Mauro Shampoo
O MELHOR DO PIOR
entrevista e texto: Evandro Sousa | fotos e vídeo: André Duque
Criado nas ruas de Boa Viagem, bairro nobre do Recife, engraxate, de rua, tinha o sonho de todo menino de família pobre: ser um jogador de futebol. Se alegrava quando era convidado por empresários para jogar nos times amadores, onde ganhava um trocado e comida.
Quando na sua caminhada surgem duas oportunidades, uma de tornar-se jogador de futebol profissional pelo Íbis e a outra de tornar-se cabeleireiro. Não teve dúvida, agarrou as duas, uma para sustento, cabeleireiro, outra por paixão do futebol, Íbis.
Camisa 10 do pior time do mundo da década de 80/90, Mauro Shampoo, como foi batizado no futebol, fez apenas um gol em dez anos de Íbis, mesmo assim um gol sem memória, pois não tinha público, não ouve transmissão de TV, nem rádio. R:esultado o Ìbis perdeu de 8 a 1, afinal de contas era o Íbis.
– O único título que conquistei foi o título de eleitor!
Com a marca de pior time do mundo e o preconceito de ser cabeleireiro naquela época, Mauro Shampoo tornou-se o maior ídolo da história do Íbis, o Pássaro Preto como é conhecido.
– Eu sou uma estrela, uma estrela apagada, mas sou uma estrela, eu sou 10!
Hoje, com 62 anos, com três filhos, Shampoo, Creme Rinse e Secador, casado com Márcia Pente Fino, ex-goleira de futebol, companheira desde os tempos inglórios, quando lavava o uniforme do íbis em casa. Também cabeleireira, por influência de Mauro Shampoo, tem salão na mesma galeria, que Mauro chama de CT, e o dele se chama Arena Shampoo.
– Eu tenho duas mulheres , a Márcia Pente Fino e a segunda que é a Bola!
Em uma história de superação, podemos dizer que Mauro Shampoo saiu do pior para o melhor, onde a bola e a tesoura até hoje fazem parte da sua vida vitoriosa.
É possível dizer também que a paixão (a bola) e a razão (cabeleireiro) foram os trilhos da vida de Mauro Shampoo que nunca se separaram e que até hoje conduz sua vida.
– Jogador, cabeleireiro, artista de cinema, celebridade, famoso, liso, camisa dez do pior, cabeleireiro macho!
Assim é Mauro Shampoo, camisa dez do pior time do mundo.
A BOLA TROCADA PELA BÍBLIA
por Marcos Vinicius Cabral
O automóvel é, sem sombra de dúvidas, uma das maiores invenções do século XIX.
Isso se dá em 1769, com a criação do motor a vapor em que automóveis são capazes de transportar humanos.
Mas depois de 117 anos, especificamente em 1886, é considerado o ano de nascimento do automóvel moderno – com o Benz Patent-Motorwagen, inventado pelo alemão Karl Benz.
Mas o que seria dos automóveis sem um motor?
E o que seria de cada equipe de futebol, seja ela amadora ou profissional, sem um “motorzinho”?
Aquele jogador que acelera na hora de atacar ou pisa no freio para se defender.
Eis que surge em 26 de setembro de 1988, na Casa de Saúde Vila Paraíso, em São Gonçalo, Thiago Leite Silva, esse jogador.
Filho caçula de seu Luís Carlos Vitalino Silva – um clássico camisa 8 que dava gosto ver jogar – e de dona Rosemeri Leite, o garoto desde cedo conviveu com o futebol.
– Minha paixão pelo futebol se dá por causa do meu pai que me levava para assistí-lo no Águia Negra, no Campeonato Comunitário do Gradim – recorda.
Apesar dos seis anos de idade, Leitinho – assim os mais chegados o chamavam – mostrava desenvoltura com a bola e uma habilidade muito parecida com a de seu Luís em seus tempos áureos nos campos gonçalenses.
Em seu DNA (composto orgânico cujas moléculas contêm as genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos), continha vitalidade, habilidade e um desejo de ser alguém no futebol, distribuídos em 1,68m de altura.
Em 1999, aos onze anos de idade, levado por seu pai, ingressou no pré-mirim do CFZ (Centro de Futebol Zico) e conviveu com Adílio, Jayme, Andrade e Zico, extraindo o melhor de cada um nessa experiência enriquecedora.
