CANSEI DE ESPERAR O BRASIL MUDAR
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Os amigos já devem ter percebido que hoje fala-se mais de arbitragem do que futebol. Ontem à noite assistia mais uma dessas mesas-redondas sonolentas e ouvia um comentarista pedindo paciência porque o VAR ainda está se ajustando. Sou botafoguense e esperei 21 anos por um título.
Sinceramente, cansei de esperar, mas cansei mesmo. Desde os anos 70, em plena ditadura militar, ouvia dizer que a situação do país iria melhorar, que o Brasil era o país do futuro. Lembro até de uma canção curtinha dos “Incríveis”, que virou febre na época: “Este é um país que vai pra frente, ô ô ô ô ô, de uma gente amiga e tão contente, ô ô ô ô ô, este é um país que vai pra frente, de um povo unido de grande valor, é um país que canta trabalha e se agiganta, é o Brasil do nosso amor”.
E o que mudou? Hoje temos políticos corruptos presos, políticos caricatos soltos, políticos nos pedindo paciência porque o Brasil vai mudar. Quando criança vi minha mãe, negra, sofrer com preconceito, várias vezes me mandaram entrar pela porta dos fundos dos prédios e, profissional, vi parceiros de time, também negros, proibidos de entrar em restaurantes, no Sul. Sofria demais com aquilo, botava a boca no mundo, e o pessoal pedia calma: “O mundo vai mudar, PC!”.
Mas, peraí, estou vendo agora na tevê um grupo de torcedores do Inter confirmando que meus amigos estavam errados e que o racismo continua imperando nos estádios, em nossas vidas. Talvez tenha piorado porque nem mulheres e crianças escapam desse ódio. Vivemos esperando, esperando. Ouve-se de tudo, que o Neymar vai amadurecer, que a seleção do Tite vai engrenar e que a minha aposentadoria vai sair.
Vocês não sabem, mas minha aposentadoria foi embargada pela Justiça sob a alegação de que estou bem de vida. Não vou entrar em detalhes aqui, mas esse país precisava ser analisado pelo VAR. De repente, ele manda voltar tudo, recomeçarmos do zero.
Estou na minha sala sintonizado no Canal Viva esperando “Os Trapalhões” começar. Eles ainda me divertem. Estava assistindo São Paulo x Chapecoense, mas mudei de canal quando o comentarista disse que “o São Paulo estava obrigando a Chap a quebrar a bola…”. A bola virou pedra, Kkkkkkkk! Acho que para passar o tempo, refrescar minha cabeça, vou escrever o “Dicionário do Futebolês, a Linguagem do Futebol Moderno”.
Quebrar a bola acabou de entrar na minha lista! Também tem a ligação direta, que na minha época era uma forma de roubar carro, volante, que antes encontrava-se nas casas lotéricas, peças de reposição, comprovando que os jogadores viraram robôs, leitura de jogo, orelha da bola, bochecha da rede, jogador de beirinha, de lado de campo, entre tantas outras pérolas. Aceito sugestões! Claro que o dicionário terá um capítulo reservado às expressões do professor Tite.
Começou “Os Trapalhões”! Preciso dessa paz, dessa pureza, preciso acreditar que esse é um país que vai pra frente, ô ô ô ô ô.
DJALMA SANTOS, MASOPUST… QUANDO O TEMPO JAMAIS APAGARÁ O CARINHO
por André Felipe de Lima
“O menino pobre tinha um sonho. Todo menino sonha. Uns querem ser médico, outros advogados, alguns escolhem, contudo, as profissões mais improváveis. E aquele menino tinha um anseio pouco comum. Queria ser aviador. O pai, Sebastião dos Santos, chefe de uma família modesta, com parcos recursos financeiros, sugeria outra carreira para o garoto, alertando-o para a vida difícil que ronda a porta de quem é assalariado no Brasil. “Militar é melhor, filho”. O menino fazia ouvidos moucos. Toda a vez que olhava para o céu imaginava-se no comando de um jato. Mas se o devaneio insistia, ele acordava. Ecoava a voz do pai. Ademais, tinha mais um sapato para consertar e nada de perder tempo.
