Festa do PC Caju
70 ANOS DO CAJU
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Walter Duarte | vídeo: Rodrigo Cabral
Existem certas oportunidades e prazeres na vida que não podemos deixar passar impunemente. Jogar uma pelada no “Caldeirão do Albertão” no Grajaú com rapaziada do Museu da Pelada é uma delas, o que me remete às peladas da velha guarda de Campos. Não poderia recusar o convite do amigo Sergio Pugliese para estar naquele espaço de descontração e amizade. Ficou latente para mim desde a primeira vez que lá estive que o Caldeirão é um dos “templos das peladas” do Rio de Janeiro e certamente um patrimônio imaterial em nossos corações. Não obstante a tudo isso, existiu um motivo especial para celebrarmos. O craque PC Caju, ídolo do Botafogo, Flamengo, campeão mundial de 70 e da histórica máquina tricolor, estaria ali comemorando mais um ano de vida com seus amigos e grandes feras do futebol.
Uma festa planejada com carinho pelo Museu da Pelada e o nosso anfitrião Alberto Ahmed, naquele ambiente mágico e de natureza exuberante.
Tivemos de tabela o prazer de rever os craques da “Selefogo” como Afonsinho, Carlos Roberto, Nilson Dias, Roberto Miranda, Moreira, Nei Conceição e o Galdino do meu Vascão (aliás o PC também jogou lá). Sem falar nas lendas do futebol de areia, Neném e Magal, além dos nomes consagrados do futebol de salão nacional, Sergio Sapo e Ney Pereira.
Diante deste grupo seleto, lembrei da música do Erasmo Carlos “festa de arromba” , pelo viés futebolístico, tamanha concentração de craques. Mas faltava conhecer o aniversariante. Meio sem graça pedi ao Pugli: “Apresenta-me ao PC para umas fotos”. Como poderia perder a chance de estar próximo e “tietar” um dos nomes mais consagrados do futebol mundial? Pensei até que ele me faria à pergunta clássica: Você “chupou laranja” com quem? Kkk e no final deu tudo certo. A resenha de qualidade, como era de se esperar, foi o ponto forte desse encontro, coisas que não vemos por aí com tanta facilidade, nem mesmo nos canais esportivos de grande repercussão.
Seria impossível com tanto talento por metro quadrado não se emocionar e recordar os grandes feitos dessas legendas do futebol. Perceber a degradação do futebol, hoje tão limitado por táticas defensivas e pelo desprezo da técnica apurada nos faz refletir de quanto estamos órfãos de craques de verdade, e muito também de personalidade. Existem, é claro, os partidários da ignorância da objetividade que diriam que isto faz parte da “evolução” natural do futebol, sinal dos novos tempos…
A propósito o PC nunca se conformou com esta toada de mediocridade que tomou conta do futebol brasileiro, motivo de belas crônicas que ele produz, com a certeza de quem jogou o “fino da bola” e de ser contemporâneo de umas das mais belas páginas do futebol. Não será em vão para nós “pobres mortais” e peladeiros de ofício ter a nobre missão de não deixar perecer estas lembranças maravilhosas do futebol arte e do legado que nos fez respeitar.
Foi um dia para não se esquecer com a grata satisfação de ver a alegria e o brilho no olhar dos nossos craques e colaboradores do Museu da Pelada, nesses encontros fabulosos, com um turbilhão de emoções. Desejamos muitos anos de vida PC! Que Deus o abençoe! E para terminar, imagino o saudoso Bob Marley, seu grande amigo, participando daquela roda de Samba, seria fantástico. De onde ele estiver estará feliz de saber que a sua energia positiva continua forte e que aquele espírito de sabedoria e satisfação pela vida continua brindando a todos nós!
EDMÍLSON, RETRATO DA INTELIGÊNCIA TÁTICA
por Luis Filipe Chateaubriand
Em evento de La Liga, no Shopping Rio Sul, em Botafogo, no Rio de Janeiro, nosso líder do Museu da Pelada, Sergio Pugliese, encontra Edmílson, penta campeão mundial com a Seleção Brasileira.
Pugliese indaga ao pentacampeão se conhece o Museu da Pelada. O craque responde que sim, que sempre recebe os vídeos e textos do Chateaubriand – este que vos escreve.
Com efeito, eu trabalhei com o Edmílson em 2016, pois ele coordenava um grupo de trabalho da Confederação Brasileira de Futebol sobre o calendário de nosso futebol, e participei do grupo.
É bem verdade que não fiquei até o fim, pois, ao discordar dos rumos do debate, me retirei do grupo. Mas ficou o respeito mútuo.