– Foi uma pena não poder continuar por causa da situação financeira do meu pai – diz dos dois anos em que foi treinado pelos professores Gaúcho e Lima.
Se dentro de campo era um jogador encapetado, fora dele era um garoto que costumava ir à igreja com dona Isidora, sua avó paterna.
Nessa mesma época, dava seus primeiros passos na fé e aceitava Jesus como seu Único e Verdadeiro Salvador.
– Eu buscava ajuda no Senhor para restaurar o casamento dos meus pais e mesmo com 13 anos subia aos montes para orar pela vida conjugal deles – revela sem nenhum arrependimento.
Um ano depois, em 2002, chegava ao Combinado Cinco de Julho, no Barreto em Niterói, para treinar na escolinha comandada por Jeremias (ex-atacante do América/RJ, Fluminense, Vitória de Guimarães/POR e Espanyol/POR), que se encantou com o moleque.
– Apesar de baixinho era muito bom jogador. Muito pegador no meio, marcava e criava com a mesma eficiência – diz o eterno ídolo do Mecão, aos 70 anos.
Jogador de extrema polivalência, era utilizado sempre na categoria infantil – de 14 a 15 anos – por causa da idade e às vezes na infanto-juvenil – de 15 a 16 anos – por causa da bola que jogava.
Certa vez, enfrentou o América/RJ, no Clube de Campo do Luso-Brasileiro em Campo Grande e só faltou fazer chover.
– Estava voando. O professor Jeremias me colocou nos dois jogos e arrebentei nesse dia. Perdemos por 2 a 1 no infanto e metemos 3 a 1 no infanto-juvenil – relembra.
Convidado para treinar no tradicional clube de Campos Sales, ficou quase um ano.
A distância e a falta de recursos, acabariam desligando o “motorzinho” da camisa 8 de seu sonho.
Em 1994, tentava a sorte no Club de Regatas Vasco da Gama e no campo anexo de terra batida que fica atrás das arquibancadas, treinou tão bem que seria inimaginável não se tornar atleta do clube cruzmaltino.
– Vendo os treinos, os outros pais me diziam que era certo o baixinho ficar – diz seu Luís sobre o filho.
Passar na exigente peneira não seria problema para o jogador que era, porém, nos quatro meses que treinou em São Januário, ele e seu Luís conviveriam com o submundo dos empresários (o famoso apadrinhamento), fora das quatro linhas.
– Foi decepcionante para mim saber disso. Não ser aproveitado por não ter um empresário – lamenta.
Acabaria dispensado.
No entanto, aos dezesseis anos, e mesmo machucado por dentro, ia se acostumando com as feridas causadas pela bola.
E a história se repetiria bem longe de São Gonçalo, desta vez em Xerém, quando treinou no Fluminense Football Club.
Com uma carta de apresentação nas mãos calejadas de seu pai, se apresentou no tricolor.
A carta em si não que garantira aprovação mas estendeu dos três treinos habituais para oito.
Mais uma vez treinaria bem mas faltou o famoso (padrinho) empresário.
Numa última tentativa, com dezessete anos, disputou a Copa Light pelo União Central Futebol Clube, da terceira divisão do Rio de Janeiro.
Depois de muito esforço, conseguiu a federação pelo modesto clube da Penha, Zona Norte da cidade, mas resolveu deixar o sonho de lado em nome da fé.
– Achei melhor ir jogar no Ases de Ouro do Gradim, trabalhar como mecânico e me dedicar à obra de Deus – confidencia.
Atualmente é casado com Vanessa desde 2013, pai da pequena Débora e trabalha com seu Luís na oficina Pai e Filho, no Porto Velho em São Gonçalo.
– Thiago é muito especial na minha vida. Quando mais precisei ele me ajudou com uma palavra edificante – revela o amigo Davison Marques de 21 anos.
E completa:
– Além do coração enorme que tem é um cara que não gosta de perder, seja nos jogos de futebol ou nas adversidades da vida cristã.
Hoje, prestes a completar 31 anos, jogar aos domingos no Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá no Porto Velho e ir aos cultos da Igreja Evangélica Semeando no Gradim, são os curativos para sua alma.