“O menino sobre o qual escrevemos foi sapateiro. Quando não mexia com sapatos, vendia pipoca em portas de circo. Trabalhava de forma incansável, apesar da bronquite crônica decorrente de uma pneumonia, para juntar um dinheirinho e pagar, quem sabe, o tão acalentado curso de aviação.
“Em meio a uma montoeira de sapatos, o menino feriu a mão direita. Não podia ser mais sapateiro e tampouco piloto. O sonho, já muito longínquo, tornou-se impossível. Acabou. E foi regozijar-se jogando bola no time de várzea chamado Internacional, o da Parada Inglesa, bairro da zona norte paulistana. Gostava de jogar bola, mas não tinha nenhuma pretensão quanto a isso. Nunca se imaginou no gramado de um estádio de futebol. Seu sonho era o céu. Mas não deu.”
O trecho acima é parte da biografia que escrevi do Djalma Santos, o maior lateral-direito da história do Palmeiras e, para muitos, da seleção brasileira. Tive o prazer de entrevistá-lo, na tarde de 24 de junho de 2012, em São Paulo, para o documentário “Simplesmente passarinho”, que narra a vida de Garrincha, mas que, infelizmente, está paralisado por falta de apoio cultural. Mas essa é uma outra história. O que importa recordar agora é o papo delicioso ao lado de cinco craques da antiga Tchecoslováquia, dentre eles Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.
Foi tudo inusitado. Eu e minha esposa, a jornalista e pesquisadora Suellen Napoleão, havíamos agendado com o cônsul da República Tcheca uma entrevista exclusiva apenas com os antigos craques tchecos para o filme. Antes do papo oficialmente gravado para o cinema, conversava com o maior deles, Masopust, obviamente com a ajuda de um intérprete, no saguão do hotel, quando olho para a entrada do recinto, percebo a chegada de Djalma Santos. Uma incomparável emoção. Pedi ao Masopust que aguardasse um pouco, pois havia uma surpresa para ele. Abordei Djalma e disse o mesmo para ele. Quando os coloquei um diante do outro, abraçaram-se imediatamente. Ficaram ali, diante de mim, abraçados uns seculares e indefiníveis 10 segundos. A cena foi uma das mais bacanas que presenciei durante minha jornada com ídolos do futebol. Ambos não se viam desde o dia 17 de junho de 1962, ou seja, desde a data da final da Copa do Mundo de 1962. Um elogiou o outro efusivamente e recordaram alguns minutos antes da entrevista a final daquela Copa. Confessaram-se muito emocionados com o reencontro. Djalma fitou-me os olhos e disse o seguinte para mim, e isso jamais esquecerei: “A amizade não tem fronteiras… muito menos as do tempo”. O que pensar, meus amigos, após o generoso gesto de um ídolo como Djalma? Chorei solitário e silenciosamente.
Djalma foi uma simpatia. Conversou bastante comigo e Suellen após a entrevista. Parecia querer permanecer ali, conosco, recordando o monstro sagrado que foi (permanece sendo!) do futebol.
Bicampeão mundial em 1958 e 62, Djalma Santos foi um jogador magistral. O grande ídolo vivia em Uberaba, no interior de Minas Gerais, ao lado da esposa, Esmeralda. Após a aposentadoria, escolheu a cidade mineira como retiro porque a primeira esposa, já falecida, tinha primas que moravam em Uberaba. Sempre que podia, Djalma passava férias por lá.
Coordenou por 11 anos o projeto “Bem de Rua, Bom de Bola”, em que participavam mais de 4 mil crianças da região. Tudo funcionava bem até o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, assumir a Prefeitura local. “O projeto foi desfeito por causa desse negócio de política. Não gosto de me meter, não sou de lado nenhum, sou de Uberaba. Mas acabou por quê? Para não deixar lembrança do antecessor”. Apesar do fim do projeto social, Djalma continua trabalhando com crianças, como monitor de esporte de núcleos de treinamento mantidos pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Ser treinador sequer passou pela sua mente. “Meu caráter não dá para isso. O treinador precisa ser cara-de-pau.”