O aspecto marcante do futebol de Edmílson é a inteligência tática aguçada: quando sentia que o adversário era muito perigoso ofensivamente, se posicionava atrás dos dois zagueiros, tornava-se um líbero e, com isso, reforçava o setor defensivo; quando sentia que o adversário não ameaçava tanto ofensivamente, se posicionava à frente dos dois zagueiros, tornava-se um volante e, assim, contribuía no apoio ofensivo.
Jogador técnico e inteligente, deixou inestimável contribuição para São Paulo, Barcelona e Seleção Brasileira.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email:luisfilipechateaubriand@gmail.com.
FUTEBOL, SUPERSTIÇÃO E RELIGIOSIDADE
por Victor Kingma
Suécia, 1958. Após uma campanha brilhante, o Brasil chegou à decisão da 6ª Copa do Mundo como grande favorito. Ninguém podia imaginar que a aplicada seleção sueca pudesse fazer frente ao futebol arte de Didi, Garrincha e Pelé, que vinha encantando o mundo. Ainda mais após a exibição de gala nas semifinais, onde tinha goleado por 5 x 2 a poderosa seleção da França, de Kopa e Fontaine.
Entretanto, a dois dias da final, os organizadores tinham um grande problema a resolver: as duas seleções utilizavam o uniforme amarelo. Normalmente, seguindo as regras do cavalheirismo esportivo, muito comum naquela época, esperava-se que os anfitriões, como gentileza, permitissem que os visitantes utilizassem o seu uniforme oficial. Mas os dirigentes suecos não o fizeram, e a FIFA, sem alternativa para o impasse, marcou um sorteio para decidir quem teria que utilizar camisas de outra cor.
O Brasil, em protesto, não enviou representante para acompanhar. E não deu outra. Perdeu o sorteio, que muitos acreditam tenha sido manipulado. Não poderia, então, jogar com a sua tradicional camisa amarela. Pior: o branco era o outro uniforme disponível para disputar a finalíssima.
Começou então o drama. Supersticiosos, vários jogadores e integrantes da delegação brasileira logo se lembraram da Copa de 1950, onde o Brasil, mais favorito ainda e jogando com camisas brancas, inexplicavelmente perdera a Copa para o Uruguai em pleno Maracanã, na maior tragédia da história do nosso futebol.
Diante do clima de preocupação que tomou conta de todos, Paulo Machado de Carvalho, o chefe da delegação, resolveu, então, apelar para a superstição e religiosidade dos brasileiros: a seleção disputaria a final da Copa com a camisa azul, cor do manto de Nossa Senhora Aparecida.
E ainda lembrou aos jogadores que, nas últimas cinco Copas disputadas, quatro delas foram vencidas por seleções que utilizaram camisas azuis, recordando os feitos da “Azurra” Italiana em 1934 e 1938 e da “Celeste” Uruguaia em 1930 e 1950.
Um uniforme azul foi então comprado às pressas em uma loja de artigos esportivos, em Estocolmo. Mário Américo, o massagista, e Assis, o roupeiro, passaram o sábado, véspera do jogo, costurando os números e os escudos retirados das camisas amarelas.
No domingo, 29/06/1958, dia da grande final no Estádio de Rasunda, na Suécia, os nossos craques, livres da “maldição” da camisa branca e protegidos pelo manto sagrado da padroeira do Brasil, fizeram prevalecer a sua classe e, ao vencerem a Suécia por 5 x 2, conquistaram a primeira Copa do Mundo para o nosso país.
Esse fato, inclusive, é contado com detalhes por Ruy Castro numa de suas grandes obras, o excelente livro Estrela Solitária, um brasileiro chamado Garrincha.
Na foto, a Seleção Brasileira, campeã do mundo, em 1958, posando com o uniforme azul improvisado para a final:
Em pé: Djalma Santos, Zito, Bellini, Nilton Santos, Orlando e Gilmar.
Agachados: Garrincha, Didi, Pelé, Vavá , Zagallo e o massagista Mário Américo.
O GIGANTE ADORMECIDO
No final de semana, exatamente no domingo 16 de junho deste ano, aconteceu a final do Citadino de Campo categorias Livre e Veterano na cidade de Cruz Alta. Esta cidade gaúcha conta com uma média de 62 mil pessoas, famosa por ser a terra do grande poeta Érico Veríssimo, da Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ) e da saudosa equipe do Guarany, que hoje sofre com o descaso de algumas pessoas que o deixou financeiramente falido.
Em tempos de ouro, o Guarany participou e conquistou títulos de expressão, participando da primeira divisão do Campeonato Gaúcho. Seu legado maior hoje se trata do seu estádio, localizado na região central da cidade, a Taba Índia. O Guarany inaugurou seu estádio em 1929. Porém, logo em seguida, em 1930, fechou as portas e enfrentou um recesso de 12 anos, retornando às atividades em 1942. Hoje, conta com problemas na infraestrutura, porém não interditado completamente, mantém seu gramado em ótimo estado e consegue receber um bom público pagante em sua arquibancada geral.
