SILVA E O SEU TALENTO NATO
por Pedro Barcelos
Foto: Alex Ribeiro
Semana passada, durante o futebol dos fumantes, na Barão do Bom Retiro, Grajaú, um daqueles momentos cruciais na vida de uma partida aconteceu. O jogo, péssimo como de costume, não valia nada. O coroa do xadrez na mesa de concreto nem ameaçou espiar os jovens atletas, visto tamanha desenvoltura com a redonda. Mas não foi sempre assim, os velhos já foram felizes. Antes, o risco de uma bolada atrapalhar seu sossego era nulo.
Fato é que no meio da batalha, Marquinhos, de colete azul, dispara: “o Silva tem um talento nato”, e, para mim, aquilo foi uma porrada. Sim, às vezes, diante de tamanho absurdo, o tempo para. São os três segundos após o soco acertar o estômago. E fiquei refletindo: “talento nato”… o que significava aquela profecia?
Uma concepção sartriana do futebol? Ou apenas uma redução existencial e gratuita da vida do atleta? Uma visão de que sua capacidade esportiva estivesse umbilicalmente ligada ao sofrimento de parto da senhora Silva, sua estimada mãe, me assombrou. Alguém gritar “impedimento” no meio daquela partida teria sido menos acachapante para todos os presentes.
Tal frase, proliferada diariamente nos veículos midiáticos que tentam falar sobre futebol, não causa tanto impacto. Falar isto para Garrincha, Zidane e Messi não gera surpresa; eles, de fato, têm algo de sobrenatural. Mas vale lembrar que Marquinhos, parente longínquo de Nostradamus, proliferou tal sacrilégio ao Silva, jogador da pior espécie que torcemos todos os dias para que a seleção natural impeça seus descendentes de seguirem a mesma carreira…
Posto isto, minha inquietação não acabou. Parado, no meio da quadra, pensava sobre as possibilidades irreais de tal acontecimento cósmico ser possível. Qual a ligação entre os talentos natos e o dito “futebol de índio”? Suas virtudes futebolísticas vinham do mesmo acontecimento cósmico? Silva, sem dúvida, não apresenta um futebol europeu de primeira grandeza, mas sua vida estar atrelada às suas capacidades em quadra seria um dano para toda a sociedade…
Perdido nos pensamentos, vi Silva receber a bola pela esquerda. O marcador, que ainda carregava aceso seu cigarro, não conseguiu acertar o bote e Silva saiu na cara do gol. O goleiro, com aquela certeza própria dos ignorantes, não pensou duas vezes: saiu para quebrar a perna do pobre atacante. A falta de coordenação motora do Silva é tanta que o torna um jogador imprevisível.
Quando todos tinham como certo que assistiríamos a primeira aposentadoria do futebol dos fumantes, com direito a indenização médica, Silva chuta, marca e ainda foge da tentativa de homicídio do goleiro. Ainda no centro da quadra, afirmei para mim mesmo: “é, o Silva tem um talento nato”.
Saí da quadra, comprei uma cerveja, acendi meu cigarro e parei para admirar o término da partida. Coletes azuis 5, coletes verdes 3.
O MENINO QUE NÃO GOZAVA
por Zé Roberto Padilha
Era uma vez um país do futebol. Nele, a maioria das crianças ganhava de presente uma bola de meia. Que virava de plástico na medida em que cresciam, depois no Natal a dente-de-leite, até alcançarem a maciez de uma toda revestida de couro. E a levavam para jogar com amigos em terrenos baldios próximo de casa. Felizes toda vida, cortavam bambus, erguiam traves e demarcavam o alvo da cobiça. Quem conseguisse colocá-la no fundo das redes que as avós costuravam, esse era o segredo, tinha até um goleiro à sua frente para dificultar, dariam um grito de gol. Do orgasmo pleno com que passaram a infância e a adolescência jogando futebol.
Neste país, um menino atrevido, de Três Corações, foi coroado Rei porque alcançou o orgasmo 1.286 vezes. O gol, neste país encantado, era o grande momento, a sublime relação de um menino, um campo e uma bola de futebol.
Mas como todo conto de fadas a estragar e a envenenar a maçã, tinha um garoto mau. Que chutava de canela, sempre esteve na reserva e jamais sentiu o prazer de colocar uma bola no fundo de uma rede. Por vingança, virou cartola. Tão ruim e determinado, alcançou a presidência da FIFA. E não sossegou enquanto não inventou uma camisinha suíça para revestir a bola. E a batizou de VAR.