ADÍLIO
por Serginho 5Bocas
Adílio foi um dos meus ídolos da infância. Jogava de meia-direita e muitas vezes de falso ponta caindo pela extrema esquerda.
Jogava muita bola, apesar do chute não ser tão bom. Não batia com precisão em direção ao gol, mas seu passe era sensacional e seus dribles uma arma desconcertante e imprescindível para aquele time do Flamengo. Zico que o diga, quantas assistências do neguinho da cruzada, o galinho converteu em gol.
Adílio parecia flutuar em campo tal era a leveza de suas passadas elegantes, tinha futebol de craque e se impunha pela habilidade. A bola quando conduzida por Adílio parecia não ter peso, nunca vi ninguém tirá-la de seus pés, como protegia a redonda, aliás, uma das principais armas do Flamengo quando a vitória estava apertada era mandar a bola para ele gastar o tempo, sem contar os gols e passes em jogos altamente decisivos. Além de tudo, fazia gols em jogos importas como na final do Brasileiro de 1983 e na final do mundial interclubes em Tóquio. No total, ele fez 129 gols em sua carreira, quase todos pelo Flamengo,
Tanto talento e intimidade com a bola não foram suficientes para se firmar na seleção e jogar uma Copa do Mundo. Adílio jogou com a amarelinha apenas duas partidas: uma pela seleção de novos em 1979 e outra pela seleção principal quando vivia sua melhor fase. Ironia do destino foi justamente quando estávamos próximos da Copa de 1982 que aconteceu o jogo de sua vida. A dois meses da Copa, teve sua grande e última (única) chance: enfrentaria a Alemanha Ocidental no Maracanã.
Naquele dia ele fez uma partida memorável, comandando as ações do meio de campo e dando um passe primoroso e suave para Junior marcar o único gol daquele jogaço contra os campeões europeus de 1980 e vice mundial da Copa que estava por vir. Se alguém tivesse visto aquela partida e depois soubesse que ele não foi convocado para a Copa da Espanha, teria dificuldades para entender o porquê dele não estar na relação final dos convocados. Fico me perguntando até hoje, por que o Telê fez aquilo com o Adílio e com a Copa, será que nem entre os reservas ele poderia ser chamado?
Adílio, ainda jovem, jogava como um veterano, mandava na cancha, gastava a bola. Apesar da alegria de menino no olhar e no bailar, era futebol de gente grande mesmo, coisa de craque, futebol de encher os olhos.
Adílio nunca foi a uma Copa do Mundo, uma pena!
Pena para Adílio, para a Copa, para nós que amamos a bola e para o futebol.
Na época não entendi nada e hoje muito menos.
Alguém poderia me explicar?
PROJETO INTER CAMPUS
Foi com muita felicidade que recebemos do parceiro Anderson Jedai a notícia de que um novo projeto social havia acabado de começar na Favela Kelson´s. Trata-se do Inter Campus, um projeto social sem fins lucrativos fundado e administrado pela Inter de Milão desde 1997.
Com a ajuda de programas de futebol juvenil desenvolvidos e mantidos dentro das comunidades, o principal objetivo é fornecer assistência às crianças necessitadas.
No campo de terra da Kelson´s, onde o Museu já esteve presente no fim de 2017, 60 crianças de 7 a 15 anos são atendidas diariamente. Vale ressaltar que, além do esporte, a leitura também é incentivada pelo professor Anderson Jedai. Enquanto Hildebrando Gonçalves Rodrigues comanda o projeto no Brasil, Fábio Pinheiro coordena no Rio de Janeiro!
Mais um golaço de placa na Kelson’s!
PELA VOLTA DO FUTEBOL AO POVO
por Paulo Escobar
Um futebol distante das pessoas pobres é de certa forma reprimir a paixão daqueles que sofrem todos os dias, a partir disso que começamos a pensar em como poderíamos reaproximar de novo o futebol ao povão.
O que nos aproximou do Museu da Pelada foi a ideia de preservar a memória do futebol, percebemos na página também que muitos dos excluídos do futebol voltaram a ter acesso às histórias de seus ídolos, e de certa forma muitos lembravam seus momentos de estádio quando este era acessível ainda.