Todo domingo Djalma Santos levantava às sete da manhã, calçava chuteiras e dirigia o carro por um percurso de cinco quilômetros, de sua casa, na rua Martim Eminato, no bairro de Tassio Rezende, até o Uberaba Country Club. Ele e mais outros veteranos participavam de uma pelada dominical sagrada. “A gente fica só chutando. Depois do jogo, a gente assa um peixe, toma cerveja e joga um baralhinho”. E o Djalma Santos? Como sempre, inteirinho da Silva. Mas no dia 23 de julho de 2013 —exatamente o aniversário da minha esposa e companheira Suellen Napoleão — fomos surpreendidos com a partida do carinhoso Djalma para o céu, onde o craque, sem dúvidas, guarda um lugar cativo no rol dos deuses do futebol.
VÍDEOS
CONHEÇA A HISTÓRIA DO JOGADOR DJALMA SANTOS
http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/mgtv-1edicao/videos/v/conheca-a-historia-do-jogador-djalma-santos/2712959/
Homenagem ao bi campeão Djalma Santos
TV CULTURA/ UMA ENTREVISTA MUITO BACANA AO LADO DE VAVÁ E GILMAR
SEU LÉO
por Leandro Costa
O mês de Julho é recheado de datas marcantes para quem gosta do velho esporte bretão. No dia 19, comemoramos o Dia Nacional do Futebol. Essa mesma data marcou a estreia oficial de Garrincha com a camisa do Botafogo, no ano de 1953, vitória por 6×3 contra o Bonsucesso com direito a 3 gols do Mané. Obra dos Deuses da bola essa “coincidência” de datas. Ontem, dia 22, uma lenda viva do jornalismo esportivo completou 87 anos. Estamos falando de João Baptista Bellinaso Neto, conhecido como Léo Batista. O pseudônimo Léo veio da sua irmã Leonilda. João se apropriou do “Léo”. E qual a relação desses fatos? Eu diria que é total e absoluta.
Seu Léo se orgulha de ter transmitido a estreia de Mané em General Severiano. Botafoguense declarado, nunca precisou esconder sua paixão pelo alvinegro para ser respeitado por todas as torcidas. Oriundo de uma geração de jornalistas que não tinha a necessidade de se auto afirmar como isento, conquistou naturalmente a confiança do público pois nunca distorceu os fatos.
Em 1954, entrou para história ao ser o primeiro radialista a noticiar, pela Rádio Globo, o suicídio de Getúlio Vargas.
A voz marcante de Léo Batista nos remete às nossas melhores memórias afetivas. Quem não associa o jornalista a momentos da infância, adolescência ou juventude? Seu Léo marcou gerações apresentando o Globo Esporte, que chegávamos correndo do colégio para ver enquanto segurávamos nossos pratos em frente a TV na hora do almoço. Nos remete também aos gols do Fantástico, a tradicional tabelinha com a Zebrinha ou as manhãs de domingo na apresentação do Esporte Espetacular.
Léo foi homenageado pelo Botafogo no último domingo, recebeu uma camisa personalizada do clube e agora dá nome a uma das cabines de imprensa do estádio Nilton Santos. Bela iniciativa de reconhecimento a quem ao longo de mais de 70 anos de carreira ajudou a contar a história do esporte. Parabéns, felicidades e vida longa ao Seu Léo!!
AINDA MENDONÇA E O SHOW PARTICULAR DO CRAQUE QUE NOS DEIXOU
por Luis Filipe Chateaubriand
Continuemos com as homenagens ao recém falecido Mendonça, que as merece amplamente!
Em 1987, o craque jogava no Santos. Em um Corinthians x Santos, pelo Campeonato Brasileiro daquele ano, o Timão meteu categóricos 5 x 1 no Peixe.
Apesar da derrota humilhante, o personagem do jogo foi Mendonça!
Quando o Corinthians já vencia por 5 x 0, um atacante santista foi derrubado. Pênalti para o alvinegro praiano.
Mediante a catimba do goleiro Waldir Peres, algo bastante corriqueiro em se tratando de tal goleiro, o pênalti demorou para ser cobrado.
Enquanto se esperava para bater o pênalti, os membros do banco santista jogaram pedrinhas de gelo para Mendonça, o cobrador – possivelmente para hidratação ou para passar em algum machucado.
O que se seguiu foi algo impressionante!
Mendonça pegou uma pedrinha de gelo… e começou a fazer embaixadinhas com ela!