Antes, para sentir o sublime prazer, bastava um olhar furtivo pro bandeirinha e sair a dar um soco no ar. Agora, com o freio de mão puxado, a espera que sua relação seja revista pelos país, avós e tias monitorando o ato em uma sala fria e calculista, nem o Gabigol goza mais quando marca.
O menino mau, que nunca gozou mas fala inglês arranhado e sabe fazer chocolate suíço, acabou com o prazer de um país de amar e jogar futebol.
LICO, A CEREJA DO BOLO DO FLAMENGO DE 1981
por Luis Filipe Chateaubriand
O incrível time do Flamengo de 1981 vinha sendo formado desde 1978, época em que o antológico gol de Rondinelli deu o título carioca ao rubro-negro.
Era, já em 1981, um time fortíssimo, encorpado, quase pronto. Só que faltava o ponta esquerda.
Júlio César, o lendário Uri Geller, havia ido jogar na Argentina, depois de levar muitas botinadas de zagueiros limitados e violentos.
Baroninho, o ponta esquerda que veio do Palmeiras, chutava forte, mas não ajudava na marcação e não oferecia opções táticas.
Adílio, gênio da bola, jogava bem por ali, mas preferia atuar como meia direita, onde rendia mais.
Mas eis que Paulo Cesar Carpegiani, o craque recém aposentado – primeiro, auxiliar do técnico Dino Sani, depois, o próprio técnico da equipe – descobriu a solução no próprio elenco.
Lico, que havia chegado do Joinville de Santa Catarina no ano anterior, era um meia / atacante versátil, insinuante, dinâmico, capaz de jogar em vários setores ofensivos de uma equipe.
Com sua versatilidade, ganhou a vaga na ponta esquerda, no lugar de Baroninho.
Atuava muito bem por aquele setor, mas não somente por ali. Revezava com Tita, indo para a direita e o outro, para a esquerda. Revezava com Adílio, indo para a meia e o outro, para a esquerda. E revezava até com Zico, metendo bolas para este, e recebendo bolas deste, quando, nas palavras de Armando Nogueira, o “arco e flecha” recuava.
A entrada de Lico no time deixou atordoadas as defesas adversárias, pois a movimentação dos rubro negros deixava zagueiros, laterais e volantes oponentes sem saber quem acompanhar, quem marcar.
A verdade é uma só: A entrada de Lico na formação titular arrumou o time, seja taticamente, seja em talento, seja até em consistência defensiva, pois, ao contrário de Baroninho, também ajudava na marcação.
Não é à toa, portanto, que, em livro que escreveu sobre sua vida, Zico, ao se referir a Lico, o lista entre os cinco maiores jogadores da história do Flamengo. Afinal, ele arrumou aquele time, foi a chamada cereja do bolo.
Pelo brilhante trabalho que Lico desenvolveu em 1981 e na primeira metade de 1982, não seria absurdo Lico jogar pela Seleção Brasileira a Copa do Mundo daquele ano. Telê Santana, no entanto, preferiu Éder, um ponta esquerda muito habilidoso, mas nulo taticamente, ao contrário de Lico.
Uma coisa é certa: a amarelinha cairia bem no catarinense que moldou a última versão do melhor time de futebol que este escriba viu jogar!
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
AS MESAS QUE DESINFORMAM
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Em muitos de meus textos culpo a imprensa esportiva pela decadência moral de nosso futebol. Os jornalistas são bairristas, criam falsos heróis, incentivam a retranca e são desinformados. Nem falo sobre os comediantes. Fico zapeando pelo simples fato de não conseguir parar em nenhuma mesa-redonda.
Ontem, por exemplo, tive que ler e reler aquela chamada que fica na tela enquanto os “especialistas” vão despejando bobagens: “Corinthians mantém invencibilidade. Time de Fábio Carille não perdeu após a Copa América”.
Peraí, Kkkkk!!! Vem cá, o Ceará empata após estar perdendo de 2×0 e no último minuto acontece um gol olímpico, de trivela, e o destaque é a invencibilidade do Corinthians?
Isso é vergonhoso! No mínimo, a postura covarde de Carille deveria ser questionada. Semana passada, os jornais também destacaram Botafogo sem água e Vasco sem luz. Flamengo, só alegria! Será que o Flamengo já pagou as indenizações dos meninos mortos no CT? Está com o INSS em dia? Não tem ações trabalhistas pendentes? Esse desequilíbrio nas coberturas beira a covardia.
