MENDONÇA, A BOLA, O BOTA E O MUNDO
por Leandro Costa
A paixão de Mendonça pela bola veio de berço. Filho do ex-zagueiro do Bangu, também conhecido como Mendonça, Milton da Cunha Mendonça iniciou sua carreira, aos 12 anos, no dente de leite do alvirrubro mas logo transferiu-se para o Botafogo, onde chegou aos 13 anos, em 1969, para marcar seu nome na história do Glorioso. Muitas pessoas pensam que Mendonça não conquistou nenhum título de expressão pelo alvinegro, ledo engano. Mendonça foi Campeão Mundial Juvenil em Croix, na França, em 1973, campeonato oficial, organizado pela FIFA, defendendo o seu amado Botafogo.
O meia, aos 17 anos, foi um dos principais destaques da equipe. A competição contou com os seguintes participantes: Nancy, Nantes e Iris, todos da França, Milan (Itália), Glasgow Rangers(Escócia), Benfica (Portugal), Schalke 04 (Alemanha), Legia (Polônia), Anderlecht (Bélgica), Ajax (Holanda) e Dynamo de Kiev (União Soviética).
Confira abaixo a campanha do alvinegro carioca:
Fase classificatória:
Botafogo 1×0 Nancy (Gol: Antônio Carlos)
Botafogo 1×1 Schalke 04 (Gol: Tiquinho)
Semi-final:
Botafogo 0x0 Milan (3×0 em escanteios)
Final (11/06/1973):
Botafogo 2×0 Dynamo de Kiev (Gols: Tiquinho (2), na prorrogação).
Os campeões:
1. Zé Carlos – José Carlos Pessanha
4. Nei Barros – Antônio Carlos de Oliveira Barros
2. Carlinhos
3. Bruno Ferretti
6. Dodô – Salvador Jerônymo da Silva
5. Luizinho Rangel – Luiz Ronaldo Nunes Rangel
8. Mílton da Cunha Mendonça
7. Leônidas
9. Sérgio
10. Antônio Carlos Araújo de Figueiredo
11. Tiquinho – Onofre Aluízio Batista
12. Júnior (goleiro)
13. Róbson Peres do Nascimento (zagueiro-central)
14. Mário (volante e zagueiro-central)
15. Letinho (ponta-de-lança)
16. Severino (ponta-de-lança)
Técnico: Manoel dos Santos Victorino (Neca)
Mendonça se profissionalizou no alvinegro em 1975 e jogou até 1982. Viveu boa parte do incômodo jejum de 21 anos sem títulos no futebol profissional, apesar de participar de grandes times do alvinegro, como por exemplo, o time de 1977/1978 que possui a maior invencibilidade do futebol brasileiro: 52 jogos, ao lado rival da Gávea e também do time que eliminou o rubro-negro nas quartas-de-final do Brasileiro de 1981, quando marcou o histórico gol “Baila Comigo”.
Dono de uma rara categoria, simbolizou a esperança de toda uma geração de Botafoguenses. Hoje ele nos deixa no plano físico para entrar no panteão dos imortais botafoguenses.
Ídolo, craque, imortal, Campeão Mundial Juvenil. Nada significava mais para Mendonça do que o título de: Mendonça do BOTAFOGO. Como ele mesmo declarou, não era jogador do Botafogo, era torcedor do Botafogo.
Fontes de consulta:
Site: http://rsssfbrasil.com/miscellaneous/botaout.htm#croix
Site: http://www.melhoresdabase.com.br/noticias/botafogo-campeao-infantil-do-torneio-de-croix-de-1973.html
MENDONÇA, A ESTRELA SOLITÁRIA
por Luis Filipe Chateaubriand
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o meia atacante Mendonça, que morreu ontem, era o único jogador de qualidade técnica elevada do Botafogo carioca e, por isso mesmo, o único ídolo da torcida alvinegra.
Uma das características de seu excelente futebol era o chute preciso. Finalizava com as duas pernas com precisão, a curta ou a longa distância.
Outra característica de seu excelente futebol eram os passes e lançamentos, precisos tanto a perto como a longe.
Mais uma característica do craque eram os dribles, audazes, maliciosos, insinuantes!
A fera também correspondia nos cabeceios, precisos, angulares, certeiros.
E o monstro ainda tinha visão de jogo privilegiada, enxergando à frente de seus pares.
Como uma andorinha só não faz verão, Mendonça não conseguiu dar um título ao Botafogo. Assim, seguiu seu rumo para terras paulistas – Portuguesa, Palmeiras, Santos. Sempre encantando as torcidas com seu futebol de rara beleza.
Sua carreira ficou eternizada por um golaço que fez, jogando pelo Botafogo, contra o Flamengo, em jogo pelo Campeonato Brasileiro de 1981. Terceiro gol de uma vitória de 3 x 1, no final do jogo, eliminou o rival e colocou o alvinegro nas semifinais. Um drible humilhante em Junior, que está procurando a bola até hoje, concluindo para o gol.
