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AINDA MENDONÇA E O SHOW PARTICULAR DO CRAQUE QUE NOS DEIXOU

por Luis Filipe Chateaubriand


Continuemos com as homenagens ao recém falecido Mendonça, que as merece amplamente!

Em 1987, o craque jogava no Santos. Em um Corinthians x Santos, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano, o Timão meteu categóricos 5 x 1 no Peixe.

Apesar da derrota humilhante, o personagem do jogo foi Mendonça!

Quando o Corinthians já vencia por 5 x 0, um atacante santista foi derrubado. Pênalti para o alvinegro praiano.

Mediante a catimba do goleiro Waldir Peres, algo bastante corriqueiro em se tratando de tal goleiro, o pênalti demorou para ser cobrado.

Enquanto se esperava para bater o pênalti, os membros do banco santista jogaram pedrinhas de gelo para Mendonça, o cobrador – possivelmente para hidratação ou para passar em algum machucado.

O que se seguiu foi algo impressionante!

Mendonça pegou uma pedrinha de gelo… e começou a fazer embaixadinhas com ela!

Leitor, já parou para pensar o quanto é difícil fazer embaixadinhas com pedrinha de gelo???

A boa técnica nos diz que, quanto menor é objeto das embaixadas, mais difícil é fazê-las. Só consegue fazer embaixadinhas continuadas em objeto pequenos – como tampinhas de garrafas, rolhas, pequenos cubos, moedas e pedrinhas de gelo – que tem muita, mais muita, habilidade para jogar futebol.

Mendonça não fez poucas embaixadinhas com a pedrinha de gelo, foram muitas. E, não satisfeito… ainda concluiu em gol com a mesma pedrinha de gelo!

Um show à parte.

Quando, finalmente, foi bater o pênalti, uma cobrança cheia de categoria, no canto esquerdo do goleiro e à meia altura. Waldir Peres para um lado, bola para o outro.

E pensar que um cara como esses, jogando essa bola toda, sequer era convocado para a Seleção Brasileira. Eram outros tempos, com fartura de craques e futebol de encher os olhos!

Mendonça morreu! Viva Mendonça!

 Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

DE PRIMEIRA

por Rubens Lemos


O Botafogo foi assaltado escandalosamente nas semifinais do Brasileirão de 1981. O árbitro Bráulio Zanoto (PR) tungou o bravo time comandado por um criativo em solidão. Mendonça simbolizava a poesia de um amante não correspondido. Jogava demais, ganhava nada. Seguia em sua marcha elegante de obstinado.

A morte de Mendonça, quixote do jogo sofisticado, doeu na alma. Vi Mendonça jogar e ele entra na galeria daqueles injustiçados de olhar triste e destino idem. Mendonça acendia a estrela solitária nos caquéticos anos de jejum.

Morumbi, 26 de abril de 1981. Botafogo havia vencido a primeira no Maracanã por 1×0 e jogava pelo empate num terreno hostil. Mataram um torcedor do Botafogo no ônibus da torcida.

O estádio fervilhava com 100 mil pessoas. O São Paulo de Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Marinho Chagas, Renato Pé-Murcho e Zé Sérgio era chamado de “Máquina Tricolor” e, na teoria, único a encarar o Flamengo de Zico.

Do Flamengo, cuidou Mendonça, destroçando a soberba rubro-negra com um drible gafieiresco sobre Júnior e um chute venenoso que matou Raul. Botafoguenses de catacumba vestiam suas camisas mofadas de tristeza. Alegria de naftalina, cantando o passado, como fazemos hoje nós, os vascaínos.

A pressão do segundo jogo contra o tricolor não assombrou o Botafogo de Mendonça. Que fez 1×0 e chegou ao segundo com ele, batendo em simetria com o quicar da bola, após cruzamento do falecido lateral Perivaldo.

Mendonça bateu de primeira. Jogar de primeira é arqueologia de pelada de rua, campo de várzea, morro em desafio íngreme. Mendonça era de primeira.

O árbitro começou a autópsia do Botafogo ao validar gol mandrake de Serginho Chulapa, aquela aberração da Copa de 1982. Depois, um pênalti escalandoso levou o São Paulo ao empate. Mais gol e a luta desigual do Botafogo acabaria.

Foi quando um meia chamado Ewerton, ao aproveitar um rebote da defesa sufocada do Botafogo, encheu o pé, de peito, bola direto no ângulo do goleiro Paulo Sérgio. Ewerton bateu de primeira, garantindo lindamente uma vitória injusta de 3×2.

De primeira, primeiríssima. Júnior bateu contra a Alemanha Ocidental em 1982 recendo de Adílio, o Neguinho da Cruzada, num Maracanã lotado e explodindo como orgasmo dos amores impactantes.