Mas o bom é que a imprensa está tendo que engolir dois técnicos estrangeiros na liderança do campeonato. Eu adoro e torço, mas torço muito! Não querem que eu torça para Mano no Palmeiras, né! Igualzinho a Felipão e sendo salvo pelo bom de bola Scarpa, que já já volta para o banco. Que golaço do Rafael Vaz. Gosto dele!
Já disse aqui que gosto de Rogério Ceni como técnico, mas agora ele sente na pele o que já fez muito no São Paulo, tentar derrubar técnicos. Faz parte da trajetória e aquela panela cruzeirense precisa ser desestabilizada.
Ceni não é bobo e já identificou os personagens principais. Eu também já fiz campanha para derrubar “professor” e Paulinho Almeida não suportou a pressão. Queria mudar o horário de treinamento, chegou cheio de novidades e dançou, Kkkk!!!!
E a seleção do Tite? Meu Deus, nenhum esquema tático. Mas para que esquema se ele aposta todas as suas fichas em Neymar. E só nele. E ainda sou obrigado a ouvir ele atestando que Neymar é imprescindível. Ninguém é imprescindível, ainda mais nessa seleção.
Futebol é coletivo e sempre será. Imagina se Zagallo pensasse assim na escalação de 70? E em 58 quando Pelé saiu Amarildo resolveu. Ele não estava na Copa América e quando esteve não resolveu.
Claro que é um craque, mas se Phillippe Coutinho estivesse três meses sem jogar será que seria convocado? Nossa seleção continua sem cara, mas a imprensa segue maquiando essa mesmice, tentando nos vender gato por lebre. Eu não compro.
Enquanto isso, sigo com o controle-remoto, meu fiel escudeiro, o parceiro tecnológico que muda de canal assim que se iniciam as coletivas. Ele vive me poupando. Imprescindível para mim só o controle-remoto, o resto é o resto.
O FUTEBOL VIROU UMA ETERNA SEGUNDA-FEIRA
por Mateus Ribeiro
Quando eu era moleque, uma das razões da minha existência era meu time do coração. Eu vivia para estudar e assistir futebol, principalmente jogos do meu time. A relação entre eu e meu time era algo que me fazia sentir dois extremos: se vencia, eu era a pessoa mais feliz do mundo; se perdesse, eu me tornava um demônio.
Porém, com o tempo, fui aprendendo a desviar a tristeza e as dores da derrota utilizando o que chamamos de “migué”. Pois é, eu sempre tinha uma conversa fiada para utilizar na segunda-feira quando meu time perdia no final de semana. Invariavelmente, eu falava que “jogamos melhor”, que o juiz havia prejudicado ou arrumava qualquer culpado. Falava e fazia de tudo, mas jamais assumiria em praça pública que o adversário fez por merecer a vitoria.
Desde aquela época, eu era uma pessoa sensata o suficiente para saber que apenas uma coisa decide o futebol: o gol. Acredite se quiser, mas a bola na rede ainda vale mais que qualquer outra coisa no esporte bretão.
Saindo um pouco da máquina do tempo, voltemos ao maravilhoso ano de 2019. Eu já não acompanho futebol mais com tanto afinco, por achar que tudo hoje está uma tremenda chatice, principalmente no que se refere ao debate. Vamos supor que você aí do outro lado do monitor passou vinte anos dentro de uma bolha e resolveu assistir alguma mesa redonda. A chance de você achar que as regras mudaram é enorme. Afinal de contas, a vitória deixou de ser a principal razão do jogo.
A posse de bola e o insuportável conceito de jogo se tornaram a menina dos olhos da crônica esportiva. Obviamente, esse comportamento que beira o patético, chegou até o torcedor, que estufa o peito para falar sobre as “ideias de jogo”. Por sinal, essas tais ideias raramente são destrinchadas pelos entendidos, a não ser quando se utilizam da tecnologia para congelar UM lance da partida para tentar explicar como um time joga.
A vitoria não vale mais nada. O importante é saber falar para se justificar. Nenhum time precisa mais vencer, já que mais vale perder e ter a bola do que cometer o crime hediondo de ganhar “jogando feio”, lembrando que feio mesmo é achar que ficar tocando bola pra goleiro e zagueiro resolve alguma coisa.
Quando eu justificava minhas derrotas falando de forma vazia que meu time havia jogado melhor, jamais imaginei que depois de vinte e poucos anos isso se tornaria padrão para algus profissionais da bola, desde jogadores até palpiteiros.
De fato, o futebol virou uma eterna segunda-feira. Chato, cheio de desculpas e pautado em bobagens sem importância cometidas nos dias anteriores.
Um abraço e até a próxima!