Na época, passava a novela “Baila Comigo”, em que Tony Ramos interpretava magistralmente dois irmãos gêmeos. Como, no golaço, Mendonça botou Junior para dançar, e o rival rubro-negro dançou, este ficou conhecido como “O Gol Baila Comigo”. Genial!
Mendonça morreu. Mendonça é eterno!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
MEU SARRIAZO PARTICULAR
por Rodrigo Octavio Souza
O dia 5 de julho de 1982 foi o primeiro em que me lembro de ter visto os meus pais chorando. Do alto dos meus cinco anos incompletos, sabia apenas que tinha a ver com a Copa do Mundo e com o “Canarinho”. Algo estranho para quem tinha se acostumado a viver em meio à euforia nos 20 dias anteriores.
A chuva de papel picado caía das janelas e inundava as ruas de Icaraí, onde eu morava, à medida que o genial escrete (ainda se usava essa palavra) do igualmente genial Telê Santana enchia as redes dos rivais de gols. E haja trabalho para os garis, afinal, foram 15 em cinco jogos.
Mas, de repente, o colorido das paredes pintadas e dos bandeirões pendurados de um lado ao outro da rua virou cinzas. A alegria e os gritos de gol transformaram-se em um nó na garganta. No máximo, em um pranto sentido e sofrido.
Sofremos pelos pés de um atacante que ficará mais de um ano suspenso, acusado de envolvimento com manipulação de resultados no “calcio”. Pela primeira vez na minha vida, ouvi a palavra “carrasco”. Palavra cujo sentido, descobri depois, é empregado em contextos muito piores. Mas que se aplicava perfeitamente ao que aconteceu naquele verão mediterrâneo.
Havia, e há, coisas piores no mundo. O próprio Brasil vivia o início da “década perdida”, nos estertores de um regime falido e atolado na hiperinflação e na dívida externa. Mas sob a ótica particular do futebol, que tudo vê com uma lente de aumento, o que se passou no Sarriá foi, sim, uma tragédia.
Como tal, ainda dói quando se remexe, em especial, nas efemérides como essa dos 37 anos da fatídica partida contra os italianos. Mas, contraditoriamente, tanto tempo depois da dramática peleja, posso dizer que o que aquele time me deixou mesmo é um enorme sentimento de orgulho e gratidão por ter me acendido a fagulha da paixão por esse esporte, tão divino quanto diabólico.
Para além do resultado, aquela equipe legou ao mundo o ideal do “jogo bonito”, que volta e meia é emulado por equipes como o histórico Barcelona de Guardiola do começo desta década. Aliás, sempre que pode, o treinador faz questão de falar do impacto que aquela seleção teve sobre o então menino catalão de 10 anos, na gênese do esquadrão blaugrana de Messi e no seu próprio conceito do jogo.
Quase tudo já foi dito ou escrito sobre aquela partida, mas o fato é que a Itália jogou melhor. Tirou os espaços, anulou nossos pontos fortes, fez o jogo perfeito.
Aliás, ninguém jogou mais bola do que a Azzurra na primeira quinzena de julho de 1982. Não tinham a magia brasileira, mas eram organizados e, sobretudo, excelentes tecnicamente. Só obediência tática não seria capaz de deter Zico, Sócrates e companhia.
Não ter ganho aquele Mundial deixa o coração dolorido, claro. Poucas não foram as vezes que, num exercício de imaginação, “vi” o Doutor erguer o caneco depois de botarmos na roda a ótima, mas exausta, Alemanha (olha ela aí!) de Rummenigge, Briegel e Magath. Jamais saberemos o que aconteceria com o futebol mundial caso o Brasil conquistasse a Copa. Nada garante que, ainda assim, não seria trilhado o caminho da cautela defensiva, que resultou no pífio Mundial de 90, coincidentemente disputado na Velha Bota.
A única certeza que eu tenho é que nunca mais vi meus pais chorando por causa de futebol desde aquele dia 5 de julho de 1982.
JORNALISTA MODERNO
por Marluci Martins
Jornalista moderno não manda parar as máquinas. Vira o site todo.
Jornalista moderno não faz ronda por telefone. Faz busca na internet.
Jornalista moderno não passa fax. Manda zap.
Jornalista moderno não tem agenda de papel. Salva o número no celular.
Jornalista moderno não imprime. Printa.
Jornalista moderno não usa liquid paper. Dá backspace.
Jornalista moderno não tira licença. Faz home office.
Jornalista moderno não grita pra dar esporro. Manda e-mail.
Jornalista moderno não tem hora extra. Tem banco de horas.
Jornalista moderno não quer só audiência. Quer seguidor.
Jornalista moderno não faz pescoção. Faz adiantamento.
Jornalista moderno não usa carbono. Dá Ctrl C Ctrl V.
Jornalista moderno não diagrama. Risca a página.
Jornalista moderno não usa lauda. Usa tela.
Jornalista moderno não erra. Bota a culpa no estagiário.
Jornalista moderno não fura. Analisa.