Eu nunca havia entrado no estádio do Guarany de Cruz Alta, apenas passava pela frente em direção a universidade, por três longos anos foi assim, e agora com a decisão do torneio local, ao entrar e fazer a cobertura fotográfica dos jogos, é possível presenciar um misto de antiguidade em meio ao futebol local. Grande dia para vislumbrar pela primeira vez por dentro um estádio cheio de histórias e que até então eu apenas passava pela frente. Mais de 1200 pessoas se fizeram presentes nas finais do Citadino 2019. O que é o futebol sem o grande público? Até o melhor dos atletas, sente o peso de centenas de pessoas fora do gramado incentivando ou vaiando.
Fica aqui alguns registros dos jogos, decisões dos veteranos e livre, mas deixo claro que a emoção de entrar dentro de um palco deste porte pesa na alma, o gigante adormecido ainda tem sua emoção e os gritos de gols resguardados. Torcida presente, atleta indo na grade para comemorar o gol beijando sua esposa, bandeirão esticado e o gol sendo comemorado com beijo no escudo do clube frente a torcida. Coisas que só o futebol pode apresentar, e de lambuja, torcedores invadindo, através da grade de segurança, o campo para comemorar com o seu time, coisas do futebol de várzea.
Fotos dos jogos:
Construtora Predilar 2×0 São Paulo
Academia 0x3 Boa Parada B
EMOÇÃO E RISOS NA PELADA DE 70 ANOS
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Domingo passado, os amigos me prepararam uma surpresa para comemorar o meu aniversário de 70 anos. A ideia era ficar quietinho, em casa, na minha, mas acabei topando o convite de ir ao Caldeirão do Albertão, no Grajaú, campo de pelada de meu amigo Alberto Ahmed.
Já assisti várias peladas lá e sempre me divirto com as gozações de Sergio Sapo, com o arisco Joãozinho infernizando a defesa e com a resenha que não tem hora para acabar. Mas nesse domingo a casa estava mais cheia do que o normal, lotada de parceiros da vida toda.
Impossível não fazer uma retrospectiva, me imaginar no barraco onde cresci, em uma favela de Botafogo. Quando chovia tínhamos que abrir o guarda-chuva dentro de casa. Eu fugindo para jogar bola, arrebentando a cabeça do dedão do pé, ouvindo os berros de minha mãe. Certa vez, quebrei o braço tentando pular um muro para pegar a bola. Cheguei em casa chorando, o que não me livrou de uma surra de vara de marmelo, Kkkkk!!! “Futebol é para vagabundo!!!”, costumava gritar minha mãe, Dona Esmeraldina.
Não dei ouvidos, entrei para o futebol de salão do Flamengo, conheci Fred e fui adotado por sua família. Minha mãe não tinha condições de me sustentar. Marinho, pai de Fred, era treinador de futebol, e apostou em meu potencial. Aos 15, viajamos para Honduras e depois para Colômbia, onde, ao lado de Fred, fui titular do time principal do Atlético Junior de Barranquilla. Cheguei ao Botafogo com 17 anos e, em minha estreia, meti três no América.
Depois veio seleção brasileira, Flamengo, Olympique, Fluminense, Vasco, França novamente e chuteiras penduradas. Depois, me envolvi nas drogas e durante 15 anos vi meus amigos e bens materiais se esvaindo. Estava debilitado e por pouco não virei um vagabundo. Mas os amigos, verdadeiros anjos da guarda, me estenderam as mãos e consegui ficar fora das estatísticas dos que foram derrotados por esse vício maldito.
Por isso, me emocionei quando vi tantos amigos ao meu redor. Caramba, em uma época de escassez de centroavantes dou de cara com Roberto Miranda e Nilson Dias!!! E na meiúca, Carlos Roberto, Nei Conceição e Afonsinho!!! É muita qualidade!!! Meu Deus, Moreira!!! E Galdino, que me arrancou dezenas de gargalhadas!
Não há espaço na coluna para listar todos e nem para expressar o tamanho de minha felicidade! Marquinhos de Osvaldo Cruz animou a resenha com os seus acordes. Juntos, cantamos muitos sambas, parabéns e o hino do Botafogo.
Tive vontade de pedir uma canção, mas preferi guardá-la para mim, pois ela embala essa minha guerra diária, esse meu inconformismo. E a cantarolei “Daquilo que eu sei”, de Ivan Lins, sozinho, no Uber, no caminho de volta para a casa: “Daquilo que eu sei, nem tudo me deu clareza, nem tudo foi permitido, nem tudo me deu certeza…não fechei os olhos, não tapei os ouvidos, cheirei, toquei, provei, usei todos os sentidos, só não lavei as mãos e é por isso que eu me sinto cada vez mais limpo, cada vez mais limpo….”.