Mendonça, Ewerton, Júnior, Bebeto contra a Argentina, de voleio e corpo suspenso no ar, Romário contra a Holanda, 1994, trocando a mira do pé em pleno voo baixo, Zico e Roberto Dinamite, foram mestres da alegria inesperada. De repente, de bate-pronto, sem ensaio, sem expectativas.

A vida só vale pena se for de primeira. Jogar (e arrematar) de primeira é arte, feitiço, encanto. Que só os craques sentiam sem pressentir, pois neles o coração se transformava em petardo. Indefensável.

A CPI DO FILIPE LUÍS

por Zé Roberto Padilha


Entendo um pouco da posição pois joguei ao lado de Marco Antônio e do Junior. E vi o Nilton Santos pela televisão e o Marinho Chagas nos enfrentar, pelo Botafogo, nos anos 70, com uma qualidade técnica absurda. E estou à vontade para pedir aos conselheiros do Flamengo uma CPI para apurar quem está por trás da contratação de Filipe Luís. Gastar a fortuna que estão anunciando parta trazer o mais limitado lateral esquerdo que já vestiu a camisa da seleção é uma covardia. Covardia com as famílias que ainda não receberam as indenizações do incêndio do Ninho do Urubu. Covardia com a torcida do Flamengo que ainda sonha em ser novamente campeã mundial de clubes. Sinceramente? Trauco e Renê são, hoje, bem mais efetivos do que ele.

Nada pessoalmente contra Filipe Luís. É um atleta aplicado e disciplinado, sabedor das suas limitações e que não inventa dentro do seu cardápio feijão com arroz: apoia sem brilho e defende sem chamar a atenção de quem está à procura do craque do jogo. Se não fosse seu coque no cabelo, passaria despercebido. Como é diferente, chama atenção e poucos prestam atenção na mesmice que joga.

Seu maior trunfo é o tamanho do prestígio do seu empresário: o colocou no Atlético de Madrid e apesar de estar à quilômetros do Marcelo e sem possuir a impetuosidade do Alex Sandro, seu reserva, acreditem, está sempre presente na lista dos convocados. E agora surge como solução para o clube mais amado do Brasil. Quem estará por trás disto?

Certo dia, para não dizer que sou implicante, e como ex-jogador e jornalista tenho que ter cuidado redobrado para analisar um companheiro de profissão, convoquei meus filhos para a sala durante um Atlético de Madrid x Real Madrid. E pedi para que analisassem os dois laterais esquerdos. A conclusão foi unânime: de um lado um gênio, daqueles que só Xerém produz, como Thiago Silva. De outro um jogador que, com todo respeito, tinha um canhotinho atuando parecido nas finais da Copa Arizona de Futebol de Praia. E outros que jogam soçaite no Tijuca Tênis Clube e no Clube Harmonia, em São Paulo.


Tem Filipe Luís dando nos pés das serras pelos cantos do país e aí vem o Flamengo e destina uma fortuna por ele já no apagar das suas brandas luzes. Um dos meus filhos ainda disse, em sua defesa, “Mas ele não erra passes!”. O outro rebateu: “Mas se só joga para o lado e não arrisca algo diferente, como errar?”

Ontem, durante o “clássico” Avaí x Goiás, quem vestia a camisa 10 do Avaí era o Douglas. Que fez bonito no Grêmio, honrou a camisa do Vasco e está ocupando o degrau certo na escala que nos leva a aposentadoria. Quando a ordem se inverte e, em vez de descer dignamente, um atleta é recolocado na vitrine às véspera dos 3.4, tem algo errado por aí.

CPI neles antes que o contratem, passe 30 dias nas mãos do preparador físico para recuperar o ritmo de jogo, mais 20 para se adaptar ao fuso horário, 10 para se entrosar com os novos companheiros e…daí tem uma contratura muscular. O ano acaba e com ele o sonho rubro-negro de ter um novo Paulo Henrique. Depois vocês me cobram.

ACERVO DO TCHÊ

Receber acervos é, sem dúvidas, um dos momentos mais prazerosos para a equipe do Museu. É uma responsabilidade tremenda cultivar anos de histórias através de fotos, recortes de jornais ou objetos que remetem a quem construiu aquele enredo.

O mais recente, entregue pelo parceiro Mário Bittencourt, foi o do lendário fotógrafo Tchê e fizemos questão de reunir familiares para contar um pouco da trajetória do saudoso craque das lentes.

Neto e filho do fotógrafo, Jorge Eduardo e Walter toparam o nosso convite na hora e se juntaram a Márcio Bittencourt para uma viagem no tempo que gerou risadas e muita emoção!

Dê o play e confira essa resenha!

Elói

ELÓI SAIU DOS MEUS SONHOS DE MENINO PARA ABRAÇAR-ME

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Felipe de Lima | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Francisco Chagas Eloi, o querido Elói, foi uma das principais referências de craque que tive na adolescência. Seria facilmente, hoje em dia, um dos melhores jogadores do planeta, e falo isso com inteira e destemida convicção. Foi um meia magistral, de toques e dribles geniais. Lançamentos, então, Deus me livre… era um assombro.