Jornalista moderno não copidesca. Dá um tapa no texto.
Jornalista moderno não usa dedo-duro. Bota link.
Jornalista moderno não recebe o jornal na porta de casa. Baixa no aplicativo.
Jornalista moderno não usa bloquinho. Usa tablet.
Jornalista moderno não tem deadline. Tem a vida inteira para olhar o passado e aprender com as mudanças que pintaram de 21 de junho de 1989 pra cá. Naquele dia, Maurício deu um toque nas costas de Leonardo, pegou de primeira e entrou para a história do título estadual do Botafogo, diante de um Flamengo sem Zico, substituído por lesão. Eu estava lá no Maracanã, fora da cobertura, apenas como espectadora, toda prosa com a carteira de trabalho recém-carimbada pelo RH da empresa. Tinha sido contratada horas antes, após um ano de estágio. O Dia era o primeiro passo de uma caminhada repleta de gols, contusões, vitórias e, sim, algumas poucas derrotas.
Jornalista moderno não fala de derrota. Nem o antigo. Nenhum fala. Jornalista nenhum vai narrar o furo que tomou, a bronca que levou, a humilhação que sofreu. Não serei a primeira, acalmem-se os poucos fãs e desafetos. Pouparei todos nós e a história de uma carreira longa – 30 anos e mais um de estágio; 1.000 plantões dominicais sustentados principalmente por uma época em que no jornalismo esportivo trabalhava-se três domingos seguidos e folgava-se um; cinco parafusos no mindinho da mão direita após um tombo durante os Jogos de 2016, e furos, muitos furos, mais dados do que tomados, graças a Deus.
Não cabe citar nomes de coleguinhas aqui. Jornalista moderno não tem memória boa. Ainda mais no meu caso, uma moderna de 51 anos que não lembra quem marcou o gol do último título do seu time. Mas, nesse caso, a culpa é mais do Vasco do que minha.
Jornalista moderno não esconde o time. Jornalista antigo também não. Se não fala, é porque tem vergonha do 15º lugar na tabela e da marca ridícula de duas vitórias em nove jogos disputados no Brasileirão. Mas vamos mudar de assunto e tomar um café.
Jornalista moderno não toma café. Se toma, não toma tanto assim. Também não queima a beirada da mesa com a guimba do cigarro porque é proibido fumar na redação. Também é proibido tomar café na redação. Também é proibido comer na redação. Também é proibido jogar bola na redação. Sério. Eu não tomei café nem fumei na redação. Mas já joguei altinha. Isso foi na virada dos anos 80 pros 90, e eu nunca chamei aquele jogo de altinha. Mas com o tempo aprendi que era esse o nome.
Era proibido tomar cerveja na redação. Então, a gente descia pro bar do Rocha, na Rua do Riachuelo, por volta das quatro da tarde. Era um catalisador de inspiração aquele lugar, com provolone, salaminho, azeitona e pão francês no cardápio em lousa e giz. A redação ficava em frente, de onde do nada surgia na janela o editor bigodudo abrindo os braços, nervoso, impaciente, acabando com a sesta etílica. “Sujou! Vamos subir”.
Jornalista moderno sobe. Vamos subir esse texto no site. Agora, rápido, tá lá, já foi…
NOSSO AMADO DESTEMIDO
João Saldanha faria anos hoje. Que saudade sentimos dele, do comentarista mais sincero que nossa imprensa já teve em todos os tempos.
por André Felipe de Lima
“Se eu fosse comprar a Copa Jules Rimet pelo seu valor real seria incapaz de desembolsar mais do que 500 dólares, porque é uma taça horrível, em termos de estética. Entretanto, por seu significado dentro do futebol mundial, estou disposto a dar minha vida para consegui-la, se for necessário”. Hoje, dia em que o inigualável João Saldanha faria 102 anos, a frase proferida pelo próprio, sintetiza a alma valente, livre e independente que o movia. João “sem medo”. Sim, sem medo de dizer o que lhe passava à mente. Se franqueza fosse palpável… ah, se pudéssemos tocá-la, bastaria cumprimentar Saldanha, homem distante de qualquer vestígio de loa ou bajulações, mas próximo, sempre, da verdade, do bem.
O gaúcho Saldanha amansador de burro bravo foi (e bem sabemos) “barrado” pela ditadura militar. Não pôde, devido à covardia dos poderosos, comandar suas domadas “feras” na Copa do Mundo de 70.
Para nós, Saldanha foi (e sempre será) — na verdade, na sinceridade e na amizade — a fagulha que possibilitou a chama do “tri”. “Eu gosto de touradas e, modéstia à parte, entendo desse esporte”. Jamais duvidamos, destemido Saldanha. E jamais deixamos de torcer por você seja lá em que canto ou nuvem do céu se encontre, e sempre integrado ao amálgama celestial do jornalismo esportivo, do qual faz parte o Nelson Rodrigues, seu doce amigo. Mande um abraço para ele, João. E vida que precisa seguir.