assim, tentando eu entender o que é paixão, dentre todas as coisas que me passaram pela cabeça enquanto assistia ao jogo, um pensamento era o mais presente: por quê? Por que havia cerca de 3 mil pessoas lá? Por que alguém torce, grita e xinga pela Portuguesa Santista? Por que alguém apoia a Portuguesa Santista? Vale a pena?
Mas peraí. Desde quando o futebol precisou de um porquê para existir? Desde quando torcer para um time de futebol fez algum mísero sentido? Desde quando foi sobre “valer a pena”? Ora, tudo vale a pena se a alma não é pequena, já dizia o poeta. E a alma do esporte é gigante. A alma do torcedor é inabalável. A alma do estádio é inquebrável. E assim, o futebol respira. E sobrevive. Em domingos matinais ensolarados ou em fins da tarde nas novas arenas. Com 3 ou com 30 mil pessoas no palco do espetáculo. Fazendo o show. Assistindo ao show. Participando e torcendo. Sendo parte fundamental do todo. Sem precisar de um porquê.
Pois, no final, no meio das gritarias, dos xingamentos e dos “puta, mas esse cara não dá! ele não é jogador nem aqui nem na China”, há uma beleza quase que divina nisso tudo. Um sentimento inexplicável que move todo esse contexto. O futebol é maravilhoso por causa disso. Ele não precisa de glórias e conquistas para existir. A conquista somos nós. Os títulos são consequência dos nossos gritos. Da nossa paixão. Da nossa fidelidade. Afinal, a busca por um porquê nasce daqui, da literatura e da caretice. O torcedor não precisa de um porquê. Um torcedor não precisa de um gol. Um torcedor precisa do futebol. E o futebol precisa do torcedor.
viva o futebol de arquibancada de concreto&
viva o futebol de domingo de manhã&
viva o futebol do interior&
viva o eterno ódio ao futebol moderno.
TUA CAMISA, TEU TRAPO, TEU ESCUDO
por Claudio Lovato
Sem bandeiras, sem trapos, sem música.
Foi uma decisão do Ministério Público para punir a Organizada. Todos sabiam que aquilo era resultado de uma velha rixa com a Polícia Militar. No último episódio, um integrante foi agredido sem que ninguém entendesse o motivo. Então vieram dois, três, 10, 30 companheiros em seu socorro. E, agora, é isto: sem bandeiras nem trapos nem banda na final do estadual contra o arquirrivalhistórico.
Eles foram chegando em silêncio e ocuparam seu espaço atrás de um dos gols.
O primeiro gol demorou a sair, mas, depois dele, logo vieram outros dois. E assim terminou o primeiro tempo: três a zero e um banho de bola.
No segundo tempo, o baile continuou, e o time logo chegou aos quatro a zero.Então, aos 20 minutos de jogo do segundo tempo, uma movimentação diferente teve início no espaço destinado à Organizada.
Eles tiraram a camisa do time, abriram-nas ao lado (o lado em que, na noite anterior, haviam cortado com tesoura e costurado de novo, costura bem leve e propositalmente precária) e então tiraram os cintos e os passaram pela fenda que também haviam feito com tesoura, na altura da etiqueta, e depoiscomeçaram a girar suas improvisadas bandeiras sobre a cabeça, todos eles, girando suas camisas cortadas e descosturadas como se fossem bandeiras e quando o time fez o quinto gol eles começaram a entoar seus cantos com o máximo de potência que seus pulmões e gargantas e paixão permitiam e de repente surgiram trapos, um, dois, três, dez, camisas amarradas umas nas outras descendo do último ao primeiro degrau lá embaixo e então todos no estádio se levantaram e os aplaudiram e cantaram os cantos há muito tempo conhecidos de todos, e eles seguiram em festa de cantos, camisas, bandeiras, trapos, celebrando as cores e o escudo do clube que amam – celebrando o símbolo que é maior do tudo e que não pode ser, e jamais será, silenciado, adestrado, neutralizado.