Lá pelos meus 10 ou 11 anos de idade, tive um botão galalite “ratinho” (por ser bem miúdo) que batizei de “Elói”. Era um dos meus preferidos. A base era vermelha e a parte superior dourada, em madrepérola. Uma beleza. Dourada como os indefectíveis cachos parafinados do Elói. Aliás, que meio de campo ele formou no Botafogo, em 1985, ao lado dos também parafinados Alemão e Berg. Imagine estes três jogando juntos hoje. Haveria meia de cancha melhor que essa? Duvido. E que gol foi aquele que Elói fez no Vasco, em 1985? Minha Mãe do Céu, o cara amaciou a pelota no peito, e sem deixá-la cair ajeitou-a no ar para chutá-la contra o gol do pobre arqueiro vascaíno. Fogão 3 a 1, dois do Elói e um do Alemão.


Agora, imagine minha emoção por estar lado a lado com um dos caras que mais admirei no futebol quando garoto? Isso aconteceu um dia desses, na praia do Recreio, no Rio. Acompanhado dos amigos Sergio Pugliese e Daniel Planel, estávamos os três sob um sol de arder o quengo, mas extasiados porque batemos um papo com o Elói. Foi demais.

Quantas histórias o craque contou pra gente, algumas hilariantes. Da pá virada. E mais: fomos privilegiados por vê-lo disputando uma partida de futevôlei. Vá jogar assim lá na casa do cacete! O cara faz da bola o que bem entende.

Elói, que nasceu no dia 1º de fevereiro de 1955, em Andradina, interior de São Paulo, está hoje com a vida mansa. Fez da carreira um respeitável cartão de visita para a posteridade. Quem conhece seu retrospecto de craque sabe que está diante de um camarada que conhece futebol de trás para frente.

Nos tempos de jogador, pode-se de dizer que foi um verdadeiro andarilho. Rodou por clubes do Brasil e do exterior. Em São Paulo, arrebentou jogando pelo Juventus, Portuguesa de Desportos (quem não se lembra da figurinha do Futebol Cards…), Inter de Limeira e Santos. Mas foi no futebol carioca onde mais se destacou.

Vestindo o manto rubro do meu, do nosso América, Elói conquistou um dos títulos mais emblemáticos troféus da carreira dele: o de Campeão dos Campeões, em 1982, pra cima do Guarani, na final. Naquele mesmo ano, ele foi fundamental para a conquista da primeira edição da Taça Rio, o segundo turno do campeonato carioca. O América não levou o campeonato estadual, mas Elói entrou para a história do clube como um de seus maiores ídolos.

O meia fez sucesso também com a camisa do Ceará ao participar da inesquecível campanha do vice-campeonato da Copa do Brasil, em 1994. Os cearenses acabaram derrotados na decisão pelo o Grêmio, de Luiz Felipe Scolari. O “Vovô” fez, porém, uma grande campanha eliminando pesos pesados do futebol brasileiro, como o todo poderoso Palmeiras bancado pela Parmalat e o Internacional.

Elói também perambulou no futebol italiano, de 1983 a 1985, e no de Portugal, de 1985 a 1987. No Genoa, se destacou, mas poderia ter sido mais efetivo por lá se não fossem as “panelinhas” montadas pelos jogadores nativos. A inveja, definitivamente, é uma merda. No Porto, a “panelinha” se formou, mas não foi tão efetiva quanto a dos italianos.

Pelo clube lusitano, Elói foi campeão foi campeão nacional, venceu uma Supertaça de Portugal e participou da campanha até à final da Taça dos Campeões Europeus. Poderia ter disputado a final da competição máxima do Velho Continente, mas, inexplicavelmente, Elói, que era respeitado pelo treinador Artur Jorge, rescindiu o contrato com o Porto. Mesmo assim, foi um jogador decisivo para que o clube português conquistasse o campeonato europeu. Era um time extraordinário que, meses depois, seria campeão mundial interclubes após derrota de 2 a 1 o Penãrol. Elói, que passou rapidamente pelo também português Boavista, viu de longe a festa dos ex-companheiros do Porto.

Mas a vida é assim mesmo. Um dia a gente acerta; no outro quebra a cabeça; levanta-se, e segue adiante. Mas com o Elói: o cara sempre se levantou com uma elegância e luz que só os craques ostentam. Um ídolo do América… e do meu time de botão, onde formou um quarteto avassalador com “Roberto Dinamite”, “Zico” e “Sócrates”. Que sonho lindo de menino. Mas sonhos podem se tornar realidade. Certo dia, o meu craque de botão surgiu diante de mim e abraçou-me.