Leitor, já parou para pensar o quanto é difícil fazer embaixadinhas com pedrinha de gelo???
A boa técnica nos diz que, quanto menor é objeto das embaixadas, mais difícil é fazê-las. Só consegue fazer embaixadinhas continuadas em objeto pequenos – como tampinhas de garrafas, rolhas, pequenos cubos, moedas e pedrinhas de gelo – que tem muita, mais muita, habilidade para jogar futebol.
Mendonça não fez poucas embaixadinhas com a pedrinha de gelo, foram muitas. E, não satisfeito… ainda concluiu em gol com a mesma pedrinha de gelo!
Um show à parte.
Quando, finalmente, foi bater o pênalti, uma cobrança cheia de categoria, no canto esquerdo do goleiro e à meia altura. Waldir Peres para um lado, bola para o outro.
E pensar que um cara como esses, jogando essa bola toda, sequer era convocado para a Seleção Brasileira. Eram outros tempos, com fartura de craques e futebol de encher os olhos!
Mendonça morreu! Viva Mendonça!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebolhá 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
DE PRIMEIRA
por Rubens Lemos
O Botafogo foi assaltado escandalosamente nas semifinais do Brasileirão de 1981. O árbitro Bráulio Zanoto (PR) tungou o bravo time comandado por um criativo em solidão. Mendonça simbolizava a poesia de um amante não correspondido. Jogava demais, ganhava nada. Seguia em sua marcha elegante de obstinado.
A morte de Mendonça, quixote do jogo sofisticado, doeu na alma. Vi Mendonça jogar e ele entra na galeria daqueles injustiçados de olhar triste e destino idem. Mendonça acendia a estrela solitária nos caquéticos anos de jejum.
Morumbi, 26 de abril de 1981. Botafogo havia vencido a primeira no Maracanã por 1×0 e jogava pelo empate num terreno hostil. Mataram um torcedor do Botafogo no ônibus da torcida.
O estádio fervilhava com 100 mil pessoas. O São Paulo de Getúlio, Oscar, Dario Pereyra, Marinho Chagas, Renato Pé-Murcho e Zé Sérgio era chamado de “Máquina Tricolor” e, na teoria, único a encarar o Flamengo de Zico.
Do Flamengo, cuidou Mendonça, destroçando a soberba rubro-negra com um drible gafieiresco sobre Júnior e um chute venenoso que matou Raul. Botafoguenses de catacumba vestiam suas camisas mofadas de tristeza. Alegria de naftalina, cantando o passado, como fazemos hoje nós, os vascaínos.
A pressão do segundo jogo contra o tricolor não assombrou o Botafogo de Mendonça. Que fez 1×0 e chegou ao segundo com ele, batendo em simetria com o quicar da bola, após cruzamento do falecido lateral Perivaldo.
Mendonça bateu de primeira. Jogar de primeira é arqueologia de pelada de rua, campo de várzea, morro em desafio íngreme. Mendonça era de primeira.
O árbitro começou a autópsia do Botafogo ao validar gol mandrake de Serginho Chulapa, aquela aberração da Copa de 1982. Depois, um pênalti escalandoso levou o São Paulo ao empate. Mais gol e a luta desigual do Botafogo acabaria.
Foi quando um meia chamado Ewerton, ao aproveitar um rebote da defesa sufocada do Botafogo, encheu o pé, de peito, bola direto no ângulo do goleiro Paulo Sérgio. Ewerton bateu de primeira, garantindo lindamente uma vitória injusta de 3×2.
De primeira, primeiríssima. Júnior bateu contra a Alemanha Ocidental em 1982 recendo de Adílio, o Neguinho da Cruzada, num Maracanã lotado e explodindo como orgasmo dos amores impactantes.
Mendonça, Ewerton, Júnior, Bebeto contra a Argentina, de voleio e corpo suspenso no ar, Romário contra a Holanda, 1994, trocando a mira do pé em pleno voo baixo, Zico e Roberto Dinamite, foram mestres da alegria inesperada. De repente, de bate-pronto, sem ensaio, sem expectativas.
A vida só vale pena se for de primeira. Jogar (e arrematar) de primeira é arte, feitiço, encanto. Que só os craques sentiam sem pressentir, pois neles o coração se transformava em petardo. Indefensável.