Foi assim que começamos a caminhada para o projeto que leva por nome “Museu, Maloca e Boteco”. Para entender a lógica do programa, o Museu vem justamente em homenagem à página visando manter a ideia de preservação da memória do futebol, Maloca para que nós que estamos tocando este projeto não esqueçamos das nossas origens e o lugar a partir de onde enxergamos a realidade e o Boteco por ser o lugar onde rolam as resenhas sobre futebol, o espaço acessível às discussões onde na cerveja e prosa todos são técnicos.
No programa de estreia na quinta, dia 14, estivemos sentados na mesa de bar e recebemos Juliana Cabral, capitã histórica da seleção feminina, Roseli, que fez muito gol e jogava muita bola e com certeza não ficou devendo a ninguém no futebol jogado, Basílio, pé de anjo que fez talvez o gol que transformaria a história do Corinthians, Helvidio Matos, que nos seus anos de jornalismo buscou mostrar o lado humano do futebol, Mauro Beting, comentarista histórico e que o povão o tem na memória, Vitor Guedes, que contribuiu muito naquela mesa com suas ideias, Lu Castro, que é uma lutadora do futebol feminino que resiste e reivindica melhorias.
Foi emocionante ver as pessoas do bar Repanchos na Mooca baixa, que muitas vezes observam seus ídolos somente pela TV, estarem próximos e poder abraçar cada um deles. Ver pessoas que moram nas ruas e não têm acesso ao estádio poder sentir aqueles que vivem do futebol ao lado deles.
Os meios de comunicação muitas vezes se tornam inacessíveis às pessoas que assistem, e de certa forma contribuem no distanciamento. O que vemos sobre futebol é mais do mesmo e comentários feitos a partir de uma realidade que muitas vezes não é a do torcedor.
Se as arenas excluem, muitos meios também, então o que nos resta é tentar o caminho inverso, o da aproximação. De sair do outro lado da tela e ir até onde o povão que vive o futebol e sua paixão se encontra. É isso que estamos procurando, e lá na Mooca baixa que estamos procurando levar os ídolos e pessoas ligadas ao esporte a estarem com o povo, que escutem o que eles têm a dizer e que sintam o que eles sentem e vivem.
Quebrar a bolha do distanciamento, e voltar aqueles que não estão mais nos estádios ou não tem canais fechados, para os quais o futebol não tem sido pensado de décadas pra cá.
Não estamos inventando a roda, mas queremos ser resistência às coisas do jeito que estão sendo postas, é pensar as coisas de baixo, trazer a visão dos que o futebol tem excluído. Que os Geraldinos sejam vistos de novo e que aqueles que comemoram os gols nos seus barracos possam ter a felicidade de abraçar seus ídolos de novo.
Foi o primeiro programa, esperamos que venham muitos mais, quinzenalmente nos reuniremos no boteco e ali conversaremos sobre futebol. O boteco será nossa geral e ali as pessoas poderão ter de novo o prazer de se sentirem pertencentes ao esporte que alegria e lágrimas lhes dá.
Dia 28 de março partiremos para o segundo programa e contamos com vocês para fazer com que esta ideia chegue a outras pessoas e que assim sejamos resistência à ideia excludente que paira no nosso futebol.
Luiz Ricas, Marcelo Mendez e eu continuaremos pensando e tramando o futebol com os pés no barro. E sem esquecer do nosso amigo Sérgio Pugliese por acreditar nestes loucos sonhadores que insistem em viver a utopia já.
Não posso esquecer de agradecer ao manos do bar, Germano, Jeferson, Júnior e a tia que nos receberam muito bem, do Wladimir, Nicanor e Veio Henrique que ajudaram o Ricas na parte do áudio e vídeo, da Maris e Led que nos ajudaram a montar o cenário. Aos manos e manas do Corote Molotov que estavam tomando sua cerveja e trêmulos de emoção e nervosos por estarem diante dos seus ídolos tiravam fotos e pediam autógrafos.
Em especial quero deixar meu abraço e meu amor ao meu filho André que se alegra em cada notícia que lhe dou, e que vibrou de felicidade quando me viu pela página naquela resenha. Que além de tudo me faz viver e caminhar e seu amor é tão importante para mim, meu melhor amigo que sempre acredita em mim, te amo, cabelo, e te carrego dentro de mim.
Levar o futebol ao povão nos dias que vivemos é um ato de resistência.
Dia 27 tem mais…